1. Mais umas notas do caderno de um
velho colon (*):
Escreveu Amílcar Cabral, que Salazar nunca daria a independência às colónias, porque não tinha poder de manter o neocolonialismo, como faziam as outras potências.
E Salazar não deu mesmo essas independências. Caiu da cadeira em 1968.
A exemplo de Amílcar Cabral, todos os outros portugueses ultramarinos desde os auto-intitulados brancos de 2ª (penso que era assim que o Otelo Saraiva de Carvalho se referia a ele próprio), até aos atletas que vinham para cá (por ex., Rui Mingas e Coluna, Bonga e outros artistas como o Ouro Negro), até ao contínuo bailundo da minha repartição em Luanda, que fez a 4ª classe de adulto, eram todos politizados, assim como o ponta esquerda que veio para o Belenenses e deixou uma vaga para mim.(Algumas vezes repito-me, apenas para localizar e datar factos).
Estas constatações são antes de 1961, sem guerra, sem PIDE, com um à vontade que existia só em África, sem fome, sem frio, também, e principalmente nas sanzalas em ambiente absolutamente tribal (notava-se abastança aos olhos de quem ia das nossas aldeias), a pouca tropa com as balas contadas e os canos da arma cheios de massa contra a ferrugem.
Porque lá, desde a presença de empresas estrangeiras, os vários portos frequentadíssimos, as missões católicas e protestantes, alemãs, italianas e americanas, e uma natural fome de informação dos africanos, que na Europa não existe essa fome, é a explicação que eu posso dar para tanta politização.
Mas entre Angola e Guiné há muita diferença na politização do povo das tabancas que vivia e vive tradicionalmente dentro do ambiente puramente étnico.
Enquanto em Angola as etnias são territorialmente muito fechadas e de "costas viradas umas para as outras", na Guiné estão muito em comunicação umas com as outras, e, devido à religião muçulmana e àquele comércio à maneira árabe, toda a Guiné fica aberta interiormente e também com todos os vizinhos desde a Mauritânia até à Serra Leoa.
Quando se fala da carta de Amílcar Cabral para Salazar, essa carta seria totalmente desnecessária, pois que diariamente, no caso em Angola, todos os angolanos dos meios urbanos eram de opinião que, havendo tanta riqueza nas colónias, Portugal só dificultava a exploração e o desenvolvimento.
Falava-se em ouro, diamantes, petróleo, etc. e "que lhe dessem a independência", que eles sabiam governar melhor.
Isto eram discussões por exemplo na minha recruta, malta com 19/20 anos, em 1959, em Nova Lisboa, onde éramos 1000, e que no CSM [, Curso de Sargentos Milicianos,], éramos 3 pelotões de infantaria e 1 pelotão de artilharia. Portanto não era conversa em voz baixa.
Mas enquanto que na ignorância devido à idade e desconhecimento do que era África, de quem recentemente tinha chegado àquelas paragens, ficávamos entre calados sem saber se discordar ou concordar, ou até incrédulos se falavam a sério no que diziam "aqueles independentistas". Até tomavam a iniciativa de jogos de futebol Metrópole x Angola, em que só faltava o hino nacional.
Alguns, penso que sonhavam à maneira sulafricana, mas com o tal "lusotropicalismo", em vez do
apartheid.
Às vezes ouvia-se falar em novos Brasis, e notava-se urgência nessas intenções. E não misturavam colonialismo com salazarismo nem com comunismo, como cá as pessoas, estudantes principalmente, faziam. Eles eram mais pragmáticos.
Mais tarde, na Guiné, verificava-se que tinha sido conversa de todos os movimentos, aquela conversa da abundância do ouro, diamantes e petróleo, pela Europa, Rússia e Américas.
E, notava-se que foi uma propaganda bem montada, no caso da Guiné, que ajudou o PAIGC a "vender a sua luta" interior e exteriormente, tal entusiasmo internacional, na "cooperação", tanto em gente como financeiramente, principalmente durante o governo de Luís Cabral.
Cheguei a conhecer pessoalmente, na pensão da Dª Berta, já no tempo de Nino Vieira, gente que foi de propósito daqui, com indicações "fidedignas" obtidas no Rossio, em Lisboa, que havia algures no Sul da Guiné um lugar onde se viam diamantes a olho nu. Mas isto são outras estórias.
É muito célebre a exploração selvagem de diamantes em Angola, durante a guerra de 27 anos que se seguiu à independência, onde havia garimpeiros e negociantes semiclandestinos desde a Rússia, Checoslováquia, portugueses e africanos de países vizinhos, tudo por causa dessa propaganda das riquezas.
Aquilo foi mais uma invasão do que cooperação, tal a quantidade e variedade de gente, muitas vezes a sobreporem-se. Assistia-se, por exemplo em Bissau, ver aplicar cabos para telecomunicações, por uma cooperação sueca, e passados uns tempos, a Visabeira portuguesa estava a substituir esses cabos por outros da Telecom.
Mas, como é que Amílcar Cabral sabendo da disposição de Salazar de não dar a independência às colónias, como é que se lembrou de lutar ele próprio por duas colónias simultaneamente?
É que é uma atitude tão ambígua, que até aos caboverdeanos, embora admirassem o conterrâneo (ou descendente de caboverdeano), não cabia na cabeça da maioria aquela ideia. Não eram só uns tantos guineenses que duvidaram do PAIGC, e alguns pagaram com o fuzilamento; em Caboverde já se sabe, alguns caboverdeanos tiveram menos azar, foram reabrir o Tarrafal, quando já fechado, após o 25 de Abril. (Falta comprovar se essa reabertura foi feita pelos governantes portugueses, se pelo PAIGC, ou pelos dois).
Agora, só para nós, que já há muita gente que nos lê, era normal ouvir na nossa praça que, se "Angola, que era o bom e já vai embora, para que devemos ficar com aquelas ilhas desérticas"?
Igualmente ideias com o mesmo sentido eram emitidas a respeito da Guiné.
É que havia uma explicação do nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros daquele tempo, quando lhe perguntavam da urgência da entrega das colónias, que era a seguinte (frase mais ou menos textual, ouvida na rádio): «Em democracia é assim, se o próprio Algarve diz que quer a independência, temos que lha conceder».
Será que o PAIGC/PAICV arranja alibi para a reabertura do Tarrafal? Eu quero ser imparcial, mas têm que ser eles a escrever também, se não sujeitam-se eles a ouvir.
Enquanto os fundadores do PAIGC/PAICV não escreverem toda a história, que só eles conhecem, podem-se fazer mil conjecturas, as mais imaginativas.
Por exemplo, se alguém disser que o pouco e mal que Portugal colonizou na Guiné em 500 anos, (por falar em 500 anos, no Zimbabué e na Zâmbia, só se pode atribuir 400) foi exponencialmente agravado em prejuízo dos guineenses, por aquele grupo de caboverdeanos do PAICV, de 1963 a 1980 (17 anos).
Com consequências posteriores que se agravam com o tempo.
Podem-se imaginar coisas muito negativas, se não explicarem como foi, desde o julgamento dos assassinos de Cabral, até ao abandono do projecto deste.
Se explicassem se foram eles que usaram a ajuda de
Che Guevara e Fidel, ou se foram estes que usaram o PAIGC, para atingir alvos mais importantes, e que os guineenses não passavam de carne para canhão.
Por nunca os dirigentes do PAIGC/PAICV terem explicado as verdades e as mentiras em que basearam a sua luta, é que o povo da Guiné reagiu de braços caídos aos anos de governação de Luis Cabral, até este ser derrubado por velhos combatentes que também não se sentiam enquadrados naquela independência.
Havia uma verdade repetida antes, durante a luta e após a independência, que era a incapacidade de Portugal desenvolver e enriquecer aquela terra, nem fazer universidades, e não fazer o que outras potências importantes faziam nas suas colónias.
Havia uma mentira dita antes, durante a luta e após a independência, que os guineenses logo que fossem independentes não precisavam nada do
colon, porque iam fazer tudo "à nossa maneira"... e "os nossos amigos vão-nos ajudar".
Como, depois, tudo estava a ser feito à maneira alheia ao povo e aos velhos combatentes, e a ajuda dos amigos era dirigida ao Partido e não ao povo, este baixou os braços, e a reação dos velhos combatentes manifestou-se da maneira mais desorientada que se reflete até aos dias de hoje.
Havia também verdades difusas, como por exemplo a tal justiça colonial do Chefe de Posto desumano, com reguadas e cipaios, e que acabariam com a saída do
colon, mas ninguém compreendeu qual foi a alternativa que Luís Cabral e aqueles dirigentes preconizavam.
Evidentemente que, com dirigentes como aqueles em que até alguns eram advogados, a justiça seria com advogados, juízes de toga e prisões de grades de ferro nas janelas, aí ficaria muito caro sustentar à sombra por exemplo um ladrão de vaca ou ladrão de bajuda ou um desordeiro de tabanca ou bairro.
E, como não aparecia alternativa, enchiam-se as esquadras de Bissau com multidões numa desordem insuportável para qualquer autoridade.
E como Luis Cabral e ministros eram realmente dinâmicos, e julgavam-se intocáveis, mandavam prender sem contemplações de uma maneira que seria inimaginável por um chefe de posto. Rusgas em Bissau caçando indocumentados e sem trabalho, testemunhadas por inúmeros estrangeiros da ONU, soviéticos, suecos..., não podiam acabar bem.
Talvez estas incongruências, tão visíveis, ajudaram a que houvesse pouca reacção ao golpe de Nino Vieira e àqueles comandantes que se foram suicidando até hoje.
Nunca se devem condenar os africanos de qualquer país, que violentamente têm governado os seus paises, sem atribuir a responsabilidade a quem voluntária ou involuntariamente os levou a tomar o poder.
Muitas vezes foi a própria ONU, a ter essa responsabilidade.
Em suma, há bandeiras conquistadas, há bandeiras impostas e há bandeiras escolhidas democraticamente. Caboverde já tem uma bandeira escolhida democraticamente.
Cumprimentos,
Antº Rosinha
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Nota de L.G.:
(*) Último poste da série > 11 de Setembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P6971: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (4): Guerra Colonial : dividir para reinar...Quem dividiu quem?