domingo, 18 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8789: Blogpoesia (160): Na morte de Mamadú Baldé, descendente do régulo Monjur: E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu (Artur Augusto da Silva)

 1. Do poeta Artur Augusto da Silva (1912-1983), que foi casado com a decana da nossa Tabanca Grande, Clara Schwarz  da Silva (n. 1915) e é pai do nosso amigo Pepito (n. 1949), nunca é de mais divulgar os seus sublimes poemas sobre a Guiné que conhecemos... Desta vez fomos recuperar um texto em prosa, cuja última frase deu origem ao título da coletânea de poemas, recolhidos pela sua viúva e publicados, a título póstumo, em 1997 [, 14 anos depois da sua morte,], pelo Centro Cultural Português em Bissau. 

Não sabemos quem era exatamente a figura, Mamadú Baldé, aqui homenageada pelo poeta aquando da sua morte... O nome é vulgar, mas tudo indica ter sido um importante dignitário muçulmano da Guiné, um homem bom e sábio, tal como o Tcherno Rachid [ou Cherno Rachide] de quem Artur Augusto da Silva também era particular amigo e admirador... Talvez o Pepito nos possa dizer algo mais sobre esse Mamadú Baldé...  

A levar à letra o poema (que não está datado), Mamadú Baldé era descendente do famoso régulo do Gabu, Monjur, aliado dos portugueses no tempo do Cap Teixeira Pinto (1912-1915), e que é citado por Artur Augusto da Silva no seu livro Usos e Costumes Jurídicos dos Fulas da Guiné Portuguesa (1958). Por sua vez, Jorge Velez Caroço escreveu, em 1948, uma biografia sobre Monjur (Monjur : o Gabú e a sua história. Bissau : Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1948, Vd. foto da capa à esquerda). 

Espero, por outro lado, que ele, Pepito, e a sua mãe me perdoem a ousadia de ter convertido, para formato poético, o texto original, em prosa. Respeitei ao máximo a oralidade do texto. (LG)



Morreu o homem

Ao meu amigo Mamadú Baldé

Mamadú Baldé,
filho de Salifo,
filho de Indjai,
filho de Tchamo,
filho de Monjur,
filho de Mutari,
cuja linhagem se perde há mais de dois mil anos
nas terras do Egito,
e de quem os antepassados remotos viram Moisés e Maomé
e com eles conversaram sobre o tempo e as colheitas.
Mamadú Baldé morreu.
Mamadú Baldé, o sábio que falava com Alá
e era bom
e era justo,
morreu.
Cavaleiros e tambores  levaram a notícia a toda a parte:
subiram as encostas do Futa-Djalon
e desceram para o mar.
Percorreram, o Sudão até Cao e Tombucutú
e desceram o lado  Tchade.
E toda a terra dos fulas repetiu:
morreu Mamadú Baldé.
O sol parou o seu caminho,
espreitou para Labé,
viu Mamadú morto,
e continuou.
A lua parou também o seu caminho,
espreitou e continuou.
Os rios que nascem no teto do mundo,
pararam na sua corrida para o mar
e prosseguiram.
E o poeta pegou num pedaço de papel 
e escreveu:
Morreu o Homem.

In: Artur Augusto da Silva -  E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu:  Poemas.
Bissau, Instituto Camões - Centro Cultural Português. 1997. p.21 [Vd. recensão feita ao livro pelo nosso camarada Beja Santos, no poste P8093, de 13 de Abril de 2011]


[Fixação de texto / Revisão em conformidade com o Novo Acordo Ortográfico: L.G.]


2. Comentário de Felismina Costa [, foto atual, à esquerda,] sobre o poema Terra Negra, do supracitado autor,  publicado em 10 do corrente, sob o poste P8761, e que muito sensibilizou a nossa amiga Clara Schwarz, ao ponto de telefonar expressamente ao editor do blogue para manifestar o seu agradecimento:

(...) Eu já tinha lido e referido outro poema de Artur Augusto da Silva, mas, achei este extraordinário. É lindo! intemporal!
 
Os sentimentos, são intemporais! Manifestam-se em todas as eras naqueles que são capazes de os sentir e expressar: Quanto ignoramos do que de bom e mau sente o nosso semelhante?

Por isso fico tão feliz, quando descubro no poeta, no escritor, a expressão do sentimento grandioso como é o da fraternidade. 

A Dra. Clara Schwarz, foi sem dúvida uma mulher feliz, e, deve continuar a sentir-se assim. Quem ama desta forma a terra onde nasce e os seus irmãos, ama o mundo inteiro, tudo o que o rodeia, e é capaz de compreender e ser tolerante perante a intolerância alheia, porque sabe que nem todos são dotados dessa capacidade. Por isso, é preciso mostrar a diferença entre o amor e o ódio. Entre o construir e o destruir.

Sinto-me tão feliz, quando leio a paz, a alegria, a compreensão, a amizade, sentimentos que constroem, que enaltecem o ser humano, que o tornam grande, valoroso!

Através deste Blogue, tenho conhecido valores humanos extraordinários, de homens do meu tempo que, vivendo uma guerra longa e sem sentido, saíram dela, saudosos dos lugares que pisaram, da sua beleza, das gentes com quem confraternizaram... e até do próprio 'inimigo'.

Bem-hajam, todos os homens de boa-vontade! Felismina Costa (...)


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 Nota do editor:

Último poste desta série > 2 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8727: Blogpoesia (159): O Mar que nos levou (Juvenal Amado)

4 comentários:

augusto.d.s.santos@gmail.com disse...

De: Augusto Silva Santos
"A BELEZA IDEAL ESTÁ NA SIMPLICIDADE CALMA E SERENA"
Só posso dizer, simplesmente lindo...
Muito Obrigado
Um Abraço

Luís Graça disse...

Somos (os seres humanos...) vaidosos até na morte... Este é um belo epitáfio que gostaríamos de ver gravado na nossa própria campa... LG

Torcato Mendonca disse...

Que assim escreve, em prosa ou poesia mesmo breve,mostra saber bastante sobre a História dos Povos da Guiné, de África,da origem e migrações de Povos -como Fulas e Mandingas, do desmoronar de Impérios há séculos desaparecidos. Oralmente essa história foi transmitida pelos cantores, elogiando e cantando os feitos de seus heróis.
Foi a Grandeza Africana a ser transmitida verbalmente desde a noite dos tempos, os seus saberes, culturas, guerras e vida de homens , mesmo deste século (séc XX)como uma figura incontornável, Cherno Rachide. Se se quiser conhecer aqueles povos ele estará sempre presente.Já disso falei.Quando?
Devia, antes que desaparecesse, ser tratado cientificamente todo o Arquivo de séculos de colonização. Entenda-se a colonização feita por europeus e africanos. Muito, muito havia disto falar. Não me apetece agora e teria que ir ver livros e apontamentos...nem sempre correctos. Males da História de todos os Povos...Ab T

Anónimo disse...

Quando morre um homem bom, um homem, cuja conduta tenha sido manifesta, todos os outros são sensíveis à sua perda...ou partida.
Sentimos que perdemos algo muito valoroso.
Que dificilmente alguém preencherá o seu lugar...
Só que nem sempre o poeta está presente...e, só ele é capaz de tornar imortal, a sua passagem pela vida.
Nem sempre os poetas estão presentes!

Felismina Costa