sexta-feira, 13 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1659: O Mito do Lobo Mau e as manhas do Capuchinho Vermelho do PAIGC (Vitor Junqueira)



Texto do Vitor Junqueira (Ex-Alf Mil CCAÇ 2753 , Os Barões, Bironque, K3, Mansabá, Ago 1970/ Jul 1972, residente em Pombal onde é médico):

Camarada Raúl Albino,

Acabei de ler o teu texto no Blog (1), com muito interesse, e não resisti ao impulso de acrescentar qualquer coisa da minha própria vivência como palmilhante daqueles sítios.

Começo por confirmar que, de facto, a progressão de qualquer coluna militar (apeada) naquele tipo de mata era extremamente difícil. Na maior parte das vezes, éramos mesmo obrigados a utilizar os trilhos do IN com os inerentes cuidados e perigos. Nesses trilhos ficaram muitas pernas e alguns tomates de camaradas nossos. A opção era poder ficar debaixo de fogo, encurralados sob um tecto vegetal com os corpos e equipamento enredados pelas lianas. E aí sim, eles faziam-nos a barba.

Mas se a escolha dos itinerários de aproximação era um negócio complicado que por vezes exigia horas de estudo àquele a quem calhava a fava, os trajectos de regresso ou retirada eram ainda mais difíceis de seleccionar. Aí, valia a experiência e o instinto, exclusivamente. É claro que isto era válido para a região que conhecemos, provavelmente os camaradas que trabalharam num contexto florístico diferente, teriam de fazer opções de outra natureza.

Quanto ao secretismo das operações, no meu tempo, ele nunca existiu. Em primeiro lugar, porque havia tempo que o PAIGC e as suas forças armadas possuíam um excelente serviço de rádio-escuta. Os seus especialistas desencriptavam Ordens de Operações emanadas de Rep Oper em Bissau e os comandos regionais eram alertados com a devida antecedência.

Nestes casos, acontecia o que descreves, ou seja, os caminhos que conduziam ao nosso objectivo, ficavam sob vigilância e eram muitas vezes emboscados. Depois, porque na preparação de operações da iniciativa das unidades de quadrícula, havia certos sinais impossíveis de neutralizar, que eram facilmente detectáveis por certos elementos da população. Quem não se lembra das colunas em que até à última da hora ninguém piava, e no entanto, ainda antes dos Unimog e das Berliet formarem, lá estava a tabanca inteira com a respectiva quitanda à espera de boleia?

Abordaste também a questão da fidelidade (duvidosa) de batedores ou pisteiros integrados na tua coluna. É assunto sobre o qual não tive qualquer experiência. Não existiam na minha unidade. Na dúvida, inclino-me para que fossem leais. Até porque o seu próprio coiro, corria os mesmos riscos que todos vós.

Outra coisa é a passagem de informações do seio das nossas FA para o IN. Sobre isso não tenho quaisquer dúvidas, é norma em todos os conflitos bélicos.

Para terminar, a questão do Helicanhão. Que se pronunciem os especialistas, mas enquanto tal não acontece, sempre vou adiantando, sujeito a desmentido, que estava armado com um canhão/metralhadora Browning de 20mm cujas munições dispunham de espoleta de tempos. O segundo tempo produzia os estilhaços que podiam atingir diversos níveis, por ex. o solo ou as copas das árvores, dependendo da altitude do sobrevoo.

Naturalmente que todos reconhecemos o esforço e valentia dos nossos camaradas da Força Aérea, que davam tudo por tudo para nos apoiarem em situações de aperto. Estamos-lhes gratos por isso. Infelizmente, não existem armas mágicas ou infalíveis, e todas as aeronaves têm as suas vunerabilidades. No caso dos Helicanhões, para nos apoiarem com eficiência tinham que voar a baixa altitude, o que os colocava ao alcance dos projécteis de armas ligeiras e até dos RPG. Algumas vezes ouvi o seguinte Estou a ser batido, tenho de retirar.... E não havia mais nada para ninguém.

No entanto, a [força]mítica do Lobo Mau (2) manteve-se até hoje. Em grande parte perpetuada por nós próprios, certamente devido ao conforto psicológico que nos invadia quando no horizonte avistávamos a sua silhueta, ou ouvíamos o ruído dos rotores pairando sobre as nossas cabeças, de aflitos mortais. E como mortais que somos, precisamos de mitos. Um dos mais extraordinários e bem aceites que conheço, é o que dá crédito à afirmação de que tendo perdido o domínio do espaço aéreo, com o aparecimento no teatro de operações dos mísseis Strella, perdemos militarmente a guerra!

Hei-de voltar a este assunto.
Peço-te que aceites um abraço do,

Vitor Junqueira

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 13 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1658: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (4): Uma emboscada em Catora e um Lobo Mau pouco predador

(2) Observação adicional do Vitor Junqueira.: " Luís, Lobo Mau, não era alcunha, era o código de identificação e chamada do Helicanhão. Para os Fiat era Tigre, as DO eram Rajá e por aí fora".

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