Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 10 de abril de 2017
Guiné 61/74 - P17229: Notas de leitura (945): “La Guine Bissau D’Amilcar Cabral à la reconstrution nationale”, por J.-CL. Andréini e M.-L. Lambert, Éditions l’Harmattan, 1978 (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Janeiro de 2016:
A Guiné-Bissau três anos depois (1)
Beja Santos
A obra intitula-se “La Guine Bissau D’Amilcar Cabral à la reconstrution nationale”, por J.-CL. Andréini e M.-L. Lambert, Éditions l’Harmattan, 1978. É curioso como uma obra declaradamente apologética insere elementos pertinentes para a compreensão do novo país, ficamos a saber mais sobre o que motivava a liderança do PAIGC a partir de Outubro de 1974, como o país se pretendia organizar, quais as estratégias de desenvolvimento que se puseram desde a primeira hora. Os autores justificam o seu trabalho alegando que a experiência de Guiné-Bissau é de um grande interesse para aqueles que seguem as tentativas revolucionárias em África, justificam-se com a apresentação de elementos sobre as atividades socioeconómicas e políticas, o que parecia ir bem, o que inquietava o PAIGC naqueles primeiros anos.
Não vale a pena determo-nos na apresentação de Cabral, na história do PAIGC, na natureza da luta nacional, respetivas estruturas políticas e participação, composição do partido, o lugar do Estado, vamos dar voz ao que parecia ser o projeto político do PAIGC quando a Guiné ficou independente de facto. Segundo estes dois autores o movimento libertador reagrupava camadas sociais em torno do nacionalismo anticolonialista. Não havia nenhum projeto, quando chegaram a Bissau para motivar e dar confiança a toda a população que aguardava o vencedor na maior das expetativas. A direção política do PAIGC terá tido a ilusão de que podia adaptar mecanicamente a natureza da participação existente durante a luta armada, que seria simples instituir comités de bairro, nas cidades, e comités de tabanca, no meio rural. A divisa inicial era “paz e progresso para o povo”. Segundo os autores, Luís Cabral terá dado provas inequívocas de lutar contra a inércia e as tendências oportunistas. Veremos adiante que estes primeiros anos de reconstrução e de “reunificação” não foram particularmente felizes em explicar a todas as populações o que se entendia por etapas do desenvolvimento, como todos podiam vir a usufruir gradualmente de serviços públicos e se envolverem na modernização económica e social.
Os autores alegam que a herança colonial foi tremenda. Claro que foi, mas a liderança do PAIGC sabia o que vinha depois de ter contribuído para desmantelar o mundo da produção agrícola, fazer reduzir as exportações, etc. uma guerra daquela natureza teria que implicar importações de arroz na medida em que um número elevadíssimo de bolanhas ficaram improdutivas, a pequena indústria, sobretudo no campo das serrações, volatizou-se, ao tempo eram as exportações de amendoim que contribuíam para que a balança de transações estivesse menos desequilibrada. Havia os refugiados que estava nomeadamente no Senegal e na Guiné Conacri, como na Gâmbia, estimam-se em cerca de 150 mil. O alto comissariado para os refugiados das Nações Unidas desenvolveram um enorme esforço para trazer esses seres humanos, dando-lhes artefactos, sementes, etc. Amílcar Cabral agrónomo de profissão, conhecia profundamente a natureza dos problemas agrícolas que iriam surgir após a independência, fora ele que aprovara o plano de sabotagens económicas para inativar as relações coloniais existentes.
Os responsáveis guineenses diziam que o domínio prioritário do programa económico da reconstrução nacional era a agricultura. Como se compreenderá, não é fácil instalar 150 mil cidadãos, assegurando-lhe a terra para cultivar. Havia que recuperar as bolanhas, refazer as proteções contra as águas salgadas, erguendo diques e outras infraestruturas. Falava-se entusiasticamente que viriam técnicos cooperar na extensão rural, falou-se mesmo na participação dos jovens militares e dos militares das FARP. As granjas do Estado pareciam também destinadas a campos experimentais para encontrar novas explorações intensivas, por exemplos no campo dos hortícolas. Havia mesmo uma fatia importante da ajuda internacional que iria ser canalizada para o financiamento de projetos agrícolas, vieram técnicos de Cuba e da China para contribuir para o reflorestamento e para a melhoria das técnicas orizícolas, a Argélia contribuía com uma unidade avícola impressionante, a França prontificou-se a financiar um projeto de desenvolvimento agrícola em Bafatá, tomaram-se mesmo medidas para melhorar os preços à produção do amendoim, garantindo-se o escoamento, enviaram-se técnicos para debater com as populações novos hábitos alimentares, incitando os agricultores a diversidade das culturas, foi uma tentativa de mudar a alimentação guineense, subtraindo-a à monotonia do arroz. Os autores acham que era muito difícil avaliar a política agrícola dos três primeiros anos, limitaram-se a apresentar estatísticas alegando que se caminhava para o melhor dos mundos possíveis. Já se sabe que não foi assim que as coisas se passaram: baixou a produção, houve que importar mais arroz, baixaram as exportações, agravou-se o défice externo.
Apostando na coletivização do comércio, nacionalizaram-se os estabelecimentos da Casa Gouveia e da Ultramarina, parecia que tinha desparecido a base da exploração colonial, que os Armazéns do Povo iriam ter agora facilidade em organizar os circuitos de distribuição, tal como tinham feito nas chamadas zonas libertadas. Começaram as carestias, os produtos a faltar nas cidades e os Armazéns do Povo praticamente vazios, eram os djilas quem ganhavam com o caos instalado, comprovam o que podiam e iam vender às pequenas localidades a preços exorbitantes. Em 1977, face às continuadas roturas de stock, o governo decidiu normalizar a atividade dos djilas, mas não se resolveu o problema de fundo. Todo este sistema estatal desaparecerá nos anos 1980, revelara-se inoperante, houvera imensa corrupção, a população estava farta de procurar óleo e sabão e ele não aparecia.
Mas o investimento na agricultura foi mínimo, a liderança do PAIGC apostava forte no desenvolvimento industrial, acreditava-se piamente que o país enriqueceria com as suas indústrias extrativas, se o país era agrícola bem podia tornar-se agroindustrial, sonharam-se com complexos agroindustriais, com serviços de energia e de água, infraestruturas, etc. O país endividou-se mais, sobrevieram maus anos agrícolas, o descontentamento era enorme.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de Abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17218: Notas de leitura (944): “O país fantasma”, de Vasco Luís Curado, Publicações Dom Quixote, 2015 (3) (Mário Beja Santos)
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