
Queridos amigos,
Foi um dia muito feliz, este em que passei em Limburgo no Estado de Hesse. A vida permitiu-me visitar extraordinários templos religiosos, mas nada de parecido com este que vamos agora visitar, a catedral de S. Jorge, consagrada em 1235 como igreja de colegiada e paroquial, e tendo além de S. Jorge o patrono de S. Nicolau. Na essência é um romano-gótico alemão, típico do baixo e médio Reno, tempo de Frederico II do Sacro Império Romano-Germânico, mas também se encontram elementos da Lorena e de outras regiões. Igreja com transepto, pilares maciços e compartimentos típicos do estilo-românico. A conceção arquitetónica é motivada pela ideia difundida na época de que as igrejas góticas deviam representar o céu, revelar aos crentes que devia ser a cidade celeste É esta a espantosa leitura que se pode contemplar na impressionante abóbada, na multiplicação das arcadas, nas suas sete torres, o crente devia-se sentir que o céu descia das alturas. Peço ao leitor para ver as imagens do túmulo do conde Conrado Kurtzbold, suportado por figuras do século XI e a laje de pedra datada do século XIII. O conde parece um jovem, a intenção do artista foi representar a juventude eterna, que continuará a viver na eternidade. E depois iremos ver o Limburgo.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (207):
Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 7
Mário Beja Santos
Na itinerância de hoje mudo para outro estado alemão, o Hesse, venho encontrar-me com amigos com quem passarei o dia no Limburgo, confesso que foi um dia feliz na minha vida, rever bons amigos e numa cidade deslumbrante. Como é timbre dos alemães, dados os abraços alguém anuncia que há um programa, é inevitável começarmos pela catedral de Limburgo, uma singularidade do romano-gótico alemão. Foi aqui, no início do século X, que o conde Conrado Kurtzbold mandou construir uma basílica de três naves em homenagem a S. Jorge, isto num ponto alto; no século XII os habitantes do castelo pretenderam fazer uma igreja maior, alargando a planta antiga e aumentando o número de andares para quatro. A igreja que eu vou visitar foi consagrada em 1235, é uma obra do fim do período românico e nitidamente com influências do estilo gótico. Vamos entrar.
Fachada da Catedral de Limburgo, retirada da Wikipedia, a imagem que posteriormente mostrarei deixa claro que a fachada está em obras
Logo no vestíbulo, em permanência, um dos quadros representativos da vida de Jesus, este retirado de um episódio narrado do Evangelho de São Marcos que se trata da apresentação do Menino no Templo de Jerusalém, José e Maria levam o Menino para uma cerimónia de sacrifício de dois pombos, ali estava um homem bom, de nome Simeão que pegou no Menino, louvou-o e disse que a partir deste momento já podia partir em paz por ter pegado no Salvador do Mundo.
Um primeiro detalhe do interior da catedral, são a planta e os pilares maciços que suportam a abóbada, bem como a divisão horizontal dos andares. A influência do estilo gótico é visível nas semi-colunas colocadas nas frentes dos pilares, na relação entre altura e planta, assim como nos arcos ogivais. Pormenor bem curioso são as influências do estilo mourisco que se encontram nos arcos centrais do coro.
Outro detalhe elucidativo da influência mourisca
A época gótica quis representar o céu através da construção destas igrejas. De algum modo, procurava-se materializar a visão de S. João no Apocalipse: “Vi a nova Jerusalém, a cidade celeste, descendo de Deus à terra, ornada como uma noiva e fundada sobre as doze pedras dos apóstolos.” Tenho para mim que é indispensável andar por aqui para ver tudo com minúcia e depois o exterior, para entender a conceção arquitetónica. Fica-se com a impressão de que o templo, com as suas sete torres, vem descendo das alturas. O colorido do exterior representa os ornamentos da noiva e nos doze pilares, como fundamento da nossa fé, encontramos os doze apóstolos. Especado diante deste altar, procurei exatamente a leitura de que o arquiteto quis que nós contemplássemos a cidade celeste.Toda esta ornamentação do teto é uma surpresa de rendilhados, o que eu mais aprecio é sentir o contraste entre a austeridade do românico e a luminosidade das alturas do gótico.
À primeira vista, fica-se com a ideia da existência de um sobrepeso de tantos arcos suspensos nos pilares. Depois vem a lembrança do que subjaz à conceção arquitetónica: as numerosas arcadas assemelham-se aos portões da cidade celeste. É a impressão que nos é transmitida pelas galerias, encontrando-se à altura das janelas uma outra galeria.
A Virgem com o Menino, obviamente uma imagem barroca
O túmulo do conde Conrado Kurtzbold é uma preciosidade, tal como as pinturas perto, o caso desta árvore da vida. Um dos aspetos decorativos/ornamentais que mais nos impressionam é, por exemplo, na superfície dos arcos do coro vermos figuras de ancestrais da nossa fé: apóstolos, profetas e santos. Na posição central, acima do arco da quadratura, aparece Cristo, na sua qualidade de juiz sobre o mundo. As pinturas a fresco na abóboda da nave central representam o cosmo mediante duas figuras: Água e Terra, assim como a flora. Uma segunda pintura a fresco mostra o Paraíso com dois arcanjos, Miguel, representante do Paraíso fechado e Gabriel, representante do Paraíso aberto.Um belíssimo pormenor escultórico
Detalhe da pia batismal, se toda a pintura e escultura deviam funcionar como a representação do que vem na Bíblia, temos aqui marcas dos pecados mortais, o que vemos aqui nesta troca de beijos é a tremenda advertência de que a luxúria é pecaminosa.Imagem da pia batismal, nunca vi escultura tão impressionante
O interior da catedral foi restaurado e pintado várias vezes. Por ocasião do último restauro, apareceram as cores originais e os restauradores conservaram-nas no estado em que foram descobertas. Como é óbvio, este seu colorido não tem o mesmo brilho que tinha há mais de 800 anos. Um dado curioso é de que na época do romantismo não se podia mais imaginar que na Idade Média o exterior da catedral fosse colorido. A visão preferida nessa época era de que uma igreja tivesse muros feitos de pedras cinzentas, e neste caso de Limburgo, se devia erguer para o céu a partir do rochedo situado mesmo ao lado do rio Lanh. E dentro deste espírito do romantismo retirou-se o reboco das paredes. Somente por ocasião do último restauro em 1977, a catedral voltou a ser rebocada e adquiriu um colorido semelhante ao original.Na área norte das antigas dependências, que restaram até hoje, continua abrigada a capela sacramental. É impressionante esta Pietà, inequivocamente medieval, dentro de um formalismo, que presa uma quase indiferença emocional da Virgem e em que o corpo de Jesus parece articulado numa rigidez para todo o sempre.
Nesta capela sacramental temos este espantoso tabernáculo cinzelado em pedra de tufo, obra do período gótico.
Aqui faço uma suspensão dos trabalhos, antes de ir contemplar algumas janelas e pinturas, como sempre S. Jorge em cima de um cavalo a matar o dragão e não quero sair da igreja sem visitar o órgão. Mas não resisto a mostrar-vos esta belíssima porta medieval, claro está que foi restaurada, que belas ferragens e que bela fechadura!(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 31 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26869: Os nossos seres, saberes e lazeres (683): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (206): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 6 (Mário Beja Santos)
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