sábado, 17 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

Guiné > 1970 > Uma das imagens emblemáticas da guerra colonial/guerra de libertação. Um guerrilheiro do PAIGC jaz morto, no chão da mata, com a sua Kalash ao lado. Foto muito provavelmente obtida no sul, na região de Tombali. A foto é do repórter fotográfico húngaro Bara István (n. 1942), que acompanhou a guerrilha do PAIGC em 1969 e 1970 (não sabemos exactamente em que circunstâncias: num das fotos, ele próprio deixa-se fotografar com uma Kalash pendurada ao pescoço, o que para um fotojornalista de hoje seria deontologicamente inadmissível; pode pôr-se a hipótese de, na época, ter lá estado apenas como fotógrafo, e não como jornalista, ao serviço do governo do seu país; recorde-se que na época a Hungria fazia parte do Pacto de Varsóvia e, portanto, era um dos aliados do PAIGC).

Legenda, em húngaro: Bara István: Elesett PAIGC katona, Guinea Bissau, 1970. Estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos contactá-lo por e-mail, até agora em vão, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)


X (e última) parte do dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*). Subtítulos e negritos da responsabilidade do editor do blogue.


III (e última) parte do depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado , que está actualmente a trabalhar em Imberem, na região de Tombali, ao serviço da AD - Acção para o Desenvolvimento. (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue).


Mais pedidos de ajuda do PAIGC à Suécia e à URSS

No princípio de 71, Cabral dera mais um salto à Suécia com o fito de obter ajudas que permitissem fazer face a política da Guiné Melhor de Spínola, política essa que ele caracteriza, já se disse, como sendo de “sorriso e de sangue”, pois, o maior poder de fogo não é suficiente para contrapor à nova agressividade de Spínola.

Os nacionalistas sentem a necessidade de robustecer a componente militar do partido e, simultaneamente, adaptar a sua fórmula organizativa, ganhando mais disciplina e capacidade de resposta. Acto contínuo, Cabral viaja para à URSS em busca de mais apoios no domínio militar, apoios esses que começaram a surgir a partir de Fevereiro de 1971, tanto da parte da Suécia como desta última.

Com as ajudas recebidas, Amílcar Cabral replicava inteligentemente às acções psicológicas de Spínola e, em Fevereiro de 1971, uma vez na posse das mesmas, o PAIGC modificou os aspectos gerais da sua manobra global, preocupando-se em manter no teatro das operações, com grande economia de meios e de materiais, um estado de guerra que servisse a sua propaganda interior e exterior, visando especialmente sucessos sobre as tropas portuguesas e a conquista da adesão das populações.

Nesse sentido, e particularmente no plano das operações, verifica-se a insistência em realizar acções coordenadas, atacando as guarnições com possibilidades de apoio simultâneo de artilharia e tirarando o máximo rendimento da sua actividade, quer ameaçando zonas urbanas e os chamados reordenamentos populacionais, organizados pelo poder colonial em autodefesa, quer provocando intervenções da tropa portuguesa e montando de seguida emboscadas nos itinerários de acesso directo das forças de socorro. Dentro desta nova concepção militar do PAIGC, a área de Naga-Biambi, constituía a principal zona fulcral da estratégia militar do PAIGC.


Spínola: Conversar com todos os guineenses, incluindo o PAIGC

Perante tal estado de coisas, o general Spínola reconheceu a impossibilidade de ganhar a guerra da Guiné, coincidindo este reconhecimento com as falsas promessas do Governo português em conferir autonomia e autodeterminação aos guineenses, no quadro da soberania portuguesa. Sobre as negociações com o PAIGC, Spínola diria em princípios de 1973, que “(…)uma tal política admite conversações com quem quer que, honesta e desinteressadamente, deseje contribuir para um programa de incontestável legitimidade. Conversações que, como é evidente, são extensíveis ao PAIGC. Mas há um ponto que importa ressalvar: conversar não é negociar, e jamais poderíamos deixar que se resvalasse para matéria que só ao povo da Guiné diz respeito e compete legitimamente decidir. E com este mantém o Governo permanente e aberto diálogo, através de ins­tituições criadas para esse fim com resultados evi­dentes. Assim, e como, em boa verdade, o PAIGC não representa o povo da Guiné, só o futuro dos seus combatentes poderá estar em causa em tais conver­sações. A esse respeito, continuamos abertos ao diá­logo com todos os que, despidos de interesses estra­nhos aos do povo desta terra, quiserem regressar – e tantos são os que vindos do mato se têm sentado nesse maple e reconhecido que, presentemente, o Governo da província está concretizando os ideais por que se batiam. Porém, ao nível do topo, não foram até ao presente estabelecidos quaisquer con­tactos (…)” (21).


Amílcar Cabral: lutar até à vitória total


Contudo, Cabral denunciou vigorosamente tais manobras dilatórias dizendo que “(...) falar da autodeterminação ou da autonomia (seja ela progressiva ou não) como faz o chefe dos colonialistas portugueses não revela mais que uma tentativa desesperada de desviar a atenção para a realidade concreta da situação da luta no nosso país: hoje, não pedimos ao Governo português que reconheça o nosso direito à autodeterminação e nem mesmo autonomia ou independência, pois somos autodeterminados e somos realmente autónomos, independentes e soberanos sobre a maior parte do nosso território nacional. Nós lutamos, sim, e lutaremos até à vitória total, para expulsar do nosso país as tropas estrangeiras, a fim de que, em condições de independência, possamos consolidar a libertação do nosso povo da Guiné e das ilhas de Cabo Verde, procurando sempre construir uma vida de paz e de progresso a que temos direito. Seja à volta de uma mesa, através de negociações, seja através nos campos de batalha, a vitória da nossa luta armada de libertação é o único objectivo que preconizamos e que justifica os sacrifícios consentidos e a consentir, e que nós estamos certos de realizar (...)" (22).

Desta feita, o PAIGC inicia um ciclo de violentos ataques simultâneos aos aquartelamentos portugueses, ao mesmo tempo que desenvolve uma intensa acção diplomática e internacional. Nesse período, Aristides Pereira entrega ao Dr. Mouloud Belahouane, presidente da Cruz Vermelha da Argélia, quatro desertores do Exército Português que, na ocasião, reafirmaram a sua condenação à luta injusta contra o PAIGC.


Janeiro de 1971: A resposta do napalme contra as 'zonas libertadas'

Como resposta àqueles ataques intensivos, a aviação portuguesa bombardeou violentamente com bombas napalme, em Janeiro de 1971, as regiões libertadas, nomeadamente as povoações de Cubisseco, Cubucaré e Balana (no Sul), Oio e Saara (no Norte). Nesses bombardeamentos, 28 tabancas foram reduzidas a cinzas.

Sem descurar a componente político-diplomática, na medida em que no plano militar o PAIGC realizava em média três ataques diários às guarnições portuguesas, Amílcar Cabral intensificou a denúncia do colonialismo português nas instâncias internacionais, ao mesmo tempo que se desdobrava, tanto em África como na Europa, em acções de esclarecimentos sobre a situação da luta do PAIGC, sessões essas seguidas de exposições fotográficas ou de exibição de filmes (23) sobre o evoluir da situação no teatro de operações (24).

Por outro lado, interpelava constantemente os organismos da ONU e da OUA, e de outras instâncias internacionais através do envio de relatórios circunstanciados, documentados fotograficamente, que viriam a permitir que, em Fevereiro de 1971, a Comissão Especial da Nações Unidas tivesse produzido um documento amplamente divulgado naquelas instâncias, no qual relatava as atrocidades sobre civis cometidas pelo exército português em África, nomeadamente o bombardeamento de populações indefesas com bombas de napalme.

É evidente que quer o Governo colonial de Bissau, quer o Governo central em Lisboa procuravam, de alguma forma, ripostar a esse crescendo de animosidade internacional contra Portugal, que o PAIGC, e particularmente Amílcar Cabral, conseguia meticulosamente suscitar em estrita ligação com as acções militares no teatro as operações.

Para tal, quer os serviços de informação do exército português na Guiné e em Lisboa, quer a PIDE/DGS e ainda o Ministério do Negócios Estrangeiros multiplicavam-se em várias acções diplomáticas, mas igualmente de contra-informação, no sentido de anular as vantagens da máquina de propaganda do PAIGC.

Apesar disso, relativamente ao agravamento da situação militar na Guiné, era sintomática a desarticulação e a atrapalhação que, nesse campo, os serviços portugueses deixavam transparecer, evocando-se como exemplo mais caricato o facto de, em 1971, os serviços de informação exército e da PIDE terem-se envolvido em acérrima disputa pela posse do capitão cubano preso em Março de 1970.


Março de 1971, a 'guerra de nervos' do PAIGC e intensificação dos ataques contra centros urbanos


Entretanto, em Março de 1971, o PAIGC intensificou os ataques aos centros urbanos. Bolama foi atacada a 20 e Farim a 22, Guiledje a 28, Gadamael a 9 e 10, Fulacunda a 31, etc. Na edição de Abril de 1971 do PAIGC Actualités, o partido tornou público as pretensas perdas do exército português no mês de Março: 271 acções, 472 militares mortos, três helicópteros abatidos e dois aviões abatidos, 57 veículos danificados, 19 barcos afundados e diverso material de guerra destruído ou recuperado.

A 17 de Maio, o PAIGC ataca violentamente o importante aeródromo de Gabu ( *), com evidente estragos ao nível das infra-estruturas, e em Junho de 1971, começa a aplicar o novo esquema táctico ( “guerra de nervos)”, pois, não obstante ter baixado consideravelmente o seu potencial combativo, em contrapartida, demonstrava eficiência e agressividade crescentes.

Assim, passou doravante a pressionar os aquartelamentos ao mesmo tempo que fazia incidir às suas acções contra povoações com guarnição militar ou organizados em autodefesa. De acordo com nova táctica, conseguiu avanços significativos, especialmente no chão dos manjacos, na região de Nhacra e na própria ilha de Bissau (zona oeste), a partir do Sul, visando em especial conquistar a cumplicidade da população a sul da estrada Bafatá-Gabu e a região de Quinará.


Intensificação da guerrilha no chão fula

Nos meados de 1971, a estratégia do PAIGC era claramente a de criar uma situação de generalizada insegurança total no teatro das operações, mormente, desencadeando de acções de guerrilha urbana e de sabotagens em centros importantes, como Bula, Bissorã, Mansoa, Nhacra e Bafatá, e na estrada de Bafatá-Gabu, o que lhe permitia estender o seu esforço no chão fula, desencadeando acções através dos regulados de Cossé, Tamaná e Chaná, ao mesmo tempo que mantinha o seu esforço no Quinará, sem, contudo, transferir o essencial dos efectivos da região de Xime-Xitole ou Catió-Bedanda.


Bissau é flagelada pela primeira vez com foguetões de 122 mm em 9 de Junho de 1971

A 9 de Junho, o PAIGC, por intermédio do CE 199/70 (estacionado em Morés), chefiado por André Pedro Gomes e, na artilharia, por Martinho de Carvalho e Agnelo Dantas, flagelou Bissau pela primeira vez com foguetões de 122 milímetros.

Este ataque foi possível dado os esforços da unidade de artilharia referida, que, apoiada pelos grupos de infantaria, conseguiram penetrar para lá da linha defensiva do exército português e bombardearam as suas posições na cidade, embora tal tivesse sido possível porque também se realizaram acções simultâneas da frente Nhacra-Morés, o que permitiu proteger a retirada das unidades que atacaram Bissau.

No dia 26 de Junho, um CE do PAIGC penetrou em Bafatá, segunda cidade do província, e atacou-a violentamente incluindo o aeroporto, representando esse ataque, um índice significativo das possibilidades do PAIGC e confirmando a facilidade com que concentrava meios para realizar as suas intervenções, tanto mais que foram destruídas também quatro casernas, a estação meteorológica e diversos edifícios ligados às infra-estruturas militares e administrativas, tendo havido entre as tropas portugueses vários mortos e feridos.


Golpe diplomático: a intenção de proclamar o Estado da Guiné-Bissau

Em face disto, e enquanto Spínola tentava recuperar a situação política e económica da Guiné, as FARP passaram a ter uma acção permanente contra as estradas de Catió-Cufar, Gabu-Pitche e Canhungo-Cacheu, bem sobre reordenamentos populacionais situados nos respectivos eixos e, obviamente, privilegiando ataques aos centros urbanos, os quais, para além de alimentarem a propaganda internacional do PAIGC e a convicção internacional da iminente derrota do exército português, fazia igualmente jus à intenção de Cabral de proclamar o Estado da Guiné-Bissau como forma de assestar um golpe diplomático fatal ao colonialismo.

Aliás, na cimeira da OUA, em Addis-Abeba, realizada em Julho, Cabral exortou os países africanos a não tomarem compromissos com Portugal que pudessem prejudicar a luta do PAIGC, ao mesmo tempo que anunciava o seu plano de desencadear um processo que haveria de culminar na proclamação do Estado da Guiné-Bissau, o qual, segundo ele, existia de facto, apenas precisando de ser formalizada de jure com a proclamação da independência e a adopção de uma Constituição que criasse os seus órgãos de governo.

Em Julho, o PAIGC já tinha já praticamente formado o seu Exército Nacional, mantendo embora as Milícias Populares e as FAL - Forças Armadas Locais (25), no chão fula, indiciando essas acções algum apoio dessas populações, pois começavam a ser bem-sucedidas, mesmo quando realizadas a partir de bases de fogo situadas à alguma distância.

Tudo isto traduzia também um crescente apoio internacional para o PAIGC, mas igualmente a predisposição de muitos países e organizações, até aí hesitantes, que passaram doravante a conceder-lhe importantes ajudas. Em Junho, a OUA fixou em 313 334 libras esterlinas essa ajuda. Valor que foi duplicado na 18.ª sessão ordinária da OUA, em virtude de Cabral ter solicitado mais apoios para as populações das áreas libertadas.

Sensivelmente na mesma altura, o Conselho Ecuménico das Igrejas anuncia a concessão de um apoio de 340 000 dólares à Frelimo, ao MPLA e ao PAIGC, ajudas essas que permitiram ao Conselho Superior de Luta (CSL), deste último, reunido em Agosto (26), a decisão de reforçar e intensificar a luta armada.


Criação da Assembleia Nacional Popular

Ao mesmo tempo, o CSL (Conselho Superior de Luta) decidiu fazer funcionar a primeira Assembleia Nacional da Guiné-Bissau, pelo que, em Dezembro do mesmo ano, Amílcar Cabral produziu um documento intitulado “Para a Criação da ANP (Assembleia Nacional Popular)”, onde, com a clareza habitual, traça as directrizes para a constituição desta, especificando especialmente os métodos para as eleições locais, a composição dos órgãos, a proporcionalidade dos representantes por região e outros pormenores ligados aos aspectos práticos da organização e realização de uma intensa campanha de informação e sensibilização com vista a criação dos conselhos regionais, a qual deveria anteceder a constituição da Assembleia Nacional e dos outros órgãos do Estado da República da Guiné-Bissau.

Na sequência das decisões do CSL, o PAIGC efectua um violento ataque a cidade de Gabu e a Sonaco e a 24 do mesmo mês atacou a cidade de Bafatá, onde se registaram a morte de seis civis e muitos mais militares.

Em meados de Julho de 1971, – mais ou menos na altura em que em Portugal é anunciada uma revisão constitucional (16 de Agosto de 1971) (27), preconizando maior auto­nomia para as “províncias ultramarinas”, – a situação militar agravou-se significativamente para as tropas coloniais, pois o PAIGC continuava a efectuar espectaculares e violentos ataques aos centros urbanos, a ponto de o governador Spínola declarar, nas antenas da Rádio de Bissau, que “o exército português tudo faria para manter uma vida normal nos centros urbanos”.

As dificuldades aumentavam consideravelmente porque os guerrilheiros eram apoiados por bases logísticas que garantiam os reabastecimentos a partir dos territórios da Guiné-Conakry e do Senegal, bases essas a que, por impedimentos de ordem internacionais, as forças portuguesas não timham acesso, pelo menos formalmente. Porém, perante o agravamento da situação militar, Spínola autorizou as suas unidades a penetrarem no território senegalês neste mês, numa operação cujo objectivo era justamente cortar os apoios do PAIGC.

PIDE/DGS e SIM: Infiltração nas estrutruturas e nos círculos dirigentes do PAIGC

No entanto, a partir do mês de Setembro, o Serviços de Informações Militar e a PIDE/DGS, motivados sobretudo pelo agravamento da situação militar e pelo crescente prestígio que o PAIGC vinha angariando, tanto na Guiné como no plano internacional, conferem uma dinâmica acrescida aos trabalhos de infiltração nas estruturas e dirigentes do PAIGC há muito iniciado. Todavia, apesar de Cabral estar consciente desse ambiente minado, provam-no alguns documentos por si produzidos, mas também, em várias ocasiões, a sua atitude pedagógica e até complacente perante os comportamentos estranhos, quase se entregou por completo aos trabalhos diplomáticos, desdobrando-se em explicações e procura de apoio em vários países e instâncias, para o projecto da proclamação do Estado da Guiné-Bissau na arena internacional.

Nesse quadro, Cabral foi recebido em Londres, em Setembro, pelo secretário-geral do Partido Trabalhista inglês, Sir Harry Nicholas, tendo inclusivamente feito uma importante conferência no Centrall Hall, em Westminster, de que imprensa londrina se fez eco, comparando o sucesso da visita de Cabral a Londres ao que teve aquando da sua recepção pelo Papa Paulo VI.

Neste mesmo mês, foi recebido em audiência pelo presidente da Finlândia, Urbo Kekkonem e pelo secretário-geral do Partido Social-Democrata finlandês, Kalevi Sorsa. Viajou igualmente para a Irlanda, onde foi recebido no aeroporto de Dublin, pelo secretário-geral do Partido Trabalhista da Irlanda e pelo presidente dos sindicatos, tendo igualmente proferido uma conferência em que tomou parte o reverendo Austin Flannery, o Prof. David Greene, Noel Harris, o reverendo Terence Mc Caughey e ainda o historiador Basil Davidson.


A Operação Safira Solitária no Morés


A 20 de Dezembro, vários contingentes das tropas coloniais, cerca de 800 homens português tentaram reocupar posições na frente norte na Guiné, mas retiraram-se depois de sofrerem 60 baixas, em Morés (**). Após intenso bombardeamento aéreo desta zona (28), resolveram atacar com a infantaria, mas o PAIGC ripostou violentamente e provocou além dos referidos mortos , muitos feridos, a ponto do Hospital Militar de Bissau se encontrar sem possibilidades de receber mais. O comandante dessa acção denominada Safira Solitária suicidou-se.

A 29 de Dezembro, o Estado-Maior português reconheceu que durante essa operação foram evacuados para o hospital da cidade cerca de 61 soldados, fazendo até um elogio à capacidade combativa dos elementos do PAIGC, que considera, contudo, estarem a ser ajudados por unidades do exército senegalês e por mercenários cubanos.

À este comunicado o PAIGC reagiu com outro dizendo que “(...) o comunicado especial do Estado-Maior português apenas reflecte o desespero em Spínola e as suas tropas se encontram mergulhados, porque, em virtude dos ataques a todos os aquartelamentos realizados pelo PAIGC no mês de Dezembro, na área centro-norte, os colonialistas pensaram que aquelas acções eram o prelúdio de uma outra maior que atingiria a capita(...)” (29).


Os novos aviões Dakota, equipados com bombas de napalme para destruição das colheitas

A 26 de Novembro, a cidade de Bafatá é novamente atacada e a 30, numa acção coordenada, são atacadas simultaneamente Catió (Sul), Farim e Mansoa (Norte).

Após estas acções do PAIGC, as forças portuguesas destruíram 12 aldeias, nomeadamente Cambadjú, Dendo, Dumbal e Casa Nova (Norte), tendo entretanto usado nesses bombardeamentos os novos aviões Dakotas, equipados de bombas napalme, com objectivos de queimarem as colheitas, tendo o PAIGC reivindicado, em finais de Dezembro o abate de um desses Dakotas, no Sul do país, para além de um outro avião Harvar T 6, no Leste.

Combate-se no Senegal

Também, a 13 de Novembro, um pelotão das tropas regulares do exército português juntamente com as milícias especiais africanas, efectuou um golpe de mão nas povoações senegalesas de Fare Boké, próximo de Cambaju. Os efectivos envolvidos utilizaram fardamento e armamento do PAIGC, tendo abatido, para além dos elementos deste partido, igualmente militares e civis senegaleses.

Note-se que, relativamente a esta acção, Fragoso Allas, subinspetor da PIDE local, manifestou a sua apreensão com os acontecimentos, em virtude de a mesma poder comprometer as possibilidades de se chegar a um certo acordo com as autoridades do Senegal, no qual ele próprio parecia acreditar.

Do ponto de vista político, enquadrado nas acções tendentes a favorecer e integrar a sua manobra global, o PAIGC continuou empenhado, pelo menos desde Janeiro de 1971, na consolidação das suas estruturas do partido-Estado nas áreas libertadas, em ordem a permitir-lhe, em qualquer momento, assumir a representação da Guiné no plano jurídico internacional. Por isso, no campo militar, aumentou o seu potencial, estruturando as suas forças em unidades mais poderosas e revelando uma flexibilidade e uma capacidade de manobra apreciáveis. Logrou, inclusive, recrutar elementos com vista a criação de novas unidades, formando, em princípios de 1971, quatro novos bigrupos, que, na altura, estavam a iniciar a sua instrução em Kambera, Centro de Instrução Militar do PAIGC situado na Republica da Guiné-Conakry.

No plano internacional, o PAIGC privilegiou a sensibilização da opinião pública ocidental contra a acção colonial na Guiné, para alem de igualmente manter o apoio dos países limítrofes, razão que, aliás, levou as autoridades militares coloniais a admitirem a preparação e a possibilidade de “uma intervenção militar internacional de larga escala” (30).


Jornalistas estrangeiros na base de Canjambari

Consequentemente, o prestígio do PAIGC cresceu exponencialmente durante o ano de 1971, mercê, por um lado, da anunciada intenção de proclamação do Estado da Guiné-Bissau e, por outro, face aos sucessivos êxitos militares que o seu estruturado Serviço de Informação e Propaganda se encarregava diligentemente de difundir pela imprensa internacional.

Assim, vários jornalistas permaneceram entre de 17 a 5 de Dezembro nas regiões libertadas do Norte, nomeadamente na base de Candjambari. Foram eles, Ennark e Hermanson (suecos), (M. Torud (norueguês) e M. Antoine Laurent, enviado especial do vespertino senegalês Le Soleil. Do mesmo modo, delegações da SIDA (agência sueca de ajuda aos países em vias de desenvolvimento), do PNUD e da UNESCO visitaram Conakry, onde estabeleceram com o PAIGC relações de cooperação, que se traduziram em apoios concretos.

A 20 de Dezembro de 1971, pela Resolução A/2878 da 26.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, foi aprovado o relatório do comité especial, incluindo o programa de trabalhos para o ano de 1972. Neste, estava incluída uma visita às áreas libertadas dos territórios sob administração portuguesa. A missão especial para a Guiné-Bissau era composta pelos representantes do Equador, Horácio Sevilla Borja, Suécia, Folke Lofgren, e Tunísia, Kamel Belkhiria, um fotógrafo, Yutaka Nagata, e um secretário principal, Cheikh Tidiane.

A estratégia spinolista passou também por negociações indirectas com o PAIGC iniciadas em 1972, por intermediação de Senghor, con­versações essas, aliás, que seriam rapidamente bloqueadas por Lisboa. Na realidade, no início de 1972, a acção psicológica no chão manjaco tinham avançado significativamente, a ponto de os responsáveis por elas, estacionados em Cantchungo, se terem encontrado com os principais chefes dos bigrupos da área de Caboiana-Churo e ter sido acordada com eles a rendição das suas for­ças que desfilariam em Bissau antes de serem integradas em unidades africanas das Forças Armadas portuguesas.

Spínola falava, inclusivamente, da no­meação de Amílcar Cabral para o cargo de secretário-geral da província, que assumiria em regime de co-gestão com o general Pedro Cardoso. Quando o assunto é levado à direcção do PAIGC, esta decide pôr termo a esses contactos e liquidar toda a comitiva que incluía, para além dos três majores da APSIC, o próprio governador Spínola. À última hora, este não comparece ao encontro onde supostamente se iria proceder a rendição das forças do PAIGC.


Spínola: Explorar a rivalidade entre cabo-verdianos e guineenses no seio do PAIGC

Spínola, que não somente perdeu alguns dos seus mais brilhantes quadros, como ainda a possibilidade de efectivamente concretizar a planeada mas também falhada rendição, nunca mais perdoaria ao PAIGC, logo ele, que não olhava a meios para explorar as contradições e rivalida­des entre as diversas etnias que constituíam o aparelho político-militar do PAIGC, em especial a mais importante das rivalidades que existia entre guineenses e cabo-verdianos, pelo que doravante toda a máquina militar da propaganda joga com esses dados, inclusive a PIDE/DGS, que há muito vinha, em surdina, procedendo ao um meticuloso e paciente trabalho de infiltração do PAIGC.

Entretanto, ao nível das Nações Unidas, insistiu-se muito na necessidade de Portugal abrir as negociações com os movimentos de libertação das suas colónias com vista a autodeterminação desses povos. Assim, pela Resolução S/322586, de 22 de Novembro de 1972, do Conselho de Segurança, foi exigida ao Governo português a aplicação das disposições da Carta das Nações Unidas e da Resolução A/1514 (XVI), da Assembleia Geral: encetar de negociações com os representantes dos povos de Angola, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de Moçambique, a fim de se adoptar uma solução para o conflito armado que devastava os territórios e lhes permitisse alcançar a autodeterminação.


Inícios de 1972: os primeiros contactos de Senghor com as autoridades portuguesas

Porém, datam desta altura (inícios de 1972) os primeiros contactos de Senghor com as autoridades coloniais portuguesas e, segundo tudo confirma, com o próprio Amílcar Cabral, no sentido de se encontrar uma solução negociada para a guerra colonial versus guerra de libertação.

O PAIGC, na realidade, foi sempre receptivo a uma qualquer solução negociada do conflito, tanto mais que a sua estratégia, em última instância, era obrigar as autoridades coloniais a sentarem-se nas mesa das negociações e não a de uma contemporização indefinida, tal como Spínola pretendia, pois acreditava que Amílcar Cabral não tinha pressa na medida em que (...) é um homem inteligente e muito hábil e, como está convencido de que há-de vencer, logicamente espera tirar vantagem do tempo para formar os seus quadros e para que as populações, com o nosso trabalho, se vão promo­vendo cada vez mais. Tudo o que nós fizermos pelo povo é ganho assegurado para a Guiné do futuro e nós temos possibilidades técnicas de fazer mais estradas e escolas num só ano do que o PAIGC em muitos (...)” (31).

Como quer que seja, perante as propostas de Senghor, o Governo de Lisboa insistia em ignorá-las, com o argumento de que qualquer desfecho negocial para a Guiné teria o efeito de dominó(32), relativamente às outras colónias, sobretudo Angola e Moçambique, territórios também em guerra, pelo que ignorou da mesma forma e insistentemente as resoluções das Nações Unidas nesse sentido (33).

Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior do Exército, em visita à Guiné

No entanto, as sucessivas alterações do dispositivo militar efectuadas por Spínola bem como a excessiva utilização das Forças Africanas, eram, por si sós, insuficientes para restabelecer o equilíbrio militar perdido, como de resto atesta Costa Gomes, que após ter deslocado à Guiné em 1972, a convite de Spínola e na qualidade de Chefe do Estado-Maior do Exército, afirmou que, não obstante ter dito a Marcelo Caetano que, se se modificasse o dispositivo e se o PAIGC não utilizasse os Mig que dizia possuir, a Guiné seria defensável, pelo que “ (…) se opôs à ideia de, mantermos forças militares nas povoações situadas junto à fronteira, onde éramos sistematicamente atacados. Apesar de o general Spínola e seu Estado-Maior terem concordado comigo, nunca deram, no entanto, execução à directiva. Em 1972, existiam postos militares em São Domingos, perto do Senegal, Bigéne, Buruntuma e, no Sul, em Guiledje e Guidage. Fui, de facto, sempre contrário à essa táctica (em Angola não a usei), pois uma vez que nos era poli­ticamente vedado atravessar essas linhas fronteiriças em perseguição das forças inimi­gas, as tropas ali sediadas estavam permanentemente sujeitas a ser ataca­das sem poderem defender-se convenientemente (…)” (34).
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Notas de L.A.:

(20) “Anexo C ao Intrep” n.º 6/71, , Pasta Organizada por Províncias Ultramarinas – Guiné- , Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, NT 8924, fls. 15.

(21) Entrevista de Spínola ao jornalista Francisco de Carvalho, do Expresso, a 30 de Janeiro de 1973 e reproduzido em Por uma Pontugalidade Renovada, Agência-Geral do Ultramar, pp. 388-389.

(22) Cabral, Amílcar, Sobre a Agressão à República da Guine e os Acontecimentos Ulteriores Nesse País, reunião do CSL, 9 a 16 de Agosto de 1971, Serviços de Informação do PAIGC, Arquivo do PAIGC, 1971.

(23) Nessa altura, José Massip, cineasta cubano terminou a sua estada de dois meses nas áreas libertadas do Sul, onde rodou um filme sobre a luta do PAIGC. Este cineasta tinha já sido o autor do filme Madina de Boé, que fez imenso sucesso.

(24) De 18 à 26 de Setembro, o PAIGC realizou no hall do Teatro Nacional Daniel Sorona, em Dacar, uma exposição fotográfica seguida de um espectáculo artístico sobre a luta do PAIGC, na presença de Amílcar Cabral e do ministro dos Negócios Estrangeiros do Senegal, Amadou Karim Gaye. A mesma exposição foi inaugurada, em Bathurst, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Gâmbia.

(25) As FAL (Forças Armadas Locais) são forças regionais de quadrícula que surgiram no primeiro semestre de 1971 e foram criadas através da reorganização das Milícias Populares, às quais competia determinadas zonas das áreas libertadas, nomeadamente, colaborar com os CE em acções de guerrilha ou ainda realizá-las isoladamente, e também servir como guia à intervenção do CE deslocado para a realização de esforços, nos diferentes locais de implantação.

(26) É nessa data e nessa reunião magna que Amílcar Cabral anunciou que o PAIGC tinha enviado jovens militares para aprenderem a pilotar de aviões de guerra.

(27) Miranda, Jorge - As Constituições Portuguesas: de 1822 ao Texto Actual da Constituição. Livraria Petrony , 5ª edição, 2004, p. 278.

(28) Foi em Morés que o escritor francês Gérard Challiant, assim como os cineastas e jornalistas, respectivamente, Mário Marret e Izidro Roméro (franceses), Piero Nelli e Eugénio Bentivoglio (italianos), Juntin Vyeira, Justin Mendy e Mamless Dia (africanos) e Oleg Ignatiev (russo), recolheram material para os artigos que publicaram, tanto na imprensa e os filmes que realizaram. Em Dezembro de 1972, foram exibidos nas regiões libertadas o filme Lala Quema, da autoria de do cineasta francês Mário Marret.

(29) Pastas Organizadas por Províncias Ultramarinas, Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, SC NT 8923, fls. 242. Também em PAIGC Actualités, n.º 37, Janeiro de 1972.

(30) Pastas Organizadas por Províncias Ultramarinas, Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, SC NT 8923, fls. 242.

(31) Vários, (Rodrigues, Avelino s, Borga, Cesário e Cardoso, Mário), op. cit. p. 152.

(32) Caetano, Marcelo - Progresso em Paz, Lisboa, Verbo, 1972, p. 179.

(33) Cf. ONU, Conselho de Segurança, Documents Officiels, Ano 27, 1967 e sessão de 19 de Outubro de 1972.

(34) Gomes, Francisco Costa, op. cit., p. 156.

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. posts anteriores:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

(**) O nosso camarada Tino Neves já aqui relatou um anterior ataque (e creio que o primeiro, na história da guerra) à vila e quartel de Gabu > vd post de 9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1160: Lembranças de Nova Lamego (Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893): A fatídica noite de 15 de Novembro de 1970

(***) Já houve, logo nos primeiros tempos do nosso blogue, uma acesa polémica sobre esta versão, oficial ou oficiosa, do PAIGC sobbre as baixas de um lado e de outro, no decurso da Op Safira Solitária. Recomenda-se a leitura desses posts:

3 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIV: Informação & Propaganda: de que lado estava a verdade ? (1) (Sousa de Castro / Vitor Junqueira / Luís Graça / Afonso Sousa / A. Marques Lopes)


(...) "O coronel João Malaca foi um dos comandantes da guerrilha na zona de Morés e Bissorá [na região do Óio]. Foi ele quem comandou a célebre batalha de Morés na zona de Farim, em 21 de Dezembro de 1971, onde as tropas portuguesas deixaram no terreno 61 mortos confirmados pelo PAIGC.

"Ia uma companhia de africanos à frente. Tínhamos um rádio para captar todas as informações. A operação chamava-se Estrela Solitária [ lapso, é Safira, e não Estrela] . Quando os apanhamos na zona para onde os canhões e morteiros estavam apontados, começámos a descarregar a artilharia e fechámos-lhes a saída. Morreu muita gente. Era a guerra, ninguém ficou contente com isso" (...).

(...) "O Vitor Junqueiro, que era na altura alferes miliciano da CCAÇ 2743 (Mansambá, 1970/72), veio de imediato protestar: Amigo Sousa de Castro: Esta história do Sr. João Malaca é completamente falsa. Direi mesmo absurda. Eu estive lá nessa época" (...).

Veja-se, entretanto, o que dizia um Comunicado especial do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, captado pela rádio em 29 de Dezembro de 1971 e captado pelo Afonso Sousa:

(...) " Numa das mais importantes operações militares realizadas no Teatro de Operações da Guiné, as forças guerrilheiras acabam de sofrer um expressivo revés (...).

(...) "Montada a operação, denominada Safira Solitária, foi esta levada a efeito por unidades da força africana e teve início ao alvorecer do dia 20 prolongando-se até à tarde do dia 26 tendo as nossas forças sido guiadas na floresta por elementos das populações da área pertencentes à nossa rede de informações que conhecia a localização precisa das posições inimigas.

"Apesar de colhido de surpresa, o inimigo estimado em 6 bigrupos, 2 grupos armados de armas pesadas instalados em posições fortificadas e cerca de 333 elementos armados da milícia popular, opôs durante os três primeiros dias tenaz resistência acabando todavia por ser desarticulado e aniquilado, tendo sofrido 215 mortos confirmados, entre os quais três cubanos, e alguns mercenários estrangeiros africanos, 28 capturados, além de apreciável número de feridos.

"Segundo declarações dos capturados, encontravam-se na área pelo menos mais 4 elementos cubanos. Verificou-se que o inimigo estava implantando no Morés um sistema de fortificação de campanha do qual se destacavam espaldões para armas pesadas e abrigos subterrâneos para pessoal. Os grupos de guerrilha, pela resistência que ofereceram revelaram uma sensível melhoria de enquadramento e uma técnica mais avançada de guerra de posição.

"No decurso da operação foi capturado o seguinte material: 1 canhão sem recúo B-10, 2 morteiros de 82 mm, 2 morteiros de 60mm, 3 metralhadoras pesadas Goryonov, 7 lança-granadas RPG-7, 14 espingardas automáticas Kalashnikov, 38 espingardas semi-automáticas Simonov, 8 espingardas Mosin Nagant, 14 pistolas metralhadoras PPSH, além de avultado número de armas de repetição, de cunhetes de munições, fitas e carregadores, destruídos no local por desnecessários. As nossas forças sofreram 8 mortos, 12 feridos graves e 41 feridos ligeiros" (...).

3 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXV: Informação & propaganda: de que lado estava a verdade ? (2) (Vitor Junqueira)

sexta-feira, 16 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1602: Arqueologia militar: Vestígios da CCAÇ 2317 (Gandembel / Ponte Balana, 1968/69) (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)

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Vestígios da passagem da unidade do Idálio Reis por Balana, destacamento afecto a Gandembel (CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69).

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.

Guiné > Gandembel > Ponte Balana > Novembro de 1968 > Passagem de uma coluna logística de Aldeia Formosa para Gandembel. A CCAÇ 2317, a que pertencia o Alf Mil Idálio Reis, e que estava aquartelada em Gandembel, tinha um grupo de combate a defender a Ponte Balana (de Abril de 1968 a Março de 1969). Estas duas posições foram abandonadas pelas NT. A "Gandemdel das morteiradas" era uma canção de caserna muito em voga quando cheguei à Guiné (LG).

Foto: © José manuel Samouco (2006). Direitos reservados.

1. Recebi, a 13 de Março de 2007, a seguinte mensagem do nosso querido amigo Pepito:

Caro Luís Graça:

Seguem 10 fotos do antigo aquartelamento de Gandembel-Balana que tirei há dois dias no sul.

Se todos estarão interessados, o Idálio Reis (1), mais ainda. Ele terá é que redescobrir o aquartelamento, pois o que sobrou foi pouco.


Abraços
Pepito
AD - Acção para o Desenvolvimento
Bissau

2. Estou a aguardar um primeiro comentário do Idálio Reis, a quem reenviei as imagens, para a sua apreciação em primeira mão. Recorde-se que estamos, entretanto, a publicar a história da sacrificada CCAÇ 2317 (2) que construiu em 1968 o aquartelamento de Gandembel e o destacamento da Ponte Balana, duas unidades logo a seguir abandonadas em 1969.

A CCAÇ 2317, de que o nosso camarada Idálio Reis foi Alferes Miliciano, terá sido a mais (ou uma das mais sacrificadas) unidades militares portuguesas no TO da Guiné. Releiam-se as duras palavras do Idálio Reis, no primeiro dos dois textos já publicados:

(...) "Em Cacine apeámos, e a 20 de Março [de 1968] chegávamos a Guileje, e ninguém pressagiava a sinistra e fatídica odisseia que doravante estava reservada à CCAÇ 2317. Ao mandar construir um destacamento fixo, em zona onde o PAIGC detinha um quase inteiro domínio territorial, o estado-maior do comando militar da Província cismou numa táctica militar imprudente, reveladora de uma grosseira insânia, destituída de qualquer preconceito, tanto mais que assentava no propósito de minimizar o poderio militar do adversário.

(...) "E se o desaire [ das NT, em Gandembel/Ponte Balana,] não é de todo gorado, tal deve-se ao preponderante papel desenvolvido pelas tropas paraquedistas, que se cruzaram connosco nesta aventura, pela forma extremamente meritória como o souberam assumir. Foram as verdadeiras tropas de elite, que num momento particularmente conturbado para nós, apearam em Gandembel, e coube-lhes a ousadia de conseguirem suster quase radicalmente as acções do PAIGC.

"Mas, no deve e haver, ficaram a perdurar para sempre, os resultados de uma sentença muito pesada. E estes, sem margem para quaisquer dúvidas, vieram a redundar num rotundo e plangente fracasso, pela quantidade de mortos e estropiados, dos feridos graves, e dos evacuados com maleitas várias, estas doenças que nos vêm chagando no nosso quotidiano.

"Já alguém apontou no nosso blogue, o número de 52 mortos e muitos feridos graves. Torna-se-nos muito difícil atestar este valor, caro Zé Neto, mas do que me foi dado a observar e conhecer, considero que as tropas que estiveram mais ou menos envolvidas com a odisseia de Gandembel, entre mortos e evacuados para Lisboa (feridos e doentes), atingem seguramente a centena de homens, como terei oportunidade de ir focando"(...).

_________

Notas de L.G.:

(1) Ex-Alf Mil da CCAÇ 2317: vd. posts de

19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)


18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)

(2) Vd. posts de:

20 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1449: Para breve, a história da CCAÇ 2317, que esteve em Gandembel e Ponte Balana (Idálio Reis)

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

Guiné 63/74 - P1601: Dois anos depois: relembrando os três majores do CAOP 1, assassinados pelo PAIGC em 1970 (António Graça de Abreu)

1. Texto do António Graça de Abreu (ex-alf mil, CAOP 1, Teixeira Pinto; esteve também em Mansoa e Cufar, 1972/74):

Excertos do livro Diário da Guiné, de António Graça de Abreu (1), recente membro da nossa tertúlia (conhecemo-nos ontem pelo telefone, é professor de inglês na Escola Secundária José Saramago, em Mafra, e tradutor de chinês; além disso, ele vai ter a gentileza de me mandar um exemplar autografado do seu livro, o seu 12º livro publicado).



Canchungo, 18 de Agosto de 1972 > A história dos três majores, do alferes e dos dois intérpretes negros assassinados pelo PAIGC (2).


Neste CAOP 1, o alferes Marques ocupa o lugar que outrora foi do alferes Joaquim Mosca, adjunto de Informações, o capitão Borges mais os majores Barroco e P. estão aqui em substituição dos majores Magalhães Osório, oficial de Informações, Pereira da Silva, oficial de Operações e Passos Ramos, chefe do Estado Maior (*).

No dia 20 de Abril de 1970, estes três majores mais o alferes Mosca e dois negros, Aliu Sissé e Patrão, que serviam de intérpretes, foram brutalmente mortos à saída da estrada entre o Pelundo e o Jolmete.

Dando corpo à política do general Spínola da Guiné Melhor e pacificação do chão manjaco, há dois anos atrás a estratégia político-social do CAOP 1 tentou convencer alguns comandantes militares do PAIGC a depor as armas, trazendo-os para o nosso lado e criando condições para a inserção harmoniosa desta gente numa nova Guiné, moderna, de paz e progresso para todos.

Realizaram-se várias reuniões entre os três majores do CAOP 1 e os guerrilheiros, o diálogo parecia começar a dar frutos. O general Spínola participou também num dos encontros e estava disposto a negociar o fim da guerra com o próprio Amílcar Cabral. Ainda à sombra da bandeira portuguesa, avançar-se-ia para uma Guiné com autonomia, uma espécie de soberania partilhada entre negros e brancos. Não era essa - nem é hoje -, a linha política do governo de Lisboa, nem do PAIGC que lutava pela independência total e expulsão dos colonialistas brancos.

No dia 20 de Abril de 1970, os três majores, o alferes e os intérpretes saíram desta casa, sede do CAOP 1, em dois jipes para mais uma reunião secreta com os chefes dos guerrilheiros. Passaram o Pelundo e avançaram desarmados, sem escolta em direcção a uma pequena floresta, no caminho para o Jolmete. Era o lugar combinado, já utilizado em anteriores encontros. Os guerrilheiros estavam lá, à espera dos militares portugueses, desta vez não para negociar mas para os matar. Foram todos cobardemente assassinados com armas brancas e os corpos, esquartejados. Não foram mortos a tiro porque o barulho provocaria o alarme no quartel do Pelundo, tão próximo.

Eram homens de excepção, nossos antecessores neste CAOP 1, neste edifício, nestas salas. Permanecem na memória de todos (**).

_________________

Notas do autor:

(*) Um dos oficiais que, em 1970 após a morte destes majores, os substituiu no nosso CAOP 1, foi o então capitão António Ramalho Eanes. Citado por Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, pag. 72.

(**) O major de Infantaria Alberto Magalhães Osório repousa no cemitério do Baraçal, Celorico da Beira, o major de Artilharia Joaquim Pereira da Silva descansa no cemitério de Galegos, Penafiel, o major de Artilharia Fernando Passos Ramos jaz na terra fria do cemitério de Paranhos, Porto, o alferes miliciano Joaquim Palmeiro Mosca dorme para sempre no cemitério municipal do Redondo.

No site http://www.blogueforanada.blogspot/, com data de 20.11.2005, o ex-furriel João Varanda da companhia do Pelundo, conta também esta história e conclui:"Deixo-lhes um abraço fraterno e um apelo a todos os combatentes para que visitem estes cemitérios e coloquem nas suas campas um cravo vermelho de Abril" (3).

Sobre os três majores ver o depoimento do general Carlos Fabião, "Milícias Negras", em A Guerra de África I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pag. 371. Na mesma obra, idem, ibidem, II, pag. 716, no depoimento do general Almeida Bruno, "Libertar Guidaje", encontra-se uma fotografia dos três majores em frente das instalações do CAOP 1, em Teixeira Pinto, pouco tempo antes de serem mortos.

Ver também o texto "Desaparecidos em Combate" no jornal Expresso/Revista de 24.4.95 e a sentida resposta do general Ricardo Ferreira Durão, no mesmo jornal a 27.5.95.

___________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de:

27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

(2) Vd. post de:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

(3) Vd. pst de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco (João Varanda)

Guiné 63/74 - P1600: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (38): Missirá, a Fénix renascida

Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > O destacamento vai renascer das cinzas, depois do ataque de duas horas do PAIGC, na noite de 19 de Março de 1969.

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > "O Luís Casanova gostava de instantâneos, disparos ao sabor do quotidiano. Ele registou a minha cubata a partir de um local que era o fórum dos dias quentes, a cantina. A minha cubata fora o refúgio do Prof. Armando Cortesão, um dos mais eminentes cartógrafos mundiais. O cientista viveu alguns meses em Missirá, acompanhando na região do rio Gambiel uma plantação extensa de palmeiras de Samatra. Fui várias vezes a Gambiel, e lá terá lugar, na primeira semana de Janeiro de 69, um rencontro com uma força do PAIGC. Dormi até Março na cama do cientista, com um colchão de folhelho" (BS).



Foto e legenda: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Luís Casanova, que foi o fotógrafo, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.







Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Missirá > 1969 > O esatdo a que ficou reduzida a morança do comandante do Pel Caç Nat 52 , depois do grande ataque ao destacamento em 19 Março de 1969. O Beja Santos perdeu tudo o que tinha, incluindo os seus haveres mais preciosos: os livros, os discos, os escritos, as cartas... Valeu-lhe a solidariedade do pessoal de Bambadinca, sede do comando e da CCS do BCAÇ 2852 (1968/70), e em especial do seu comandante, o tenente-coronel Pimentel Bastos.


Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.




38ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (3). Texto enviado em 21 de Fevereiro de 2007.Texto enviado em 27 de Fvereiro de 2007.


Caro Luís, aqui vai a prosa da semana. Fotografias da Missirá calcinada tens tu, até comigo a fingir de construtor civil. Mal tinha acabdo de escrever este texto e descobri o louvor que foi dado ao Mamadu Camará, exactamente pelo conjunto da sua colaboração e onde se alude a um episódio que aqui se relata: Mamadu que nunca conduzira na vida salvou um Unimog de ficar esturricado. Seguem pelo correio os dois livros aqui mencionados e um envelope com correio da Cristina. Recebe um grande abraço do Mário.


Missirá renasce entre a lama e o cimento
por Beja Santos


Lá para o fim de Abril, caía a pique o dia, enquanto Gibrilo Embaló, Dauda Seidi, Uam Sambu, Nhaga Macque e Ieró Baldé amassam com os pés a nova lama que amanhã entrará numa singela forma de madeira, para fazer mais tijolos, no momento em que Cibo Indjai lança capim que reforçará essa lama e dará consistência aos tijolos que amanhã entrarão na dita forma sob a ameaça da época das chuvas que já se anunciou, e quando Quebá Soncó ajudado pelo seu filho Quecuta faz uma aspersão de água para que a massa barrenta se torne mais maleável, sinto-me inebriado e festivo pela epopeia do renascimento de Missirá. A minha casa desapareceu, vivo temporariamente no abrigo do Casanova, incólume às desvastações daquela noite de 19 de Março passado. Inebriado estou, e vou saudar estes operários e caçadores nativos, trolhas, heróis da guerra e da paz.

Sento-me, acendo o candeeiro de petróleo, olho fascinado para a folha A4 e escrevo Um relatório de Abril, um simulacro de poema para falar da gesta em que saímos das cinzas, combatemos e felicitamos o Cuor:

"Escrevo-vos em júbilo vendo as papaias a crescer e quando um sol poente incendeia as cores das novas moranças. Estas casas são, por ora, a lama e cibes engavinhados da bolanha onde os nossos tios mandingas continuam a cultivar a mancarra e a cana. No ar, há uma nostalgia da sumaúma que esvoaça nas crinas de um bissilão, aquela árvore de sangue forte que me dá coragem neste tempo de entusiasmo. Mãos pretas enchem as malhas de cimento, rasgam as portas que abrem para o arame farpado. Cada porta nova fala em nome de 17 moranças calcinadas. Anoiteceu e já não posso ver as enxadas que ribombam nos novos espaços da vida. Há horas em que são soldados, vão longe daqui e vigiam o rio, para que os barcos passem. Há horas em que são agricultores alçados em construtores, perfilando tijolos de adobe, reconstruindo com sorrisos, afastando os medonhos presságios. São seis horas da tarde, há um vento estrangeiro que anuncia uma luz de chumbo que vai acobertar por algum tempo estes criadores de uma tão humilde criação. Explico: até aos joelhos amassa-se a lama, enquanto ao lado se lavra a golpes de catana um cibe, se afaga uma nova parede e, como num prodígio de biologia, a parede sobe onde antes estavam naves chamuscadas. Agora, Sadjo amigo, nosso porta-bandeira, Cuor rima com suor, terra de seda oleaginosa. Escrevo-vos com a espingarda ao lado e um candeeiro de petróleo que desanuvia a sombra e ilumina o arvoredo deste gigante equatorial onde habito. Escrevo-vos para dizer que todos os olhos despontam em fósforo, nesa terra côncava vive-se uma rapsódia de adolescentes e lembro o Abril da minha Pátria.".

A minha mãe leu e ficou indecisa. Mais tarde, quando o Furriel Casanova a foi visitar, questionará:
- Não percebo a guerra que vocês fazem. O meu filho falou-me num soldado que era porta-bandeira. Não é uma loucura andar pela mata com um porta-bandeira?.

A gente de Madina/Belel trouxe canhões sem recuo e balas incendiárias


Voltando atrás lembro-me da conversa que tive com o Queta Baldé acerca dos acontecimentos de 19 de Março. São 9 da manhã, o Queta estava bem em frente a mim, as mãos circulam no ar, ritmam a cadência viva expressa no olhar de quem tudo registou, para nosso gáudio:
-Nosso alfero, não pode imaginar a sorte que teve a gente de Madina. O dia tinha estado muito quente, não havia aragem na noite. Trouxeram canhões sem recuo e balas incendiárias, puseram-se a 500 metros mesmo em cima da estrada, entre o quartel e a fonte de Cancumba, junto ao cemitério mandinga. A primeira roquetada foi sobre a sua casa que explodiu minutos depois, pois o alferes Reis tinha lá metido seis caixas com granadas de bazuca. Foram duas horas de ataque. As balas incendiárias queimaram tudo, o calor era um inferno. Eu fui para a metralhadora, no abrigo do Teixeira das transmissões e ali estive durante as duas horas do ataque. O Campino foi o herói, como o Mamadu Djau, sempre junto ao arame farpado, à procura da saída do fogo do nosso inimigo. O Mamadu Camará que não sabia conduzir foi tirar o Unimog grande que estava parado junto do combustível e andou com o Unimog pela parada. Mas quem mais lutou foi o Cherno que chegara na véspera de Bissau. Vi-o todo molhado de canseira a responder com o morteiro até se acabarem as granadas. Na manhã seguinte, quando fizemos o reconhecimento vimos muito sangue da gente de Madina, eles perderam gente.

De facto, o PAIGC não saiu completamente em glória deste ataque a Missirá. No fim de Março, fui chamado a Bambadinca para conhecer um desertor de Madina que tinha sido trazido pelo chefe de tabanca de Mero. As notícias eram importantes para mim, aquele enorme balanta falou calmamente na sua língua nativa e Nhaga Macque traduziu:

Madina/Belel insistia em armadilhar todos os trilhos que tínhamos descoberto, alterando os itinerários até Mato de Cão, Canturé e Nhabijões; houvera mortes e feridos no ataque de Março e Corca Djaló, o Comandante de Operação, ficara furioso por só ter sabido mais tarde que as munições em Missirá estavam praticamente esgotadas ao fim daquele tremendo ataque; Madina/Belel ia receber reforços para aumentar a pressão sobre Missirá e Finete.

Não valorizei nem desvalorizei estas informações, sendo céptico destas apresentações espontâneas de desertores, sabe-se lá se novos informadores legitimados em Santa Helena ou nos Nhabijões. Mas foi este informador que me fez estar atento aos sinais de presença humana e animal que eu ia encontrando nos nossos trilhos mais batidos, até que um dia descobri que valia a pena patrulhar picadas de outrora. Vim a ter surpresas, como mais tarde aqui se contará.


Chego de Bissau a 21 de Março de 1969



A Missirá onde eu chego na tarde de 21 de Março é um aquartelamento desolador, marcado pelo negro dos incêndios, de pé estão os abrigos de chapa, a cantina, a cozinha e messe, o balneário e as moranças do régulo que escaparam pela distância de todas as outras moranças que desapareceram com o vento assassino que subitamente soprou e se propagou às habitações dos caçadores nativos e suas famílias.

Quem me recebe é Bacari Soncó que substitui o régulo, ainda hospitalizado. O Reis, que me substituiu enquanto fui operado, já está em Bambadinca e jura não voltar a Missirá. Quando falo em Queta do alferes Reis, ele lança uma casquinada ainda maior daquela que teve quando falou dos armadilhamentos do fim do ano:
-Nosso alfero era muito divertido. Levava aqueles papéis que cravava nas árvores onde escrevia que tinha ali passado o Alferes Reis e tratava-os por turras paneleiros.

À entrada do quartel verifico que o arame farpado voltou a cair, vão ser mais semanas de tesoura corta-arame e Unimogs carregados de rolos e a força bruta a esticar o arame. Ardeu tudo, até pás e picaretas, os fardamentos, armas, os bens dos soldados e suas famílias. Antes de falar à população pedi para ir ver onde morreu Sadjo Baldé, que eu fora buscar ao Cossé há tão pouco tempo na companhia da mulher. Pelo Queta, descobri mais tarde, fora uma relação horrível já que a mulher amaldiçoara a sua compra, estando prometida a outro homem.

Depois, entrei sozinho na minha cubata fixando o olhar naquelas cinzas onde outrora estava a minha riqueza. Só restavam os ferros da cama onde dormira o Prof. Armando Cortesão. Atrás de mim, Cherno com a voz embargada pede desculpa por não ter podido salvar nada. Rezo a Deus pelo entusiasmo que tenho, pela alegria que sinto, em ter voltado a Missirá com o propósito de a ver renascer. Dirijo-me à população e a todos os soldados agradecendo-lhes o modo como lutaram e prometo-lhes que Missirá vai reaparecer muito em breve, pedindo a todos um esforço incomum nos próximos meses.

Depois do jantar, reúno os três furriéis (Casanova, Pires e Pina, recentemente chegado) conjuntamente com os cabos.
- Vamos continuar a ir todos os dias a Mato de Cão, Madina/Belel não vai ficar tranquila pois continuaremos ofensivos, e este espaço vai sair das cinzas. Haverá uma rígida divisão de tarefas, a população civil contribuirá para a reconstrução das moranças, tenho a promessa de que o cimento e outros materiais de engenharia vão começar a chegar para a semana.


A solidariedade do Pimbas e do BCAÇ 2852


Alguém me entrega uma carta que o Pimbas deixara para mim. Sim, o Pimbas viera de helicóptero na manhã seguinte, trazendo com o Capitão Neves o primeiro reabastecimento de munições. O Queta já me tinha dito:
- Ao fim de duas horas de ataque, quando começámos a ver que os cartuchos iam acabar, um grupo de soldados foi buscar todos os velhos cartuchos e decidimos que se o ataque continuasse os deixávamos entrar e aquelas últimas balas seriam para eles.

O Pimbas estava electrizado com aquela ruína, visitou demoradamente tudo, trouxe um verdadeiro consolo, depois, sentado na nossa messe redigiu uma linda mensagem:
- Não estou preocupado contigo, pois sei que vais levar a carta a Garcia. Não merecias esta chatice, mas a guerra prega-nos estas partidas. De tudo quanto precisares e estiver ao nosso alcance, conta connosco. Recebe um abraço amigo.

Precisávamos de tudo. Quando cambámos o Geba, éramos uma horda de indigentes, havia mais gente a vestir civil que militar, em chanatos, camisas interiores, calções fulas, enfim o tal circo referido pelo homem grande de Bissau. Na CCS, foi-nos oferecido todo o fardamento existente, a começar pela roupa dos falecidos no rio Corubal. Nesse dia não precisei de pilhar nada, deram-me roupa interior e exterior, com uma enorme dignidade alguém trouxe um subscrito com dinheiro e disse-me:
- É uma recolha pobrezinha para ajudares quem tu quiseres.

Aquele dinheiro deu-me muito jeito para comprar desde candeeiros a sabão, artigos de costura e tecidos para as mulheres e crianças. Foram tempos muitíssimo difíceis mas numa carta de 6 de Maio informo para Lisboa:

"Já ninguém anda nú, até os alfaiates de Bambadinca fizeram roupa sem pedir dinheiro. Começa a choviscar mas ja temos empilhados e salvaguardados milhares de blocos. Faltava-nos arroz e deram-nos o que apanharam no Fiofioli durante uma grande operação. Chegaram 500 sacos de cimento, todo o material de aquartelamento, reparámos o que era possível reparar, o resto aparece de raíz".

Nem tudo é gesta ou me deixa feliz: Jolá Indjai vai para Lisboa, julgava-se que era um vírus horrível, descobriu-se que estava tuberculoso. Só o voltarei a ver em Agosto de 1970, uma hora antes de eu embarcar no Carvalho Araújo onde ele me consolou:
- Agradeço o que a sua família fez por mim. O meu maior orgulho, aquilo que direi aos meus filhos é que pude combater a seu lado".

Um dia, já em Abril, descobrirei que me roubaram 1500 escudos, o que restava das minhas economias, as viaturas continuam a empanar, o Rui Gamito veio cá e deu conselhos de engenharia mas contínuamos a trabalhar sozinhos. Todas as noites trabalho com o Pires no inferno dos autos de abate, explicando pormenorizadamente o material perdido, desde camas a capacetes, numa operação interminável. A espingarda do Teixeira que tinha sido roubada por alguém que seguramente deixara a sua naquele intempestivo ataque de abelhas, durante a Anda Cá, desapareceu em auto de abate, numa descrição forjada de ferros calcinados. Continuo a trabalhar no auto da granada de Fatu Conté, expedindo deprecadas para militares ex-militares que irão ser sobressaltados quanto às ocorrências daquela granada incendiária que explodiu no reboque, em Finete, pelas 2h da tarde de 19 de Abril de 1967. Enfim, este é o quotidiano da guerra.

A informação do balanta que se apresentou em Mero pode não ser de todo fidedigna, mas a verdade é que vamos encontrando pegadas no chão enlameado à volta de Mato de Cão, e passando as semanas aumentam os indícios de bostas de vaca. Ninguém dá explicação do que se está a passar, não sei como actuar e onde emboscar os que vêm abastecer-se aos Nhabijões e a Mero. Até que num amanhecer olho para a carta do Cuor, vejo a extensa linha vermelha de uma estrada que no passado permitia vir de Bissau até Porto Gole, daqui ao Enxalé e daqui até Geba e Bafatá e perguntei-me:
- Não será que o meu inimigo está exactamente a fazer aquilo que era impensável, ou seja a usar a estrada com toda a calma e a seguir a picada que julgávamos abandonada até Madina?

Iremos começar a farejar e em fins de Abril descobriremos que a gente de Madina/Belel tinha de facto abandonado os itinerários antigos, agora deslocava-se pela estrada tida por abandonada. Feita a descoberta, iremos pacientemente emboscar. Os frutos surgirão no fim de Maio, exactamente na véspera do ataque a Bambadinca.

E portanto, a vida continua. O Casanova , com um olhar cúmplice, antes de partir para férias disse-me:
- Perdeu todos os seus discos mas guardei-lhe uma ópera cantada pela Maria Callas, a Tosca.

Estou sem dinheiro para comprar gira-discos, leio furiosamente o que levei para Bissau, o que comecei a comprar em Bissau, refazendo a minha bilbioteca. O Barco da Morte, por Agatha Christie, é um policial apaixonante, que ainda hoje releio sem nenhuma perda de surpresa. Uma multimilionária rouba o namorado à sua melhor amiga e vai passar a lua de mel a descer o Nilo. O agrupamento humano que se junta indicia alta tensão: a a antiga amiga da multimilionária aparece inesperadamente em todos os percursos da viagem; arrivistas, ladrões de alta roda, escritores exóticos e um detective lendário, Hercule Poirot, são protagonistas de vários dramas até chegarmos a cinco assassinatos e a um grande desfecho em que o que víamos escrito por Agatha Christie era totalmente o inverso do que realmente se estava a passar. A capa de Cândido da Costa Pinto é hoje um ícone do grafismo glorioso desse tempo.


Platero... e Eu



Li também Platero e Eu, de Juan Ramón Jiménez, a história do burro mais humano da literatura mundial:

"Platero é pequeno, peludo, suave; tão macio, que dir-se-ia todo de algodão, que não tem ossos. Só os espelhos de azeviche dos seus olhos são duros como dois escaravelhos de cristal negro. Come o que eu lhe dou. Gosta das tangerinas, das uvas moscatéis, todas de âmbar, dos figos roxos, com sua cristalina gotita de mel. É terno e mimoso como um menino, como uma menina...; mas forte e seco como de pedra. Quando nele passo, aos domingos, pelas últimas ruelas da aldeia, os camponeses, vestidos de lavado e vagarosos param a olhá-lo: - Tem aço... Tem aço. Aço e prata de luar ao mesmo tempo."

Platero brinca com os meninos, passeia-se pelos campos, deslumbra-se com a chegada da Primavera, é o amigo mais fiel do seu dono, a quem o autor chama O Louco: "Vestido de luto, com a minha barba nazarena, e o meu pequeno chapéu negro devo ter um estranho aspecto cavalgando na macieza cinzenta de Platero. Um burro que brinca enquanto o dono lê clássicos e contempla a lua. Um dono amigo que lhe tira os espinhos quando Platero começa a coxear. Relação fecunda e cúmplice, que atravessa as quatro estaçõess do ano e várias ciclos da vida. Platero relincha quando depois das lenta madrugadas de Inverno chega o tempo de floração. Até que um dia esse bicho humanizado morre aos olhos do veterinário impotente para o fazer regressar à vida: "O seu pêlo eriçado parecia o cabelo traçado das velhas bonecas, que cai numa poeirenta tristeza quando se lhe toca. No curral silencioso, acendendo-se sempre que passava pelo raio de sol do postigo, revoava uma bela borboleta tricolor." A edição de Platero ainda é mais preciosa com os desenhos belíssimos de Bernardo Marques.

Este mês de Março é de labor, entre demolições e construções. Não há férias e dissuado a Cristina de vir até à Guiné, sabe-se lá com que tortura estamos a pagar esta nossa separação. É um tempo de promessas, um tempo único, irrepetível. O leitor que se acautele pois vamos falar de trivialidades, de peças para o Unimog que não chegam, de falta de arroz, o Carlos Sampaio vai partir para Moçambique, enquanto eu faço de mestre de obras uma parte do meu pelotão vai até à Ponta do Inglês onde há um golpe de mão bem sucedido sem sangue e com a resignação dos capturados. Lá para Junho caio inanimado de exaustão e o David Payne põe-me a caldos e repouso profundo. Mas Missirá já renasceu.

___________

Nota de L.G.:



Guiné 63/74 - P1599: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (11): Paulo Salgado


1. Mensagem do Paulo Salgado:

Camaradas Tertulianos,

Este tema (1) é, e será sempre, recorrente e com interpretações várias, segundo perspectivas culturais, sociológicas e políticas diferentes.

Antes de me pronunciar - uma vez mais - sobre o assunto, fazendo-o com prudência e muita humildade, quero reafirmar que os meus contributos raramente se têm localizado, temporalmente, no período da guerra; intervim mais sobre as minhas vivências durante as estadias na Guiné-Bissau, em 1990-1992 (segunda comissão), vários meses entre 1996 e 2005, e de Setembro de 2005 a Setembro de 2006 (terceira comissão de apenas um ano). São quase seis anos de Guiné. Este tempo todo - irei lá mais vezes? - deu para reflectir.

Mas, graças à minha ida à guerra, tive oportunidade de rever aquele pedaço de território encharcadiço, mas com tanta riqueza e espiritualidade, com tanto carinho para dar, não teria oportunidade de ver as crianças com o seu sorriso, e todos com muita esperança...

Outra nota: neste blogue - que em boa hora foi consituído com a dimensão e natureza que apresenta, e que não é fácil gerir! (honra seja feita ao Luís Graça, em primeiro lugar) - permite-nos fazer a catarse, contar e recontar episódios (alguns vividos por camaradas em conjunto que, porventura, os recordarão de maneira diferente porque os sentiram de diversa forma - já se abordou este tema, também), pensar nos bons e maus momentos, nas emboscadas, nos golpes de mão, etc. Se é assim, esta questão da deserção deve ser trabalhada com rigor, deve ser abordada com muita humildade intelectual, sob pena de, por um lado, entrarmos em ressentimentos, e por outro, cairmos no facilitismo histórico.

Tenho lido atentamente as intervenções e, confesso, sinto que muitas afirmações têm sido feitas com racionalidade notável, outras, mais emocionadas, demonstrando alguma - desulpai a expressão! - sobranceria.

Conto-vos um episódio, que o Moura Marques (2) me recordou, pois tal me escapava no fundo da memória. Recordava-me ele:
- Olha, Salgado, tu, em Santa Margarida, diante do grupo de combate que estava a consituir-se, disseste mais ou menos o seguinte: se algum de vós sente que ir para a guerra não está correcto, então ainda está a tempo de recuar.

Bom, não sei se foi isto que eu disse exactamente, mas o Moura Marques é que mo referiu (e eu tenho por ele um respeito total, uma amizade infinda, pois ele é um homem grande, um camaradão, e cuja amizade se fortaleceu aqui (já falei dele num contributo neste blogue).

Estou, pois, confrontado com uma realidade: eu estava a sugerir a deserção? Eu estava a apontar caminhos duvidosos? Colocava os jovens em situação delicada? Tinha diante de mim (eu já tinha feito 24 anos!) rapazes mais jovens do que eu, porventura alguns analfabetos e uns tantos desconhecendo as causas e as consequências da guerra. Mas, de todo, inteligentes como eu, sagazes, mais ainda.

Para uma afirmação como aquela, estaria certamente, no subconsciente, a minha passagem por Coimbra em 1968-1969, as fugas à guarda montada junto à escadaria monumental, algo que perpassou por mim em tempos de estudante voluntário de direito.

Fica-me, pois esta dúvida: de alguma forma, eu estaria a colaborar numa eventual deserção.
Mais ainda: estarei eu aqui a sentir-me um pouco desertor?

Pessoalmente, eu equacionei essa hipótese. Ir para Paris, onde o meu Pai tinha um amigo (não digo o nome dessa Figura porque já faleceu) seria um caminho que se me colocou, digo-o com toda a franqueza. Mas, confesso-vos que o não fiz por duas razões: a primeira porque não queria enfrentar a situação de não voltar a ver a rever a minha mãe e a minha namorada- aquela era adorada e ficaria triste se tal acontecesse; esta porque de facto foi e é a minha paixão, o meu amor.

A segunda razão parece infantil e contraditória (embora politicamente eu não acreditasse em soluções militares): eu tinha a ideia que estava psicológica e militarmente preparado (tinha andado em Lamego em Operações Especiais) e, tendo muito medo, como mais tarde vim a sentir imensas vezes, algo me dizia que voltaria.

Hoje, como diz o A. Marques Lopes, ficaria novamente com grandes dúvidas.

Quanto a mim, a palavra poderia ser dada aos desertores, se assim entendessem (fossem quais fossem as razões da sua atitude), eles poderiam dar-nos o seu testemunho, poderiam - penso - ajudar-nos, também com a sua humildade, a compreender melhor este fenómeno da deserção e das suas causas (que aliás, como sabeis, aconteceu com muitos jovens frnaceses na Argélia, e com belgas, no Congo).

Dêmos-lhes a palavra, se assim o entenderem. De outro modo, nunca chegaremos a saber o que os moveu. Tenham eles a humildade de nos contar por que razão o fizeram.

Mantenhas

Paulo Salgado
Ex-Alf Mil Cav

CCAV 2712
Olossato e Nhacra (197o/72)
________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha

13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho

14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

15 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1597: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (10): Idálio Reis

(2) Vd. post de 2 de Março 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato

quinta-feira, 15 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1598: Conto(s) do barqueiro do Geba (Luís Graça)



Africanidades > 8 de Março de 2007 > Do Casamança ao Cacheu

Foto: © Jorge Rosmaninho (2007). (Com a devida vénia...). Extraído do seu blogue Africanidades (Vivências, imagens e relatos sobre o grande continente África vista pelos olhos de um branco... que, por sinal, é também um grande português do pós-império)


Jorge: Roubei-te o teu barqueiro, o teu belíssimo homem da piroga no Cacheu, que eu não conheço. Conheci o Geba, o Corubal, o Udunduma, outros rios, a mesma humanidade, a mesma africanidade...

Revisito de tempos a tempos o teu/nosso blogue, o Africanidades, as tuas vivências, imagens e relatos sobre o grande continente África (re)visto, sentido, cheirado, apalpado, (red)escrito, fotografado, amado por um grande português do pós-império, errante, inquieto, solidário, meridional, global...

Olha, em troca, deixo-te aqui um poema, uma lengalenga que um dia ouvi a um barqueiro do Rio Geba. Não sei fula, nem mandinga, nem balanta. Mas - imagino - a língua dos barqueiros não deve diferir muito de rio para rio, do Geba ao Tejo, e até ao rio da nossa aldeia, como diria o Alberto Caeiro/Fernando Pessoa (O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia /Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia)...

Ao Jorge e ao todos os portugueses errantes, de ontem, de hoje e de amanhã. A todos os barqueiros do mundo. A todos os rios sem ponte. A todos os que querem cambar um rio e não têm barqueiro, nem barca, nem ponte, nem margens, nem pontos de cambança ou de referência... Por fim, ao senhor barqueiro de Caronte para que, quando nos levar, de vez, na sua barca, nos leve com cuidado, com jeito, não vá a gente... acordar. (LG).


Conto(s) do barqueiro do Geba
por Luís Graça (1)


Um homem passa o rio,
a nado.
Um homem atravessa a ponte
sobre o rio.
Um homem cai ao rio,
baleado.

Há uma piroga
no tarrafo.
Metralhada.
E flamingos brancos,
tingidos de vermelho.

Um homem pensa na jigajoga
da vida e da morte.
Um homem olha-se ao espelho.
Um homem porfia,
e nem sempre alcança.
Um homem tem uma crise,
de confiança.

Um homem do norte
camba o rio.
A sul.
A vau.
O Geba Estreito.
Que a última coisa a perder
é a esperança.

Um homem desenha uma ponte,
imaginária,
entre dois pontos
de cambança.
Um homem farda-se,
a preceito.
Um homem põe-se a pau,
a caminho do Mato Cão.
O inferno em frente,
o rio serpente,
e Lisboa ali tão longe,
tão azul,
tão gregária.
Lisboa, o cais
de Alcântara,
uma multidão de pontos negros.
Outra ponte,
outro rio.
Saudades a mais.
Um nó na garganta.

Um homem do norte
faz o corte
epistemológico
dos pré-conceitos etnocêntricos.
Quem sou eu, viajante ?
Quem és tu, barqueiro ?

O homem é o mal escatológico
que atravessa o céu,
de bronze.
O homem é o jagudi
em voos concêntricos.
O homem é a hiena que ri.
O homem é o pássaro-bombardeiro.
O animal alado.
O helicanhão.
O falo de fogo.
O obus catorze.
O RPG Sete.

Um homem é apanhado pelo macaréu
da história.
Como um cão.
Sem glória.
E na bolanha de Finete
descobre que não há ponte
nem salvação,
que há terra e céu,
mas não há elo de ligação.

Um homem perde a memória,
ao afundar-se no tarrafo do Geba.
Um homem chama o barqueiro
da outra margem.
Em vão.
O barqueiro faz contas
à vida
que custa manga de patacão.
E ao progresso que não chega,
ao motor de explosão,
ao motor da Yamaha,
à explosão dos cinco sentidos,
aos Strella,
aos Katiusha,
ao cimento e ao aço,
à liberdade de circulação.

Um homem passa a ponte,
a passo,
a peso pluma.
A ponte armadilhada.
O barqueiro conta um conto
em cada viagem.
O barqueiro de Caronte.
Um peso, irmão.
Um bilhete de ida,
Sem regresso.

Um homem exorta o soldado
a que leve a guerra a peito.
É o capitão,
medalhado,
que nunca irá chegar a oficial general.
O fantasma do capitão-diabo,
vagueando pelo Cuor.
Estatuado,
na capital.

Vou no Bissau,
num barco à vela,
no barco da Gouveia.
Aproveito a maré-cheia
e o cacimbo sobre Ponta Varela.

O milícia, número tal,
vai morrer,
exangue,
como a última estrela
da manhã.
E eu espreito o rio,
da minha torre de Babel.
Um terceiro homem pára.
No semáforo.
Vermelho.
De sangue.
A caminho de Madina/Belel.

__________

Notas do editor do blogue:

(1) Vd. outros poemas do autor, de temática guineense ou africana:


5 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1342: Poema: os meninos da Ilha de Luanda (... pensando nos meninos de Bolama, de Chamarra, de Mansambo ou de Saré Ganá) (Luís Graça)

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1047: Alá não passou por aqui (Luís Graça)

1 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P930: O Relim não é um Poema (a propósito da Op Tigre Vadio) (Luís Graça)

10 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLII: A galeria dos meus heróis (2): Iero Jau (Luís Graça)

17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - LIX: Esquecer a Guiné...por uma noite!(Luís Graça)

11 de Julho de 2004 > Blogantologia(s) - XVI: Luanda revis(i)tada (Luís Graça)

Outros textos poéticos disponíveis em:

Blogue-Fora-Nada e... Vão Dois

Guiné 63/74 - P1597: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (10): Idálio Reis

1. Mensagem do Idálio Reis:

Caro Luís e demais companheiros da Tertúlia:

Tentamos fazer com o nosso editor um fraternal grupo que detém uma particularidade comum: o de nos terem coagido a fazer uma guerra, subjacente à prestação de um serviço militar obrigatório. Fomos compulsivamente mobilizados para uma longínqua terra, de que tínhamos conhecimento que por lá morriam ou ficavam estropiados muitos dos nossos contemporâneos.

Mas então, perante a cruel realidade de tais notícias, porque não nos escusámos a tomar parte nessa odisseia?

Mas como? Éramos jovens de 22 - 23 anos, vigiados por uma polícia política com regras de um País fascista, de todo impedidos de sair de Portugal sob qualquer pretexto, o viço da idade a embaçar-nos uma consciência deveras imatura, um forte apego familiar aditado pelo afago das nossas prometidas e amigos, o rincão natal que nos grudava, uma situação financeira que não propiciava qualquer aventura. A fuga à guerra de África estava vedada à grande generalidade da nossa geração. Os factos são bem demonstrativos.

Jamais tive qualque pretensão de fugir à guerra colonial, porque os laços sentimentais que me prendiam a este bocado de terra e aos meus eram demasiado fortes para me ver afastados deles permanentemente. Nada disto está absorvido por um qualquer amor pátrio, porque na verdura da minha idade, conseguia reconhecer que ela me escusava o amparo a que tinha direito.

Fui, porque fortemente esperançado que regressaria ao aconchego dos meus maternos lugares. Fui, e não estou arrependido de assim ter procedido. Mas, se por absurdo, me obrigassem a repetir a façanha, preferiria o ónus da prisão. Sem margem para quaisquer dúvidas.

Mas houve alguns que fugiram? Certo, mas são excepções raras. Aos poucos que o fizeram, nada tenho a apontar, pois quando transpuseram a fronteira, eram conhecedores que jamais poderiam regressar. Depararam-se-lhes facilidades para o fazerem, e felizmente que o 25 de Abril lhes abriu as portas.

Reconheço contudo, que uma substancial parte foi considerada herói. Sempre menosprezei essa aura, porque a dar crédito, aviltava-me. E não o mereci.

Quanto aos que, como no caso em análise (1), se entregaram aos movimentos independentistas, deixando os seus camaradas, merecem o meu repúdio. Saem junto dos seus, e passam para o outro lado da barricada, porque a guerra definia-se somente entre dois contendores. Vão lutar pela parte antagónica, sem minimamente se importarem nos que neles acreditaram.

Eu, que vivi a guerra da Guiné, de uma forma cruenta e dolorosa, nada me move contra o PAIGC. E até tenho uma particular simpatia pela grande figura política de Amílcar Cabral, como pelo enorme guerrilheiro que foi Nino Vieira. E os meus locais da Guiné-Bissau, tenho fé em revê-los, pois o peso acentuado dos anos apela-me a isso de um forma extraordinariamente viva. E esta minha ambição, faz-me sonhar e ... deixa-me feliz.

E este blogue é bem significativo disto mesmo. Como, passadas 4 décadas, conseguimos narrar tão emotivamente esses momentos do desespero e da dor? Porque, fundamentalmente, criou-se um sentido gregário tal que só um acrisolado amor mútuo é capaz de concretizar.

A união faz a força, e o comprometimento que partilhava com o meu companheiro de armas, ninguém o ousasse desfazer. E é numa união similar a esta que aderi com grande entusiasmo à Tertúlia, porque estivemos continuamente do lado que nos competia.

Um cordial abraço para todos.

Idálio Reis
Ex- Alf Mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835,
( Gandembel e Ponte Balana 1968/69)

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Nota de L.G.:

(1) Vd post de
3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha
13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes

Guiné 63/74 - P1596: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (9): Humberto Reis

1. Mensagem do Humberto Reis:

Luís:

Ficas desde já autorizado a publicitar, como entenderes, a minha opinião sobre este complicado tema dos desertores, objectores de consciência ou o que lhe queiram chamar (1).

Quando em 1968 cursei no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego, o curso de Rangers, constava que os melhores classificados seriam os últimos a ser mobilizados, e no caso de o serem, iriam para melhores locais. Fiz bem o meu papel e no meio de umas dezenas de militares, fiquei classificado em 3º lugar com uma média de 15,23 valores.


Santa ignorância a minha! Então o Estado gastava um pipa de massa a formar militares de elite e depois ia colocar esta gente nos QG e EM ? Só se fosse estúpido ou a minha cunha fosse do tamanho da de um Fur Mil Op Esp. que conheci em 1970 e que estava colocado no SPM no QG em Bissau. Até usava aquele boné redondo (não era a boina) que, julgo, só se usava em ocasiões especiais.


Claro que os 5 primeiros classificados foram os primeiros a ser mobilizados. Infelizmente, sei que o primeiro ficou sem uma perna e o quarto, meu amigo de infância, morreu com uns estilhaços de rocket, ambos lá na Guiné.

Em Fevereiro de 1969 estava a dar no RI 5, Caldas da Raínha, uma recruta ao CSM, quando saiu à ordem o meu nome como mobilizado para o CTIG. Teria de me apresentar no CIM (Campo Militar de Santa Margarida) no dia tal. Perguntei a alguns camaradas o que queria dizer CTIG pois eu não conhecia o termo. Para mim eram Angola, Guiné, Moçambique. Como devem calcular fiquei bastante preocupado.

Reparem que estamos na década de sessenta. Eu, em termos políticos, era - e ainda quase que o sou - um zero à esquerda, como se costuma dizer. Haverá muito boa gente que naquela altura já era desenvolvida politicamente? Eu não era.

Costumo dizer no meu círculo de amigos que fui colaborador do antigo regime. Perguntam-me logo se fui da Pide, ou da Legião. Respondo calmamente que não, mas que não foi preciso a Polícia Militar ir lá a casa procurar-me para me apresentar no dia 24 de Maio de 1969, no cais de Alcântara, para embarcar no Niassa com destino à Guiné. Chamo a isto COLABORAR com o antigo regime, mesmo que mais passivamente.

Não ataco, nem defendo, o que vulgarmente se denomina de desertores. Mas tenho uma opinião muito própria sobre este assunto. Essa é que ninguém me pode tirar por mais direitistas ou esquedistas que sejam. Uma GRANDE PARTE FUGIU POR MEDO E NÃO POR CONVICÇÕES POLÍTICAS.

Medo, eu também tive, pois não sou mais nem menos que os outros. Heróis ptré-fabricados não existem, a não ser nos filmes. Só os que tiveram o azar de estar debaixo de fogo, mas ao mesmo tempo a felicidade de estarem vivos para o contar, podem saber o que é a reacção de um ser humano naquelas circunstâncias. Pode dar-lhe para correr direito às balas e escapar, poderá vir a ser um herói, ou ter o azar de se cruzar com uma e vir a ser enfiado numa caixa de madeira (quando as havia, pois nem sempre assim aconteceu).

Cada um fez a sua opção mas ninguém pode obrigar a outra parte a ter a mesma opinião. Para isso já chegou o que tivemos.

Resumando e concluando, não estou de acordo com regimes especiais para NINGUÉM.

Aquele abraço a TODOS os bloguistas e continuemos a contar as nossa estórias para que a história enriqueça.

Humberto Reis

Ex-Fur Mil Op Espec

CCAÇ 2590/CCAÇ 12


(1969/71)

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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores: