quarta-feira, 28 de abril de 2004

Guiné 63/74 - P3: Excertos do diário de um tuga (2) (Luís Graça)




Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca > Abril de 1997 > O obus de Bambadinca... Vestígios da guerra colonial: uma peça de artilharia (obus de 140 mm) abandonada pelos tugas. (Foto reproduzida  gentilmente autorizada pelo Frederico Amorim.  vd. O Mundo de Fred).

Foto (e legenda); © Frederico Amorim (1997). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Os termos IN (abreviatura de inimigo) e NT (nossas tropas) são aqui usadas, de acordo com os usos e costumes castrenses da época em referência (Julho de 1969 a Fevereiro de 1971). Muito em particular, o termo IN não tem qualquer conotação negativa. 

É apenas um termo técnico usado, por comodidade minha, para designar as forças (a guerrilha do PAIGC, hoje partido político da Guiné-Bissau) que combatiam pela independência do território (bem como das Ilhas de Cabo verde), contra as tropas portuguesas (as NT).
Em 1969/71, o triângulo Bambadinca-Xime-Xitole correspondia, grosso modo, ao Sector L1 da Zona Leste da Guiné (que estava dividida, por sua vez, em cinco sectores, abrangendo o chão fula, ou seja, a região tradicionalmente habitada pela população de etnia fula e futa-fula).

Coincidindo basicamente com a charneira Rio Geba / Rio Corubal, este sector era de vital importância para as comunicações fluviais e terrestres da Zona Leste. O Rio Geba era navegável até ao Xime (LDG - Lanchas de Desembarque Grandes, da Marinha Portuguesa) e Bafatá (embarcações mais pequenas, em geral civis). Depois do Xime o Rio Geba estreitava e serpenteava ao longo do território, tornando-se a segurança fluvial mais difícil, em particular na temível zona do Mato Cão.

Na época, as ligações (e sobretudo o transporte de homens e material) entre Bissau e a Zona Leste (Xime, Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego/Gabu, Pitche) eram feitas ou por via aérea ou por barco (até ao Xime) e depois, por terra, em colunas militares e com um forte dispositivo de segurança.

Entretanto, o único percurso relativamente seguro, no Sector L1, era a estrada (asfaltada) de Bambadinca-Bafatá. O Rio Corubal, por seu turno, estava interdito à navegação, sendo controlado pela guerrilha do PAIGC, em toda área compreendida pelo Sector L1 (desde o seu estuário até ao Saltinho). O Rio Corubal, com cerca de 400 km. de extensão, nasce no maciço do Futa Djalon, na Guiné-Conakry, e vai desaguar no estuário do Rio Geba.

No triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, as NT só chegavam à margem esquerda do Rio Corubal quando iam reabastecer o Saltinho, o famoso Saltinho, de grande importância estratégica, já que a sua ponte de quatro arcos, construída em 1955, era o único sítio que permitia a ligação, por terra, da capital, Bissau, com o sul.

Era, além disso, um sítio pitoresco devido aos rápidos do rio que lhe deram o nome. Só por ocasião de grandes operações, como a Operação Lança Afiada, que decorreu em Março de 1969 e que mobilizou mais de 1300 homens, é que as NT podiam chegar à margem esquerda do Rio. O estratégico aquartelamento da Ponta do Inglês, na região do Xime, tinha sido, entretanto, abandonado pelas NT, ainda antes da chegada de Spínola à Guiné.

2. Em rigor, havia ainda mais duas áreas que faziam parte do Sector L1, uma a norte do Rio Geba e outra a leste da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole. A actividade da guerrilha era mais intensa e regular no triângulo Bambadina-Xime-Xitole e na área a norte do Geba, até ao limite sul da mítica zona do Oio-Morés, de matas densas, cercadas de bolanhas, e que eram um dos grandes "santuários do IN" (usando um termo do jargão miliar, omnipressente nos relatórios de operações).

Em Jullho de 1969, o dispositivo das NT no Sector L1 era o seguinte:

(i) Comando e Companhia de Comando e Serviços do BCAÇ. 2852 (Bamdabinca) (a partir de Julho de 1970, BART 2917);

(ii) Forças de intervenção (Bambadinca): CCAÇ. 12; Pelotão de Caçadores Nativos 53 (a partir de Junho de 1970, Pel.Caç. Nat. 52);

(iii) Subunidades em quadrícula: CCAÇ 2520 (Xime), 2339 (Mansambo) e 2413 (Xitole), substituídas em Junho de 1970 pelas CART 2715, 2714 e 2716, respectivamente.

Se considerarmos ainda o Pelotão de Cavalaria Daimler (Bambadinca), os Pel. Caç. Nat. 52 (Missirá) e 53 (Fá Mandinga), além das forças militarizadas (pelotões de milícias aquarteladas em Taibatá, Dembataco e Finete, excluindo a população fula armada nas tabancas em autodefesa), a nossa força poderia ser estimada em cerca de 1250 homens em armas, o que nos dava uma vantagem , em relação à guerrilha do PAIGC, de talvez cinco para um (vd. GRAÇA, L. - Documento: Guiné 69/711: subsídios para a história da africanização da guerrra (conclusão). O Jornal. 18 de Junho de 1981).

Haveria ainda que considerar a existência de tropas especiais, aquarteladas em Fá Mandinga, embora às ordens do Comandante-Chefe. De facto, Fá Mandinga ficou conhecida sobretudo por ter sido o berço e a sede da 1ª Companhia de Comandos Africanos, a partir de inícios do ano de 1970 (vd. GRAÇA, L. - Documento: memória da guerra colonial: a tropa macaca e a elite da tropa. O Jornal.14 de Abril de 1981).

A CCAÇ. 12 era uma unidade de intervenção às ordens do comandante do Sector L1. E no período em causa (meados de 1969 e 1º trimestre de 1971), foi de facto a principal força de intervenção.

3. Nesse período, todas as posições da NT foram atacadas mais do que uma vez (com excepção de Bambadinca, Fá Mandinga, Ponte do Rio Undunduma e algumas tabancas em autodefesa nas proximidades de Bambadinca). As mais atacadas foram Xime, Mansambo, Missirá, Enxalé e todos os destacamentos de mílicias. Com muita frequência e a diferentes horas do dia e da noite. 

Embora menos vezes, também eram atacados os aquartelamentos de Xitole a Ponta dos Fulas. Os ataques podiam durar até duas horas e envolver efectivos do IN entre 30 e 200 elementos, fortemente armados.

As nossas operações em território controlado pelo IN eram geralmente efectuadas a nível de batalhão, mobilizando entre 150 e 300 homens, e contando com cobertura aérea. As colunas de reabastecimento (a Mansambo, Xitole e Saltinho) também mobilizavam importantes recursos, em homens e material. Eram particularmente penosas no tempo das chuvas.

4. No período de Julho de 1969 a Fevereiro de 1971, no Sector L1 as baixas do IN foram as seguintes:

(i) Guerrilheiros capturados: 3; população: 13;
(ii) Mortos confirmados no terreno: 13;
(iii) Mortos e/ou feridos graves estimados ou "confirmados posteriormente": 23.

Do lado das NT (nossas tropas, pertencentes ao Sector L1, sem considerar a população, nem as milícias, nem a 1ª Companhia de Comandos Africanos, nem outras tropas especiais como os paraquedistas), as baixas foram as seguintes:

(i) Mortos: 14 (2 da CCAÇ. 12);
(ii) Feridos graves (evacuados para Bissau ou Lisboa): 40 (dos quais 17 da CCAÇ. 12)
(iii) Feridos não evacuados: 9 da CAÇ. 12 (o número de feridos, ligeiros ou menos graves, das unidades em quadrícula é desconhecido). Fonte: História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971.

5. Ainda sobre a Zona Leste, convirá dizer que Spínola, o "pai dos guinéus", soube conquistar o coração dos fulas por várias vias: por um lado, reprimindo certos abusos do poder colonial (PIDE/DGS, chefes de posto, exército); por outro, mantendo excelentes relações pessoais com os "homens grandes", os chefes tribais, os régulos, os dignatários religiosos (como o famoso Cherno Rachid, de Aldeia Formos); e, por fim, promovendo o turismo religioso (por exemplo, as peregrinações a Meca).

Os fulas, tal como os mandingas, eram islamizados, contrariamente aos balantas e outros povos do litoral, que apoiavam o PAIGC. De qualquer modo, os fulas estavam condenados ao colaboracionismo por razões que tinham a ver com a história colonial, já que as autoridades portuguesas haviam feito deles, contra os restantes povos da Guiné, os auxiliares do aparelho político-administrativo (régulos, sipaios...) e militar (milícias, soldados regulares...) (Graça, L.: Documento: memória da guerra colonial: Guiné 1969/71: subsídios para a história da africanização da guerra (2). O Jornal. 29 de Maio de 1981).


Outros links de interesse (, revistos em 23/4/2020:  o editor LG  verificou que já nenhum dos links estava ativo, razão por que foram eliminadas as URL; é possível que tenham sido atualizados)


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