terça-feira, 15 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15860: Brunhoso há 50 anos (6): Uma terra rica e auto-suficiente (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Brunhoso - Com a devida vénia


1. Em mensagem do dia 8 de Março de 2016, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), volta a falar-nos da sua terra natal há 50 anos.


Brunhoso há 50 anos

6 - Uma terra rica e auto-suficiente

O planalto de Miranda, que para sul se prolonga bastante pelo concelho de Mogadouro, vem ainda dar forma à parte norte de Brunhoso, com terras planas, pouco fundas e secas, próprias para o cultivo do trigo e do centeio, que se produzia em abundância. Os meses de Julho e Agosto eram meses de grande azáfama com a ceifa das searas, a acarreja dos molhos de cereais, feita pelos carros de bois e de mulas, para as eiras do Prado, onde as medas iam crescendo em largura e altura e finalmente as malhas e a recolha do grão e da palha.

Nessa zona de planalto, numa parte sobranceira à aldeia a cerca de um quilómetro, existia um grande souto, implantado num terreno de muitos hectares, propriedade da Junta da Freguesia, sendo os castanheiros propriedade dos naturais da terra, divididos desigualmente através de um processo já antigo que desconheço, possivelmente com vendas e trocas posteriores. As castanhas eram tão boas, sobretudo as variedades predominantes: a longal e a judia, pouco a rebordega só própria para dar aos porcos.

Seara de centeio em Trás-os-Montes
Com a devida vénia a Panoramio

Nos dias de domingo, já um pouco frescos de Outono, os rapazes e raparigas solteiras faziam magustos na Serra (sítio dos castanheiros, seria Serra porque ficava noutro plano acima da aldeia, penso eu) com grandes fogueiras e faziam bailes ao som de realejos (harmónicas de boca) para aquecer os corpos e as almas. As castanhas eram uma riqueza que não saía da aldeia, pois nesse tempo não tinha compradores, as pessoas comiam algumas cruas, mais cozidas ou assadas e a maioria davam-se aos porcos, para os cevar, pois as matanças não estavam longe e elas eram um bom alimento para eles. Guardavam-se sempre algumas nas despensas, em talhas de barro, para serem comidas cruas no dia primeiro de Maio senão o burro mordia, vá-se lá saber porquê.

Para sudoeste o termo de Brunhoso integra-se na paisagem formada por montes e vales a perder de vista que identificam e dão nome à província de Trás-Os-Montes. As montanhas da Ribeira e da Lagariça que acompanham os vales dos mesmos nomes, onde correm ribeiros bastante caudalosos no Inverno e na Primavera, quase secos no Verão, estão cobertas de sobreiros e de estevas, giestas e outros arbustos. As giestas e estevas na humildade do seu porte aqueciam as casas dos trabalhadores sem terras nas noites frias de Inverno e eram uma lenha excelente para aquecer os fornos onde se coziam os grandes pães trigos e centeios. Os sobreiros no seu porte altivo produziam a bolota, tão do agrado das ovelhas e carneiros e a cortiça que proporcionava uma fonte de rendimento extra para alguns lavradores.

Nesse tempo, do norte ao sul da província, na zona de terras entre o rio Sabor e o Douro Internacional, Brunhoso era a aldeia que produzia mais cortiça e mesmo fora dessa área muito poucas aldeias haveria no norte de Portugal com maior produção.

Caminhando montes fora por caminhos e carreiros vamos encontrar a cinco quilómetros o vale do rio Sabor com uma ladeira muito extensa coberta de oliveiras com muitos socalcos de pedra, chamados safardas, que permitiram que se fizessem os plantios e manutenção dessas grandes áreas de olival. Para aproveitamento dos terrenos planos para o cultivo dos cereais e dos montes com menor declive para o montado de sobreiros, os nossos antepassados reservaram esses terrenos de encostas íngremes que descem para o rio e com um clima menos frio para as oliveiras. Encostas por vezes tão íngremes que as oliveiras tinham que ser cavadas pela mão do homem pois as juntas de vacas ou de mulas não conseguiam equilíbrio suficiente para as puder lavrar. Terrenos tão íngremes onde não havia caminhos onde pudessem circular os carros de bois e a azeitona tinha que ser transportada dentro de sacos por burros e mulas.


Para além de todo o trabalho em excesso, essas árvores, que dizem que um Deus há muitos séculos abençoou, davam azeite para dar e vender, azeite óptimo feito sobretudo das variedades madural, negra e verdial com algumas lentisca, cobrançosa e bical.

Junto ao rio Sabor numa planície de 100 a 200 metros de largura, que lhe acompanhava a margem, estavam as oliveiras centenárias, com troncos mais largos do que um abraço de dois homens. Muitas delas teriam mais de 500 anos. A memória da aldeia, que transmitida de gerações em gerações geralmente se perde nos nossos bisavós, estava no seu ADN, caso houvesse um cientista que o soubesse descodificar e revelar todos os que ao longo dos séculos as plantaram, as limparam, as lavraram, as estrumaram, as varejaram e lhe apanharam a azeitona.

Infelizmente essas grandes oliveiras, há dois anos, foram arrancadas para dar espaço livre à inundação provocada pela barragem do Sabor. Enfim é o progresso a descaracterizar o passado, num país mais rico e mais respeitador da sua história natural, essas árvores, monumentos da natureza, seriam transplantadas para terrenos livres e há tantos agora ao abandono.

 A povoação está situada numa parte mais baixa, abrigada entre o planalto e a zona montanhosa. Ao redor dela, num raio de 1 a 2 quilómetros em terrenos mais fundos e com maior abundância de nascentes de água situavam-se as hortas e lameiros. As hortas produziam batatas, feijões, melões, melancias, abóboras, beterrabas, milho e muitos outros produtos hortícolas para consumo das pessoas e dos animais. Produziam ainda linho com que as mulheres fabricavam nos teares: toalhas, colchas, peças de roupa e grandes sacos de linho para transportar o trigo e o centeio.

Vale do Sabor
Foto: © Miguel Barbosa

Os lameiros e regadas davam bom pasto ao gado bovino, asinino e muar e os freixos e olmos, que cresciam neles, forneciam-lhes também as suas folhas, comestíveis no tempo quente e seco do Verão, em que havia pouca erva. Havia muitas vacas para o trabalho dos campos que pariam muitas vitelos para venda ou para criação.

Há um mês, à lareira da casa de Brunhoso, que herdámos dos nossos pais, à conversa com o senhor António, lavrador de Mogadouro, um homem rijo e com boa cabeça, apesar dos seus 90 anos, com muitas estórias para contar, falou-nos nas carneiradas já esquecidas nas dobras da minha memória. Segundo ele, em 1945, com a idade de 18 anos, foi contratado por um negociante de gado para ir a pé com mais quatro pastores para levar 900 carneiros a Celorico da Beira, a uma distância de cerca de 130 quilómetros. A viagem, de ida e volta, sempre a pé, demorou quatro dias e conta que ganhou 50 escudos, uma boa importância para a época,  segundo afirmou. Segundo ele, nesse tempo e ainda em tempos posteriores, que eu recordo vagamente da minha meninice em Brunhoso, havia três ou quatro carneiradas. As carneiradas eram rebanhos de carneiros capados, para atingirem maior crescimento e como tal próprios para serem vendidos para produção de carne.

Rebanhos de ovelhas nesse tempo haveria 15 a 20 que produziam muito leite de que as mulheres fabricavam bons queijos e produziam muita lã aproveitada para fazer, tal como o linho, muitas roupas para uso pessoal e doméstico, estou a lembrar-me das meias grossas de lã, usadas no Inverno.


Os carneiros e as ovelhas andavam por montes, terras não semeadas, por hortas não plantadas, terras de adil, raramente lameiros. Nessa sociedade de subsistência nada se desperdiçava, havia lugar para todos os tipos de plantas e animais e cada um ocupava o seu espaço próprio em proveito da comunidade.

Não havia cabras em Brunhoso, um acordo antigo entre os lavradores, instituiu essa proibição para proteger os sobreiros no seu crescimento pois esses animais gostavam de roer os caules e ramos tenros dessas árvores. Dentre as aldeias em redor esta "lei" era única e respeitada pelos cabreiros das terras próximas, sendo já antiga, talvez nos ajude a compreender porque razão se produzia tanta cortiça na aldeia.

Produzia-se algum vinho, não o suficiente para consumo da aldeia, já que estando situada numa zona de terra fria, o clima não era o melhor para o amadurecimento das uvas. A melhor zona para plantar a vinha seria, penso eu, nas arribas do Sabor, pela sua exposição solar e por ter clima mais quente, porém esses terrenos estavam reservados, há longos anos, por vontade dos mais velhos, para a produção desse líquido dourado, abençoado pelas mulheres e pelos deuses, que produziam as oliveiras.

 Para a economia das famílias eram também muito importantes os porcos que cada uma criava para matar no Inverno e guardar o presunto, o toucinho, os salpicões, as linguiças, as alheiras e outros enchidos para consumir durante o ano, assim como a criação de galinhas e perus que além de ovos forneciam boa carne. Muito importante também para a dieta dos mais pobres e apreciada igualmente por todos os habitantes eram as produtos que cresciam espontâneamente nos campos, os míscaros, as azedas, os cunqueiros, os agriões, as merugens. Para variar as dietas alguns tinham acesso à carne de caça, perdizes, coelhos e lebres e aos peixes que alguns pescadores pescavam no rio Sabor por vezes em grandes quantidades.

Tudo é relativo, assim Brunhoso, nesse tempo, que era uma aldeia rica e auto-suficiente, uma sociedade rural de subsistência, com os recursos agrícolas e florestais explorados até ao limite, não conseguia alimentar nem dar trabalho a todos os seus filhos porque a explosão demográfica fazia crescer exponencialmente a população. Tendo cada casal uma média de seis ou mais filhos, a única saída para os mais desfavorecidos da fortuna quando se atingia um certo limiar populacional, era o drama da emigração. Actualmente com o declínio acentuado da agricultura tradicional, esse drama converteu-se na tragédia da vida que a grande poetisa galega Rosália de Castro retratou em verso em relação à sua terra.

Em Brunhoso só já moram alguns desfavorecidos da sorte e outros que por muito amor às mães que os geraram e à terra mãe onde nasceram e foram criados, nunca tiveram coragem de abandoná-la. Ficaram também alguns mais velhos a sonhar com o movimento das gentes e dos animais de antigamente e algumas mais velhas com o olhar mortiço e desalentado pois estão privadas da presença dos netos e dos filhos que davam calor às suas vidas e tanto brilho ao seu olhar. Os da minha faixa etária (já velhos!) que vamos periódica ou ocasionalmente à aldeia, que acompanhámos a transição entre estes dois mundos, temos a alma repartida pois em troca de algum bem-estar fomos perdendo as nossas raízes. Os olmos tão verdes e frondosos na Primavera e no Verão morreram há muitos anos com a grafiose, doença holandesa dos ulmeiros, os freixos vão ficando enrugados porque não há rapazes ou homens que lhes esgalhem os ramos, nem vacas que lhe comam as folhas, os castanheiros morreram também todos de outras pragas, os sobreiros têm morrido, uns por velhice, outros por causa das alterações climáticas.

Os terrenos da minha aldeia, que tem 20 km2 de área agrícola e florestal, está dividida em dezenas de sítios com nomes que podem identificar uma área de dois ou três hectares ou uma área de trinta ou mais hectares. Sem estarem assinalados com qualquer marca física, toda a gente da terra conhece os seus limites.

A minha vida na aldeia que nunca esteve confinada às quatro paredes da casa dos meus pais, abre-se para esses espaços livres que percorri tantas vezes e fazem parte da minha memória geográfica e afectiva, que passo a nomear: Lagariça, Ribeira, Hortelã, Miragaia, Gaiteiro, Fonte da Dona, Fonte do Buraco, Fonte do Junco, Juncais, Juncaínhos, Urzal, Entre-Caminhos, Ferreiros, Cachão, Barca, Perdigosa, Rabo da Vaca, Cova dos Lobos, Sapo Torrado, Boiselas, Cabecinho, Canadinha, Crasto, Lamas, Fraga do Poio, Fraga da Tecedeira, Forno dos Mouros, Lama das Vinhas, Vinhas dos Cães, Milhares, Balhelhos, Serra, Cinzas, Chabouco, Vale de Cabo, Vale de Meio, Valedramum, Vale da Nina, Couço, Azinhal, Arrebentão, Escaleiras, Figueiredo, Picotas, Prado, Orretas, Olmos, Lameira, Lameirões, Rodelas, Barriguinho, Queimada, Maias, Francos, Picotas, Netos e outros que agora não recordo.

Um abraço
Francisco Baptista
____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 de junho de 2015 Guiné 63/74 - P14714: Brunhoso há 50 anos (5): Uma sociedade paternalista (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

9 comentários:

Luís Graça disse...

Francisco, não há ninguém que ame a sua terra como tu… Ou, pelo menos, que tenha testemunhado, publicamente, esse amor, como tu. Aqui, no blogue, na tua série “Brunhoso há 50 anos”. Amas a tua terra com um amor telúrico, que vai até às raízes fundas da fauna, da flora, da humanidade, um amor feito de cheiros, imagens, sabores, paisagens, sobreiros, castanheiros, searas de trigo e de centeio… Amas a tua terra com um amor literário, feito de escrita chã, simples, mas poderosa, imagética… Tens um duplo talento, o do etnógrafo e o do grande repórter, sabendo fazeres bem a recolha e o tratamento das memórias do passado (tuas e dos teus vizinhos, parentes e amigos) e as observações, mais impressionistas e sociológicas, do presente. Tens uma dívida, todos temos uma dívida, à terra onde nascemos. Os alentejanos cantam: “Eu sou devedor à terra, / A terra me está devendo, / A terra paga-me em vida, / Eu pago à terra em morrendo”… A tua dívida em relação em Brunhoso e de Brunhoso em relação a ti está a ser paga através destes teus textos, singelos, sobre um passado que, sob o ponto de vista, socioantropológica, é irreversível… Espantosa, por exemplo, a tua evocação da “carneirada”!...

Com mais uns tantos postes e umas boas fotos, antigas (que, com sorte, talvez ainda possas resgatar e salvar dos “baús” dos mais velhos…), aí tens um livrinho que o pelouro da cultura e turismo de Mogadouro tem a obrigação de acolher, acarinhar e publicar… Fica aqui a minha sugestão, que é também uma prov(oc)ação. Mas o mais importante é que continues a escrever e a deliciar-nos com a reconstrução de Brunhoso da tua infância e adolescência… Diz-nos também como ela viveu a aguerra ou as guerras que lhe tocaram, de longe ou de perto…

Um xicoração fraterno. Luís

Luís Graça disse...

Francisco, em boa verdade, conseguiste pôr Brunhoso... no mapa!... Verifico que tem página no Facebook, a tua terra...

https://www.facebook.com/brunhoso.pt/


Alfabravo. LG


JD disse...

Caro Francisco,
Voltei a gostar da descrição de um passado irreversível, que tanta falta faz tanto à passagem dos dias, como à economia e modelo social que sucessivos governos têm contribuído para o ostracismo, a morte lenta, e com outras perspectivas de conciliação entre o tradicional e o moderno, poderiam revitalizar as terras do interior.
Peço ao Luís para subscrever o seu excelente comentário, e abraço a Tabanca Grande
JD

ze manel cancela disse...

Caro Baptista.É um autentico regalo,ver o que escreves sobre
a tua Brunhosa.Continua,porque deves ter ainda muito mais que contar
e eu continu-o a aprender contigo

Um abraço camarada e amigo......

Anónimo disse...



“O que se passou com a busca da cortiça? Depois das viagens ao estrangeiro, Clemente Meneres procurou o conhecimento do interior. No vigor dos seus trinta anos e acompanhado de um amigo conhecedor da cortiça, partiu (14.05.1874) na diligência da ex-mala posta do Porto para Bateiras e dali até Foz Côa, onde verificou que os sobreiros locais eram consumidos como lenha pelos seus habitantes. Falava-lhe o amigo de um lugar chamado Romeu, onde lhe tinham oferecido, dois anos antes, cortiça virgem para vender no Porto. Atravessaram, então, o Douro, e a 18 de Maio, chegavam ao Quadraçal, pelo Vale de Sinada, aí verificando a existência de muitos sobreiros, embora crestados pelo fogo, dado o hábito de queimadas para eliminação dos lobos e de outros animais selvagens, que atacavam com frequência os povoados e, sobretudo, os gados nas pastagens. Além disso, os sobreiros também eram aqui utilizados como lenha pela população, do que resultavam danos irremediáveis para o aproveitamento da cortiça. Chegam ao Romeu, pelas 16 horas desse dia, 18 de Maio de 1874, abancando no tasco da Maria Rita, onde não havendo nada para comer, mandam assar bacalhau, acompanhado de pão negro de centeio.” Texto retirado da internet.

Do meu bisavô Tomás Baptista não há registos na internet ou em publicações escritas. Do que foi transmitido oralmente de gerações e gerações e da herança que deixou aos seus descendentes irei tentar fazer a sua breve história de vida:
Era um dos 11 filhos duma família modesta de Brunhoso. Dentre os irmãos dele só me chega a informação da Lucrécia Baptista que veio a ser minha bisavó pois uma filha dela casou com um primo, um dos dois filhos do meu bisavô, foram os meus avós António Baptista e Carlota Laura. Os outros perderam-se nas memórias da família, alguns terão imigrado para o Brasil e de pelo menos outros dois fala-se de alguma descendência na aldeia. A data de nascimento dele é desconhecida, sabe-se que o meu avô, o filho dele, nasceu em 1889.
continua.....

Anónimo disse...



Terá morrido perto do ano de 1920.
Tendo tantos irmãos e não pertencendo às famílias ricas da terra, espanta quando se conhece a casa de lavoura que legou aos dois filhos, onde os sobreiros têm um lugar de destaque. Nas florestas de sobreiros da Lagariça, da Hortelã, da Ribeira e dos Ferreiros ele era de longe o maior proprietário. Os montes da Lagariça, onde sempre existiu a maior mancha de sobreiros da aldeia esteve sempre associada à família Baptista.
Ele com uma boa visão de futuro, tal como Clemente Meneres, numa escala muito mais modesta, terá adquirido essas áreas de mato por bom preço e tratado dos sobreiros, desmatando-os, limpando-os e semeando outros. Terras sem utilidade para produzir seriais ou outros produtos transformou-as em terras muito úteis e ricas. Como tal também não será de admirar que a ideia de proibir as cabradas no termo da aldeia tenha sido dele , ideia que conseguiu que os outros lavradores aceitassem.
A casa que ele construiu para a família que ainda conheci era um grande casarão, como as grandes da terra, onde agora há duas casas contíguas, sendo uma delas as dos meus falecidos pais, que conserva ainda as paredes exteriores de pedra originais com mais de um metro de largura. Há já alguns anos numa loja, no rés-do-chão da outra casa dei-me conta do que terá sido um balcão com uma tábua de levantar existente nela.. Não há dúvida era o balcão duma taberna, do meu avô António Baptista, que morreu cedo aos 45 anos, sei que não era. O meu padrinho e tio-avó José Baptista que ainda conheci, um homem jovial, do cavalo branco e de muitas festas e romarias, solteiro toda a vida, que teve sempre uma vida despreocupada não tinha perfil para taberneiro. Portanto o taberneiro por algum tempo terá sido mesmo o Tomás Baptista esse meu bisavô. O meu pai talvez soubesse mas ele não gostava de falar do passado e sem que fosse pedante, devia pensar que ser taberneiro não dava pergaminhos
Esse meu bisavô que eu reputo o mais empreendedor da família e um grande homem que deixou a sua marca na terra, foi também comerciante de cortiça e estabeleceu uma ligação que perdurou mais de um século com os fabricantes de cortiça de Lourosa e Fiães . Foi o primeiro dessa dinastia de comerciantes de cortiça que passou para o meu avô, o meu pai, o meu irmão mais velho e ainda para um sobrinho .
Brunhoso não tendo até uma área de terreno muito vasta em relação a muitas outras aldeias próximas beneficiou de tipos diferentes de solos com uma boa qualidade relativa para diferentes culturas a que a sabedoria dos seus habitantes soube dar o melhor aproveitamento.
Este meu bisavô Tomás Baptista, do qual não existe uma fotografia e cujos dados biográficos se perdem já na memória da família foi um desses exemplos de homens sábios e trabalhadores.
Escrevi este texto apenas para guardar um registo deste meu antepassado. Francisco Baptista

José Ferreira disse...

Parabéns, amigo Francisco Baptista!
Fiquei encantado com este texto. Também julgo que passará a documento oficial do Município do Mogadouro, para promoção de Brunhoso e toda aquela área do Alto Douro de entre o rio Douro e o vale do Sabor. Todavia, perdoa-me a humildade de não ser capaz de fazer o outro tipo de comentário que esta obra literária merece.
Um dia destes, talvez no dia 13 de Abril, em Penafiel, já integrado no Bando, poderás dar-me a oportunidade de falar das pescarias que tenho feito regularmente ali, bem perto, junto ao vale da Vilariça. Consequentemente, falaremos também das "tainadas" que essa actividade nos obriga.
Grande abraço
JFerreira (Silva da Cart 1689)

Anónimo disse...

Pois, dizer o quê, sendo que outros, como o Luís, tudo deixaram dito. Um texto ilustrativo dos modos de vida das gentes que moldaram a natureza áspera de Brunhoso às suas necessidades, erguendo com orgulho medas de trigo como quem vence uma batalha. Sim, só um povo batalhador e sábio pode ter alcançado (sem a ajuda de nenhum Estado, de nenhuma União Europeia) tamanho milagre - produzir o melhor trigo, o melhor azeite e a melhor carne do mundo .
É caso para perguntar: não está na hora de se inverter este ciclo maluco de desertificação do interior deste Portugal, promovendo políticas de discriminação positiva em benefício da fixação de pessoas e empresas nesta parte do nosso território ?
Obrigado Francisco.
Um abraço
Carvalho de Mampatá

Anónimo disse...




Muito obrigado ao Luís Graça, nosso mestre, ao José Dinis, ao Zé Cancela, ao Carvalho de Mampatá e ao José Ferreira. Através das vossas simpáticas palavras dais-me ânimo para escrever outros textos na esperança de terem alguns leitores.
Nunca é demais agradecer ao nosso amigo e camarada Carlos Vinhal, esse monge copista, que tanto me tem ajudado a dar apresentação aos textos, além de ser o editor da maioria deles.
A ti José Ferreira agradeço-te também o convite para o 13 de Abril em Penafiel e só posso responder que um ex-combatente nunca abandona os camaradas, sobretudo quando eles são os bravos do Bando, sempre prontos a atacar ou em formação de combate ou em raides improvisados.
A todos um grande abraço. Francisco Baptista