domingo, 18 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8792: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (22): Queimados

1. Em mensagem do dia 16 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos mais algumas das suas boas memórias da guerra.


Memórias boas da minha guerra - 22

Queimados

Queimados (na vida)

Já há muitos anos que não me oriento bem na parte velha da cidade do Porto. À medida que o tempo passou e suas consequentes alterações, eu também me fui afastando desse trânsito infernal, optando por não ir lá muito para o centro mas adaptar-me mais ali à zona do “Baticano” (Antas). Ora hoje, tive que ir ao IGAC, para registar as “ Memórias boas da minha guerra”, lá na esquina da Praça da Republica com a Rua Gonçalo Cristóvão.

Junto da passadeira de peões está escrito: 316 mortes na cidade do Porto, aqui somos todos peões.

Eu queria atravessar a rua, no sentido descendente, para as ruas do Almada e Alferes Malheiro. Porém, como não há semáforos, estive ali a secar alguns minutos, à espera que algum condutor respeitasse a minha prioridade de peão sobre a passadeira. Metia pé e tirava pé, repetidamente. Cheguei a pensar se aquela velocidade dos veículos em autêntica competição, não será influência do apoio do Maire, Mr. Rui Rio, ao regresso das provas automobilísticas dentro da cidade do Porto.

Já não sabia o que fazer quando, de repente, senti o barulho dos pneus de dois veículos em paralelo a derrapar, devido à travagem; um carro “tuning”, de escape ruidoso e uma carrinha de 5 lugares e caixa aberta, cheia de trolhas e de tralha inerente à sua actividade, que estacaram ali, junto à passadeira.

Que se passou? Alguém me conheceu? Não, nada disso. Muito simples: uma jovem escultural, linda de morrer e com vestes escassas fez-se à passadeira, na minha direcção, desfilando toda altiva e segura do seu valor, sob uma chuva intensa de piropos. Quando, ao cruzar-me com ela, lhe disse :
- Obrigado menina, estava a ver que nunca mais vinha.

Ela parou e, voltada para mim, esperava mais alguma explicação. Acrescentei:
- É que estes gajos não respeitam os idosos.

Depois dos piropos, iniciais, de “ah faneca!” , “que monumento!” , “até os ossos te comia!”, etc., misturados com algumas assobiadelas, oiço:
- Oh beilho larga o osso quisso num é pra ti!

- Desinfecta daí, morcom! - dizia o outro motorista.

A carrinha ao arrancar, quase me apanhava os calcanhares. Vi o jovem ajudante, todo sorridente, virado para trás, a dizer-me:
- Tás queimado “beilho”, bait’imbora, “beilho”, que já ardeste!

Achei piada à situação e, estiquei-me, levantei a mão direita, bati com ela duas vezes contra o cotovelo, “salientando”, isoladamente, o dedo anelar, de forma bem provocatória, na direcção deles, enquanto comentei: - Invejosos!


Queimados (no fogo)

Esta referência a “queimado”, fez-me recordar outras situações. A primeira foi aquela em que eu, no Bar dos Bombeiros, da minha Associação, ouvi uma mensagem entre um Operador de Serviço e um motorista de ambulância, num fim de tarde de verão :
… 67-12 vai regressar do Hospital – escuto.

Responde o Operador de serviço:
-  Ok, não esqueças de trazer o Queimado - escuto.

- Com maca ou sem maca - escuto? voltou o motorista.

- Com maca vai muito melhor - terminado. – sugeriu o Operador.

Perguntei quem se tinha queimado e acabei por saber que se referiam ao frango de churrasco com piripiri, a trazer da churrasqueira “Picante”.


Queimados (na guerra)

A referência a “Queimado”, “Apanhado” e “Cacimbado”, era aplicada muitas vezes na guerra da Guiné e tinha a ver com a forma descontraída (e amalucada) como alguém se comportava. Pois, na nossa Companhia, havia vários militares marcados por tais comportamentos, de onde se destacava o Furriel Silveira.

O Silveira parecia que andava sempre noutra onda e dava tudo pela aventura. Numa das últimas noites em Viana do Castelo, aproximou-se da malta, já dentro de um táxi. Enquanto o Silveira ia distraindo o motorista, a malta foi entrando. Seguimos logo para Afife, onde fomos jantar.
Quando o motorista parou, depois de ter tocado com o fundo do carro nos carris do comboio, gritou: - Foda-se, tudo lá para fora!.

Foi então que ele contou em voz alta: - Um, dois, três, quatro...Oito???!! Mais eu? Não havia mais ninguém, para trazer?

O Silveira acalmou-o e acabou dizendo-lhe: - Oh chefe, só lhe pagamos, quando nos vier buscar. Debite por cabeça, por quilómetro ou por aquilo que quiser, mas tem de nos vir buscar.

Fomos comer uma churrascada de frango, um dos petiscos predilectos do Silveira. Porém, o tempo passou rapidamente e o taxista apresentou-se com outro colega, alegando estar por conta do Silveira e a cobrar ao minuto. A malta, preocupada, que sabia não haver outro transporte, apressou-se para o regresso.

Já na avenida da Estação de Viana, alguém perguntava pelo Silveira. Foi então que apontaram para um individuo, encostado à montra dos vestidos de noiva, aproveitando a luz, para acabar uns ossitos de frango que trouxera nos bolsos (é que, com ele, não podiam sobrar ossos de frango...)

Em Fá, logo no início da comissão militar, dizia-se que o Silveira andava a ensinar o “seu” macaco a ler. Era tanto o barulho a ensiná-lo e tanta a porrada que lhe dava que o macaco se mijava todo. Como os macacos não aprendiam, trocava-os constantemente. Curioso era ver o Silveira a aproveitar para insultar alguém, através dos diálogos com os macacos.

Em Catió, quando chegou de férias, trouxe o disco “Delilah” do Tom Jones, que estava no auge do sucesso. Estava sempre a metê-lo no gira-discos. O Sargento Viscoso, que o Silveira odiava, chegou a mandar um mensageiro para que lhe vendesse o disco, porque aquilo estava a pô-lo maluco. A partir daí, o Silveira encontrou mais um motivo para ouvir mais e mais o Tom Jones. (http://www.youtube.com/watch?v=8a_T3U1rg2I&feature=related).

Tocava regularmente entre as 30 e as 40 vezes seguidas! Como o cansaço se apoderava do DJ, ele decidiu criar uma escala de serviço ao “Delilah/Dia”.

Silva de "Delilah/Dia"

Quando chegou a Canquelifá e verificou que havia uma “Folha de Honra” exposta no Bar da Messe, onde se mostravam as 14 misturas efectuadas que compunham o “Cocktail do Alferes Martelo”.
Não levou muito tempo para que o Silveira, já bem aviado, agarrasse num copo dos grandes e se pusesse a meter lá para dentro tudo que lhe vinha à cabeça. Parecia que queria ficar na história, através daquele cocktail. Às bebidas disponíveis, teve que inventar outros “condimentos” como comprimidos, sal, açúcar e piripiri. Dizem que até mercúrio lá meteu. Foram 23 as misturas que ele emborcou. Mal bebeu um gole, sentiu-se esquisito, e afastou-se, atordoado, para junto das mangueiras. Não parava de se mexer e remexer e de se queixar, enquanto o Berguinhas insistia com ele para que vomitasse.

Logo que o Silveira melhorou, o Doutor Berguinhas dizia:
- Este gajo está tão “queimado”, tão “queimado”, tão “queimado”, que não há nada que o foda. Quando morrer, vai ser adorado como santo, porque não há bichos que o comam!

Silva da Cart 1689
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8723: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (21): O Básico apontador de Morteiro de Rajada

2 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Ah, "beilho" do c...alho!
A lamber a beiçola, com os holofotes
ainda bem acesos na anca da mocetona. E um das Caldas, à moda do Porto, para os garotos das obras, trolhas de passagem.
E os "queimados", os frangos. E a vontade de, aos 64 anos, ir por aí depenar uma franga e meter-lhe o espeto.
Este beilho também não tem juízo.
Coisas da Guiné...

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

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