quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22919: Historiografia da presença portuguesa em África (299): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Março de 2021:

Queridos amigos,
Senna Barcelos é muito estudado pelos investigadores de Cabo Verde, tem infelizmente uma procura residual por quem estuda a Guiné. O que é injusto, ele procedeu a um levantamento muito sério do estado da Senegâmbia Portuguesa, teve mesmo intentos de procurar fazer um levantamento dos factos históricos a partir do século XV, como é evidente todo este período acabou por ser credor de mais rigorosas investigações, mas mantém a maior pertinência tirar do limbo todo este quadro convulsivo da mais completa derrisão em que se perpetuava a presença portuguesa, impressiona a péssima qualidade de gente que se mandava para a Senegâmbia, desde governadores ladrões a falanges completas de presos do Limoeiro. O que aqui se anota são alguns casos, e se o leitor se der à tarefa de ler estes Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné não tenho dúvidas que sentirá o maior desconforto com tanta sublevação, subornos, compadrios e ganância desmedida.

Um abraço do
Mário


Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (4)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que agora nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense. Tendo em conta os quatro principais depoimentos sobre a presença portuguesa da Guiné ou o estado da Senegâmbia Portuguesa na primeira metade do século XIX (são eles Conrado de Chelmicki, Travassos Valdez, Honório Pereira Barreto e Senna Barcelos) é indubitável que foi este oficial da Armada quem mais investigou nos arquivos, lançando as bases ténues da historiografia guineense. Possui um olhar implacável, não gosta de dourar a pílula, denuncia corrupções e mostra à saciedade a péssima qualidade da maior parte dos governantes, isto para já não esquecer as condições precárias reveladas a todo o momento da presença portuguesa naquele espaço.

Estamos ainda no período correspondente à parte III, estende-se de 1793 a 1816, edição de 1905. Veja-se a vivacidade de certos pormenores:
“Em 5 de Abril de 1795 saiu de Lisboa o novo governador Maldonado de Eça, na galera Leonisa, e como esta levasse rumo errado foi parar a Bissau com 30 dias de viagem! Encontrou a Praça em guerra com os gentios Papéis, vizinhos da mesma, e deu conhecimento deste facto ao ministro em carta de 9 de maio, dizendo-lhe que apenas chegasse ao seu governo, mandaria soldados por não os haver ali senão velhíssimos!”. E, mais adiante: “Para a Praça de Bissau seguiu em 1799 o novo comandante José das Neves Leão, que comunicou a sua chegada ali e não ter encontrado ali quem lhe entregasse o comando, porque o seu antecessor, José António Pinto, já em Lisboa, havia abandonado o lugar, fugindo para o gentio de Fá por os soldados, na Praça, se terem levantado contra ele pelas delapidações e opressões que exercera em todo o tempo do seu comando”. Como o leitor não ignora, Cabo Verde sofreu as consequências do bloqueio continental e a luta assanhada nos mares entre britânicos e franceses. O autor aliás adverte-nos: “A França e a Espanha declararam guerra a Portugal, baseando-se na repugnância com que o príncipe-regente aderia à causa continental e de não ter confiscado as propriedades inglesas no seu reino”.

Senna Barcelos, quando necessário, corrige Chelmicki ou Travassos Valdez. A propósito de direitos de exportação da cera da Guiné e da cultura do algodão, observa: “Diz Chelmicki na sua Corografia que foi por esta época que se introduziu em Cabo Verde a cultura do algodão. Merece-nos muito respeito o ilustre escritor, hoje falecido; a sua afirmação, porém, fora inexata. A cultura do algodão começou a fazer-se na ilha de Santiago logo que a esta chegaram os primeiros colonos italianos com pretos da Guiné. No século XV já se exportava bastante e no XVI os navios iam recebê-lo também à Ilha do Fogo, onde já se tratava da sua cultura em larga escala. Era com algodão cultivado ali durante aqueles séculos e posteriores que se fabricaram milhares de panos, com os quais se adquiriam por compra negros da Guiné”.

Senna Barcelos recorda-nos as tentativas dos comerciantes de Cacheu e Bissau escaparem ao pagamento de direitos alfandegários diretamente a Cabo Verde. Em 1795, os comerciantes de Lisboa que negociavam com Cacheu e Bissau reclamaram contra o capitão-mor de Bissau por este ter elevado os direitos, alegando que não era das suas atribuições. O ministro, o Marquês de Ponte de Lima, dirigiu ao Governador Maldonado de Eça uma carta na qual pedia que lhe suprimissem a jurisdição que tinha sobre os comandantes de Bissau e Cacheu, e mais praças e portos da Guiné, retirando qualquer liberdade para a imposição de taxas alfandegárias por iniciativas do capitão-mor de Bissau.

Há um relato bastante impressivo sobre a natureza de estado de sublevação permanente em que se vivia em Bissau e outras praças e presídios. Tome-se em atenção este esclarecedor relato:
“Em Bissau instigava uma revolta nos soldados o capitão-mor de Farim e comissário volante da Praça de Bissau, Tomás da Costa Ribeiro, aconselhando-os a que principiassem por negar o pagamento, com a promessa de lhes oferecer muita aguardente, e que matassem o governador capitão-mor da Praça, o tesoureiro José Valério e as demais autoridades. Mas como os soldados não anuíssem, foi então tratar com os gentios, fazendo-lhes ver que o governador da Praça tinha ido para ali a fim de os agarrar e mandá-los para o Maranhão, e também queria tirar a desforra de um seu irmão que tinha sido vítima do gentio.
Os moradores da Praça, que conheciam o caráter de Costa Ribeiro, que na Guiné cometera muitos vexames e roubos, dirigiram ao Ministro Visconde de Anadia uma queixa, expondo-lhe que logo à chegada à Praça do Governador Pinto de Gouveia quisera Costa Ribeiro corrompê-lo, oferecendo-lhe uma porção de escravos, como praticara com os outros havia mais de 10 anos, e como ele não quisesse aceitar e não consentisse que Costa Ribeiro cometesse mais abusos, começou este a presentear os gentios e reunindo-os em sua casa a altas horas da noite aconselhou-os a matar o governador, negociantes e autoridades. Os gentios revelaram estes factos aos negociantes, dizendo-lhes que o rei de Bissau viria à Praça na noite de 21 de setembro contar o caso, como efetivamente veio às duas horas, aparecendo com a sua corte, pedindo para avisarem o inocente governador que Costa Ribeiro tinha com ele tratado para na manhã de 22 darem o assalto à Praça, para tomarem os quartéis, assassina-lo e o mesmo fazerem à família e aos que resistissem.
Pediu o rei que assassinassem Costa Ribeiro ou que o pusessem fora da Praça porque era um traidor. Costa Ribeiro, vendo-se descoberto, dirigiu-se aos ídolos (Irã), com grandes somas, e falando ao demónio ofereceu-lhe a sua alma contando que o ajudasse a matar o governador. O Irã não lhe fez a vontade. O ministro ordenou que ele saísse de Bissau para Farim; não quis obedecer com o pretexto de que tinha licença para regressar a Lisboa. Como hóspede de Costa Ribeiro havia certo bacharel chamado José Tomás de Sá, que armou toda a chicana, aconselhando o seu amigo a não aceitar a intimação, ameaçando ao mesmo tempo Pinto Gouveia de recorrer aos bons ofícios do seu primo, o governador de Cabo Verde, que também recebera favores de Costa Ribeiro e que o havia de livrar nesta ocasião”
.

Lendo Senna Barcelos não há dificuldade alguma em perceber o estado da mais completa derrisão em que se encontrava a Senegâmbia Portuguesa neste turbulento período em que a família real se encontrava no Rio de Janeiro, em que os navios franceses pilhavam Cabo Verde e a pirataria assolava toda a região. O pessoal recrutado para as praças e presídios era da pior qualidade, vivia-se entre crimes, roubos, intentonas, pilhagens. Nada como continuar com os exemplos:
“O Governador D. António nomeou João Cabral da Cunha Goodolphim, capitão de infantaria, para governador-interino de Cacheu e sindicar de factos acontecidos ali contra o governador daquela Praça, Joaquim José Rebelo de Figueiredo e Góis, que havia sido deposto, formando-se um triunvirato para a governar, composto do Vigário Manuel Gomes de Oliveira, preto, natural da Ilha de São Nicolau; do Sargento-Mor João Pereira Barreto, natural de Santiago, filho de um padre e de uma escrava, e do Tenente de Ordenanças e Tesoureiro António de Miranda de Carvalho, natural de Cacheu, filho de um preto de Santiago e de uma preta gentia, vizinha da Praça. Este governo provisório havia participado ao de Cabo Verde e que o referido governador de Cacheu estava doido e que o mandasse substituir. O Governador D. António limitou-se apenas a mandá-lo substituir, e comunicou este facto para o Rio de Janeiro. O ministro mandou que seguisse para Cacheu a corveta Aurora a buscar Figueiredo e Góis, o que não foi preciso por já estar na Praia. Seguiu no brigue Triunfo para o Rio de Janeiro, e ali foi promovido a sargento-mor em atenção aos seus bons serviços. O novo governador Cunha Goodolphim não sindicou, embora o ministro tivesse dado ordem para isso e para prender os autores e remetê-los para a Corte”.

É uma repetição permanente de despautérios, faltas de autoridade, que não se extinguem mesmo quando D. João VI regressa à Europa. Pois veja-se mais um episódio passado já na monarquia constitucional:
“Em 1 de Maio de 1825 houve uma sublevação militar na Praça de Bissau, promovida por alguns oficiais e pelo capelão da tropa, recusando-se os soldados a receber o rancho; a causa dessa sublevação fora o mau rancho e a falta de dinheiro para pagamento. Governava a Praça o Capitão Domingos Alves de Abreu Picaluga, que não empregou meios enérgicos para conter os soldados. No dia seguinte aumentou esse motim, e entre os revoltosos foram eleitos os seus generais de guerra, deram assalto aos depósitos, exigiram do governador a chave da Praça, que foi entregue; deitaram a mão a uma embarcação ancorada no porto, guarnecendo-a com soldados; na bateria carregaram as peças e fizeram fogo contra algumas casas. O capitão-mor de Geba vem em socorro do governador, fugiram os cabeças do motim e efetuou-se a prisão de 38 soldados, de 5 oficiais e do capelão que foram remetidos para a Praia. O governador foi suspenso”.

Era este o estado deplorável da Senegâmbia Portuguesa. E, entretanto, vem a guerra civil, que não trouxe melhoras à Guiné.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22899: Historiografia da presença portuguesa em África (298): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (3) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22918: A nossa guerra em números (13): Literacia e numeracia... A propósito das 2 minas A/C accionadas em 13/1/1971, à saída do reordenamento de Nhabijões, causando 1 morto, 8 feridos graves e 2 viaturas destruídas (1 Unimog 411 e 1 GMC)...




Fonte: (1971), "Comunicado - Frente Leste", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40689 (2022-01-18)
(Com a devida vénia...)

Instituição:Fundação Mário Soares
Pasta: 07200.170.117
Título: Comunicado - Frente LesteAssunto: Comunicado da Frente Xitole Bafatá sobre as acções militares do PAIGC em Nhabiam, Bambadinca e Xime.
Data: Quarta, 27 de Janeiro de 1971
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas. 1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos 


1. Transcrição de comunicado do PAIGC sobre acções levadas a cabo em Nhabijões (13/1/1971) e Xime (14/1/1971), referidas no poste P12139 (*), com revisão/fixação de texto pelo editor L.G. O comunicado é manuscrito em papel de carta, com linhas.

Comunicado

No dia 13/1/71, um grupo de 5 camarada[s] armados estalaram [instalaram] 2 minas anti-carro na estrada entre Nhabions [Nhabijões] e Bambadinca, causou os [causando aos] inimigos de grandes perdas em vidas humanas, e destruiu [destruindo] 2 viaturas cheio[as] de tropas tugas que tinham ido [iam] pra [para] Bambadinca buscar comida para aqueles que ficaram na[em] Nhabions [Nhabijões].

Os Inimigos sofreram grandes percas em vidas humanas, entre mortos e feridos.

Por no [nosso] lado não houve nada mau.
Dirigido por [pelos] camaradas:
Mário Mendes e Mário Nancassá.

No dia 14/1/71, os nossos artilheiros bombardiaram [bombardearam] guarnição fortificada de militares tugas no Xim[e], com canhões e morteiros 82, causou os [causando aos] inimigos estagionados [estacionados ] de grandes percas em vidas humanas, entre mortos e feridos.

Por nosso lado, não houve nada mal.

Bombardiamento [bombardeamento] foi dirigido por [pelos] camaradas:

Djambu Mané, António da Costa e Bicut Iula [ou Tula] [?]

[Assinatura ilegível]

Sector 2 da Frente Leste, 27/1/71
 


Guiné > Região de Baftá > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72) > Janeiro de 1971 > Cemitério de viaturas de Bambadinca... O estado em que ficou o "burrinho", o Unimog 411, conduzido pelo sold cond auto, da CCAÇ 12, Manuel da Costa Soares, que teve morte imediata, ao accionar uma mina A/C, à saída de Nhabijões, aglomerado populacional, em fase de reordenamento, e que era de maioria balanta, com parentes no "mato", sendo considerado sob "duplo controlo"... A sua proximidade ao Rio Geba e à grande bolanha de Samba Silate davam-lhe um valor estratégico tanto para o PAIGC como para as NT.. (**)

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário do editor:

Segundo informação do António Duarte, nosso camarada, membro da Tabanca Grande, ex- furriel miliciano da 3ª terceira geração de quadros metropolitanos da CCAÇ 12, o "Mário Mendes, comandante de bi-grupo na zona do Xime, foi morto numa acção da CCaç 12 no final de 1972: numa deslocação feita para lá de Madina Colhido, foi abatido pelo apontador de HK21 do 4º pelotão". (***)

O Mário Nancassá era, por seu turno, o chefe do grupo de sapadores do setor 2 (Xime/Xitole). Foi ele que montou as minas em Nhabijões. Foi ele que matou o sold cond auto Manuel da Costa Soares, da CCAÇ 12... Enfim, a guerra também tem rostos!

Cotejando as versões dos acontecimentos, do nosso lado e do lado do PAIGC, é óbvio que eram diferentes as preocupações de rigor factual, bem como a literacia dos combatentes de um lado e doutro.  Na realidade, há diferenças no cômputo das baixas: "1 mortos e 8 feridos graves" (segundo as NT) e as
 "grandes percas em vidas humanas, entre mortos e feridos" (segundo o PAIGC).

Eu fui uma das "vítimas", embora tenha saído ileso da GMC, a 2ª viatura,  que foi pelos ares nessse dia fatídico...

A mesma expressão hiperbólica  "grandes percas em vidas humanas, entre mortos e feridos" volta a ser  usada o caso da notícia sobre flagelação, à distância,  ao aquartelamento do Xime (, guarnecido pela CART 2715 / BART 2917), no dia seguinte, e que não teve quaisquer consequências.

 Mas fica aqui, para apreciação crítica dos nossos leitores, o que sobre nós diziam e escreviam  ou difundiam os homens (e as mulheres) que. no passado, foram nossos inimigos e contra os quais combatemos. (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12139: A minha CCAÇ 12 (29): 1 morto e 6 feridos graves em duas minas A/C, no reordenamento de Nhabijões, Bambadinca, em 13/1/1971, aos 20 meses de comissão (Luís Graça)

(...) Resumo: Em 13/1/1971, às 11h24, na estrada Nhabijões-Bambadinca um Unimog 411 que ia buscar a comida para o pessoal do destacamento, accionou uma mina A/C, causando um morto e 3 feridos graves.

O Gr Comb da CCAÇ 12, que estava de piquete em Bambadinca, dirigiu-se de imediato ao local... No regresso, duas horas depois, cerca das 13h30, a GMC que transportava duas secções, accionou outra mina A/C, não detectada, na berma da estrada, a 10 metros da anterior. As NT sofreram mais cinco feridos graves, de imediato evacuados para o HM 241.

No dia seguinte, em 14/1/1971, o IN flagelou o Xime, da direcção de Ponta Varela, com morteiro 82, "à distância, sem consequências". (...)

Vd. também poste de 13 de janeiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22903: Efemérides (361): À uma e meia da tarde, à saída do reordenamento de Nhabijões... Em 13 de janeiro de 1971... Quando o teu relógio parou... (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 18 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22917: A nossa guerra em números (12): baixas militares e civis, de um lado e do outro... Por cada militar português morto, terá havido 2,7 guerrilheiros mortos... Na Guiné, o PAIGC terá tido 9 mil baixas, entre mortos (78%) e feridos (22%), entre guerrilheiros e população sob o seu controlo. Mas o nº de feridos pode estar subestimado e o de mortos sobreestimado.

Guiné 61/74 - P22917: A nossa guerra em números (12): baixas militares e civis, de um lado e do outro... Por cada militar português morto, terá havido 2,7 guerrilheiros mortos... Na Guiné, o PAIGC terá tido 9 mil baixas, entre mortos (78%) e feridos (22%), entre guerrilheiros e população sob o seu controlo. Mas o nº de feridos pode estar subestimado e o de mortos sobreestimado.

Quadro 1 - Guerra colonial / Guerra de África (1961/74): baixas civis, vítimas da acção da guerrilha. Estimativa com base nos relatórios militares portugueses. Fonte: Adapt. de Pedro Marquês de Sousa - "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 154.

 

1. Quantos civis (crianças, mulheres, homens, idosos) terão morrido na guerra da Guiné, a exemplo da "Mariema" do pungente poema do Alberto Bastos (*) ? E dum lado e do outro... 

Nunca saberemos ao certo... A única fonte disponível são os relatórios militares portugueses que poderão pecar nuns casos por excesso (nº estimado de guerrilheiros mortos) ou por defeito (elementos civis, nomeadamente entre a população apoiante da guerrilha ou sob o seu controlo).

Pedro Marquês de Sousa, o autor de "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021) (tenente-coronel na reforma, mestre e doutor em História e ex.professor na Academia Militar e no Instituto Universitário Militar) que temos vimdo aqui a citar, dedica apenas três páginas às "baixas civis", do lado português, nos três teatros de operações (pp. 154/156). (**)

A estimativa do autor aponta para 6200 mortos e 12200 feridos, em Angola, Guiné e Moçambique, num total de 18400 baixas civis,  em resultado da acção da guerrilha,  diretamente (ataques e bombardeamentos a aldeias) e indiretamente (minas e armadilhas) (pág. 154). 

Segundo o Quadro 1, acima publicado, Angola teve mais mortos em números absolutos e relativos. E a Guiné terá tido mais feridos...

Citando o autor:

"As baixas civis foram mais expressivas em Angola, sobretudo no início da luta armada (1961), quando foram atacadas as fazendas dos colonos brancos, mas também noutros períodos em que as vítimas eram quase todas africanas, como ocorreu em 1968-1970, numa fase em que a guerra decorria nas duas frentes (Norte e Leste), realidade que também resultou da rivalidade entre os movimentos de libertação" (pág. 154).

No que diz respeito a Moçambique, é a frente que apresenta menos baixas civis, "embora a quantidade de mortos e feridos tenha aumentado bastante nos últimos anos da guerra" (pág.155).

"Na Guiné, a quantidade de baixas civis também foi aumentando, à medida que a situação militar evoluía megativamente para os portugueses" (pág. 156).

2. Veremos, num próximo poste, com mais detalhe,  as nossas baixas militares e as baixas entre os guerrilheiros (, incluindo prisioneiros, para além dos mortos e feridos).

O autor estima que por cada combatente morto (por todas as causas), do lado português, terá havido 2,7 guerrilheiros mortos: em termos absolutos, 10409 mortos entre as NT, e 28266 do lado dos movimentos nacionalistas (pág. 164) (Quadro 2).

Nas baixas da guerrilha, deverão estar  naturalmente também civis, elementos da população que apoiavam a guerrilha ou estavam sob o seu controlo. Impossível, muitas vezes,  num guerra deste tipo ("subversiva", para as autoridadades portuguesas de então; de "libertação", para os movimentos nacionalistas),  conseguir-se separar os "civis" dos "combatentes". 

Na Guiné, o PAIGC terá tido 9 mil baixas, entre mortos (78%) e feridos (22%) (Quadro 2).

Parece-nos que o nº de feridos está  francamente subestimado (e o de mortos pode estar sobreestimados): vimos, no poste anterior (**) que o autor, Pedro Marquês de Sousa,  encontrou, para o caso das NT. um rácio de 10 feridos (hospitalizados) por cada morto. O nº de mortos estimados para a Guiné corresponderá grosso modo ao nº máximo de  combatentes do PAIGC  ao longo da guerra: 6000 guerrilheiros e 2000 milícias, segundo o autor que temos vindo a citar (pág. 331).

Aliás, basta comparar os dois quadros, 1 e 2: nas baixas civis, do lado português, a proporção dos feridos é sempre superior à dos mortos: 55% para Angola, 78% para a Guiné e 71% para Moçambique.  O Quadro 2 deve ser analisado com cautela uma vez que nas baixas dos movimentos nacionalistas é impossível separar os combatentes e os civis. 

Estes dados têm que ser vistos com reservas, já que são provenientes de uma única fonte (os relórios militares portugueses). Mas provavelmente também não há outros, válidos e fiáveis.


Quadro 2 - Guerra colonial / Guerra de África (1961/74):  baixas dos movimentos nacionalistas: guerrilheiros e população apoiante.  Estimativa com base nos relatórios militares portugueses. Fonte: Adapt. de Pedro Marquês de Sousa - "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 164.
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segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22916: Antologia (82): Mariema, mãe-mártir... [Poema de Alberto Bastos (1948-2022), ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73), poeta, dramaturgo, encenador e ator, natural de Vale de Cambra]


Alberto Bastos - “Bailam Flores: poemas”. Vale de Cambra: Câmara Municipal de Vale de Cambra, 1999. Capa de Joana Rodrigues.


Dedicatória do autor: "Ao meu 'irmão' Joaquim Pinto de Carvalho com amizade. (...)  99/11/17"


Dedicatória do autor no livro de teatro "A Máscara": "Ao meu velho camarada de armas, e meu atual e grande amigo,  Joaquim A. Pinto de Carvalho que muito, muito, me tem incentivado em tudo, mormente nas 'coisas' do teatro. Agradecido, o autor  (...)  15/11/2015"

Fotos (e legenda): © Joaquim Pinto Carvalho (2022). Todos os Direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mais um  tocante poema do Alberto Bastos (1948-2022), ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73, poeta e homem de teatro (dramaturgo, encenador e ator), natural de Vale de Cambra. 

Entrou para a Tabanca Grande a título póstumo (*). É o único representante da CCAÇ 3399.










Fonte: Excerto de Alberto Bastos - “Bailam Flores: poemas”. Vale de Cambra: Câmara Municipal de Vale de Cambra, 1999, il Honório Rodrigues e Joana Rodrigues, pp. 127/  128.

Seleção e digitalização: Joaquim Pinto Carvalho. (**)
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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P22915: Notas de leitura (1410): “África Dentro”, por Maria João Avillez; Texto Editores, 2010 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
A cooperação da Fundação Calouste Gulbenkian com a Guiné vem desde o Estado Novo, assenta em dois eixos principais: educação e saúde. A Gulbenkian ajuda a capacitar bibliotecários arquivistas, profissionais de comunicação social, dá bolsas a professores e na saúde promove um vasto leque de programas que vão desde o hospital ao ambulatório. Rui Vilar convidou a jornalistas Maria João Avillez a fazer o périplo das antigas colónias portuguesas de África, é uma reportagem onde se dá conta de que a Gulbenkian aposta numa cooperação que visa preparação de gente autónoma, também na prevenção da doença e na promoção da saúde. A guerra civil de 1998-1999 destruiu equipamentos e infraestruturas que a Gulbenkian contribuiu para reabilitar, caso do INEP, e ajuda a melhorar as instalações de um dos mais lindos projetos, o da Cumura, com o objetivo de tratar quem sofre da lepra.

Um abraço do
Mário



"África Dentro", por Maria João Avillez (1)

Beja Santos

África Dentro
, por Maria João Avillez, Texto Editores, 2010, é uma avaliação em jeito de reportagem da intervenção da Fundação Calouste Gulbenkian nas cinco ex-colónias portuguesas de África. A Gulbenkian pretendia uma reportagem captada pelo olhar de uma jornalista. Foi isso que aconteceu. Vamos falar da Guiné-Bissau, onde a Gulbenkian privilegia dois polos de cooperação, na educação e na saúde.

A jornalista não pisava aquele solo há quarenta anos, solo de desamparos, como escreve, onde há um povo que os deuses parecem ter esquecido e onde tudo parece apontar para que o viandante se sinta desencorajado. Mas há o feitiço florestal, algo de genesíaco a prender-nos, e quem observa todas as dificuldades rende-se à beleza: “É certo que há as mais belas mangueiras de África, agora despontando em exuberantes cachos de flores rosadas, e os cajueiros incessantemente debruando estradas e caminhos, à beira dos braços de mar que molham o solo; há a pedra dos edifícios em estilo ‘colonial’, arruinadas memórias de um tempo que não voltará, mas encontrei aqui quem gostava que ele voltasse. Há uma cidade capital de geometria amável, feita de avenidas longas e de alguns cantos e recantos que conservam um visto de harmonia, há os hibiscos e as acácias que tentam, em vão, redimir Bissau da decadência que a vai afogando. E há ao longe, à beira-mar – desse mar que da cidade estranhamente quase nunca se avista –, o que resta hoje da fortaleza de São José da Amura e seus baluartes, fortificação tantas vezes feita e desfeita ao longo dos tempos”.

A visita começa no INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, era ao tempo seu diretor Mamadou Jau. Apresenta o INEP e os seus setores de investigação, biblioteca e arquivos. O INEP ainda não estava recomposto do vandalismo da guerra civil, tinha recebido, no ato fundador, todo o acervo do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e o espólio do Museu da Guiné. Esse acervo foi consumido entre 60 a 70% no conflito militar de 1998-1999. A Gulbenkian deu apoio estratégico, concedeu fundos para aquisição de materiais, ofereceu livros, financiou formação a nível de bibliotecários, arquivistas, secretariado. E passa-se para o projeto da Faculdade de Direito de Bissau, tudo se iniciara na década de 1990, assinara-se um protocolo de cooperação entre Portugal e a República da Guiné-Bissau na área jurídica, assim surgiu a Faculdade de Direito de Bissau. A Fundação Gulbenkian é uma associada, estabeleceu uma parceria de atuação, apoio à realização de ações de formação/especialização para professores guineenses em Portugal, estágios de investigação na Faculdade de Direito de Lisboa. Registou números do corpo docente e discente, constatou o empenho da Faculdade de Direito de Lisboa, tomou nota das publicações, não havia nenhuma edição do Código Civil antes da existência da Faculdade de Direito, a Fundação Gulbenkian ajudou a publicar um conjunto de compilações e ficamos a saber que ao nível de 2010 uma parte muito significativa do Direito que rege a Guiné-Bissau (entre 50 a 60%), continua a ser o Direito português.

Mas há mais, releve-se a importância da Fundação Evangelização e Culturas (FEC) e a Escola António José de Sousa, uma escola com maiúscula. A FEC é uma plataforma informal de entidades de voluntariado missionário, dá apoio à educação e à comunicação social, é um trabalho disseminado por todo o país, a partir de 2001, começou em Mansoa, apareceram depois as escolas solidárias, os centros de desenvolvimento educativo, estes visam o acesso a recursos pedagógicos, literários e de informação e informática para as povoações locais, há mesmo o programa ‘Andorinha’, uma aposta radiofónica do ensino da língua portuguesa através da rádio.

E o roteiro da educação a que se associa a Fundação Gulbenkian na Guiné-Bissau termina numa escola dirigida por franciscanos, tem à sua frente Frei Paulo. No ano letivo de 2007-08 a Escola António José de Sousa estava no top do ranking do Ministério da Educação, é a escola mais conceituada do país, é popularmente conhecida como a escola dos padres. A Gulbenkian ofereceu cadeiras, carteiras, quadros, a jornalista visita a biblioteca, as instalações da escola e comenta: “Ensina-se aqui o ciclo primário, com aulas da 1.ª à 4.ª classes, num universo de quase 500 alunos, rapazes e raparigas, distribuídos por 16 turmas. Dentro das classes, silêncio, ordem, disciplina. Do desenho do giz na lousa vão nascendo algarismos destinados a ilustrar somas e subtrações, seguidas por dezenas de pares de olhos redondos de atenção”. E daqui parte-se para os projetos ligados à saúde, são variados e, sem exagero, emocionantes.

(continua)


Biblioteca Pública do INEP.
Escola António José de Sousa, Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22906: Notas de leitura (1409): Diário da Companhia da Loira & Zorba, por Manuel Neves Fonseca; Projecto Foco, 2020 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22914: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte X: Conto - O camaleão ganha a corrida ao lobo (hiena)


Ilustração do mestre Augusto Trigo (pág.  63)





O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga




1. T
ranscrição das págs. 63-64 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)



J. Carlos M. Fortunato >
Lendas e contos da Guiné-Bissau




Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



Conto - O camaleão ganha a corrida ao lobo 
(pp.  63/64) 


Um dia o camaleão e o lobo (hiena) conversavam, sobre quem eram os animais mais rápidos. 
– Qual é o animal mais rápido a voar? – perguntou o camaleão. 
– Eu sou o mais rápido a voar – respondeu o lobo. 
–  O quê? Você não sabe voar! – exclamou o camaleão. 
 Eu sei voar muito bem – retorquiu o lobo. 
– Quem é o mais rápido a nadar? – perguntou o camaleão. 
– Eu sou o melhor nadador. Nado mais rápido do que qualquer peixe – respondeu o lobo. 
– Como pode dizer isso, se você nem sabe nadar… – disse o camaleão, incrédulo com as respostas do lobo. 
– Eu nado muito bem – replicou o lobo com vaidade. - Quem é o corredor mais rápido de todos os animais? – perguntou o camaleão, já aborrecido com as mentiras do lobo.
– Eu sou o melhor corredor, ninguém corre mais rápido do que eu – respondeu logo o lobo. 

Irritado com tanta mentira, vaidade e presunção, o camaleão já não conseguiu ouvir mais o lobo e resolveu dar-lhe uma lição. 
– Eu corro melhor que você! – exclamou o camaleão. 
– Você  não sabe correr –  disse o lobo e começou a rir. 
 – Ah! Ah! Ah! –  ria o lobo apontando para o camaleão. 
Eu corro muito bem. Eu corro melhor que você. Vamos fazer uma corridadesafiou o camaleão. 
–  Você quer fazer uma corrida comigo? – perguntou o lobo admirado. 
– Sim! E eu vou vencer essa corrida! Vamos fazer a corrida já! Eu vou darlhe uma lição! – respondeu o camaleão – Meninos  batam as palmas para dar a partida – pediu o camaleão às crianças que estavam a assistir à conversa. 

Os meninos bateram as palmas, e o lobo começou a correr veloz, mas o camaleão segurou-se com força ao rabo do lobo e não o largou. O lobo correu o mais rápido que conseguiu, até à meta. Depois de passar a meta, o lobo cansado da corrida foi sentar-se, mas quando ia fazê-lo, ouviu uma voz dizer-lhe: 
– Não senta em cima de mim. Vai sentar noutro lado, que eu cheguei primeiro    era o camaleão! 

O lobo abriu os olhos de espanto, nem queria acreditar no que estava a ver, e só dizia: 
– Como foi possível o camaleão chegar primeiro? Como foi possível o camaleão chegar primeiro? 

E foi assim, que o camaleão ganhou a corrida.

(COntinua)

2. Como ajudar a "Ajuda Amiga"?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque, que já foi inaugurada dia 8 deste mês, com pompa e circunstância), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
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Nota do editor:

(*) Último poste da série >  9 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22791: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte IX: Conto - A lebre e o lobo no tempo da fome

Guiné 61/74 - P22913: Parabéns a você (2027): António José Marreiros, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3544 e CCAÇ 3 (Buruntuma, Bigene e Guidage, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22908: Parabéns a você (2026): Manuel dos Santos Gonçalves, ex-Alf Mil Mec Auto da CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)

domingo, 16 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22912: Ocupação dos aquartelamentos das NT e povoações pelo PAIGC (jul-out 1974), de acordo com o Plano de Retração do Dispositivo: excertos do relatório da 2ª Rep/CC/FAG, datado de 28 de fevereiro de 1975


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974: visita de Bunca Dabó e do seu bigrupo, fortemente armado... Ao centro, o nosso amigo e camarada Jorge Pinto, então alf mil, em farda nº 2, desarmado, fazendo as "honras da casa" (*). O aquartelamento e a povoação foram ocupados pelo PAIGC apenas em 2 de setembro de 1974.  (Natural de Turquel, Alcobaça, o Jorge Pinto é professor do ensino secundário, reformado.)

Foto (e legenda): © Jorge Pinto  (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

Relatório 2ª Rep /Pág.  52


Relatório 2ª Rep /Pág.  53



Relatório 2ª Rep /Pág.  54

 

Luís Gonçalves Vaz


Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001)

Excertos do relatório da 2ª Rep/CC/FAG, sobre a situação político-militar em 1974 , publicado em 28 de fevereiro de 1975, e na altura classificado como "Secreto". É 
 assinado pelo chefe da 2ª Rep do CC/FAG [, Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, comando unificado criado em 17 de Agosto de 1974], o maj inf Tito José Barroso Capela.

Este documento foi digitalizado pelo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande [,foto acima], a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001), último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74) [, foto també, acima]. (**)

Índice do relatório [que tem 74 páginas] (***)

A. Período até 25Abr74

1. Situação em 25Abr74

a. Generalidades (pp.1/2)
b. Situação política externa:
(1) PAIGC e organizações internacionais (pp. 2/5)
(2) Países limítrofes (pp. 5/8)
(3) O reconhecimento internacional do “Estado da G/B em 25Abr74 (pp.8/9).

c. Situação interna:

1. Situação militar

(a) Actividade do PAIGC (pp. 10/12)
(b) Síntese da atividade do PAIGC e suas consequências (pp.13/15)
(c) Análise da actividade de guerrilha (pp. 16/18)
(d) Dispositivo geral do PAIGC e objetivos (pp. 18/19)
(e) Potencial de combate do PAIG (pp.19/20)
(f) Possibilidades do PAIGC e evolução provável da situação (p. 21)

2. Situação político-administrativa (pp. 22/24).

B. Período de 25Abr74 a 15Out74

2. Evolução da situação após 25Abr74

a. Generalidades (pp. 25/26)
b. Situação política externa (pp. 26/28)

(1) PAIGC (pp. 29/32)
(2) Organizações internacionais (pp. 32/34)
(3) Países africanos (pp. 34/35)
(4) Outros países (pp. 35/36)


c. Situação interna

(1) Situação militar

(a) Aspetos gerais (pp.37/46)

(b) Síntese da actividade de guerrilha

1. Ações de guerrilha realizadas pelo PAIGC após 25abr74 (pp. 47/52)
2. Ações de controlo às viaturas das NT (p. 52)
3. Ocupação dos aquartelamentos das NT e povoações pelo PAIG (pp. 52/54)

(2) Situação político-administrativa(a) PAIGC- Contactos e conversações no TO (pp. 55/64)

(b) Outros partidos políticos ou associações cívicas (pp. 64/66)
(c) Prisioneiros de guerra (pp. 66/68;
(d) Transferência dos serviços públicos sob administração portuguesa para a administração da República da Guiné-Bissau (pp. 68/70);
(e) Diversos (pp. 70/74)

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Notas do editor:



 (*** ) Vd. restantes postes da série:




4 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9443: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte V): pp. 10/21

31 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9424: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte IV): pp. 1/9

Guiné 61/74 - P22911: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXII: Os torneios de futebol e a Cilinha que não veio, e a notícia do 25 de Abril que só chegou a 26...



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã >  CCAV 8351 (1972/74), "Os Tigres do Cumbijã" > > 1974 > Festejando, condignamente, a conquista do último lugar do torneio de futebol inter pelotões bebendo uísque na minúscula taça. Da direita para a esquerda: Afonso, Belinha (o homem que ia sempre na dianteira do pelotão com a sua pica), Costa e mais camaradas do 2,º pelotão.

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Nhala >  2ª CCaç / BCaç 4513 (1973/74) > Domingo, 10 de março de 1974 > Visita da Cilinha ao aquartelamento de Nhala, escoltada por um grupo de fuzileiros.  Após a visita, a Cilinha é acompanhada até às viaturas para o regresso.  Cortesia do António Murta.

Foto (e legenda): © António Murta  (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 






O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Já saiu o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que temos estado a editar  largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (*)


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXII (**)

 

Atividades lúdicas… e Grândola, Vila Morena! 



Os dias estavam a tornar-se cada vez mais enfadonhos, com muitos de nós a riscar pauzinhos na parede da caserna por cada dia que passava, tal qual um prisioneiro.

Bem se esforçava o Furriel Formosinho, acabado de chegar à companhia carregando às costas a sua G3 e o seu violão, em levantar o moral das tropas com as suas serenatas noturnas cantando canções do “reviralho” e outras fora da caixa. Foi marcante e muito importante para todos nós a sua chegada ao Cumbijã,  trazendo para além do violão,  a sua irreverência e alegria contagiantes.

Sentíamos aqui como nunca a falta do dia das lavadeiras. Era aqui, neste “buraco” no fim do mundo, que estes momentos seriam importantes para quebrar um pouco as rotinas diárias de: Patrulhas, flagelações, minas, cerveja durante o dia e whisky durante a noite.

Aqui não havia população e a roupa era enviada para as nossas lavadeiras de Aldeia Formosa na coluna diária do transporte de água.

Desde a chegada ao Cumbijã, embora me continuasse a lavar a roupa, nunca mais vi a minha simpática e eficiente lavadeira.

Aqui, a única alegria a que tínhamos direito era a chegada do correio.

Até a "Cilinha" (Presidente do Movimento Nacional Feminino), não obstante a sua coragem, não teve a suficiente para visitar o Cumbijã, preferindo o aquartelamento vizinho de Nhala, dias antes do 25 de Abril de 74.  Obviamente era um hotel de 5 estrelas em comparação ao nosso parque de campismo selvagem!!! 

Teria sido um momento memorável ver a “Cilinha” tomar banho nos nossos chuveiros, com água a saber a gasóleo e com vistas privilegiadas para a horta do Zé Carlos e para todo o destacamento. Acredito que era mulher para o fazer sem nenhum constrangimento!

A própria RTP nunca ousou visitar-nos para gravar as históricas mensagens dos soldados transmitidas religiosamente no dia de Natal. Ainda chegaram a sugerir irmos a Aldeia Formosa fazer as gravações. Declinámos o convite, com o argumento que só fazíamos as gravações na nossa casa (Cumbijã).

Até os Capelães desconheciam este buraco tendo-nos honrado uma única vez com a sua presença com a celebração de uma missa. Dia histórico no Cumbijã, apesar da pouca audiência. Situação que o Capelão aproveitou para não mais aparecer (não quero ser injusto já que há relatos que confirmam a importância destes “homens de Deus” em diferentes locais do território da Guiné demonstrando grande humanismo e coragem).

Contudo, havia escola com alguns graduados a prepararem um grupo de soldados para realizarem o exame da 4ª classe. Exame esse que se realizou no Cumbijã com a deslocação de um professor primário, creio que de Bissau.

Reza a história que a coisa não estava a correr nada bem aos examinandos pelo que foi necessário simular um ataque ao destacamento, fazendo dois disparos de obus com o professor a fugir em pânico, deixando tranquilamente acontecer a ajuda aos nossos bravos soldados e acabando todos, obviamente, por passar.

Durante este período até deu para fazermos um torneio de futebol, onde a minha equipa (o meu pelotão) ficou num honroso 5.º lugar, ou seja, o último! Contudo, não deixamos de protestar o último jogo já que fomos claramente “roubados”. 

Sendo este o último jogo do dia, estava próxima a hora em que aconteciam as flagelações de canhão sem recuo do IN. Faltavam uns 3 minutos para acabar o jogo quando ouvimos uma grande explosão que fez levantar uma grande nuvem de pó, fazendo supor que estávamos na presença de uma nova flagelação, seguida da debandada de todos os jogadores para as valas. Situação aproveitada por um “cacimbado” da equipa adversária, retendo a fuga por uns segundos. introduzindo a bola na nossa baliza deserta antes de fugir. Como a equipa adversária equipava de vermelho o árbitro validou o golo averbando nós mais uma derrota.

A explosão não foi mais um ataque do IN mas sim o rebentamento de granadas antigas, já sem espoleta, que tinham sido colocadas, num buraco, fora do arama farpado para serem destruídas por simpatia com o lançamento de uma granada (???) para o monte de toda aquela sucata. Um pequeno incêndio junto às mesmas acabou por antecipar a sua destruição. Sendo evidente alguma negligência, felizmente, tudo não passou de um grande susto, sem consequências de maior… a não ser as desportivas!

Não obstante estas rotinas sentia-se no ar que o PAIGC estava a preparar novas incursões estilo Guileje, Gadamael e Guidage, com o apoio dos países amigos. Especulava-se que o PAIGC tinha já garantida a utilização de carros de combate e eventualmente aviação.

Foi neste clima de tensão que, um belo dia,  tivemos conhecimento pela “Maria Turra” (uma emissão de rádio do PAIGC, sediada na Guiné-Conacri e que nós muitas vezes ouvíamos), de um golpe de estado em Lisboa. 

Como sempre acontece nos conflitos militares, da propaganda à realidade vai a distância do céu ao inferno pelo que demos a importância de sempre às notícias difundidas por esta emissora - algum fumo de um pequeno incêndio!

Contudo, na tarde do dia 26, vinha eu com a minha cerveja e o meu "Norte Desportivo" na mão, quando o Martins se vira para mim e me diz, de forma perentória:
- Costa! Há mesmo “merda” em Lisboa.

[Sempre fui alvo de “chacota” por ler o "Norte Desportivo" (já que “gente fina” lia  "A Bola" – um dos muitos órgãos... oficiosos do Benfica), que o meu irmão Manuel esporadicamente me enviava. Este jornal, o único que falava do FCP, fazia o impensável (dado os meios da altura) de. aos domingos, quando ainda o pessoal estava a sair dos campos de futebol, já o ardina o está a vender à saída, com os resultados finais, com a constituição das equipas e respetivos comentários aos jogos. Os comentários eram feitos de véspera, e os resultados colocados muitas das vezes à mão. 90% dos comentários acabavam por bater certo, o que convenhamos, era uma boa média…]


Consolidado o 25 de Abril,  e estando nós já no fim da comissão, não obstante a alegria esfuziante que reinava, preocupava-nos a possibilidade de alguma anarquia bem como a nossa retenção na Guiné (já com a comissão no fim), já que as palavras de ordem nas ruas de Lisboa eram: "Nem mais um soldado para as colónias!"...

Com todos estes desenvolvimentos só tomei conhecimento que havia feito anos (27 de Abril), na segunda quinzena de Maio ao ler um aerograma vindo de casa, acompanhado do "Jornal de Notícias" com imagens das grandiosas manifestação do 1º de Maio.

Felizmente, ao contrário de outros teatros de guerra, de a ferro e fogo passámos para uma paz quase total.

As hostilidades cessaram, sem que nenhuma instituição, organização ou hierarquia (de um lado ou do outro) o decretasse. Em alguns locais houve mesmo encontros entre a nossa tropa e grupos armados do PAIGC, com abraços e festa conjunta.

Dá que pensar !...dá que pensar !…

Nota: Vai-se lá saber porquê, e para quê, fui eleito pelos meus pares como delegado do MFA, em representação da companhia. Manga de ronco! Ainda estou a pensar se hei-de colocar este cargo (que nunca exerci) no meu currículo!

(Continua)



Capa  do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.(*)

O livro, saído neste último Natal de 2021, aguarda a melhor oportunidade para a sua apresentação ao público. Mas podem desde já serem feitos pedidos ao autor: valor 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro.