segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14033: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (7) - Reportagens da Época (1967): Guidaje - Assalto a Cumbamory - Operação Chibata

1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de 9 de Dezembro de 2014:

Prezado Dr. Luís Graça:
Tomo a liberdade de remeter mais um pequeno contributo, que poderá publicar, se o entender conveniente.

Com um abraço amigo,
Domingos Gonçalves




MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1967)   
REPORTAGENS DA ÉPOCA

7 - GUIDAJE 1967

Mês de Dezembro
Dia 10

Assalto a Cumbamory - Operação Chibata

Picou-se a estrada até ao Cufeu para facilitar a passagem da coluna de abastecimento.

À tarde, pelas vinte horas, chegou uma coluna com cerca de 140 homens. Afinal, não vieram por causa do reabastecimento, mas com a finalidade de efectuar uma operação. O reabastecimento foi só uma consequência...
Comeram no destacamento.

Pouco antes da meia-noite, reforçada por uma secção do destacamento e pelos caçadores nativos, a força que chegou de Binta, comandada pelo capitão da Companhia 1546, partiu rumo à casa de mato de Cumbamory, atravessando a fronteira e fazendo a aproximação por território do Senegal. Aliás, há entre nós algumas dúvidas quanto à situação real dessa base terrorista, que estará situada mesmo sobre a linha de fronteira, ou mesmo em território senegalês.

É a operação “Chibata” que está a iniciar-se. Uma operação que envolve riscos consideráveis para as nossas tropas. Qualquer ataque a uma base dos turras envolve sempre riscos. O ataque a Cumbamory, dado tratar-se de uma base bastante grande, através da qual passa grande parte do pessoal e do equipamento que o PAIGC infiltra no território, é arriscado e perigoso. Amanhã saberemos mais alguma coisa sobre tudo isto. Mas não me parece que os altos comandos tenham medido e calculado todos os riscos que esta operação envolve. A única coisa que pode ser favorável aos nossos homens é o efeito surpresa, se for possível atingir o objectivo e atacá-lo sem que os gajos se apercebam da aproximação dos nossos soldados.

A força que partiu para a operação, cerca de 170 homens, é constituída por dois grupos de combate da minha Companhia, pelos Roncos de Farim, por um grupo de combate pertencente à Companhia de Intervenção estacionada em Farim, por uma Secção do Destacamento, e pelos Caçadores Nativos de Guidage. Aparentemente 170 homens poderá parecer uma força considerável, mas de facto não é. Todos os homens estão fisicamente debilitados, vão chegar à base do inimigo muito cansados, e apenas vão poder contar com eles próprios. Ao alvorecer, quando atacarem a base, não podem contar com apoio aéreo, por ser muito cedo e porque os aviões, mesmo sobre a linha de fronteira, não costumam actuar.
Ou se conseguem desenrascar sozinhos, com os próprios e escassos meios, ou então estará tudo perdido.


Dia 11

Levantei-me muito cedo e fui para o Posto de Transmissões à espera dos resultados da operação, mas aos operadores de rádio não tinha chegado, ainda, nenhuma notícia.

Pelas sete horas e meia as forças de Bigene, que também actuavam na zona, na área de Jambacunda, mas que não chegaram a ter contacto com os gajos, ligaram para Guidage e disseram que, pelas seis horas da manhã, e durante cerca de meia hora, escutaram muitos rebentamentos. Em Guidage, dada a distância, não se tinha escutado nada. Fiquei por isso a saber que tinha havido contacto com o inimigo, e que esse contacto apenas poderia ter acontecido com a Companhia 1546.

Da força que partira de Guidage, e que tinha por missão actuar sobre o objectivo, não havia notícias. Sabíamos, no entanto, que a fogachada que os de Bigene tinham escutado, apenas poderia ter acontecido durante o ataque das nossas tropas a Cumbamory, ou em resposta a alguma emboscada que os tipos lhes tivessem preparado.

Pelas oito horas chegou a avioneta, que fez em Guidage o lançamento do correio e se dirigiu para o local das operações.

Pelas oito horas e meia, as forças que partiram de Guidage, e que tinham atacado Cumbamory, entraram em contacto com a avioneta.
Disseram que estavam já a regressar, mas que se deslocavam com muita dificuldade, ainda em território do Senegal, e que transportavam bastantes feridos e muito material apreendido aos turras durante o assalto a Cumbamory.

A avioneta deslocou-se a Guidage e mandou que enviássemos viaturas à fronteira para recolher, logo que possível, homens e material, o que rapidamente se fez.

Fui com as viaturas até onde me foi possível e, depois, atravessei a fronteira com um pequeno grupo de soldados, e orientado pela avioneta progredi em território senegalês, ao encontro da nossa força, para a auxiliar na retirada.

Quando se chegou a Guidage já se encontravam lá estacionados dois helicópteros prontos a transportar os feridos para o hospital militar.
Logo após a chegada ao destacamento de Guidage os feridos foram devidamente tratados por duas enfermeiras pertencentes à tripulação dos helicópteros e seguiram para Bissau. Nenhum dos feridos se encontra em estado muito grave.

Durante o voo para Bissau, só a presença daquelas duas raparigas bonitas, deve ter sido suficiente para restituir aos feridos a saúde e a integridade psíquica, tão afectadas pelos ferimentos provocados pelos tiros e pelas granadas que tiveram que enfrentar.

A operação teve certo êxito mas não correu bem.

As nossas forças aprisionaram 5 turras, terão causado ao inimigo bastantes mortos e feridos. No relatório da operação mencionaram-se 34 mortos confirmados, para além de um número indeterminado de feridos. De qualquer modo talvez estejamos perante um número demasiado elavado. As nossas forças capturaram, para além dos prisioneiros, o seguinte material:

2 morteiros de 82mm,
12 granadas para esses morteiros,
1 pistola metralhadora,
1 espingarda semi-automática,
1 aparelho de pontaria de morteiro 82mm,
1 estojo de cirurgia,
3 cantis,
Material diverso para montagem de tendas,
2 bolsas de enfermagem,
1 granada de mão,
2 auscultadores de telefone,
2 pastas com documentos,
Diverso material de instrução,
Livros cubanos,
Cadernos e revistas,
Medicamentos.

Mas, para que tudo isso fosse possível, as nossas forças sofreram quatro mortos, ( 2 europeus e 2 africanos ) cujos cadáveres não puderam ser recuperados, um desaparecido e bastantes feridos com alguma gravidade. Foi um preço muito elevado, demasiado grande, mesmo tendo em vista os resultados conseguidos. A vida de um soldado, ou o sofrimento e as mutilações, têm um preço que não pode ser comparado com o valor de umas armas capturadas, por mais sofisticadas que elas sejam. Mas há por aqui quem pense o contrário... Quem olhe quase com adoração para as armas capturadas e se esqueça que foram pagas com muito sangue e com muita dor... Isto chama-se trocar o que não presta, o que não vale nada, por aquilo que não tem preço...

Estupidez humana! A loucura de tudo isto é cada vez mais evidente e já nem se lhe vislumbram os limites.

As nossas forças deixaram ainda no local as armas e outro equipamento militar pertencente aos soldados mortos.

Esta operação não falhou porque a tropa é decidida, é dura e sabe combater. Muitos destes homens, brancos e negros, têm um grande desprezo pela vida e são bravos a valer.

Se assim não fosse este assalto a Cumbamory poderia ter sido um desastre. Planeou-se a operação pensando encontrar no objectivo um inimigo composto por 20 ou 30 homens armados (ou então quem faz os planos engana deliberadamente quem os deve concretizar) talvez com um morteiro e algumas armas ligeiras, e Cumbamory é uma verdadeira cidadela militar do PAIGC.

Os nossos 170 homens encontraram pela frente perto de 300 (?) elementos, dispondo de armas ligeiras, várias bazookas, morteiros de 60mm, lança rokets, morteiros 82mm, e outro armamento diverso.

Os prisioneiros disseram que em Cumbamory havia também 4 canhões que não chegaram a fazer fogo.

Em face da força que encontraram pela frente os nossos homens portaram-se bem e foram corajosos para progredir até ao local onde se encontravam os morteiros, dos quais o inimigo ainda se terá servido.

Segundo os prisioneiros, encontrava-se em Cumbamory, no momento do assalto, Luís Cabral, que terá fugido imediatamente numa viatura para o interior do território do Senegal. Segundo o mesmo relato, ontem terá havido uma festa no acampamento, encontrando-se no mesmo um grupo de Comandos do PAIGC, deslocado da área de S. Domingos. Durante a noite de hoje para amanhã viriam atacar Guidage.

Se o relato for verdadeiro esta operação teve pelo menos o mérito de evitar um ataque a este meu reino. De qualquer modo, o melhor é a gente continuar à espera deles. Segundo dizem os prisioneiros, em Cumbamory o pessoal passa fome. Apenas os soldados comem alguma carne e batatas, e ganham algum dinheiro. Para os carregadores há apenas arroz que se esgota muitas vezes. O acampamento dispõe de uma escola onde se ensina a língua portuguesa, de uma enfermaria razoável, verificando-se de quando em quando a visita de um médico, que deve ser cubano. Os cubanos do acampamento deslocam-se muitas vezes para fora do mesmo, a fim de se encontrarem com Amilcar Cabral, que não lhes paga na presença dos africanos. Em Farim, ao que me parece, não se presta grande atenção às informações recolhidas em Guidage, o mesmo acontecendo em Bissau. Desde há muito que mandamos dizer que em Cumbamory existe muito pessoal armado e muitas armas pesadas, mas não acreditaram em nós. O resultado poderia ser um desastre para as nossas forças. As forças que participaram na operação seguiram para Binta pelas dezasseis horas, mas só lá conseguiram chegar perto das vinte e uma. Iam todos muito cansados, quer física, quer psiquicamente. Depois de uma viagem de cinco horas até Binta todos os soldados devem ter lá chegado cansadíssimos, autênticos farrapos humanos.

Afigura-se-me que este foi o último trabalho sério que os homens da Companhia de Caçadores n.º 1546 foram incumbidos de realizar. Foi uma despedida terrível, que teve tanto de doloroso como de heróico. Foi, de longe, a missão mais arriscada e perigosa que nos foi confiada ao longo de todos estes largos meses de Guiné, que já temos. Mas foi uma missão que se levou até ao fim com bastante êxito.
E agora, já é mais que tempo para nos deixarem descansar em definitivo.

Já todos temos mais do que direito ao repouso dos guerreiros... Que ele nos seja finalmente concedido.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13560: Memórias da CCAÇ 1546 (1967) - Reportagens da Época (Domingos Gonçalves) (6): Guidaje 1967

Guiné 63/74 - P14032: Agenda cultural (365): Rescaldo da apresentação do livro da autoria de Manuel Fernandes (ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2796) levada a efeito no passado dia 7 de Dezembro de 2014 na freguesia de Arcozelo, Ponte de Lima (Sousa de Castro)

1. Mensagem do nosso camarada Sousa de Castro (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74), com data de 8 de Dezembro de 2014:

Caros amigos, cumprimentos.
Em anexo documento sobre a apresentação do livro da autoria do Manuel Fernandes, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCAÇ 2796.
Eu estive lá, foi muito bom reviver peripécias contadas pelo Manuel Fernandes.

Abraço,
Sousa de Castro


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Nota do editor

Último poste da série de 12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14016: Agenda cultural (368): Camarada, uma exposição a não perder, até ao dia 19 ( e, se a perderes, ficas mais pobre..): "Maresias: Lisboa e o Tejo, 1850-2014", no Torreão Poente do Terreiro do Paço (agora integrado no novo Museu de Lisboa)

Guiné 63/74 - P14031: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (1): Que os nossos bons irãs nos/vos protejam, camaradas e amigos/as!



Lisboa > Natal de 2014 > Praça do Comércio



Lisboa > Natal de 2014 > Praça do Rossio

Fotos: © Luís Graça  (2014). Todos os direitos reservados.


Vídeo (1' 46'') alojado em You Tube > Nhabijoes


Lourinha >  13 de dezembro de 2014 > Natal de 2014,  animação de rua com o Grupo de Gaiteiros da Freiria, Torres Vedras.  Apoio da junta de freguesia local e do comércio tradicional.




Vídeo (1' 47'') > Alojado em You Tube > Nhabijoes

Lisboa > Basílica dos Mártires, Chiado > Concerto de Natal >  14 de dezembro de 2014 > Coro da NOVA, Universidade Nova de Lisboa, sob a direção do maestro João Valeriano > "Hossana to the Son of David", Thomas Wealkes (c, 1575-1623).



Vídeos: © Luís Graça  (2014). Todos os direitos reservados.


1. Camarada, amigo/a, leitor/a: 

Decididamente, é difícil, 
se não mesmo impossível
fazer de conta que não é natal
todos os anos por esta altura do ano.

Há mais de um mês 
que os sinos dos centros comerciais,
as campainhas da televisão 
e os guisos da internet
nos anunciam que vem aí o natal
e, com ele, 
todas as coisas boas, materiais e imateriais,
que, no nosso imaginário,
associamos às festas do natal e ano novo.

Para além da efeméride, 
e da data no calendário religioso, 
de grande significado para os cristãos,
o natal tem, 
para outra parte não menos importante da humanidade. 
uma dimensão cultural e espiritual
que também importa (re)valorizar e (re)lembrar.

Mesmo para os crentes de outras religiões
e para aqueles de nós que não têm nenhum religião em especial,
o natal e o ano novo (no calendário gregoriano)
são uma quadra que nos convida
à reflexão, 
à meditação, 
à partilha,
à prestação de contas com a vida,
à prova de vida,
à renovação da esperança.

Não faz sentido desejarmo-nos,
uns aos outros,
feliz natal e bom ano novo
sem nesses votos estar implícita ou explícita
a ideia de esperança e de futuro.

Esperança no futuro,
num planeta amigável e habitável,
onde possamos caber todos,
nós e os 7 mil e tal milhões de outros como nós...
Precisamos de esperança, 
amigos e camaradas.
Cada um de nós, Portugal, a Guiné, o resto do mundo.
Ninguém, em termos individuais e coletivos
pode viver sem esperança,
sem sonhos,
sem projetos,
sem metas.


Costumamos dizer, com graça,
que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!
Pois é, 
é grande de nome, 
e é virtual,  a nossa tabanca,
é uma ideia que tem vindo a ser acarinhada e construída
ao longo já de mais de um década,
uma ideia simples, a de partilha de memórias,
e que, atrás das memórias,  tem trazido os afetos,
a amizade, a camaradagem, a solidariedade.


Queremos que o resto da picada da vida
que ainda temos para palmilhar
não seja uma viagem solitária,
para cada um de nós,  ex-combatentes.
E que também não seja enfadonha,
que tenha algum pica,
com o humor q. b.,
que é algo que também nos faz falta,
a par da saúde, do amor e do patacão!

Queremos que aqueles que se sentam
à sombra do nosso imaginário poilão sagrado
se possam sentir também, de algum modo,
acompanhados pelos seus antigos camaradas.
Queremos ser conhecidos e reconhecidos 
uns pelos outros,
e, se possível,  lembrados e evocados
pelos nossos filhos, netos e até bisnetos.
Que, afinal, são aqueles que nos importam.
Queremos que eles não sintam  vergonha de nós.
Pelo contrário, 
queremos que eles tenham orgulho de nós,
da nossa geração.


Fizemos a guerra e a paz,
e gostamos de evocar e recordar esses tempos
em que passamos por essa terra verde e rubra
que era a Guiné.
Continuamos a ter carinho por ela e pelas suas gentes,
depois de termos exorcizado os fantasmas do
(e feitas as contas com o)  passado,
Queremos caminhar juntos,
queremos que Portugal e a Guiné,
os portugueses e os guineenses,
caminhem juntos,
com esperança no futuro,
na terra que, afinal, é só uma e é de todos.


Votos de esperança, amigos e camaradas,
sobretudo para aqueles de nós
que estão longe da terra que os viu nascer,
nas mais desvairadas diásporas lusitanas,
ou que estão doentes,
ou que perderam recentemente alguém muito querido,
ou que muito simplesmente perderam algo de muito importante
como pode ser a fé, 
a fé nos outros, na humanidade ou na pátria.


Votos de esperança,
sobretudo para aqueles de nós
que sentem que a sua terra foi ou tem sido
má mãe, mau pai, mau irmão, má irmã.


Votos de esperança
na paz, na liberdade e na justiça
a que todos temos direito.


Boas festas para todos/as,
amigos/as e camaradas!
E que os nossos bons irãs 
nos/vos protejam!


Os editores (com amor e humor q.b.)

Guiné 63/74 - P14030: A minha máquina fotográfica (12): Ainda tenho, operacional, a minha Fujica Compact S, comprada em finais de 1972, em Bissau (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)

















Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/74) > Fotos, sem legenda, do álbum do Armando Faria

Fotos: © Armando Faria (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



1. Mensagem de Armando Faria   [ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74]



Data: 9 de dezembro de 2014 às 20:02
Assunto: A minha máquina fotográfica


Boa tarde,  camaradas e amigos.

Ao vosso desafio junto hoje um pouco das minhas memorias neste tempo que nos é dado viver, FELIZ NATAL.

Esta minha máquina [, Fujica Compact S, lançada por volta de 1970, ] foi comprada em Bissau, em dezembro de 1972, e completada depois com os restantes acessórios.

A ela foi dado muito uso, pessoal, centenas de fotos e slides que ainda hoje fazem parte das minhas memórias, são eles "local" de visita.

Foi com ela que registei momentos de muita alegria e outros menos bons, os acontecimentos de 2 Março de 1974, em Cufar, dois rolos de slides que nunca me foram devolvidos.

Ainda hoje está apta a desempenhar o seu papel e tenho em reserva um rolo para tal fim, talvez venha a ser usada num encontro de "velhos" combatentes.

Hoje envio, como as fotos "dela",  algumas fotos e slides que deixo ao vosso critério a sua publicação.



Galhardete da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/74) cuja duvisa era !"Antes morrer livres que em paz sujeitos"


Com os votos de um FELIZ NATAL daqui vai um abraço do tamanho do Cumbijã.

Armando da Silva Faria
Furriel Miliciano da CCAÇ 4740
Cufar – Guiné 1972/74

Guiné 63/74 - P14029: Notas de leitura (657): "Obras Escolhidas de Amílcar Cabral, a arma da teoria, unidade e luta”, Seara Nova, 1976 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
A antologia de Mário Pinto de Andrade sobre o pensamento e ação de Amílcar Cabral conheceu várias edições em vários países.
Falecido o pai fundador da Guiné-Bissau, havia a necessidade de coligir em documento de leitura acessível o que ele de mais relevante escreveu. Coube essa tarefa a um seu amigo dileto, Mário Pinto de Andrade, antigo presidente do MPLA.
A escolha antológica de Pinto de Andrade foi feliz, pelo que talvez de mais representativo podia caber em cerca de 240 páginas. Ficou aqui registado o poeta, o estudioso da poesia, o cientista agrónomo, o publicista político, o estratega, o teórico, o ideólogo, a marca de um líder que nunca escondeu o gosto pela escrita e pela tribuna.
Aos poucos, todo este pensamento ficou confinado à memória dos antigos combatentes e hoje é uma vaga ideia da impetuosidade da sua trajetória política em África e no mundo, naqueles anos 1960 e 1970.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral, o intelectual, o ideólogo, o revolucionário

Beja Santos

Pouco tempo depois do assassinato de Amílcar Cabral, o Comité Executivo da Luta do PAIGC delegou em Mário Pinto de Andrade a incumbência de preparar o que de mais representativo ficara da sua obra escrita, como um desenho impressivo da personalidade, a trajetória da sua linha ideológica, o legado central da reflexão teórica e os conceitos operatórios da estratégia revolucionária que formulou. Nasceu assim uma recolha, até hoje não ultrapassada, dos aspetos mais seminais do pensamento de Cabral: "Obras Escolhidas de Amílcar Cabral, a arma da teoria, unidade e luta”, Seara Nova, 1976.

Trata-se do primeiro volume, Mário Pinto de Andrade começa por traçar a cronologia dos principais acontecimentos da vida do PAIGC, onde Cabral deixou as suas impressões indeléveis. Para dar uma melhor arrumação e eficiência aos critérios antológicos, o autor repartiu o conteúdo em textos da juventude; textos científicos na área agronómica; a escolha das peças do processo do colonialismo português, dada a importância do texto que Cabral publicou com o pseudónimo de Abel Djassi em Londres, em junho de 1960, texto com elevado recorte literário; as primeiras análises (1963 e 1964) em que Cabral estabelece a relação entre o comportamento das diversas camadas sociais e a luta de libertação nacional; os princípios do PAIGC e a prática política, parágrafos escolhidos das exposições, pronunciadas em crioulo, durante o seminário de quadros realizado em Conacri em novembro de 1969; um olhar sobre as lições da revolução africana, os contornos das lutas dos seus povos, as suas contradições e conflitos, porventura o texto maior de Cabral sobre a crise da revolução africana; alguns dos parágrafos determinantes da intervenção proferida em Havana, aquando da conferência constitutiva da Tricontinental; por último, o pensamento de Cabral quanto à cultura nacional e como esta se pode entender como uma manifestação de civilização em que um povo pega nas armas para defender a sua pátria.

Mário Pinto de Andrade deixa uma amostra do Cabral poeta e dos seus apontamentos no tocante à poesia cabo-verdiana. O leitor tem acesso a um extrato dos artigos que publicou no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, em 1956 acerca do recenseamento agrícola em que trabalhou com a sua primeira mulher, Maria Helena Vilhena Rodrigues. O texto “A dominação colonial portuguesa” apresentado em Londres, em 1960, é um documento acabadíssimo sobre a radiografia colonial portuguesa. Ali escreve com meridiana clareza: “Em Angola, Moçambique e Guiné, 99 % da população é analfabeta. Regiões muito mais vastas do que Portugal não possuem escola. As escolas secundárias são quase exclusivamente frequentadas pelos filhos dos colonos. Não há nenhuma universidade nas colónias. Cem africanos frequentaram as universidades portuguesas ou preparam-se para as frequentar – cem estudantes numa população de onze milhões. Toda a educação portuguesa deprecia a cultura a e civilização do africano. Os conquistadores coloniais são descritos como santos e heróis”.

Outro aspeto relevante deste documento é a tentativa de diálogo com as autoridades de Lisboa, faz-se um apelo a que o Governo reconheça os direitos dos povos que domina à autodeterminação e à independência, e o texto termina dizendo: “Os africanos das colónias portuguesas destruirão o colonialismo português. Será talvez o último regime colonial a desaparecer, assim como é o último em desenvolvimento económico e técnico e o último a respeitar os direitos do homem. Mas, de qualquer modo, o colonialismo português tem os dias contados”. Já ciente de que a sua tese de unidade Guiné-Cabo Verde era alvo de profunda contestação, escreve: “Não existem, quer no seio do povo da Guiné, quer no seio do povo das ilhas de Cabo Verde, quer entre os dois povos, contradições que possam impedir ou travar a indispensável unidade para a liquidação do inimigo comum”. Nesse mesmo texto procede a um levantamento das leis portuguesas na dominação colonial, trata-se de um repositório exaustivo.

Em 1964, apresenta em Milão uma análise da estrutura social da Guiné dita portuguesa, pela primeira vez aflora a questão da pequena burguesia e do seu papel na vanguarda revolucionária.

No tocante aos princípios do partido e à prática política, mostra claramente como a sua capacidade comunicativa não era menor que o seu poder da escrita, incisiva, altamente documentada, exaltante, nunca fugindo às questões mais melindrosas. Como se pode ler: “Alguns de vocês, que saíram da nossa terra, viram o respeito que o nosso Partido inspira, a consideração que o nosso Partido é objeto, quanta esperança o nosso Partido tem posto na cabeça de outras gentes no mundo. Os camaradas muitas vezes esquecem isso, no meio do mato esquecem-se completamente da sua responsabilidade como dirigentes. Alguns têm procurado utilizar ao máximo a autoridade que o Partido lhes deu para servirem a sua barriga, os seus vícios, as suas conveniências. Isso tem que acabar. E são vocês mesmo que têm que acabar com isso, em todos os níveis. Oportunistas não são só aqueles que estão no Senegal a tratar de fazer os seus movimentozinhos. No nosso meio também há oportunistas, que sabendo que a nossa direção exige, para dirigir os melhores filhos da nossa terra, podem fingir ser dos melhores, ou então procurar satisfazer os seus responsáveis ao máximo, para os responsáveis os proporem como dirigentes. Os camaradas têm que entender que só é bom dirigente, só é bom responsável, aquele que for capaz de contar cara-a-cara os erros que os outros fazem”. Todo este seminário de quadros, de 1969, revela a amplitude do organizador, o vigor das suas convicções, a poderosa reflexão que fizera sobre as bases partidárias.

A arma da teoria, proferida em Havana, em janeiro de 1966, é seguramente o documento que lançou maior perplexidade na classe revolucionária. Como se de blasfémia se tratasse, foram-no ouvindo pondo em causa pensamentos monolíticos, como este exemplo: “As transformações na estrutura social não são tão profundas nas camadas inferiores, sobretudo no campo, onde ela conserva predominantemente as caraterísticas da fase colonial, mas a criação de uma pseudo-burguesia nativa, que em geral se desenvolve a partir de uma pequena burguesia burocrática e dos intermediários do ciclo das mercadorias, acentua a diferenciação das camadas sociais, abre, novas perspetivas à dinâmica social, nomeadamente com o desenvolvimento progressivo de uma classe operária citadina e a instalação de propriedades agrícolas privadas, que dão lugar, a pouco e pouco, ao aparecimento de um proletariado agrícola. Essas transformações mais ou menos sensíveis da estrutura social, determinadas, aliás, por um aumento significativo do nível das forças produtivas, têm influência direta no processo histórico do conjunto socioeconómico em causa. Enquanto no colonialismo clássico esse processo é paralisado, a dominação neocolonialista cria a ilusão de que o processo histórico volta à sua evolução normal. Essa ilusão é reforçada pela existência de um poder político integrado por elementos nativos. Apenas uma ilusão porque, na realidade, o enfeudamento da classe dirigente nativa à classe dirigente do país dominador, limita ou inibe o pleno desenvolvimento das forças produtivas nacionais”.

É indiscutível que o pensamento e a ação de Cabral mereciam melhor sorte ao nível do estudo dada a importância histórica que tiveram naquele tempo concreto e o impacto produzido noutros quadros revolucionários. É lastimável que a Guiné-Bissau não tenha percebido como o pai fundador está rigorosamente esquecido e o seu ideário sepultado.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14013: Notas de leitura (656): “Tributo de Sangue”, escrito pelo Tenente António da Silva Loureiro, Edição a propósito da I Exposição Colonial Portuguesa, 1934 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14028: Parabéns a você (829): Francisco Santos, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 557 (Guiné, 1963/65) e Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494 (Guiné, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14011: Parabéns a você (828): Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2748 (Guiné, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3491 (Guiné, 1971/74)

domingo, 14 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14027: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Maresias, Lisboa, Tejo, memórias, amnésias... Parte II: O Terreiro do Paço e a(s) cenografia(s) do poder


Lisboa >  Praça do Comércio > 8 de dezembro de 2014 >  "Exposição fotográfica 150 anos DN" (nas ruas de Lisboa,  de 4 de dezembro de 2014 a 31 de janeiro de 2015; foto do arquivo  do Diário Notícias; apoio da Câmara Municipal de Lisboa e patrocínio da Vodafone e da Essilor) >  Legenda: 

"No Terreiro do Paço, com a bandeira nazi desfraldada,  a banda do couraçado Deutchland tocou  para os lisboetas,  no domingo, 30 de janeiro de 1938.  No Tejo a esquadra alemã tinha ainda dois submarinos U-Boot".


Lisboa >  Praça do Comércio > 8 de dezembro de 2014 > "Exposição fotográfica 150 anos DN" (nas ruas de Lisboa, de 4 de dezembro de 2014 a 31 de janeiro de 2015; foto do arquivo  do Diário Notícias; apoio da Câmara Municipal de Lisboa e patrocínio da Vodafone e da Essilor) >  Legenda: 

 "Quatro dias depois da banda do couraçado alemão, a do couraçado britânico Nelson deu um concerto também no Terreiro do Paço. Em fevereiro de 1938 a esquadra inglesa tinha entrado no Tejo com vários cruzadores, contratorpedeiros e submarinos".




Lisboa >  Praça do Comércio > 8 de dezembro de 2014 > Exposição fotográfica 150 anos DN" (nas ruas de Lisboa de 4 de dezembro de 2014 a 31de janeiro de 2015)  > foto do arquivo  do Diário Notícias > apoio da Câmara Municipal de Lisboa e patrocínio da Vodafone e da Essilor > Legenda: 

"Desembarque no Cais das Colunas, coche real, colgaduras pendentes das varandas pombalinas, e o povo vitoriando uma jovem rainha Isabel II. Era inverno, 18 de fevereiro de 1957, mas o sol lisboeta brilhou".



Lisboa > Museu de Lisboa > Torreão Poente da Praça do Comércio > Exposição "Maresias: "Maresias: Lisboa e o Tejo, 1850-2014" (de 14 julho a 19 dezembro de 2014) (*) > Núcleo Terreiro  do Paço > "Visita do Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira, no  âmbito das cerimónias do V Centenário da Morte do Infante Dom Henrique, 6 a 10 de agosto de 1960" >  Foto de Amadeu Ferrari. Arquivo Municipal de Lisnoa.

[Foto: Luís Graça (2014). Imagem reproduzida com a devida vénia, e para fins meramente informativos]



1. Do portal do Museu da Cidade, sinopse da exposição "Maresias: Lisboa e o Tejo, 1850-2014", com a devida vénia:

A partir de meados do século XIX, a margem do Tejo vive uma fase de mudança que altera, em pouco mais de meio século, o seu perfil tradicional. Determinado pelas novidades tecnológicas, esse processo subverte as relações comerciais, o tráfego de gentes e mercadorias, e impõe a adaptação da frente ribeirinha da cidade. O caminho-de-ferro chega em 1856 [, com a inauguração do troço Lisboa-Carregado,] , e rápido se espraia pela margem, ao mesmo tempo que vias batidas substituem as praias fluviais, caso do Aterro da Boavista, ligando Santos ao Cais do Sodré, construído entre 1858/1867.

O despacho mais intenso de gentes e mercadorias torna obsoleto o transbordo, obrigando à construção de estruturas portuárias – cais, docas, filas de armazéns, gruas e guindastes. Esta azáfama recente cruza-se ainda com o trânsito de frescos pelo rio, sustentáculo do dia a dia da cidade, trazidos por embarcações tradicionais. Uma variada tipologia de modelos náuticos carrega um colorido barulhento, acentuando a dicotomia entre a tecnologia moderna, essencialmente metálica e movida a vapor, e o sabor antigo das madeiras, dos mastros e das velas.

Esta dinâmica imparável das alterações portuárias cria uma barreira entre a cidade e o rio. Lisboa vira costas ao Tejo, crescendo para o interior. No entanto, a partir de meados do século XX, inicia-se um processo lento de reaproximação, sendo dado o primeiro sinal através da Exposição do Mundo Português, em 1940. A Exposição Mundial de 1998 veio tornar irreversível essa reinvenção da margem, cujo avanço se vai aos poucos consolidando com novos projetos.

Através desta exposição, o Museu da Cidade propõe uma viagem atenta entre Xabregas e Santos, para se apreender o essencial do frenesim da mudança de vivências e paradigmas desde 1850 até à atualidade. Uma síntese sucinta realizada através da reunião de variado material que permita acompanhar essa evolução de forma apelativa e sensorial, ajudando a entender como se foi articulando a frente de rio às imposições e aos anseios de cada tempo.

José Sarmento de Matos [, comissário científico]





Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade).

Em meados do séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel que muda o paço, em 1511, do Castelo de São Jorge para a frente ribeirinha. Destaque, neste desenho, para o centro, com a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus, ao fundo, e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira, e pode ser considerado o primeiro hospital mundial da era da globalização, inaugurada pelos portugueses, com a descoberta do caminho marítimo para a Índia. (LG)




Lisboa > Praça do Comércio > 30 de Maio de 2010 > Esquina do Terreiro do Paço com a Rua do Arsenal > Aqui morreram, assassinados, em 1 de Fevereiro de 1908, o Rei D. Carlos e o seu herdeiro... Em 5 de Outubro de 1910, era proclamada a República, a escassas dezenas de metros, da varanda dos Paços do Concelho, na Praça do Município. (LG)


Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados.





Lisboa > 6 de outubro de 2013 > Praça do Comércio, estátua equestre de D. José, com  o  Cais das Colunas e o  estuário do Rio Tejo, ao fundo... Vista panorâmica a partir do topo do Arco da Rua Augusta.(LG)


Fotos: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados.

2. Um dos seis núcleos da exposição, "Maresias: Lisboa e o Tejo, 1850-2014", é o Terreiro do Paço, como o povo lisboeta continua a chamar à Praça do Comércio, o "hall" de entrada por excelência na capital quando o principal meio de transporte ainda era por mar e rio. Desde a Rainha Isabel II  (em 1957) ao Gungunhana, o imperador de Gaza, Moçambique  (1896), passando por Kubitschek (1960). Também foi aqui que em 1939 desembarcou o gen Oscar Carmona no regresso da sua visita oficial ao ultramar português.

Com 36 mil metros quadrados (o equivalente a 7 campos de futebol), é uma das maiores e mais belas praças da Europa. Foi local de residência dos reis e de suas cortes, desde 1511 até ao terramoto de 1755. E no plano pombalino de reconstrução da baixa lisboeta (1758), desempenhou um papel central com uma nova cenografia do poder. 

A estátua equestre de D. José I, inaugurada vinte anos depois do terramoto, merece agor ser vista de cima para baixo, a partir do topo  do arco  da Rua Augusta (cujo acabamento, curiosamente, se arrastou por dezenas e dezenas de anos de 1815 até 1873).

O Praça do Comércio e os edifícios pombalinos que a emolduram, assistiram à ascensão e queda de cinco regimes políticos (monarquia absolutista, monarquia constitucional, I Repúlica, Estado Novo, 25 de abril...). Com espaço onde cabem 180/200 mil pessoas de pé, foi palco de inúmeros acontecimentos políticos e socias, do regicído em 1908 a sua ocupação, em 25 de abril de 1974, por uma coluna de carros de combate, vinda de Santarém e  comandada pelo cap cav Salgueiro Maia (1944-1992),  que pôs cerco aos ministérios no Terreiro do Paço e forçou depois, à tarde, a rendição de Marcelo Caetano no Quartel do Carmo.

Nas suas raras aparições em público, Salazar gostavam de assomar à janela de um dos edificios ministeriais da ala sul do Terreiro do Paço (, ali+as, foi a+í que teve o gabinete enquanto ministro das finanças), tendo em baixo a sua multidão de apoiantes. Era também o espaço, físico e simbólico, preferido pelo Estado Novo para as cerimónias do 10 de junho e da condecoração dos heróis da guerra do ultramar, em muitos casos a título póstumo...(Curiosamente, são algumas "brancas" da exposição documentak e fotográfica "Maresias"...

Trabalhei aqui, na baixa lisboeta (na Rua da Conceição nº 100 e depois no Terreiro do Paço...), na 2ª metade da década dfe 1970 e primeira metade da décad de 1980, no Ministério das Finanças. Há tempos foi ao baú repescar escritos desse tempo. Aqui fica um deles, para os eventuais leitores deste(s) manuscrito(s)...  E, mais uma vez deixo o convite para visitarem as "Maresias"... Até 19 deste mês... No Torreão Poente do Terreiro do Paço... LG


3. Português, bip, bip 


Português,
sem título nobiliárquico,
suprimido, reprimido,
duplamente comprimido,
muito pouco enfático,
retornado e agora prec[arizado],
periférico e dependente,
pobrete mas alegrete,
vagueando pelas ruas,
da capital,
soletrando as letras das tabuletas,
e indo pondo os pontos nos ii,
de regresso a casa,
de mãos nuas,
sem os três ddd dos dedos da mão,
sem o ouro e os rubis 
do senhor dom joão,
o quinto.

Nem sequer o delírio palúdico do fernão mendes pinto,
que abril já é novembro,
sem os cravos,
sem os escravos,
com o FMI à perna.

Advinha fácil, e até terna,
para um marinheiro sem bote nem mar,
encalhado na rua da conceição nº 100,
ali ao terreiro do paço.
E porquê terreiro do paço e não do povo ?
Praça do comércio, diz a tabuleta,
que o poder afinal não caiu na rua,
não é minha nem é tua,
é de quem a apanhar…

Gostem, ou não, os novos senhorios,
do travo a sal que trazes das bolanhas,
do fétido cheiro da ressaca,
da podridão da madeira dos navios,
do azedo azebre dos canhões,
do bolor dos xicorações,
do gosto a sangue das batalhas,
da patine dos brasões de goa
e do negrume da fortaleza de são josé da amura, em bissau,
que a grande aventura dos teus avoengos,
te deixou na boca.


Tuga, chamavam-te os negros da guiné.
como quem chama filho da mãe,
hoje demandas outras paragens,
vais por terra porque já não tens porto,
nem cais de partida,
nem naus nem caravelas,
vais para o raio que te parta,
vais para a puta que te pariu,
grita o arruaceiro de um manifestante 
que ganhou há o dias o direito,
como qualquer doente,
de se queixar que lhe doi o dente


Seis milhas marítimas são um lago
para as tuas crianças brincarem
e já não há rei nem roque
para poderes clamar aqui d’el-rei,
para não perderes o norte,
para apelares à humana justiça
ou tão só para poderes morrer,
sem tença nem avença,
com cama, comida e roupa lavada,
mais o direito à extrema-unção
no real esprital de todos os santos.

Estás só, estás órfão,
mesmo que a europa, dizem, esteja contigo,
está contigo mas é o caraças,
a europa é um mapas que traças
a régua e esquadra.
Estás apático,
perdeste o gosto pelas histórias,
mesmo as trágico-marítimas do teu fado,
salpicado de sangue, suor e lágrimas.
Ah!, e os teus ditos de escárnio & maldizer ?
Onde estão,
oos teus quatro humores ?



Português, enfim,
de teu nome,
filho de gente cuja origem se perde
na noite dos tempos
ou nas manhãs de nevoeiro,
com judeus sefarditas, bérberes e pretos
e outros amores,
pelo meio,
a dar cabo da árvore genealógica,
a estripar a estirpe,
a sangrar a pureza do sangue.

Português bip bip
de bipolar
de bifurcação
de bis
de bisar
de bisca 
de lerpar
de bilhete

bissexto
bambadinca
bazuca
bip bip de banco
debalde,
de bic
banco intercontinental português
plural pluricontinental plurracial
que a rua é da conceição
nº100
e tem por debaixo as termas romanas, 
enquanto tu em cima trabalhas 
para a confiscação fiscal.
Lisboa, diz o porteiro do Texas bar,
é porto seguro,
quando lhe mostras o crachá da autoridade tributária.

Mas onde é que acaba, afinal,
a confusão imaginária 
do teu passado muito pouco imperial
e começa a prometida limpidez do futuro?

Lisboa, baixa pombalina, fevereiro 1977 

Guiné 63/74 - P14026: In Memoriam (210): Rolando Basto (1923-2014), pai do nosso camarada e amigo Álvaro Basto (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira com data de hoje, 14 de Dezembro de 2014:


SENHOR ROLANDO BASTO


Partiu para o descanso eterno nesta fria madrugada o pai do Álvaro Basto 

O Sr. Rolando, querido companheiro das Quartas Feiras na Tabanca de Matosinhos deixou-nos, mas o seu espírito alegre e contagiante que o avançar da idade nunca lhe conseguiu roubar, fica connosco. 
O seu sorriso e a sua camaradagem de “mais velho” sempre novo, na alegria de comunicar com todos nós. 
Partilhava a sua alegria e esperança de viver. 
Como irmão mais velho, era querido e respeitado. 
As suas “graças” e brincadeiras transformavam-no na “estrela” que brilhava e cativava. Era um sinal de esperança.
Sentimos que a sua Primavera ia-se acabando aos poucos e sentimos a sua falta em cada Quarta Feira que não aparecia. 
Sabemos que lhe custou o afastamento por falta de forças. 
Agora partiu para sempre. Paz à sua alma. 

A partir da tarde de hoje encontra-se em Câmara ardente no Tanatório de Matosinhos. 
A despedida será amanhã - Segunda Feira pelas 15 horas.

José Teixeira



O senhor Rolando Basto (em primeiro plano, à direita) na Tabanca de Matosinhos


2. Comentário do editor:

Quem aluguma vez participou num dos almoços das quartas-feiras da Tabanca de Matosinhos, reparou num jovem, um tanto ou quanto mais velho do que os habituais sexagenários ex-combatentes da Guiné, em redor das mesas sentados, que se sobressaía pela sua juuventude interior e capacidade de comunicar com aqueles que poderiam ser seus filhos.
Não havia ninguém, dos habituais ou não, que não gostasse de trocar, não breves mas longas conversas com ele.
O senhor Rolando vai ficar na história da Tabanca de Matosinhos porque merece, pelos amigos que deixou, que se sentiam como seus filhos ou irmãos mais novos.

Especialmente ao nosso amigo Álvaro Basto, sua esposa e demias familiares, aqui fica um abraço solidário e os sentidos pêsames da tertúlia. Perdemos todos um amigo e um camarada.

Carlos Vinhal



O senhor Rolando Basto,  acompanhado de seu filho Álvaro num dos Natais da Tabanca de Matosinhos. (O Álvaro Basto, régulo da Tabanca de Matosinhos, foi fur mil enf da CART 3492 / BART 3873. Xitole, 1971/74).

3. Eis aqui alguns postes do nosso blogue em que se assinala a presença do nosso amigo Rolando Basto nos nossos convívos (LG):

P4701: Parabéns a você (14): Dia 17 de Julho de 2009
17 Jul 2009

Os nossos parabéns são também extensivos ao senhor Rolando Basto, tão jovem quanto o seu filho. O senhor Rolando acompanhado de seu filho Álvaro num dos Natais da Tabanca de Matosinhos Vamos recordar o que ...
27 Set 2009

Os nossos encontros são verdadeiros banhos de rejuvenescimento de tal modo a juventude é lembrada e relembrada. Álvaro Basto. Zé Teixeira. Armando Ribeiro. João Rocha. Pimentel. BarrosoÁlvaro Basto. Rolando Basto.
11 Mar 2010

Nem mais, o Rolando Basto, com os seus 87 anos (invejáveis!), e aqui na foto com o seu inseparável filho, e mais um camarada da Tabanca de Matosinhos, o Nelson. Ele é tratado, carinhosamente, como o Homem Grande.

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14004: In Memoriam (209): Armandino Marcílio Vilas Alves (1944-2014), ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CCAÇ 1589 (Guiné, 1966/68)

Guiné 63/74 - P14025: Bom ou mau tempo na bolanha (79): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (19) (Tony Borié)

Septuagésimo oitavo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Dia 11 de Julho de 2014. 

Resumo do vigésimo primeiro dia 

Já tínhamos saído do Yellowstone Nacional Parque um pouco abalados pela noite muito mal dormida, mas quem anda na estrada, não se deve queixar.
Portanto, continuando na estrada número 287, que agora também se pode chamar 191, rumo ao sul, que tem muito cenário, passando sempre, entre montanhas, vales, rios ou precipícios, entrámos no “Grand Teton National Park”, que está situado a oeste do estado de Wyoming e, logo a sul do Yellowstone Nacional Parque, cuja designação tem origem no nome do pico mais alto das montanhas de Teton, o “Grand Teton”, com 4197 metros de altitude, que foi baptizado por um caçador francês, que devia de ser uma pessoa romântica, pois ao observá-lo, do lado do estado do Idaho, logo lhe chamou “tétons”, que dizem que é um calão francês que designa “mamilos”.



Este maravilhoso parque é o destino privilegiado e muito popular para pessoas que gostam da natureza, andar a cavalo, fazer caminhadas, caçar, pescar ou qualquer outra forma de passar tempo ao ar livre. Tem aproximadamente 320 quilómetros em “trilhos”, que nos levam ao lado das montanhas, algumas com neve todo o ano, a outras áreas onde se pode acampar, ribeiros de água pura, vegetação densa em algumas partes, outras com árvores com centenas de anos, com partes secas pelo frio da neve, mas ainda vivas, pois em algumas partes sai um ramo a florir. O “Snake River”, que passa por aqui, com muita frequência forma pequenos lagos, onde existem várias espécies de peixes, entre elas, a maior quantidade são trutas, tem mais de 1000 espécies de plantas, mais de 300 espécies de pássaros.


Continuando a nossa jornada, sempre rumo ao sul, chegámos a uma cidade que é o sonho das pessoas que adoram filmes, ou motivos do oeste americano, chegámos à cidade de “cowboys”, que dá pelo nome Jackson Hole. Aqui parámos, procurámos onde dormir, tomar banho e, mudar de roupa, ir caminhar por esta pequena cidade, ver a “Main Street”, os edifícios, alguns em tijolo vermelho, outros em madeira, nenhum tem mais do que dois andares, não vimos cafés ou restaurantes “temáticos”, estavam lá os “sallons”, o largo principal, a casa do ferreiro, a estação da polícia, era a casa do “xerife” e, naquela “main street”, há muitos anos, talvez tivesse havido “duelos”.


Esta pequena cidade, que está localizada muito perto da fronteira com o estado de Idaho, a qual recebeu o seu primeiro nome de “Jackson’s Hole”, dado pelos caçadores de “beavers”, que andavam por esta área caçando aqueles bonitos animais para depois venderem a sua pele, a David Edward “Davey” Jackson, que era sócio da Rocky Mountain Fur Company e, que naquele tempo estava estabelecido nesta área, a quem deviam tratar por “Davey Jackson”, claro, os homens da montanha, usavam uma linguagem parecida como, “vamos ao Jackon’s Hole”, quando se dirigiam para esta povoação, pois fica entre diversas montanhas e, dava a sensação que entravam num “buraco”, que em inglês, quer dizer “hole”. Porra, não levem isto para a maldade, mas nós portugueses, se por acaso por aqui andássemos nessa altura, devíamos de dizer “vamos ao buraco do Jackson”.


Hoje é uma cidade, principalmente no inverno se transforma numa estância de turismo, com pistas de gelo nas suas montanhas, modernos hotéis de luxo, mesmo fora do que é costume ver-se, tudo no mesmo estilo de há centenas de anos, no verão é visitada todos os dias por milhares de pessoas que vêm dos parques próximos, não é difícil cruzar-se na rua com qualquer artista de Hollywood ou qualquer pessoa mediática, onde existe um comércio dirigido a motivos do oeste, mas de “puro oeste”, não, como se vê nas lojas das grandes cidades, que parecem imitações comparados com os artigos que aqui se vendem.


Visitámos entre outros locais, um bar que dá pelo nome de “Million Dollars Cowboy Bar”, que não é um bar normal, a sua construção remonta por volta do ano de 1890, é quase uma “gallery”, talvez um “museu”, onde se vive uma atmosfera fascinante de motivos do verdadeiro “American Wild West”, as cadeiras, são “selas” verdadeiras que os cowboys usavam para cavalgar, o balcão está coberto por moedas de dollares em prata, do século passado, armas antigas e motivos do oeste, são a sua decoração, os empregados andam vestidos à cowboy e a cerveja que vendem é feita lá em Jackson Hole. Tem uma sala com um pequeno palco, onde já actuaram os mais famosos nomes de música “country”, como Waylon Jennings, Hank Williams, Jr., Asleep at the Wheel, Hoy Axton, Glen Campbell, Tanya Tucker, Willie Nelson, Commander Cody ou James Cotton Blues Band.

A polícia anda a pé e a cavalo, são os “xerifes e os seus ajudantes”. Aqui dormimos depois de andar pelas ruas, entrar e sair em quase todos os estabelecimentos, comprar recordações para familiares, sem nunca nos cansarmos, pois o ambiente era da alegria, as pessoas queriam comunicar, queriam ser agradáveis!. Jackson Hole, Jackson Hole.

Neste dia percorremos apenas 186 milhas, com o preço da gasolina a variar entre $3.58 e $3.60 o galão, que são aproximadamente 4 litros.

Tony Borie, Agosto de 2014.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13979: Bom ou mau tempo na bolanha (77): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (18) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P14024: A minha máquina fotográfica (11): Tive uma Olympus Pen FT, comprada nos Açores, a meio da comissão (J. Crisóstomo Lucas, ex alf mil op esp, CCÇ 2617, "Magriços de Guileje", Pirada, Paunca, Guileje, 1969/71)


A Olympus Pen FT lançada no mercado em 1966 (Foto: cortesia da Olympus)


1. Mensagem de José Crisóstomo Lucas [. ex alferes mil op esp,  CCAÇ 2617, Magriços de Guileje, Pirada, Paunca, Guileje, 1969/71]


Data: 8 de dezembro de 2014 às 11:38

Assunto: Sondagem: Tinhas máquina fotográfica no TO da Guiné ?


Meu Caro:

Máquina fotográfica só tive a meio da comissão,  mais propriamente em Guileje,

Um dos furriéis trouxe-me uma Olimpus Pen FT dos Açores. Tenho fotos para enviar,  mais propriamente umas centenas de slides e o que tenho a preto e branco fomos nós que revelámos, ou seja muito preto e pouco branco!!!!

Uma aventura com papel comprado no Técnico e um ampliador feito por nós com uma máquina de fole comprada na Feira da Ladra ! No fim de um mês conseguimos revelar uma foto, Grande festa! .

Por ex., ninguém tinha a noção dos tempos de revelação... A partir deste feito /(mais importanet que o ataauye a Conacri) o pessoal passou a ter revelações à borla

Mais uma aventura no TO,  a nossa 1ª foto !

Um abraço

J. C. Lucas
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Nota do editor:

Último poste da série >13 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14021: A minha máquina fotográfica (10): Cerqueira, a Olympus Pen D3 que tens há 40 anos para entregar a um furriel da CCAÇ 13, a pedido do libanês Alfredo Kali, de Bissorã, deve ser do Alberto de Jesus Ribeiro, de Estremoz ( Carlos Fortunato, ex-fur mil trms, CCAÇ 13, Os Leões Negros, Bissorã, 1969/71; presidente da direcção da ONG Ajuda Amiga)