quinta-feira, 12 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa

Guiné-Bissau > Saltinho > Contabane > Fevereiro de 2005 > "Foto Tirada no antigo reordenamento de Contabane, hoje Sinchã Sambel. De roupa verde está a viúva do Régulo Sambel, mãe do actual Régulo Suleimane, ex-cabo do Pel Caç Nat 53. Foto tirada pelo meu filho João em Fevereiro de 2005.O Suleimane estava em Portugal, nesta data" (PS).


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Saltinho > Contabane > Pel Caç Nat 53 > 1972 > "Foto tirada quando, após tensas relações com o Lourenço (o Capitão-Proveta) (1) fui viver para Contabane. Junto encontra-se um canhão s/r 82B-10 de origem russa. Primeiramente
esta arma encontrava-se no quartel do Saltinho, tendo transitado para aquele reordenamento, após a sua construção. No quartel seria ineficaz, visto Contabane ficar no enfiamento, do outro lado do Corubal, indo na direcção da picada para Aldeia Formosa" (PS)

Fotos: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.

VIII Parte das memórias do Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72). O Paulo é natural de Águeda.

Em Abril de 71, apesar de algumas casas já prontas e ocupadas, continuava-se com a
construção do Reordenamento de Contabane.

Um fim de tarde, o Cap Clemente [, comandante da CCAÇ 2701, unidade de quadrícula do Saltinho 1970/72] chamou-me, informando-me, de seguida, ter sido recebida uma informação de grau A2 (penso ser esta a designação), prevendo um ataque ao referido Reordenamento. Uma informação com aquela classificação teria quase 90% de possibilidade de ser infalível. Havia que tomar providências, para fazer face ao previsível ataque.

Logo no início da construção tinha sido aberta uma vala de defesa. Era essa vala que deveria ser ocupada, de imediato, pelo Pel Caç Nat 53, reforçado com duas secções de um dos pelotões da CCAÇ 2701.

Assim se procedeu e, ao escurecer, estava o pessoal instalado ao longo da vala. A frente e parte lateral do Reordenamento, de onde poderia vir ataque , estava fortemente minada e armadilhada. Havia, contudo, a antiga picada em direcção a Aldeia Formosa, que por ser utilizada pelos djilas [,vendedores ambulantes, de etnia futa-fula], não se encontrava armadilhada, apenas ao anoitecer, se colocava uma granada com arame de tropeçar, perto do arame farpado, distante uns cinquenta metros da vala. O IN poderia perfeitamente utilizar aquela via, era um dos pontos fulcrais a ter em atenção e vigilância.

A tensão era elevada. O Clemente tinha-me informado que iria, entre as 18,30 e as
19,00 horas, bater a zona com o morteiro 10.7, existente no quartel do Saltinho, o que não me levantava problemas, meses atrás tinham sido bem marcados os pontos de tiro, com auxílio de um heli.

Seriam perto das 19,00 horas, ouvem-se, pareceu ali muito perto, três saídas quase
simultâneas. Cornos dentro da vala, os assobios a passar e três fortíssimas explosões logo à frente do arame farpado. Levanta-se a cabeça, mas volta-se a afocinhar, repetem-se mais três saídas e mais três explosões, ali muito perto, e ouve-se o barulho produzido por algumas chapas de zinco das casas, quando atingidas por estilhaços e arrancadas dos cibos onde estavam pregadas.

Porra para esta merda! Isto não é o 10.7, mas... serão morteiradas do IN ? Ligo através do AVP 1 para o quartel, donde me informam que a zona está a ser batida pelos obuses 14 de Aldeia Formosa e para o pessoal se manter calmo e protegido. Passo palavra a avisar da informação dada. Ainda houve mais uma meia dúzia de rebentamentos da Artilharia.

O Cap Clemente não me tinha falado nesta hipótese dos obuses, daí a nossa apreensão e cagunfa inicial. Aquelas bojardas, à nossa beira, metiam respeito.

Na manhã do dia seguinte, feito um patrulhamento, nas redondezas, não se encontraram vestígios de presença do IN, encontraram-se foi dentro do Reordenamento alguns
estilhaços, bem grandes, de granadas de obus, alguns dos quais tinham lixado paredes e chapas de várias casas.

Após esta cobertura de fogo amigo fiquei com duas certezas:

(i) Os gaijos da Artilharia eram certeiros. Enfiaram as ameixas nos locais pedidos, via rádio, do quartel do Saltinho.

(ii) Dificilmente o Reordenamento de Contabane seria flagelado pelo PAIGC, após esta demonstração de fogo. Poderia haver era um ataque ao arame, que tornava complicado, senão impossível, responder com a Artilharia.

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Notas de L.G.:

(1) Referência ao Capitão da CCAÇ 3490 (Saltinho), pertencente ao BCAÇ 3871 (Galomaro, 1971/74). Vd. posts de:

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P985: CCAÇ 3490 (Saltinho), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)


(2) Vd. posts anteriores:

5 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1564: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (7): Fogo no capinzal

13 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1424: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (6): amigos do peito da CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72)

4 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1338: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (5): estreia dos Órgãos de Estaline, os Katiusha

13 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1275: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (4): tropa-macaca, com três cruzes de guerra

19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri

13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

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