terça-feira, 26 de novembro de 2013

Guiné 63/74 – P12348: Memórias de Gabú (José Saúde) (34): Antigo guerrilheiro do PAIGC. Mário, o impedido do comandante. (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.





As minhas memórias Gabu

Antigo guerrilheiro do PAIGC
Mário, o impedido do comandante

Afirmava-se na Companhia de Comando e Serviços do BART 6523, que o impedido do comandante dessa unidade militar de nome Damas Vicente, então Tenente Coronel, e que esteve em Gabu entre julho de 1973 e setembro de 1974, tinha sido anteriormente um guerrilheiro do PAIGC. Aliás, se a memória não me falha, o Mário, como era conhecido, não refutava esse passado, mostrando, nesse tempo, toda a sua entrega ao exército que o tinha abrigado. O passado estava sanado, restava provar que a humildade da sua dedicação, seria, naturalmente, recompensada.

Sucintamente afirmo que o Mário era oriundo da etnia fula. Asseguro, por outro lado, que o homem sempre se apresentou como um sujeito de fácil trato. A sua postura, não sendo senhorial, apoiava-se num indivíduo simplório que a dada altura da sua vida resolveu combater pelos seus ideais. Nada a opor.

Assim sendo, o nosso camarada militar já associado nas fileiras lusitanas, conheceu o conteúdo genérico de uma peleja, onde a ordem impunha rigidez e o militar, já convertido à tropa “tuga”, terá antes compreendido a razão do combate a que entretanto se expunha.

O Mário, evidenciando uma agilidade assente num corpo delgado, conheceu as trincheiras do IN, os seus mirabolantes movimentos no mato, lidou com supérfluos armamentos de guerra, atacou e foi atacado, assumindo-se nesta fase da sua vida como um ordeiro guerreiro às ordens do exército luso.

Aquela guerra numa Guiné onde o momento seguinte se condicionava a um imprevisto constante, ditava valores humanos em jovens militares que haviam partido para as frentes de combate de corpo aberto, jogados obrigatoriamente para o horrendo do inferno, acrescento, desconhecendo as consequências da luta.

Neste introito à ordem dia, o nosso amigo Mário, antigo inimigo, era agora um soldado exemplar no que concerne à sua submissão como impedido do comandante. Revejo a sua fisionomia altiva à porta do gabinete do Tenente Coronel Damas Vicente. O Mário era um soldado sempre disponível para executar uma tarefa proposta, recordo.

Sentado num banco colocado junto ao posto de comando, o Mário, envergando o fardamento igual ao de um outro camarada, normalmente a farda número 2, cumpria literalmente o horário de trabalho. Sendo mais explícito diria: entrava às nove e saía às 17 horas. Isto se não existir um conflito entre os neurónios que em uníssono afirmam seguramente que na tropa a idade é um posto. Acredito que exista alguma dúvida sobre o tempo real da sua jornada de trabalho. Mas se houver uma incerteza, caso a haja, não andarei longe deste esquematizado tempo de serviço.

Vamos procurar ser o mais breve possível para falar abertamente do então nosso camarada Mário. O pessoal via nele um amigo. E era. Sabendo-se o seu passado, ninguém ousava crucificar um homem, talvez na “ternura dos 40”, que se terá adaptado a uma nova vida junto a tropas contra as quais combateu.

Dizia-se que o Mário tinha sido capturado numa operação da qual saiu ferido, sendo que o seu aprisionamento foi pacífico. Puxando pelos resquícios das minhas memórias de Gabu, admitindo uma maior perspicácia sobre o tema a que me propôs debitar de um camarada que tivesse conhecido melhor essa realidade, fica-me a certeza que o Mário tinha uma “cruz da guerra” no rosto como símbolo desse sinistro dia de combate.

Não conheci pormenores desse confronto, sei, porque era público nas conversas entre os camaradas do quartel, que o Mário era uma pessoa educada, jamais arranjou motivos para eventuais desavenças, deu-se sempre bem com toda a rapaziada e assumia sem pudor que tinha sido antigo guerrilheiro do PAIGC.

Uma dúvida, embora ténue, chegou a levantar-se entre a malta que sordidamente se interrogava: Seria também o Mário um mensageiro crucial para uma recolha de informações sobre o IN que o comando tanto necessitava? Não sei e desconheço por completo eventuais cenários dessa natureza.

Mário, meu amigo, que será feito de ti?

Aspeto de uma zona do quartel de Nova Lamego

Um abraço camaradas deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P12347: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (2): Aníbal: um inadaptado, um marginal ou um anarquista?

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 17 de Novembro de 2013:

Podia-se chamar António, Joaquim, José, Francisco que são nomes vulgares, mas ele era original, o nome já não o recordo, como tal vou chamar-lhe Aníbal o nome dum grande general cartaginês.

Cerca de dois ou três meses antes da CCaç 2616 deixar Buba, em fim de comissão o soldado Aníbal apresentou-se na Companhia e veio reforçar o meu pelotão que estava bastante desfalcado. De estatura média, um pouco forte, sem ser gordo, tinha um aspecto saudável, confiante e simpático e um sorriso pronto.

Quando o pelotão se reunia junto da arrecadação de material, antes das frequentes saídas para o mato, muitas vezes fui encontrar o Aníbal a falar no meio de uma roda de camaradas atentos, qual Jesus Cristo a falar aos apóstolos nas parábolas que depois foram transcritas nos evangelhos.

Foram muitas estórias que também me foram contadas que eu jovem e inconsciente como a maioria não anotei e esqueci.
Penso que na Guiné nunca conheci um homem tão feliz, tão alegre, tão bem adaptado ao meio. Um homem em paz com ele e com o mundo.
O Aníbal foi uma lufada de ar fresco que ajudou o pelotão a passar os últimos tempos da comissão.

Era um simples, um marginal, um anarquista? Um espírito livre que dificilmente conseguia acatar as regras sociais e muito menos o regulamento de disciplina militar?

As minhas interrogações são porque nunca encontrei justificação para o facto dele ter passado mais de quatro anos na Guiné ou em liberdade ou na prisão.
Gostaria de viver lá, pelo clima, pelas gentes e por outro lado não teria raízes, como acontece a tantos desamparados da sociedade, que o motivassem a regressar?
Era calmo, prestável, educado, disciplinado, enfim tinha todos os atributos para ser um bom soldado e foi-o durante o tempo em que esteve connosco em Buba.

Há aqui algumas contradições mas para mim o Aníbal foi um enigma que nunca consegui decifrar.
A aventura ou proeza que recordo dele foi quando certa vez, preso em Bissau, se evadiu com outros para ir a um baile a Bafatá.

Na Guiné, emboscadas, minas, encontros fortuitos com a guerrilha, a poucos quilómetros de Bissau, quem teria a coragem de se deslocar 150 quilómetros para ir a um baile a Bafatá?
Baile que logicamente seria de africanos/as, já que não me consta que houvesse comunidades europeias tão longe para fazer tais festividades.
Revela também o quanto o nosso camarada estava africanizado e integrado nas comunidades locais. Hoje penso que um desenraizado, talvez fosse o caso dele, que se deixasse embalar no convívio e afectividade, mais espontânea e natural das etnias locais se deixaria facilmente conquistar por elas.

Talvez ele, quem sabe, tivesse uma namorada em Bafatá e por ela estivesse disposto a correr todos os perigos para a poder abraçar.
Por tudo o que já disse acerca dele, propus ao capitão um louvor ao Aníbal para o ajudar a regressar a Portugal com a companhia. O capitão aceitou.
Penso que ele veio com a companhia, espero que tenha sido feliz no regresso, assim como todo o pessoal do meu pelotão e da  CCaç 2616, que não tiveram uma estadia fácil lá longe.

Mas sobre isso falarei outro dia.

Até lá um abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista
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Nota do editor:

Último poste da série de 16 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12161: Memórias da CCAÇ 2616 (Buba, 1970/71) (Francisco Baptista) (1): Falando de colunas de reabastecimento e de amizade

Guiné 63/74 - P12346: Agenda cultural (296): Convite, Tertúlia Fim do Império: "Os Deuses Não Moram Aqui" de Maria Saturnino, dia 27 de Novembro pelas 15h00 no Palácio da Independência em Lisboa (M. Barão da Cunha)

1. Mensagem do Coronel Ref Manuel Júlio Matias Barão da Cunha que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66:

Caríssimos, 
É já amanhã, 27 de Novembro pelas 15h00, no Palácio da Independência, que prossegue a tertúlia Fim do Império*, desta vez com a ex-locutora de Rádio Clube de Moçambique Maria Saturnino e coronel António Pena. 
Quem puder ir será bem-vindo e pode ir acompanhado, 
Fiquem bem, 
M. Barão da Cunha.


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Notas do editor

(*) Vd. poste de 13 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12147: Agenda cultural (286): Tertúlias Fim do Império, a levar a efeito na Messe dos Oficiais - Porto; Palácio da Independência - Lisboa e Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa - Oeiras

Último poste da série de 14 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12291: Agenda cultural (295): Apresentação do livro "Dona Berta de Bissau", de José Ceitil, dia 26 de Novembro de 2013, pelas 21h00 no Auditório da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira

Guiné 63/74 - P12345: Estórias cabralianas (83): Da Gata Catota à Tabanca da Queca... (Jorge Cabral, com bolinha...)

1. Enviada em 25 do corrente, pelo nosso alfero Cabral [, foto à direita, quando ainda cadete, em Mafra], com a seguinte nota:

 Inteiramente verídica. Se publicares põe bolinha. Abração. 

 J. Cabral 

[ , jurista, advogado de barra, docente universitário reformado, ex-alf mil at art, cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, setor L1, Bambadinca, 1969/71; foto atual à esquerda]


2. Estórias cabralianas > Da Gata Catota à Tabanca da Queca

por Jorge Cabral


No fim dos anos 70, era um simpático advogado, com muitas clientes que me gabavam  a grande sensibilidade…Entre elas, destacava-se a D. Prazeres, que eu divorciara de um marido violento e me assediava todos os dias, com questões que,  de jurídico,  tinham muito pouco…

Claro que se sentia só, razão pela qual a aconselhei a arranjar um animal de estimação. D. Prazeres seguiu o conselho e comprou um gata, pedindo-me para ser o padrinho. Obrigado a dar-lhe o nome, escolhi…Catota.
– Que nome bonito!| – agradeceu.  – E que quer dizer?
– É chinês. Significa felpuda  – respondi convictamente,


A partir de então as nossas conversas incidiam quase sempre sobre a gatinha.
– Olá,  D. Prazeres como vai a sua Catota?
– Ah ! Doutor está tão bonita! E que pelo luzidio!
–  E come bem?
–  Oh! Sim! É cá uma comilona. Mas tem que a ver –   insistia sempre.

Tanto insistiu que lá fui, cumprindo a minha obrigação de padrinho. A gata estava enorme de gorda e devorou num ápice os seis carapaus que lhe levei como prenda.
– Tenha cuidado,  D. Prazeres. Ponha de vez em quando a Catota de dieta–  disse-lhe, enquanto afagava a bichana.

O tempo foi passando, dando-me ela,  diariamente, notícias da sua Catota… Foi uma época de muitos divórcios e a D.Prazeres, recomendou-me a todas as amigas.
– ~É um querido. Se vissem o carinho com que faz festinhas na Catota – afiançava.

Um dia porém, telefonou-me em pranto. Arranjara um namorado que lhe garantira que catota era um palavrão.
– Não deve saber chinês. O que é que ele faz? – perguntei.
–  É capitão. Também esteve na Guiné. Diz que quer falar consigo.

E falou mesmo. Em fúria…Ciúmes retroactivos talvez…
– Seu depravado! Precisava que lhe partisse a cara!
–  Mas porquê, senhor Capitão? Há um General Buceta, um Coronel Coito, um Sargento Piça e perto de Bambadinca, na Guiné, existia um Tabanca chamada Queca, que infelizmente nunca patrulhei…Porque não pode a adorável gatinha ter o poético nome de  Catota?

Jorge Cabral

3. Comentário de L.G.:

Qual o significado do vocábulo  catota ? É português de lei ou é chinês de contrabando ? Por que é que o indignado e apaixonado capitão da Guiné esteve quase a desafiar o alfero Cabral para um duelo de consequências imprevisíveis ?... 

Afinal, a palavra catota em português (do Brasil) é inocente, embora designe uma coisa pouco agradável ao tato e à vista, sinónimo de monco (#)... Em português de Portugal, monco quer dizer "Humor espesso, segregado pela mucosa do nariz", "muco, ranho, ranho".  Em sentido informal, "mucosidade nasal seca", "macaco"...

Na realidade, é preciso ter cuidado com a língua... Ou andar sempre munido de um bom dicionário!

(#) ca·to·ta (origem duvidosa)
substantivo feminino

[Brasil, Informal] Muco seco aderente às fossas nasais. = MONCO

"catota", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/catota [consultado em 26-11-2013].
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(...) Em Missirá durante dois meses, estivemos sem abastecimentos. Época das chuvas, o sintex e os dois unimogues avariados .Ainda tínhamos conservas,mas faltavam as batatas, o vinho e o arroz para os africanos. Um dia porém, o Pechincha conseguiu fazer dos dois burrinhos, um, que andava. Fomos a Bambadinca, deixando a viatura, à beira da bolanha de Finete, que atravessámos até ao rio, o qual cambámos na piroga do Fodé. (...)


Guiné 63/74 - P12344: Blogpoesia (360): Quatro Baladas de Berlim, inéditas, com sons e cores de outono (J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

1. Mais 4 baladas  de Berlim, inéditas, de uma seleção  de textos poéticos que o o nosso camarada e amigo J.L. Mendes Gomes [ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado] nos envia todos os dias, a diferentes horas do dia...

[Foto do poeta, à esquerda, em Berlim, com 2 dos netos: ele lançou recentemente o seu 1º livro de poesia, "Baladas de Berlim" (Lisboa: Chiado Editora, 2013, 229 pp., Coleção Prazeres Poéticos, preço de capa: 15 €) ].


(i) As libelinhas...

Há quem deteste as libelinhas...
Sentem pavor, se uma só se abeira.
Agora, imaginem-se num descampado.
Há um avião de caça,
Teatro de guerra,
Com o prego a fundo,
Direitinho a si...

Se não se morrer de susto,
Não há quem escape...
Falo, por experiência própria...

Foi na Guiné.

Ainda aqui estou.
E cada vez mais gosto das libelinhas!...

Berlim, 26 de Novembro de 2013, 22h26m

[Foto acima, à direita: um heli AL III, Bambadinca, c. 1970; créditos fotográficos: Humberto Reis]


(ii) Se calhar, vai cair neve...

Está tudo a postos.
O chão estiolado,
Estendido ao comprido,

Sem cor.

As árvores ao ar,
De braços abertos rezando,
Despidas das folhas.
As folhas mortas,
Jazidas na terra
Juntam-se aos montes,
Nas bermas da estrada.
Como quem espera a carrada.

Os telhados tristonhos,
De abas caídas,
Vêem-se sozinhos,
Sem pombas, nem andorinhas
Aos pares.

E os caminhos estragados
Pelos golpes da chuva,
Sangram de dor.
Esperando algodão que os sare.

Parece a hora da morte.
Que tudo acabou.
O céu anda cansado e tristonho,
Saudoso de luz.

Meus netos, já irrequietos,
Impacientes,
Se voltaram para mim:
 
 Avô! Quanto é que vem a neve
Para a gente brincar?...


Porque sou homem de palavra e de fé,
Com firmeza lhes digo: 
Tenham mais um pouco de paciência!...
O Menino Jesus está quase a chegar...


Ouvindo Hélène Grimaud,
Berlim, 24 de Novembro de 2013, 7h53

[Acima: imagem que ilustrava areograma natalício, editado e distribuído no TO da Guiné, pelo Movimento Nacional Feminino. s/d.  Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

[ Foto à esquerda: Mãe e filha, com António Teixeira (1948-2013), em Bedanda, c. 1972/73.  Foto do nosso saudoso Tony Teixeira, que se despediu hoje da "terra da alegria"...]



(iii) Negra e só nas terras d’África...


Tinha tranças pretas
Aquela moça morena,
De olhos tristes.

Viu-o partir,
Banhada em lágrimas.
Bendita a guerra que o fez chegar.

Durante dois anos,
Que feliz foi...

Um príncipe encantado,
Que se enamorou dela
E a fez sonhar.

Tantas noites belas,
Na tabanca em festa,
Mesmo de colmo,
Uma fogueira a arder,

Com batuque,
Em chama.
À luz do luar.

No seu ventre de amor,
Nasceu-lhe um tesouro.
Seria moreno,
De olhos azuis.
Um rosto de cor,
Entre o branco e o negro.
Um botão a abrir,
Em primavera em flor.

Foi o fim da guerra
Que o fez partir,
Jurando promessas
De um dia voltar...

Cruel força do destino,
Tão fatal em os prender...
Como de cego em os separar!...


Que será feito dela
E do fruto do seu amor?..

Não há nada no mundo,
Nem de dia,
Nem de noite,
Que os faça esquecer.


Ele, longe, no fim do mundo,
E ela, negra,
Nas terras d’África...

Berlim, 23 de Novembro de 2013, 15h2m

[Foto à esquerda:  grupo de oficiais no bar Tombali,  em Catió, c. 1964/66; um deles, assinalado com um círculo a vermelho, é o 'palmeirim' J.L. Mendes Gomes; foto do autor]


(iv) Molho de chaves...


Tenho um molho de chaves,
Religiosamente guardado,
Desde os meus verdes anos.
Desde a altura
Em que me senti entregue a mim.
Nos anos de 52...

A primeira foi da mala,
Onde transportei meu enxoval,
Quando entrei no seminário.

Mala em pinho,
De encomenda,
Ao carpinteiro amigo
Do meu Pai.
Em ferro forjado.
Uma verdadeira miniatura,
Que a ferrugem come,
Da chave duma casa.

Depois, a da mala de cartão castanho.
Muito minúscula.
Pareceria agora um brinco...
Onde trazia a roupa e livros,
Quando vinha e ia no fim das férias.

A terceira, deu-ma a tropa.
Era singela...
Para um saco em pano,
Em manga d’alpaca,
Até à hora solene
Em que me vi oficial.

Mais fidalga...
Luzia a prata.
Viajava em primeira,
Nos comboios
E no paquete
Que me levou,
Num camarote,
Até ao Funchal.

E dali, até à Guiné...
Muito velhinha,
Só ela sabe o que lá passei...

Depois, a do quarto,
Como dum armário,
Em Lisboa,
Que eu tirei à dona,
Onde fui hóspede,
Até casar.

Fui saltitão,
De casa em casa,
Até assentar.
Do sul ao norte,
Terão sido sete
As casas onde eu vivi,
E criei os filhos.

Agora, em Berlim,
Onde me trouxe o vento...
Que grande molho!
Com tantas histórias...
Até à derradeira,
Parecerá de oiro...
Que me levará para a cova...

Berlim, 19 de Novembro de 2013, 16h7m

© Joaquim Luís Mendes Gomes. Todos os direitos reservados

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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12294: Blogpoesia (359): Um poema a África (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P12343: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (3): Foto nº 3: Parte colonial da cidade (continuação)



Guiné >  Zona leste >  Bafatá  > c. 1968/70 >  Foto nº 3  >  Parte colonial da cidade, com uma nesga do Rio Geba no canto superior esquerdo.


Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; é arquitecto, e vive no Porto;  foto a seguir à esquerda]


Foto (e legendas): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


FOTO 3 > Parte colonial da cidade.

1 – Avenida principal.

2 – Restaurante Transmontana.

3 – Edifício do cinema, em construção.

4 – Oficina do Sr. Humberto, meu senhorio.

5 – Campo de jogos onde funcionava o cinema, ao ar livre.

6 – Casa de uma família de libanesas.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12342: Parabéns a você (656): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12335: Parabéns a você (655): Abel Santos, ex-Soldado Atirador da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12341: Últimas Memórias da Guiné (Armor Pires Mota) (1): Diário de bordo - A primeira grande desilusão

1. Mensagem do nosso camarada Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490, Bissau e Jumbembem, 1963/65), com data de 3 de Janeiro de 2013:

Meu querido Amigo Carlos Vinhal:
Conforme prometido, aqui lhe envio algum material para o Blogue do Luís Graça e do amigo.
Agora que ando a escrever as minhas memórias e as guerra fazem parte da minha história, da história de toda uma geração, fui encontrar material que, saindo no Jornal da Bairrada, não sei por que raio não saiu no TARRAFO.
Entre as memórias de guerra, além de outras, penso que estas poderão ter algum interesse para os amigos. Há no entanto, duas ou três que foram escritas recentemente e as integro neste naipe e outras que não, para não me tornar maçador.
Se alguma não couber dentro do v/espírito editorial, estão perfeitamente à vontade. No cesto do lixo também se guardam coisas.
Como prometi vou enviar um conto de Natal, que acho muito engraçado e carregado de sonho e poesia. 
Um abraço para o Luís Graça.
A edição fac-similada do TARRAFO esgotou.
Para o amigo um abraço de camaradagem e gratidão por tanto.
Armor Pires Mota


ÚLTIMAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1

DIÁRIO DE BORDO

1 - A primeira grande desilusão

No da 2 de Julho de 1963 todo o pessoal foi para casa gozar de licença (férias), dentro das normas de mobilização, com o conhecimento de que iria desempenhar a sua missão em Moçambique. 

No dia 14, apresentava-se pronto a embarcar com destino a Lisboa, mas sofria uma grande desilusão. O destino já não era Moçambique, mas a Guiné. 

“Essa alteração provocou uma certa perturbação no espírito pessoal, até porque já tinham sido feitas as declarações de pensões, as quais, à ultima hora, tiveram que ser substituídas e reduzidas para cerca de metade. No entanto, ningém deixou de comparecer ao embarque”, segundo consta da história bem sucinta do Batalhão 490. Isto é, ninguém fugia, ninguém desertava.

Das cerimónias de despedida constou uma missa campal na enorme praça, na manhã do dia 16, seguido de desfile, ouvindo-se, aqui e ali, à nossa passagem, uma ou outra voz surda contra a guerra. Nesse mesmo dia, o Batalhão deslocou-se, em formatura, para a estação de caminho de ferro da cidade, seguindo em comboio especial para Lisboa e daí para a gare de Alcântara. Antes do embarque, à torreira do sol, era uma hora da tarde, houve uma formartura de todas as unidades que iam embarcar: o Batalhão 490, os comandos e o CCS dos Batalhões de Caçadores 512 e 513, além de três companhias de artilharia. Era muita gente, cerca de 1500 homens, muita “carne para canhão”, ouvia-se.

Tudo em ordem, mas houve uma falha, lamentada pelo comandante de Batalhão, Fernando Cavaleiro. Era costume a Unidade Mobilizadora, neste caso o RC3, oferecer um guião, mas nada disso acontecera. Ou levou sumiço.

Embarcámos na Estação Marítima de Alcântara, no dia 17 de Agosto de 1963, entre lenços brancos, desfraldados pelos que subiam o portaló ou se estendiam já pela coberta e os familiares e amigos, que, tão nervosos como nós, entre soluços abafados e algumas lágrimas fundas, como as águas do rio Tejo e sentidas como um espinho, formigavam ao longo do cais no mais doloroso adeus a alguém que desse modo partia. 

Eu não tive ninguém a acenar-me. Tinha toda uma mole enorme, onde sobressaía o preto, a cor do luto em nossa terras. O destino não era para o melhor dos mundos, era para uma terra desconhecida, de mais a mais, onde as armas vomitavam fogo e os corpos jorravam sangue. Momentos antes do grito estridente do barco, onde se juntaram todos os nossos gritos macerados de silêncio, subiu a bordo o Ministro do Exército a fim de fazer uma alocução sobre a missão que nos coubera longe do chão natal. Não é garantido que todos o tenham ouvido, tomados pelos pensamentos mais desecontrados. Palavras que rolaram na espuma das ondas.

No domingo a seguir, era a festa em honra de Santa Margarida, padroeira da minha terra Ainda mal havíamos digerido a tremenda desilusão, não só por causa da farda branca, mas por mudarmos, à última hora, de destino. Na verdade, a Guiné era mais perigosa e a guerrilha andava a fazer fogo e sangue.

Comigo não levei muita coisa, além das roupas civis e fardas, talvez medos, muitos medos. Mentia se dissesse que ia de peito feito perante tantos perigos. Também uma flor de esperança e nela deitados os olhos da Lili que me oferecera um terço em prata dentro de uma concha, que guardo, religiosamente ainda hoje, no pechiché do nosso quarto. Se rezei por ele, não foram muitas as vezes. Adquiri outro de madeira, mais resistente e menos valioso, para trazer comigo nos bolsos da farda. Era a fé no meu Deus, a esperança em todos os meus santos e anjos do céu. Há muito que se acha escurecido do azebre. Ainda um dia destes, o hei-de mandar limpar. 

Na carteira, além de algumas notas, mais no seu interior, levava uma pagela, dobrada em duas partes, contendo uma oração. Foi oferta de um casal de vendedores do norte, de bordados, que ia pernoitar a Sangalhos, na Pensão de Ernesto Alves Pinto. Sabendo do meu destino, a mulher aconselhou-me a que lesse ou rezasse, que dava sorte. Pois claro que li, não todos os dias, mas alguns. Se dava sorte, era o que eu queria para mim, para os meus soldados e para todos. E sorte tivemos na última noite dormida sobre o bramir do mar largo.

Embarque de militares na Estação Marítima de Alcântara
Foto: © Américo Estorninho (2010). Direitos reservados

Como passámos o tempo a bordo? Foi um tempo penoso, sobretudo para os soldados que ocupavam os porões. Era um espaço bafiento e quentíssimo Os oficiais, mais à superfície, dormiam ou pasmavam-se nos beliches. O melhor tempo era o que se passava na coberta. Umas vezes, em instrução de armamento. Imagine-se, como íamos tão mal apetrechados. Só ali conhecemos a espingarda com que iríamos combater o IN, a eterna G3, automática. Arma que ninguém tinha visto no quartel. Não existia um único exemplar. Íamos agora conhecê-la nas suas partes e no seu funcionamento. 

Também pouco conhecíamos do terreno e das gentes que íamos encontrar e, em muitas situações, combater. Assim, recebemos também conhecimentos gerais sobre a pouco pacífica Guiné, guerras antigas, clima, raças, usos e costumes. Na parte recreativa, para animar um pouco o pessoal, este teve ensejo de ver vários filmes. Era um modo de atenuar o nojo que originava vómitos.Também ensaiávamos o Hino do Batalhão, música e letra do 2º comandante, major Alexandre António Bahia Rodrigues dos Santos, que regressava à Metrópole em 23 de Janeiro de 1964. Tratava-se de uma marcha militar e intitulava-se “Sempre em Frente”, que ainda é lembrado e cantado nos encontros anuais. Não sei se consegui nesta viagem ler algum livro aos peixes.

(Continua)

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2. Comentário do editor

Por que iniciamos hoje a publicação da série "Últimas Memórias da Guiné", de autoria do distinto repórter de guerra e nosso tertuliano Armor Pires Mota (ex-Alf Mil da CCAV 488/BCAV 490), memórias estas que como o próprio afirma, tendo sido publicadas, em devido tempo, no Jornal da Bairrada, não foram incluídas no seu livro "Tarrafo" [foto da capa à direita], cabe aqui um agradecimento ao autor pela deferência com que trata o nosso Blogue ao enviar-nos este material para publicação, que inclusive contém memórias escritas recentemente, logo inéditas.

Por que felizmente o texto é extenso, será dividido e publicado em vários postes que se desenvolverão temporalmente entre 2 de Julho de 1963, o de hoje com o título: A primeira grande desilusão, até 14 de Agosto de 1965, coincidente com a retirada da 488 de Jumbembem.

CV

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Guiné 63/74 - P12340: In Memoriam (172): António Henrique Teixeira, o "Tony" Teixeira , um "onça negra", da CCAÇ 6, um grande bedandense, um magnífico camarada e amigo (1948-2013)... O funeral é amanhã, às 11h30, na sua terra natal, Espinho.



Lourinhã, Abellheira, 17 de agosto de 2011 > O Tony Teixeira, num almoço de convívio, oferecido por amigos do Joaquim Pinto Carvalho e Luís Graça

Fotos: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados


1. A notíca, brutal, chegou-nos às 10 da manhã, a casa. 

Foi a Alice, acamada, a curar uma gripe, que atendeu o telemóvel...  Do outro lado da linha, a voz chorosa da Maria do Céu, esposa do Joaquim Pinto de Carvalho:  "O Tony morreu assim, de repente, de uma pneumonia fulminante!"...

O nosso camarada António Teixeira, ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto), e CCAÇ 6 (Bedanda) (1971/73) tinha perdido, há um ano, fez agora um ano em 1/11/2013,  a sua querida esposa, Cindinha, vítima de doença prolongada.  O casal tinha um filho de 24 anos, estudante de arquitetura.

O funeral do Tony é amanhã, em Espinho, sua terra natal, às 11h30, na igreja Matriz.    O corpo segue depois para o cemitério n. 3 de S. João da Madeira onde será cremado, regressando mais tarde ao cemitério de Espinho, segundo informação que obtivemos na página do Facebook do Tony.

O Tony (António Henrique Teixeira) tinha uma página pessoal no Facebook: clicar aqui para ler as últimas mensagens, de despedida, dos seus muitos e bons  amigos, que estão devastados com a notícia do seu precoce desaparecimento. Ele era uma pessoa muito querida na sua terra, onde foi DJ e professor de educação física.

Sei que o Pinto de Carvalho e a Maria do Céu, seus amigos íntimos de longa data, partirão ainda hoje, do Cadaval,  ao fim da tarde para darem as últimas despedidas ao nosso Tony e apoiarem o filho do Tony, de 24 anos, e a senhora sua mãe, que deve ter perto de  90 anos.  Para eles vai o nosso o xicoração apertado.

Pessoalmente, conheci-o em agosto de 2011. E ficámos logo amigos. Passámos uma semana de intensa convívio, na Lourinhã. Ele frequentava, amiúde, a casa dos Pinto Carvalho, em Lisboa, na  Lourinhã e sobretudo no Cadaval (onde têm um empreendimento turístico, Artvilla, que o Tony adorava).

A última vez que se encontraram foi em Lisboa, no princípio do corrente mês. Ele andava em tratamento médico na capital, por causa de problemas do foro respiratório.  Mas nada fazia prever este trágico desfecho, disse-me a Maria do Céu, há um bocado ao telefone, inconsolada: "Aquela noite seria a última em que estaríamos  juntos. Fomos ao teatro e depois cear nos Restauradores, num sítio de que gostamos muito. Ele estava feliz. Sabes o que eu te digo? A vida não vale menos nada"...

O Tony entrou para o nosso blogue em 27/1/2011, e apresentou-se nestes termos (**):

(...) Alferes Miliciano António Henrique Teixeira;
Nascido a 21 de Junho de 1948;
Residente em Espinho;
Actualmente reformado do Ensino Secundário;
Licenciado em Educação Física e Desporto, fui professor desde Dezembro de 1973 até Agosto de 2006." (...)


Fotógrafo de Bedanda, tem mais de 40 referências no nosso blogue. Cabe-lhe sobretudo o grande mérito de, a partir dessa data em que se sentou sob o poilão da Tabanca Grande, começar a juntar a "família bedandense", dispersa de norte a sul do país. 

Infelizmente eu nunca pude aceitar o seu convite para estar presente nos primeiros encontros, na Mealhada. Fui ao terceiro, em Peniche, mas dessa vez foi ele que não pôde comparecer por razões de saúde (**). Fico com essa mágoa, a de nunca mais o ter visto e abraçado depois do nossas miniférias de verão, na Lourinhã, em agosto de 2011.

Sobre o  êxito quer foram esses dois primeiros encontros, eu escrevi na altura o seguinte: (...) O êxito do 2º encontro dos nossos camaradas bedandenses deve-se a dois pares de razões… Por um lado, às qualidades de comandante do António Teixeira (Tony, para os amigos), à sua capacidade de liderança motivacional e de organização, qualidades que eu topei logo quando o conheci, o verão passado, na Lourinhã, por intermédio de um amigo comum, o Pinto Carvalho, o mais lourinhanense dos cadavelenses que eu conheço…

O segundo par de razões, apresentou-as o próprio organizador, no início do seu relatório de mais esta operação “saudade”, levada a bom termo… Tem a ver a com o “bom irã” de Bedanda, essa terra mágica: (,,,) “muitos dos presentes neste encontro não se conheciam, visto terem pisado naquele chão em alturas muito diferentes. Mas aquele chão, aquela terra, é mágica, e exerce sobre nós um poder fantástico, poder esse que nos move e nos transcende. Assim, e já depois do grande êxito que foi o nosso primeiro encontro, este ultrapassou todas as expectativas, conseguindo juntar 48 convivas, que por lá passaram entre 1963 e 1974. E nem o dia cinzento, com uma chuva miudinha à mistura, arrefeceu o nosso entusiasmo. Logo ao primeiro abraço era como se sempre nos tivéssemos conhecido”. (…)
Tony, vais ficar aqui, junto dos nossos corações. Não te vamos esquecer, prometo!  E o Joaquim Pinto Carvalho vai tomar o teu lugar, sob o poilão da nossa Tabanca Grande. Descansa em paz, meu "onça negra"! (LG)

Guiné 63/74 - P12339: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (2): Foto nº 2: Parte colonial da cidade



Guiné > Zona leste > Bafatá > c. 1968/70 > Foto nº 2 > Parte colonial da cidade.

Foto do álbum do Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf, Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70; arquitecto, Porto; foto a seguir à esquerda]

Fotos (e legendas): © Fernando Gouveia (2013). Todos os direitos reservados.


FOTO 2 > Parte colonial da cidade.

1 – Restaurante Transmontana.

2 – Café das libanesas.

3 – Sede do Batalhão.

4 – Abrigo de um morteiro.

5 – Avenida principal.

6 – Talvez a melhor casa comercial de Bafatá.

7 – A casa do Sr. Camilo, empresário, o tal que costumava oferecer uns lautos jantares a todos os oficiais e onde eu nunca fui…

8 – Moradia de libanesas.

9 – Oficina auto do Sr. Humberto, meu senhorio.

10 – Caminho para a Tabanca da Ponte Nova.

11 – Rio Geba.

12 – Estátua do 1º Ten. da Armada, João Oliveira Muzanty, que foi governador da Guiné de 1906 a 1909.

13 – O edifício do cinema em construção.

14 – O Mercado.

15 – Grupo escolar em construção.

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Guiné 63/74 - P12338: Notas de leitura (538): Atlas da Lusofonia - Guiné-Bissau, editado pelo Instituto Português da Conjuntura Estratégica e do Instituto Geográfico do Exército (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
É pena falarmos deste empreendimento no passado quando se trata de uma iniciativa suficientemente meritória para ter sido alvo de sucessivas reactualizações. Este Atlas foi concebido como documento de apresentação da realidade guineense para cooperantes e curiosos. O general Pedro Cardoso, exímio conhecedor da realidade lusófona, dirigiu o projeto e foi bem-sucedido. Temos aqui dados elementares da passagem da Guiné de Cabo-Verde à Guiné-Bissau, a realidade guineense aparece bem documentada e a maior originalidade é constituída pela exposição etnográfica. Trata-se de um projeto que devia ser repensado para diferentes públicos, tal a sua utilidade como ferramenta de trabalho.

Um abraço do
Mário


Atlas da Lusofonia – Guiné-Bissau

Beja Santos

O “Atlas da Lusofonia, Guiné-Bissau”, da responsabilidade do Instituto Português da Conjuntura Estratégica e do Instituto Geográfico do Exército, dirigido pelo general Pedro Cardoso, e editado em 2001, decorre, como se diz na introdução, dos conhecimentos acumulados ao longo de séculos e dos estudos mais recentes levados a efeito pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, entre outros. Muitos destes conhecimentos foram no passado aproveitados por comandantes-chefes e governadores e pelos Quartéis-Generais e comandos dos três ramos das forças armadas dos três teatros de operações, entre 1961 e 1974. Este atlas pode ser encarado como uma ferramenta de investigação e de sustentação de conhecimentos para quem, na Guiné-Bissau, possa ser chamado a ações quer de cooperação, quer humanitárias, quer de participação no processo de decisão ou, como mero leigo, sinta a necessidade de conhecer melhor a realidade nas suas dimensões antropológica, histórica, religiosa, etnológica e etnográfica.

Neste atlas, o leitor dispõe de informação sobre os dados fundamentais da colonização, o processo de resistência à soberania portuguesa, nomeadamente nos anos 1950 e 1960 e uma súmula dos eventos que levaram à proclamação da independência e depois à independência de facto. A realidade guineense pós-independência aparece caracterizada em termos demográficos e económicos. Onde o atlas é indiscutivelmente interessante é no capítulo dos grupos étnicos, que aparecem descritos com uma enorme originalidade e numa comunicação muito apelativa. Como se exemplifica.

Falando dos Balantas, são apresentados como o grupo étnico mais numeroso, predominando em Mansoa, Bissorã, Binar, Fulacunda, Tite, S. João, Buba, Xime, Badora e João Landim. Possuem uma estrutura social horizontal, basicamente igualitária. A forte estratificação etária na sociedade balanta, patriarcal, é definidora das funções sociais a desempenhar. E o texto explica quem é quem. Na sociedade Balanta tradicional, o maioral da tabanca é um exímio lavrador, potencial detentor de gado, maior produtor agrícola e também chefe da família mais numerosa do clã. Na sociedade tradicional Balanta, a terra é um bem comunitário da tabanca, distribuída apenas de acordo com as necessidades específicas de cada família ou indivíduo, sendo, no entanto, as alfaias de propriedade privada. Os balantas dificilmente aceitam a morte como um fenómeno natural, pressupondo sempre a atuação de um feiticeiro possuído do espírito do Mal.

Quanto aos Manjacos, trata-se de uma sociedade estratificada em quatro classes sociais – nobres, guerreiros, agricultores e mestres e funcionários, possuem um sistema de governo baseado na autoridade do régulo, eleito pelos sacerdotes ou pelos nobres. Antes da presença e influência portuguesa, a estrutura política dos Manjacos organizava-se em três níveis: central, regional e local. No centro estava o régulo de Bassarel. Os Manjacos islamizados obedecem ao régulo de Pelundo. O régulo de Canchungo, Fernando Baticã Ferreira, era tido como uma personalidade de grande prestígio. A influência destes dois régulos é extensível a toda a diáspora manjaca. O régulo usa como símbolo de poder uma vassoura e um chocalho em ferro. A família é do tipo patriarcal com casamento por compensação e residência virilocal. A mulher ocupa uma posição secundária no lar, embora a primeira mulher usufrua de melhores regalias. A religião da grande maioria dos Manjacos é tradicional africana, e os seus Irãs são dos mais afamados do território. Os mais importantes parecem estar em Calequisse, Bassarel e Catió. Nos Manjacos podemos encontrar Irãs individuais, familiares e coletivos. Os Manjacos são um povo que por tradição emigra periodicamente para Norte, rumo ao Senegal.

Temos depois os Papéis, cujo chão tradicional é o da ilha de Bissau, encontravam-se divididos em sete clãs distintos. Constituíram sempre uma sociedade altamente hierarquizada, estando no vértice da pirâmide os régulos, os nobres e os jambacosses, com uma organização política devidamente estruturada. A família de estrutura patriarcal prolonga-se no clã. O chefe do clã é sempre uma mulher. O casamento só se pode concretizar entre elementos de clãs distintos, sendo o estatuto do filho dado pela mãe. De igual forma, a geração determina-se por via uterina, bem como a herança de todos os tipos de bens. Na ilha de Bissau, entre Brá e Bôr, existe um local conhecido por Enterramento, onde estão enterradas figuras destacadas da história guineense. Aquando das cerimónias fúnebres dessas personalidades eram aí feitos sacrifícios aos seus súbitos. A adoração por ídolos é independente da condição social, sendo um vulgar feixe de paus untados com sangue de animais, com penas de galo atadas na parte superior, ou então espetadas junto à base, a representação mais habitual.

Como é evidente, a descrição destes grupos éticos inclui outros representativos como os Felupes, os Bijagós, os Mandingas, os Fulas, os Beafadas e os Nalu. Os povos da Guiné-Bissau podem dividir-se em povos do interior e povos do litoral, os primeiros são predominantemente islâmicos, os segundos predominantemente de religião tradicional. As religiões tradicionais na Guiné-Bissau, embora com diferenças consoante os grupos étnicos e lugares, apresentam um certo número de características comuns. A noção de um Deus único, supremo e criador, é quase generalizada, entre os Balantas, Manjacos e Papéis. Na Guiné-Bissau, o Irã é o intermediário entre os homens e Deus. O Irã varia de tribo para tribo: orienta, dirige, regula e pune os atos de cada um dos seus descendentes, está presente em quase todas as atividades como o nascimento, o fanado, a justiça, o casamento, a sementeira. O nativo guineense, para se proteger da perda ou diminuição da força vital, recorre ao culto do Irã dos antepassados, culto que faz da sociedade indígena uma comunidade de vivos e mortos. O atlas apresenta as comunidades muçulmanas, a propagação do islamismo na Guiné, detendo-se na Fulanização, Mandinguização e Sossização. Tem muito interesse o que se escreve sobre as linhas de articulação dos dignatários islâmicos. De Marrocos ao Golfo da Guiné as linhagens preponderantes são de natureza xerifina, assiste-se à transição do tecido afro-árabe para o afro-negro. No caso particular da Guiné-Bissau as articulações dos povos muçulmanos não obedecem a esquemas rígidos, há uma certa fluidez de mecanismos. Segundo o atlas, em junho de 1972 as linhas de articulação eram: quanto à confraria Qadiriya, em Jabicunda, o dignatário exercia influência de tipo polarizante em todo o território, na área de Bafatá, e externa, na Gâmbia e no Senegal; no tocante à confraria Tidjanya, os dignatários islâmicos mais proeminentes eram os de Quebo, Ingoré e Cambor. O dignatário de Quebo (ao tempo Aldeia Formosa), articulava sem consulta a Tivaouane, a NE de Dakar. Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território. Em Ingoré, o Xerife pertencia a uma família originária de Marrocos, apresentava-se com uma ambivalência confraternal, pois era dirigente tanto da confraria Qadiriya como da Tidjanya. Por fim, o dignatário de Cambor, foi iniciado na confraria Tidjanya, no Senegal, a quem consultava.

O atlas inclui bibliografia e um CD-ROM que contém a versão interativa de toda a matéria abordada. É um documento ricamente ilustrado e não se compreende porque nunca mais foi reatualizado.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12334: Notas de leitura (537): A participação da CART 3494 na Acção Garlopa (Sousa de Castro)

domingo, 24 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12337: O nosso livro de visitas (169): Imaginem quem eu encontrei no hipermercado, em Portimão ?... O nosso sargento José Martins Rosado Piça! (Tony Levezinho, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)



Portimão, 21 de novembro de 2013 > O reencontro de dois bons velhos amigos e camaradas da CCAÇ 12: o ex-2º srgt inf José Martins Rosado Piça (Évora) e o Tony Levezinho, ex-fur mil at inf (Sagres, Vila do Bispo)

Foto: © António Lezevinho (2013). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Tony Levezinho, com data de 21 do corrente:

Assunto - Uma muito grata surpresa 

Olá,  Amigos [Luís e Humberto]:

Olhem só quem eu encontrei, há um par de horas, no Continente, em Portimão!

É verdade, o nosso Amigo Piça,  nos seus bem conservados 80 anos, sempre com a boa disposição que lhe reconhecemos.

Por que ele me pediu, dei-lhe os vossos números de telefone. Ele tem um apartamento em Portimão, onde passa algum tempo e, assim, ficou agendada uma visita aqui a Sagres, para breve.

Um abraço para vocês.
Tony Levezinho

2. Comentário de L.G., a partir de resposta enviada no mesmo dia ao Tony:


(i) Ganda Tony!... Muito me contas. Pensei que esse gajo já tinha batido a bota (, cruzes, canhoto!)...Andou estes anos todos sem dar sinal de vida. Ora isso não se faz aos amigalhaços como tu, eu, o Humberto e muitos mais para quem ele foi o mais miliciano dos chicos que a gente conheceu na Guiné!  Com 15 anos de diferença, ele era o nosso mano mais velho... 

Afinal, esse alentejano de boa cepa ainda está aí para as curvas com um ar de fazer inveja a muitos de nós... Manda-me o telefone dele. Quando chegar a Lisboa, ligo-lhe. Só o voltei a ver uma vez, depois do nosso regresso da Guiné... E acho que foi através de ti, em Lisboa...

Amigalhaços!... Ou melhor, amigos para sempre, jurámos nós, à despedia, no Uíge, de regresso a casa.... Ficámos com os endereços uns dos outros... De Évora, eram dois, o Piça e o Branquinho. Confesso, e penitencio-me: fui a Évora, em lazer ou trabalho, uma boa dúzia de vezes, nestes últimos 40 anos... e nunca os procurei...



N/M Uíge > 17 de março de 1971 > Dois dos nomes e moradas que ficaram escritos nas costas da ementa do jantar desse dia, que foi o primeiro da viagem de  regresso a casa, com paragem de umas horas no Funchal... Dois eram alentejanos de Évora... O Branquinho nunca mais o vi. O José Martins Rosado Piça, o ganda Piça, para os amigos, esse, voltei a encontrá-lo uma  vez em Lisboa... Ele continua a morar em Évora, mas agora na Rua Florbela Espanca...

Foto: © António Levezinho (2006). Tpdos os direitos reservados


Amigos para sempre

17 Março de 1971 :
Dia da partida de Bissau para Lisboa.
Regressávamos da guerra,
uns com a morte na alma 
e todos com mazelas no corpo,
num navio da nossa gloriosa marinha mercante, o Uíge.
E jurámos ser amigos para sempre...
Lembras-te, Tony ?
Foste tu que me mandaste fotocópia da ementa do jantar desse dia...
Como se a vida continuasse a correr como dantes,
como se pudéssemos retomar as nossas vidas do passado, 
nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, 
no jantar desse dia,
na classe turística, reservada aos sargentos,
uma sopa de creme de marisco,
seguida de um prato de peixe, Pescada à baiana,
e um de carne, Lombo Estufado à Boulanger...
sem esquecer a sobremesa:
a bela fruta da época,
o bom café colonial,
o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho,
antes de mais uma noitada de lerpa ou de king...
Já, em tempos agradeci ao Humberto Reis
e à sua proverbial memória de elefante
por me lembrar, por nos lembrar,
que o 17 de Março de 1971
foi, afinal, o primeiro dia do resto das nossas vidas...


Ainda hoje o recordo, com amizade e ternura, o nosso sargento Piça...Em vésperas de saídas para o mato, em noites de muita insónia e muito álcool, o nosso amigo e camarada, a exercer funções de primeiro sargento da Companhia, Piça, de seu apelido de família,  o alentejano mais castiço e quiçá sarcástico que eu conheci na tropa,  natural de Aldeias de Montoito, Évora, gostava de manter-nos, a nós, operacionais, com o moral em maré alta, fazendo questão de relembrar os feitos dos nossos maiores em tom brincalhão, jocoso,  mas nunca ofensivo:

Portugueses, punheta!,
Quando rebentou a República, caralho!,
Foram homens de colhões,
C... da mãe!


Da nossa parte, éramos uns sádicos!... Pregámos-lhe uma partida, antes do fim da comissão: obrigámo-lo a ir connosco numa operação, com os periquitos (que nos vinham render), lá para os lado do Poindom, no Xime. Sabíamos que ía haver "fogo de artifício"... E não queríamos que ele voltasse, connosco, de regresso a casa, sem o competente "batismo de fogo",  averbado na caderneta militar... Devo dizer que ele se portou galhardamente, como um verdadeiro bravo da CCAÇ 12!... Teria já os seus 38 anos, tal como o capitão... 

Tratou-se de um patrulhamento ofensivo a dois grupos de combate, enquadrando os novos graduados (exceto oficiais), realizada em 28/2/1971, sob o nome de código Op Rato Traquinas. Depois de 15 de minutos debaixo de fogo, as NT (60 "gatos pingados") chegam à Ponta do Inglês. onde não encntraram vestígios nem do IN nem de população.... Três meses antes, em 26 de novembro de 1970, as NT (a 8 grupos de combate) tinham sofrido uma violentíssima emboscada na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês (Op Abencerragem Candente). A Ponta do Inglês tornou-se um mito.

(ii) Bem, meu velho, por estes dias, estou na ilha de Luanda... Estou a dar uma formação a futuros médicos do trabalho... São cerca de 30 médicos... Mas uma boa meia dúzia são gente ligada aos petróleos (como tu o foste, na Petrogal)...

Já cá vim, a Luanda,  uma meia dúzia de vezes, desde 2003... Desta vez, encontrei um "neto" nosso, da CCAÇ 12, o António Duarte, de 1973/74... Viemos no mesmo avião. Volto sábado, na véspera dos teus anos... Já temos o postezinho de parabéns alinhavado, que o meu coeditor Carlos Vinhal nunca se esquece de ti... Quanto ao nosso Humberto, agora vejo-o mais vezes, lá para as bandas da minha terra...

Um xicoração fraterno...

Luís

PS - Descobri que ele tem uma página no Facebook. Clicar aqui.
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Guiné 63/74 - P12336: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (3): 1966, ano da construção do primeiro restaurante do K3

1. Em mensagem do dia 17 de Novembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Fragmentos de Memórias, este dedicado às artes da construção civil, mais propriamente à militar, e afins.


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

3 - K3, 21 Fevereiro 1966 - Projecto para o primeiro restaurante local

Nessa tarde, fui empossado num novo cargo sem remuneração, para quando estivesse com algum tempo disponível, ou seja, "começas amanhã".

Chamado havia sido ao resort dos Senhores Oficiais e como era o dia dos meus 24 anos, pensei que me preparavam uma festinha comemorativa e que triste fiquei porque afinal nenhum se havia lembrado do facto, ao contrário dos meus amigos da Secção de Morteiros 60, com quem partilhei o figadal almoço, tendo ainda estado presentes mais alguns camaradas disponíveis.

Impunham-me sim, mais sob-humanas tarefas, mas compreendi, após os factos explanados, que de facto não haveria mais ninguém com as superiores e sábias condições para o fazer. E assim, fui incumbido pelo Sr. Capitão Cmdt da Companhia, de ser o desenhador-arquitecto-engenheiro, para construir as instalações onde acabaram por ser o restaurante do K3 e anexos, ou melhor dizendo, a cozinha e os lavatórios panelaeiral e marmital.

Que seja... se tem de ser... vamos nessa... amo desafios propostos à minha sobre dotada inteligência.
E porquê eu? Devido ao facto de saber o que era um tijolo? O cimento? A areia e até as pedras? (mas com essas não poderia contar porque ali em Saliquinhedim não havia uma sequer que fosse.)

Dispus-me e elaborei um majestoso plano qu'até me admirou a mim próprio. Para numa mais eficiente, rápida e assaz sei lá o quê, ousei suplantar as técnicas em vigor, decidindo começar pelo telhado em vez de pelas paredes que o aguentariam e dado que se aproximava a época das chuvas, estaríamos pelo menos abrigados. Mas então... disse o arquitecto vaidoso, que gostaria de ser, para o engenheiro cheio de cagança, que nunca serei:
- É pá, começa pelos caboucos e pranta lá os alicerces.

Pensei... pensei... pensei, o que me fez uma bruta dor de cabeça, mas apenas para não criar complicações com estes dois estúpidos do caraças e vendo que até era capaz de resultar, dei razão ao primeiro e assim melhor ficou a minha reputação na resolução de conflitos.
Criei então, uma equipa de malta que não pudesse discutir as minhas ideias, ou seja... aboli à partida todos aqueles que percebessem da arte de pedreiro, pois gosto pouco de ser criticado e sabia que qualquer obra prima, mesmo bela e útil, tem sempre detractores.

A coisa lá se foi fazendo, fio de prumo também não tínhamos, íamos resolvendo a olho nu, e por isso é que as paredes do edifício surgiram sem simetria, qu'é assim como dizer, que deveriam estar direitas de baixo para cima e nunca ao contrário. Ficaram mais ou menos, mas sólidas...
Depois disso, deram-me então razão na questão do telhado só que e porque deveria ser instalado lá no alto, estava ali uma carga extra de trabalhos, mas fez-se com cibes. Mandei também fazer duas portas, uma para a entrada e outra para a saída e vice versa e mais quatro janelas, duas maiores viradas para a mata para fazer ciúmes aos inimigos e as outras duas não.
In's que sabíamos nos estariam a bispar cheios de fome, coitados. Numa dessas, a primeira a seguir à porta de saída, desenhei-a propositadamente a fim de despejar todos os despojos sobrantes, que alimentariam os mais que centos de jagudis que por ali andavam.


K3 (Saliquinhedim) - Veríssimo Ferreira e as suas construções
Fotos: © Veríssimo Ferreira. Direitos reservados.

Instalações modulares do aquartelamento do K3
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.

Considerando que os "marmelos" iam tiroteiando de noite, o que fizéramos de dia, tive uma excelente ideia, própria do génio que sou ainda hoje, (marado completamente) e que passo a contar.
Tínhamos na Companhia, um soldado da secretaria, que houvera sido pintor de adereços e de cenários para revistas do Parque Mayer. Com ele falei, adorou a minha extravagante ideia, aderiu e comprados que foram sacos e sacos de pano, ele foi pintando e à noite "pendurávamos-ius" num local visível da mata.
Na verdade até parecia que ali estava um belo e espaventoso edifício. Primeiro nada aconteceu, mas depois lá mandaram fogaracha que se desunharam e deixaram esburacados os paninhos pintados com tanto carinho.

Nós no dia seguinte, voltámos lá a colocar outros mas agora com novas cores ainda mais vistosas mas pintadas já em oleados. E eles, pimba, catapultavam. Quando perceberam que não conseguiam vencer-nos desistiram sem nunca terem percebido, como era possível construir tão bem e depressa.
Porém, não sem que antes e tendo nós detectado em que local se posicionavam, lhe não tenhamos deixado de enviar umas morteiradas 60 que decerto lhes acertaram porque as marcas ficaram lá bem visíveis. Mas o abandono daquelas malévolas tentativas de destruição só acabaram quando postámos do lado de Buro, um desenho bem real que até parecia estar mesmo ali um tanque de guerra, e do lado do Olossato, um contratorpedeiro cheio de canhões cinzentos e qu'até o próprio vento fazia com que parecesse que estavam a mover-se na direcção dos ceguetas.

Tal como diz o ditado: "Um bom estratega é com panos e bolos que engana os tolos"

(continuará ? sim... se tiver pelo menos 5 comentários)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12309: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (2): O meu amigo felupe, o 44

Guiné 63/74 - P12335: Parabéns a você (655): Abel Santos, ex-Soldado Atirador da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12329: Parabéns a você (654): José Romeiro Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

sábado, 23 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12334: Notas de leitura (537): A participação da CART 3494 na Acção Garlopa (Sousa de Castro)

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), de 8 de Outubro de 2013:

Caros camaradas
Depois de ler o poste Guiné 63/74 - P12128: Notas de leitura (524): Reportagem do enviado especial do Diário de Lisboa, Avelino Rodrigues, CTIG, agosto de 1972 (Mário Beja Santos) leva-me a concluir que tem a ver com a actividade da CART 3494 em Julho de 1972, Operação Garlopa, conforme pág. 75 da História do BART 3873 que anexo, assim como a "Actividade da CART 3494 do BART 3873 no Teatro de Operações da Guiné (4)".

Sousa de Castro









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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12326: Notas de leitura (536): "Maré Branca em Bulínia", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)