1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Dezembro de 2010:
Queridos amigos,
É a última recensão deste ano.
Ainda aqui tenho um saco de livros, mas aproveito a oportunidade de relembrar aos confrades que me mantenho aberto a todas as sugestões que partam ou estejam em convergência com a centralidade do nosso blogue, as coisas da Guiné ou as que as ilustram, nas duas margens. Ficarei gratíssimo a tais propostas e a essas cedências temporárias de títulos para recensão.
Um abraço,
Mário
O fim do Império Português
Beja Santos
É incontestável que a guerra colonial determinou, mais do que qualquer outro fenómeno, novos comportamentos políticos e atitudes sócias e culturais, a sociedade portuguesa, dos anos 60 para os anos 70, isto para já não falar nas sequelas da descolonização. Daí a atracção que ela provoca nos historiadores e o seu resultado salta à vista em estudos, monografias, biografias, análises de grandes eventos bélicos, etc. António Costa Pinto, professor no ISCTE, nome associado a várias universidades de renome internacional, escritor com créditos firmados na historiografia do Portugal contemporâneo, é autor de uma interessante síntese intitulada “O Fim do Império Português, A Cena Internacional, a Guerra Colonial, e a Descolonização, 1961-1975”, Livros Horizonte, 2001. Adverte o autor: “Tive a preocupação de incluir e integrar um já vasto conjunto de obras habitualmente não citadas pela historiografia portuguesa sobre o tema. Os estudos sobre o colonialismo português contaram desde os anos 60 com um núcleo progressivamente significativo de contribuições de estudioso ingleses, norte-americanos e franceses.
Não sei se por preguiça intelectual, ignorância, ou paroquialismo, muitas destas obras foram raramente citadas ou discutidas pela historiografia portuguesa”.
O que há de verdadeiramente estimulante neste trabalho ensaístico é ditado pelo olhar sobre a cena internacional, a compreensão do regime a partir do despertar do antigo colonialismo e as cambiantes decorrentes da evolução da guerra nas três frentes de combate e, por último o modo como se descolonizou, como a descolonização influiu na vida política portuguesa, desde o processo revolucionário até à adesão europeia. São esses dados que se pretendem abreviadamente enumerar.
Ao contrário do que muitas vezes é propalado, o Portugal apresentado como uma nação isolada (“orgulhosamente sós”) a defender a civilização ocidental em África, foi uma figura de retórica com que o salazarismo procurou impressionar para consumo interno de que uma realidade. Esse isolamento foi muito menor do que foi apregoado por Salazar e Caetano. É facto que o aliado mais importante, os EUA, ensaiaram, na administração Kennedy, uma pressão activa para a descolonização de Angola, mas foi sol de pouca dura. Kissinger negou inicialmente armamento que permitisse equilíbrio na guerra da Guiné mas, já no ocaso do regime português, mandou ceder armamento por portas e travessas. Isto para enfatizar que Washington exerceu como estratégia uma “neutralidade colaborante" e votou muitas vezes ao lado de Portugal. Num outro ângulo, a guerra colonial pesou muito pouco na guerra fria, foi abafada por acontecimentos determinantes como o Congo, a guerra de secessão na Nigéria e pela escalda do Vietnam. As grandes potências europeias e os principais aliados de Portugal investiram nas colónias e venderam armamento, seja às claras ou às escondidas. Salazar teceu a sua muralha ideológica à volta do “aguentar”, à espera de melhores dias, chegou a visionar a importância das colónias numa terceira guerra mundial. Por outro lado, fruto dos imperativos do desenvolvimento da década de 60, Portugal abriu-se à Europa, não podia ser de outra maneira para receber as multinacionais, o turismo de massas e as remessas dos emigrantes. Salazar aguentou as pressões dos aliados, usou o trunfo das Lages, desvalorizou ao limite o campo de batalha da ONU, mas não ignorava os sucessivos apoios dos seus velhos aliados aos movimentos de libertação. O historiador passa em revista os entendimentos e desentendimentos, o aproveitamento de conflitos africanos, o uso da NATO a favor da causa portuguesa. Quando o teatro da guerra da Guiné manifestamente deu sinais de esfarelamento, Caetano aceitou a sugestão do Governo britânico para estabelecer contactos secretos com o PAIGC.
As elites independentistas formaram-se em Portugal e em oposição ao regime de Salazar e Caetano. Actuaram ao lado do MUD Juvenil, conheceram o cárcere, conspiraram na Casa dos Estudantes do Império, fizeram amizades com os comunistas e os socialistas, daqui partiram directamente para o exílio e para a luta armada. Mas foram verdadeiramente movimentos de libertação distintos uns dos outros, se bem que o PAIGC tenha estado sempre muito próximo do MPLA. Enquanto os africanos buscavam a independência também se operava uma radicalização política dos opositores a Salazar, desde grupos gravitando à volta de revistas ou cooperativas até certas formas de ataques violentos a objectivo político-militares, com o aparecimento da LUAR e das Brigada Revolucionárias. O historiador refere em pormenor o envolvimento militar e a progressiva africanização da Guerra, os serviços de segurança e espionagem e a evolução nos diferentes teatros dos combates. No caso da Guiné, chamo a atenção para ecologia do território, para os progressivos êxitos do PAIGC e para um estado de espírito que ele denomina como “a caminho do Vietname”.
Com o derrube do regime, introduziu-se uma dinâmica de ruptura em que a transição para a democracia se realizou a par da descolonização e ao rápido fim do império português. Não houve um cenário de descolonização mas diferentes processos de transição em que historicamente teve expressão determinante a independência da Guiné-Bissau, foi ela que marcou a cadência das descolonizações ulteriores. Todo o processo revolucionário acabou por apontar para cedências e abdicações de responsabilidades e influiu na opção europeísta. Foram tão rápidos os desenlaces da descolonização, e os seus dissabores, foram tão influentes as feridas entre os contendores do processo revolucionário que se gerou uma maioria favorável à adesão à CEE. Não é novidade para ninguém que o regime implodiu quando não encontrou saída para uma negociação política com os diferentes movimentos de libertação. Acresce que um súbito imprevisto veio acelerar os acontecimentos: depois da Guerra dos 6 Dias veio a primeira crise petrolífera, a inflação caiu como uma bomba, os grandes detentores da economia e das finanças escudaram-se na proposta federalista de Spínola. Tudo em vão, a História foi mais longe e não se compadeceu de paliativos.
E não vale a pena especular se as elites africanas estavam preparadas para governar ou tinham verdadeiramente atrás de si nações consolidadas. É interessante especular mas a História prefere passar à margem desses condicionalismos.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7557: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (10): O dia no Enxalé, em Madina e Belel
Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7548: Notas de leitura (183): Vasco Lourenço, do interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
António Costa Pinto é professor e investigador no ICS-UL e não no ISCTE. Fora isso, boa síntese e resenha, Dr. Beja Santos.
Caro camarada, o que consta nos dados curriculares do livro objecto da recensão é isto: investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Professor Convidado no ISCTE. Seguem-se os títulos académicos e obra científica. Admito que já tenha deixado de ser professor no ISCTE, numa recensão diz-se a verdade e só a verdade. Um abraço do Mário
Nesse caso, a questão deve-se à data da obra do Prof. Costa Pinto, anterior a uma outra obra deste (mais recente) que consultei. Grato pelo esclarecimento, Dr. Beja Santos.
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