
Caro Carlos:
Desta vez o atraso no envio da estória deve-se a muitos factores: Uma ida ao “meu” Nordeste, uma ida a Espanha, etc.
Mais uma vez te digo que esta estória parece grande mas só porque tem muitas fotos. Acredita que gostaria de pôr mais algumas, mas irão noutra altura.
Gostaria muito que o Humberto Reis mostrasse as fotos à D. Rosa e sua família, onde penso que estariam as suas filhas e me dissesse alguma coisa.
É o primeiro Natal que passo na Tabanca Grande (e na Pequena também).
A todo o pessoal das duas tabancas (e das outras também), sem excepções, desejo para esta quadra (e para as outras também) o que, neste mundo, há de melhor.
Um grande abraço a todos.
Fernando Gouveia
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
19 – Referências de Bafatá – Lugares
Já numa outra estória referi que os alferes do Agrupamento iam fazer as refeições no Esquadrão, ali ao lado. Primeiro a messe era gerida, mensalmente, por cada um de nós. Porém, quando em Novembro de 69 esse Esquadrão foi rendido por outro, comandado pelo Cap. Fernando Vouga, este determinou que a messe dos 6 ou 7 alferes, fosse gerida por um sargento. Um desastre.
Como o Esquadrão tinha uma horta de onde vinham algumas hortaliças e em Bafatá havia carne e peixe à disposição, podia-se comer muito bem. O Sr. Sargento é que teria outras ideias em mente e os pratos à base de carne gordurenta de porco (a mais barata) sucediam-se.
No último mês da minha comissão comecei a sentir-me doente do estômago, ou do fígado ou das duas coisas. Outros alferes também andavam descontentes e acabaram, como eu, por desarranchar-se. É assim que surge o primeiro lugar a descrever.
O Café Restaurante Transmontana
Quando já não conseguia reter no estômago qualquer refeição mandada confeccionar pelo Sr. Sargento resolvi, in extremis, passar a comer no Transmontana, só peixe e frango cozidos com arroz. Felizmente ao fim de dois dias chegou a mensagem para vir embora.
Neste Blog já foi muito falado o Transmontana, situado numa esquina da avenida principal, à esquerda quem descia. Muitos já se referiram ao bife com batatas fritas e ovo a cavalo que ali se servia mas eu nunca antes tivera necessidade de lá ir comer. Ia, sim, muitas vezes tomar café ou comer uma sande, embora o pão fosse mau, parecia borracha.
Uma vez estava sentado na esplanada com a minha mulher que começou a conversar com o empregado Infali. Era muito simpático mas tinha um ar muito triste. Durante a conversa referiu que tinha quatro mulheres. Talvez fosse essa a razão da tristeza…
As três tabancas
Ah, se fosse agora, com as máquinas fotográficas digitais…Muita pena tenho de não poder descrever por imagens, o muito que vi nos meus passeios às três tabancas. Muitas fotos tirei mas muitas mais ficaram por tirar.
A tabanca da Rocha, onde tive casa, situava-se na parte alta da cidade, ao nível dos quartéis do Agrupamento e do Esquadrão. Era a mais extensa, aquela onde havia melhores casas e também a mais populosa.
Por lá ter vivido pude assistir a muitos actos sociais dos nativos como choros, batuques, cristãos e balantas, casamentos (em que a maior parte das prendas consistiam em meias cabaças) e outras festividades.
Na época própria, creio que em Dezembro, chegavam, pela estrada do Gabú, carregamentos de mancarra em burros todos engalanados com motivos florais, muito coloridos.
Era também na tabanca da Rocha que se situava o bordel bataclã, numa rua paralela à estrada para Bambadinca. Na altura nunca o ouvi designar como tal; talvez o nome tivesse surgido com a telenovela Gabriela.
A tabanca da Ponte Nova, assim chamada por ficar na “estrada” que ligava Bafatá a Geba e em que existia a ponte mais recente da cidade, desenvolvia-se ao longo do caminho e ao lado do rio Geba. Nela havia uma comunidade de saracolés, que tingiam os panos de azul. Estes podiam ver-se ao longo da tabanca, pendurados, a secar nas vedações e nas beiradas das palhotas. Nessa tabanca ficava ainda a oficina do ourives Chame.
A tabanca do Nema era a mais pequena. Ali ia de vez em quando assistir, ao fim da tarde, à saída dos morcegos (muito negros com 50 a 60 cm de envergadura) para as suas noitadas. Logo que saíam iam, em voo rasante, beber água ao rio. Recentemente li, num livro de contos mandingas, que não iam propriamente beber mas sim molhar a pelagem do peito donde, posteriormente lambiam a água. Durante o dia ocupavam duas ou três grandes árvores que, consequentemente, quase não tinham folhas.
O Mercado
Considero-o, no seu estilo neo-árabe, como o verdadeiro ex-libris de Bafatá. Como já lhe dediquei uma estória (poste 4769) não acrescentarei mais nada.
Zona das lavadeiras
Perto do mercado e dum arranjo ajardinado onde existia um parque infantil, era uma zona sempre visitada. Ali atracavam grandes barcos que faziam a rota Bissau-Bafatá e que, a meu ver, tinham arremedos de veleiros. Mas eram as lavadeiras, em grande número, que atraíam mais pessoal.
A piscina
Entre o mercado e o rio havia uma piscina, um luxo para aquele tempo…No entanto a sua água não seria mais limpa que a do Geba.
O restaurante do Sr. Teófilo
Embora já referido na estória anterior, nunca é demais realçar a sua posição estratégica numa encruzilhada de caminhos. Era muito agradável assistir da sua esplanada ao desenrolar da vida de Bafatá. Crianças a caminho da escola, mulheres a caminho do mercado, homens transportando as mercadorias mais diversas, militares que entravam e saíam de Bafatá. Também dali se viam chegar aviões e helis e, rumo aos celeiros, viam-se passar os burros engalanados carregados de mancarra.
Sintra de Bafatá
Era assim designado um caminho pouco conhecido, praticamente utilizado só pelo pessoal do Agrupamento e do Esquadrão, quando se queria chegar à parte baixa de Bafatá, gozando de uma sombra que não era possível utilizando a avenida principal. Do Agrupamento descia-se um desnível de 10 a 15 metros, junto à residência do Comandante do Esquadrão (a uns 50 m). No fundo situava-se a mãe de água que abastecia toda a cidade e um fontanário, à europeia, do qual já vi uma foto publicada no Blog. A água sobrante formava um riacho que se transpunha por cima do tronco de uma árvore caída. Junto da mãe de água partia um caminho, quase em linha recta até à parte baixa de Bafatá. Passar por ali era sempre interessante. Viam-se crianças a brincar e macacos à espera que alguém lhes desse algo para comer. Também era frequente ver lagartos com cerca de 1/1, 5 m atravessarem à nossa frente, de um lado para o outro, mas absolutamente inofensivos…
Entre a Mãe de Água e a casa do Cap. do Esquadrão existia uma zona com mesas para piqueniques. A esposa do Cap. Comandante do Esquadrão costumava dar, nesse local, umas festas de que falarei mais à frente.
O cinema
Na rua paralela ao rio e mais perto deste, tínhamos um recinto, ao ar livre, onde se exibiam alguns filmes. Por causa das luzes, projectores, etc, surgiam inúmeros insectos que eram um bom repasto para os imensos morcegos que surgiam também, urinando frequentemente em cima dos espectadores. Já em tempos referi aqui que me tornei sócio do Sporting Clube de Bafatá, ao qual o cinema pertencia, para poder usufruir de entradas mais baratas. Creio que as sessões eram semanais e eu era frequentador assíduo. Passei a conviver com o porteiro Braima. Tivemos várias conversas sobre os mais variados temas locais pelo que aprendi muito com ele. Não sei quem escolhia os filmes mas, dum modo geral, os que ali se exibiam eram muito bons, até demais…Numa das sessões foi exibido o “Deserto Vermelho” de Antonioni. Após o intervalo a assistência ficou reduzida a metade…
O café da D. Rosa
Quase em frente à sede do batalhão, era muito conhecido. Mas o que se pode achar um pouco estranho, e disso peço desculpa à D. Rosa, é que nunca lá entrei. Não recordo se alguma vez vi ou não a D. Rosa, mas as filhas penso que sim. Como era sabido eram umas belas adolescentes. Não sei se haveria libanesas feias, mas as que conheci quer em Bafatá, quer em Nova Lamego, eram duma forma geral belíssimas. Quando eu vim embora, um Alferes do Agrupamento, o Vaz (alentejano), estava para casar com uma moça libanesa, penso que de fora de Bafatá, e que era duma beleza extrema.
Quanto às filhas da D. Rosa penso que as conheci muito bem, pois costumavam participar nas festas que a esposa do Cap. do Esquadrão costumava dar na zona de piqueniques da Sintra de Bafatá, ao lado da sua casa, onde se comia, bebia e… dançava.
Fotos: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
Não prometo ser “até para a semana”. O mais certo ser “até para o ano” camaradas...
Fernando Gouveia
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 1 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5384: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (18): Referências de Bafatá - Figuras típicas