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sábado, 5 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26987: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (8): Luís de Sttau Monteiro (1926-1993), enviado especial do "Diário de Lisboa", à cerimónia da independência em 5 de julho de 1975: "Daqui a três horas, sou estrangeiro"




As duas bandeiras de Cabo Verde: a das ilusões da "unidade" com a Guiné-Bissau (1975-1992) e a atual (desde 1992)...  A mudança de bandeiras não foi consensual...

O último dia duma colónia

por Luís de Sttau Monteiro 

(1926-1993)

 










Fonte: Diário de Lisboa, sábado, 5 de julho de 1975, ano 56,. nº 18807, pág, 10 (Inserido no caderno especial "Cabo Verde Ano Um" (com a colaboração de uma equipa de luxo: Fernando Assis Pacheco, Alexandre Oliveira, Eugénio Alves, Luís Stau Monteiro e José A. Salvador). 

Fonte: (1975), "Diário de Lisboa", nº 18807, Ano 55, Sábado, 5 de Julho de 1975, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_4405 (2025-7-5)

Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 06823.173.27275 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18807 | Ano: 55 | Data: Sábado, 5 de Julho de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Observações: Inclui supl. "Cabo Verde ano um". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa (com a devida vénia...)

(Seleção de excertos, e fixação do texto: LG)




Luís de Sttau Monteiro
(1926-1993)

1. O jornal "Diário de Lisboa" tinha então como diretor o A. Ruella Ramos e diretor-adjunto o escritor José Cardoso Pires. O Sttau Monteiro foi a Cabo Verde, como "enviado especial",  fazer a cobertura noticiosa da independência do país. 

Filho do embaixador em Londres, Armindo Monteiro, anglófilo e rival de  Salazar que o demitiu em 1943 (tinha sido ministro das colónias e dos negócios estrangeiros na fase inicial do Estado Novo),  Sttau Monteiro foi dos espíritos mais livres do Portugal dessa época. E um dos nossos grandes dramaturgos  do séc. XX, além de  "cronista social" ("As redações  
da  Guidinha", publicadas no "Diário de Lisboa",  nos anos de 1969 e 1970, e entretanto reunidas em livro, em 2003,  já depois da morte do autor, são um monumento, uma delícia, uma referência obrigatória para se compreender melhor o país onde nascemos.)

A crónica que escreveu, há 60 anos, para o jornal, "O último dia de uma colónia", é uma pequena obra-prima de bonomia, bom humor, empatia e ironia, onde não há a mínima concessão ao populismo revolucionários da época. Eis alguns nacos de prosa:

  • "(...) Sinto-me comovido porque isto de assistir ao parto de um país,  é uma epxeriência nova para mim"
  • " (...) Cor ? Que é isso ?"
  • "Há dois bêbados agora, na esplanada, o da água do mar, e um que canta o hino nacional!"
  • "(...) os cabo-verdianos descobriram Portugal"
  • "O que nós, portugueses, poderíamos ter feito nesta terra, por esta gente!"
  • "O que vale é que fazemos parte da festa"
  • "São três da tarde e a cachupa ainda me anda às voltas no estòmago"
  • "Daqui a três horas, sou estrangeiro. Mas... alguma vez serei estrangeiro nesta terra ?".

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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26985: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - III (e última) Parte (Carlos Filipe Gonçalves)

Guiné 61/74 - P26986: Os nossos seres, saberes e lazeres (688): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (211): Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril 2025:

Queridos amigos,
Cônscio de que há para aqui um certo percurso errático, entendi que devia vir um pouco atrás, ao século XIX, onde efetivamente começa o acervo permanente do museu e daí mostrar aquela bela parede onde se expõe o retrato, manifestação capital do século XIX para o século XX; sem perda de demora passei por dois modernismos para preparar o cenário que irá conduzir às alterações das décadas de 1960 a 1980. Vejo-me aflito quando chego às últimas salas do acervo permanente, desentendo-me com câmaras escuras e coisas parecidas, a minha fronteira é aquele João Tabarra, por ironia a fotografia foi vista, durante gerações, pelos estetas como uma arte bonitinha mas que devia ocupar um espaço à parte, os Eduardo Gageiro, Victor Palla ou Gérard Castello-Lopes que fiquem no arquivo fotográfico, não tem direito a competir com as artes plásticas, abre-se uma exceção para o Jorge Molder, escusam de me perguntar porquê. Tudo somado, é indispensável vir até este acervo permanente, tem uma leitura, um discurso pedagógico, que nos faz entender a palpitante viagem que começou em 1910. Portanto, uma visita obrigatória.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (211):
Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 2


Mário Beja Santos

Recapitulando, era diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea Emília Ferreira e procedeu-se à reformulação do chamado acervo permanente, que isto dizer que o visitante do museu tem sempre em exposição um histórico do seu património, independentemente de exposições que estejam a acontecer. Entra-se no museu e a partir da Sala dos Fornos tem-se uma mostra do que melhor do século XIX o museu conserva, não faltam os românticos, os naturalistas, e assim caminhamos para a transição que será trazida pelos chamados modernistas.

Quem concebeu a exposição teve a feliz ideia de pôr de alto a baixo a parede de mudança de piso o chamado encontro de gerações, ali pontifica o retrato. Como escreve uma das responsáveis pela exposição, Maria de Aires Silveira temos ali mestres académicos, registos de elegância mundana, a densidade do retrato camoniano, assim se chega a Columbano, ali podemos ver o retrato de Teixeira de Pascoais, também está presente mestre Malhoa. E refere esta conservadora que por 1910 o autor portuense António Carneiro introduz a modernidade através da pintura Noturno, que aqui mostrámos no texto anterior. É igualmente nesta época que irrompem as ruturas com o academismo no século XIX. Percorremos essa sequência histórica de autores que vão desde a primeira geração modernista até ao neorrealismo e surrealismo, não esquecendo, porém, que em plena década de 1940 Fernando Lanhas abre caminho ao abstracionismo. É dentro desta recapitulação que pretendo repescar artistas de mérito até à transição que vai ocorrer a partir dos anos 1960. Veja-se Júlio dos Reis Pereira que usou de um traço e de um contexto grotesco, deliberadamente ingénuo, e numa atmosfera estética singular, isto numa época em que as artes plásticas se modernizavam mas dentro de um figurativismo que mantinha as regras do equilíbrio do traço.

O pescador de sereias, por Júlio dos Reis Pereira, 1929
Sabat – Dança de roda, António Pedro, 1936

António Pedro trilhou o surrealismo, figura polifacetada, homem de teatro, escritor de relevo. Fez objetos, escultura, cerâmica, galerista. Num tempo em que Leal da Câmara fora grande desenhador de humor em Paris e Amadeo Souza-Cardoso ganhara notoriedade internacional, em 1935, em Paris, Pedro assinou um manifesto ao lado de alguns dos nomes mais sonantes do tempo como Marcel Duchamp, Delaunay, Kandinsky, Miró, Picabia, Arp e Calder. No tempo da Exposição do Mundo Português, de 1940, era inaugurada no Chiado uma exposição por ele organizada, exposição surrealizante, ele, António Dacosta e a escultora inglesa Pamela Boden. Temos aqui neste Sabat - Dança de roda quatro corpos ou troncos, cruzam-se num espaço, envolvendo braços e seios e as quatro cabeças calvas fixam-nos em espanto. Quadro de uma grande violência carnal, como observará José-Augusto França.
Cais 44, Fernando Lanhas, 1943-1944

Ainda não sabia, mas era uma revolução silenciosa, nada de figuras, linhas geometrizantes, mas, para desconforto do espírito académico e mesmo dos modernistas havia nesta conjugação de cores uma luminescência que era impossível refutar não se tratar de uma grande arte.
Sombra projetada de René Bertholo, Lourdes Castro, 1964

Estamos a entrar numa nova era, o neorrealismo deu sinais de esgotamento, o próprio surrealismo segue um caminho autónomo e algo de profundo iria acontecer com as bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian, ir-se-ão impondo novos nomes, caso de Lourdes Castro, Helena Almeida, Bartolomeu Cid, Sá Nogueira, uns motivados pelos temas da sociedade de consumo, outros experimentando o uso da sua própria figura como modelo dentro da obra, será o caso de Helena Almeida como mais tarde Jorge Molder. O fundamental a reter é que a partir de agora a abertura a outras estéticas não será tão demorada como no princípio do século, isso ver-se-á nos trabalhos de Paula Rego ou de Menez. O museu pode orgulhar-se de ter obras de grande significado destas gerações, como abaixo se exemplifica.
A Noiva, por Paula Rego, 1972
Sem título, Menez, 1985
Sem título, João Vieira, 1972
Da série TV, Jorge Molder, 1995
This is not a drill (No Pain No Gain), João Tabarra, 1999

As artes plásticas, como é óbvio, não estavam nem ficaram insensíveis seja à erupção de novos meios de comunicação e ao aproveitamento de novas tecnologias. A fotografia voltou a ganhar estatuto de nobreza, as instalações, as performances entraram na ordem do dia, de algum modo já tinha sido assim com o Op, a arte cinética, mas a dimensão tecnológica foi tão avassaladora que trouxe uma alteração profunda aos conceitos estéticos. Isto para já não falar nos aparatos espetaculares como o uso de detritos humanos, materiais da construção civil, etc.
Não sei para onde caminhamos, a minha fronteira do gosto acaba aqui.

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Nota do editor

Último post da série de 28 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26966: Os nossos seres, saberes e lazeres (687): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (210): Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 1 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26985: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (7): reportagem do 5 de julho de 1975 - III (e última) Parte (Carlos Filipe Gonçalves)



Foto nº 1 e 1A


Foto nº 2

Na foto (nº 1 e 1A), a presença de um humilde jornalista, que lá estava no acontecimento… e por acaso foi apanhado pela câmara fotográfica… tão discreto, que é preciso uma «seta» para indicar onde estou e se ver o meu perfil inconfundível. 

No Estádio da Várzea, atrás de mim, de pé, com auscultadores, o  Zeca Martins, o operador de som que gravou toda a cerimónia da Proclamação da Independência em 5 de Julho.  A equipa de reportagem da  Rádio Difusão da Guiné – RDN incluía, além do Zeca Martins, o António Óscar Barbosa, "Cancan",  e eu, Carlos Filipe Gonçalves,"Kalú".

Nas fotos 1 e 2, ao canto superior direito, vê-se o 1º ministro de Cabo Verde, Pedro Pires, e o 1º ministro de Portugal, Vasco Gonçalves (1921-2005), chefe do IV Governo Provisório (28 de março - 8 de agosto de 1975).

Foto (e legenda) : © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Carlos Filipe Gonçalves, nosso antigo camarada na Guiné (foi fur mil amanuense, CefInt/QG/CTIG, Bissau, 1973/74), é uma figura pública no seu país, Cabo Verde: radialista, jornalista, escritor, etnomusicólogo...  (ver aqui entrada na Wikipedia). Natural do Mindelo, vive na Praia. É autor, no nosso blogue, da série "Recordações de um furriel miliciano amanuense (Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG, Bissau, 1973/74) (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo)"

 
Cabo Verde - Reportagem por Ocasião do 5 de Julho de 1975 - III (e última) Parte  
 
por Carlos Filipe Gonçalves (*)
 

Eis, mais um extrato do meu livro Memórias da Rádio Barlavento, no qual dou a seguinte descrição de como vivemos o dia 5 de Julho de 1975 e do nosso trabalho de repórteres da rádio.

No dia 5 de julho, sábado,  acordámos cedo de uma noite mal dormida. Sem transporte, fizemos a pé com todo o equipamento às costas, o percurso desde o nosso alojamento no bairro da Fazenda ao platô, pela subida íngreme até o local do «mata-bicho». 

O sol já estava quente, chegamos exaustos, molhados em suor. Logo depois, fizemos o percurso, outra vez a pé, até ao Estádio da Várzea, onde chegámos pouco antes das 8 h e 30. Eu estava integrado na equipa da reportagem da RDN - Radiodifusão Nacional da Guiné-Bissau, onde era Chefe de Programação, desde setembro de 1974. 

Logo depois da nossa chegada ao Estádio da Várzea, instalámos o equipamento: um gravador profissional Nagra (que pesa 12 kg!), dois microfones e respectivos tripés, cabos, várias caixas de fita magnética, algumas caixas de pilhas; tínhamos ainda outro gravador portátil da marca Uher.

 Imaginem a malta do cinema com câmaras de filmar, tripés, gravadores Nagra e caixas de filme, tudo muito mais pesado! 

Encontrámos no palanque dos discursos uma floresta de microfones! Enquanto eu e Cancan, fazíamos pequenas entrevistas aos deputados, o Zeca Martins subia e descia ao palanque para encontrar uma melhorar colocação dos nossos microfones. É que vinha um jornalista, tirava o nosso do lugar e metia o dele, depois vinha, outro fazia o mesmo e assim foi uma luta constante. 

Não havia água para se beber (não lembrámos de levar), o sol aquecia cada vez mais, o ar estava irrespirável de tanto calor… Começou o cerimonial, desfiles de Tabanka, organizações de massas etc. etc. Eu e o Cancan, sempre a falar e a descrever, o Zeca ia gravando… 

Começam então discursos e mais discursos! Está um sol de rachar, muitas pessoas não aguentam, há desmaios… Enfim, a troca de bandeiras! Momento de muita emoção, palmas, fracas, é que toda a gente está cansada e exausta. De novo mais discursos!

A cerimónia durou longas horas e quando tudo termina no Estádio da Várzea já depois da uma da tarde, dizem-nos que há uma cerimónia no Palácio no platô. Protestámos, estamos cansados, não vamos conseguir subir a pé ao platô com tanto equipamento! Conseguimos então uma boleia num carro da organização…

 Chegamos ao Palácio, mais discursos e nós a gravar tudo. E finalmente, fomos almoçar, depois das 15 horas, de novo andando a pé com o equipamento!

6 de julho,  domingo, havia uma feira/quermesse no Parque Infantil frente ao Palácio do platô. 

Segunda-feira,  7 de julho, todos os políticos e muitos convidados foram a S. Vicente onde continuam as comemorações da Independência. 

Como não havia lugar nos voos, acabei por ficar na Praia. Parti para Bissau, na terça, dia 8. O material gravado que levámos, a maioria discursos, estava desactualizado, o Tony Tcheca fez então um programa em directo com os nossos testemunhos, daquilo que aconteceu.

Cerca de mês e meio depois, segui em nova viagem para Cabo Verde. Missão: ajudar na organização da rádio na Praia. Faço contactos, decido ficar e sou admitido na Rádio Voz di Povo, onde passei a trabalhar. 

Trouxe comigo de Bissau uma cópia completa de todas as gravações realizadas no 5 de julho de 1975, que vieram a ser a base de vários programas emitidos ao longo dos anos aquando das diversas comemorações, nomeadamente para o 20.º aniversário e o meu programa radiofónico evocativo desse aniversário, seria editado em CD pelo Parlamento, por ocasião do 30.º aniversário. 

Pouco depois da minha chegada à Praia, foi criada no final de setembro de 1975 a Emissora Oficial, onde inicio a carreira e passo a integrar o quadro pessoal.

50 anos depois, estou aposentado. Casado, tenho três filhas (49, 47 e 41 anos de idade), quatro netos (26, 18, 3 anos, neta recém nascida com um mês de meio). Vivi a grande aventura do depois da «Independência»… no que me concerne, já escrevi como vivi e o que se passou na história recente da rádio (livro ainda não publicado) e também já escrevi sobre a história da rádio no antes da Indepedência (um dos livros já publicado, o 2.º à espera de ser editado). 

E para completar, já escrevi o que vi e vivi na Guiné de 1973 a 1975, porque memórias de cabo-verdiano de ambos os lados, na Guiné, antes de depois das Independências, também precisam ser conhecidas. 

Temos o dever apresentar uma visão para muitos dos mais velhos (que lá não estiveram) do que realmente se passou e deixar um legado às novas gerações.

(Revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)
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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série :


3 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26978: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (6): reportagem do 5 de julho de 1975 - Parte I (Carlos Filipe Gonçalves)

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26984: Notas de leitura (1816): "A Expansão Quatrocentista Portuguesa", de Vitorino Magalhães Godinho; Publicações Dom Quixote, última edição em 2018 – 1 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Junho de 2025:

Queridos amigos,
Não há qualquer dificuldade em perceber, lendo este notável ensaio, daquele que é considerado a figura ímpar da historiografia portuguesa do século XX, a sua demissão de duas instituições universitárias, durante o Estado Novo. O seu nome impôs-se desde a década de 1940 como o mais completo investigador da economia dos Descobrimentos, tanto em Portugal como no mundo de então. Não podia haver maior incómodo para o regime do Estado Novo do que revelar a questão fulcral da expansão quatrocentista portuguesa, impunha-se, no discurso oficial que andávamos a dilatar a fé, a civilizar selvagens, a estabelecer pontes entre civilizações. Acontece que Vitorino Magalhães Godinho, no caso vertente desta obra data de 1962, procura fazer uma leitura integral de qual a origem da expansão na historiografia portuguesa, mostrando como esta estava completamente ao serviço dos ideais régios; enumera os complexos económicos da Europa e as raízes hispano-portuguesas medievais da expansão, as maneiras de sentir e de pensar e o comportamento económico e no final do seu portentoso estudo explica esmiuçadamente como se impôs a nossa presença na Senegâmbia. Eram conceitos intoleráveis para uma doutrina que impunha o Infante D. Henrique como figura providencial, um cruzado, isto quando a documentação aponta para outros objetivos. Vamos continuar com alguns outros textos de Vitorino Magalhães Godinho, tendo sempre a Senegâmbia por perto.

Um abraço do
Mário



Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 1

Mário Beja Santos

Entre 1409 e 1475 a expansão portuguesa não só deu um salto formidável como forjou um sistema socioeconómico inovador. Surgiu um tipo social novo, o cavaleiro-mercador, uma nova constelação social, o senhorio capitalista, restruturaram-se em profundidade os laços político-económicos, emergiu um Estado mercantilista-nobiliárquico. A historiografia portuguesa do século XX tem os seus máximos expoentes a figura de Vitorino Magalhães Godinho. Devemos-lhe a frescura das suas teses em que procurou compatibilizar os diferentes objetivos prosseguidos por essa expansão: uma política de conquistas territoriais pela cruzada contra o Islão no Magrebe, uma dimensão que se revelará trágica pela exaustão de recursos e meios, arrastando o fim da dinastia de Avis; a metódica devassa do oceano desconhecido para desenvolver ambicionados circuitos mercantis e povoar arquipélagos.

Como tudo isto foi impulsionado pode ser lido na obra A Expansão Quatrocentista Portuguesa, de Vitorino Magalhães Godinho, Publicações Dom Quixote, última edição em 2018. O historiador abalança-se a articular: crise financeira da nobreza e necessidades de mercados, novas janelas de oportunidade para a burguesia mercantil; o ouro do mundo negro como alvo dominante, mas também os escravos, as matérias tintoriais, o trigo e o açúcar. Enfim, um século com uma configuração geográfica bem desenhada, o noroeste africano, entre Marrocos e o Sudão Atlântico, Madeira, Açores, Canárias, o caminho da Senegâmbia, uma marcha contínua de expedições até se chegar ao Índico e depois ao Brasil.

É nesta abrangência da análise que o historiador faz desde a revolução intelectual do século XIII, a enumeração dos fatores do surto da expansão quatrocentista, as maneiras de sentir e pensar e as expetativas económicas de encontrar novos espaços, o plano henriquino, as condições culturais da navegação oceânica, o que eram ao tempo os impérios negros do ouro e, por fim, os resgates de Arguim e Guiné que se pretende dar ao leitor uma ideia de como esta expansão ultramarina se posicionou na Senegâmbia. Retiraremos desta obra doi capítulos fundamentais sobre o comércio com a Guiné desde o rio Senegal até ao rio Geba e os resgates ao Sul do Geba e na Serra Leoa – era este o universo da Senegâmbia.

Extravasando estes marcos cronológicos, far-se-á adiante referência ao regime do comércio com a terra dos negros e a influência do comércio português na vida indígena.


O comércio com a Guiné desde o rio Senegal até ao rio Geba (páginas 335 a 338)

De 1448 a 1460 descobriu-se a costa desde o Cabo Roxo (extremo setentrional da atual Guiné-Bissau) até à Serra Leoa e conseguiu-se entrar em relações pacíficas com os negros desde o princípio da Guiné (Palmas de Sanagá, ao Norte do Senegal) até aquele extremo meridional atingido à morte de D. Henrique. O primeiro trato foi o da região do Senegal e de Cabo Verde, anteriormente a 1455. Dos Jalofos (desde o Senegal ao Gâmbia) obtinham os portugueses escravos negros em abastança e algum ouro. No tempo de D. Henrique, ou seja, antes de 1460, compravam-se 25 a 30 escravos por um cavalo velho, consoante informa Münzer; posteriormente, o preço dos escravos subiu, pois por um cavalo os negros do Senegal já só davam 10 a 12 escravos; nos primeiros anos do século XVI o preço ainda era superior: mal se conseguiam 5 escravos por um cavalo.

O número de escravos anualmente importados para Portugal devia ser elevado: lê-se na Relação de Diogo Gomes que desde a descoberta do rio até à data em que foi redigida se têm trazido pretos sem número e cada vez mais; Valentim Fernandes também diz que se resgatam muitos escravos negros no rio Senegal; o Esmeraldo, de Duarte Pacheco Pereira, é ainda mais preciso, pois declara que quando havia bom resgate neste rio se retiravam por ano 400 escravos e outras vezes menos a metade, mas mostra igualmente que o comércio estava decadente em 1505. Ouro, todos concordam em que se resgatava pouco; pagava-se com lenços, panos vermelhos e alaquecas (pedras semipreciosas); os portugueses também vendiam alquicés (capas mouriscas), bedéns (capa feita de esparto), panos azuis e compravam marfim, coiros de vacas e outros animais. Os barcos portugueses subiam o rio sessenta léguas até o reino interior dos Tucorores, onde compravam escravos – 6 e 7 por um cavalo.

Do Cabo Verde ao rio Gâmbia inclusive vivia “má gente” – Sereres e negros de Niumi -, os primeiros contactos foram mortíferos para os portugueses. Mas entre 1450 e 1456 estabeleceram-se transações com os Mandingas do Gâmbia. No porto de Andam, em terra de Sereres (seis léguas ao Sul de Cabo Verde) houve resgate de escravos, desde quando não o sabemos, talvez também desde esse período. O resgate chegou a ser florescente, dando os pretos dez escravos por um cavalo de pouca valia; mas no começo de Quinhentos já não existia. De igual modo existiu o resgate de escravos no Porto de Ale (duas léguas ao Sul do atual Red Cape) que conseguia 10 escravos por um cavalo; em 1505 ainda continuava este comércio, mas o preço dos escravos aumentara – agora só se recebiam 6 no máximo. A esta data os portugueses compravam aqui muita carne e milho, feijões, lenha e água para abastecer os navios, mas tudo caro.

Em 1460, já os portugueses traficavam nos rios dos Barbacins (Salum). Até esta data davam os pretos 7 escravos em troca de um cavalo; houve então uma alta de preços derivada de concorrência entre mercadores cristãos, gabando-se Diogo Gomes de ter conseguido fazê-los baixar para 14 ou 15 escravos. O certo é que no primeiro lustro do século XVI um cavalo só pagava novamente 6 ou 7 cabeças humanas, podendo, porém, ser de ruim qualidade.

De toda a terra dos Jalofos, os portugueses também importavam papagaios verdes, cujo negócio rendia bons lucros.

Com os Mandingas do rio Gâmbia, Diogo Gomes e Cadamosto firmaram paz e amizade em 1456, mas não é impossível que já um pouco antes se tivessem feito transações. Aquele navegador obteve 180 arráteis de ouro em troca de panos e manilhas, e subindo até o rio Cantor, estabeleceu aqui o comércio; Batimansa (mansa significa rei), mais perto da foz, recebeu escravos. O veneziano resgatou com o Batimansa escravos e algum ouro. Desde então o resgate manteve-se, estando florescente no período de 1490-1505. Também perto do litoral, os portugueses trocavam cavalos por escravos; em Cantor, onde se realizavam grandes feiras, vendiam panos vermelhos, azuis e verdes de pouca valia, lenços, seda, manilhas de latão, barretes, sombreiros, alaquecas, etc.; com estas mercadorias adquiriam muito ouro bom – cinco a seis mil dobras por ano no dealbar de Quinhentos. Diz Valentim Fernandes que o rio é frequentado por muitos navios, sinal de intenso comércio. De uma vez, antes de 1502, uma caravela trouxe de Cantor ouro no valor de 2 contos 62 830 reais. O comércio de Cantor e de todo o rio Gâmbia teve-o mestre Filipe de arrendamento desde o dia de S. João de 1510 a igual dia de 1513, pagando ao Estado pelo contrato 1 363 500 reais por ano. Em 1514 arrendou-o de novo o mesmo mestre Filipe, de parçaria com Diogo Lopes, exatamente pela mesma quantia.

Ignoramos quando abriu o trato com os Mandigas e Felupes do rio Casamansa. Na última década do século XV e primeiro lustro do XVI era zona de muito resgate. Os portugueses levavam para lá cavalos, lenços e panos vermelhos, com que adquiriam escravos e algodão indígena, bem como gatos-de-algália; de igual modo levavam para lá ferro, por ser de elevado preço neste mercado. Na Corte do Casamansa residiam mercadores portugueses.

Desconhecemos igualmente qual a data em que os portugueses principiaram a traficar com os Mandingas e os Banhuns do rio de S. Domingos (Cacheu); deve ter sido à volta de 1456. Segundo Münzer, encontraram aqui malagueta, algodão e marfim. Na transição do século XV para o XVI havia muito resgate, residindo aqui mercadores cristãos, junto do Farimbraço (régulo de Braço). É região de frequentes e concorridas feiras. No interior do regulado de Farimbraço, resgatavam-se cavalos contra escravos. Aqui e no litoral os portugueses adquiriam algália e algodão (são principalmente os colonos do arquipélago de Cabo Verde a vir comprá-lo). Também há muito mel e cera.

A algália era ainda mais abundante no estreito de Catarina, onde aliás se obtinham as mesmas mercadorias que no rio Cacheu.

Em 1456, Diogo Gomes conseguiu entabular comércio com os Gogolis e Biafares do rio Geba, trazendo consigo malagueta, algodão e marfim. Mas só relativamente ao período de 1490-1505 dispomos de informações pormenorizadas. Os portugueses trocavam um cavalo, ainda que não fosse bom, por seis ou sete escravos. Do coração do império de Mali chegava ao Geba ouro, de que os cristãos conseguiam pequena porção, contra panos vermelhos, lenços e alaquecas; para Portugal ainda vinha ouro, e para lá seguiam estanho, contas e manilhas. No rio Biguba o resgate era idêntico.

Francisco Martins arrematou o comércio dos rios de Guiné, com exclusão do Gâmbia (arrendado a outro) e do Senegal (objeto de contrato à parte), até à Serra Leoa, durante o período de três anos que vai de S. João de 1509 a igual dia de 1512, pela quantia de 2 753 240 reais (com 1%) quer dizer, 917 746 reais por ano.

Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011)

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26969: Notas de leitura (1815): Guiné - Os Oficiais Milicianos e o 25 de Abril; Âncora Editora, 2024 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26983: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942-1965), sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/1966) - Parte III: notícia do funeral no jornal da terra, "Alvorada" (de 23/5/1965)




Recorte de imprensa: notícia, que o Luís Graça  elaborou (tinha então  18 anos...) sobre  o funeral do sold apont morteiro José António Canoa Nogueira, de resto seu primo em 3º grau. Foi o primeiro lourinhanense a morrer,, em combate, no TO da Guiné, em Cufar, na madrugada de 23 de janeiro de 1965 (e não em Ganjola, como foi publicado  há 60 anos).

Fonte: Alvorada. (Lourinhã). 23 de maio de 1965


Foto (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. Continuamos a reproduzir, com a devida vénia,  alguns excertos  livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 165/167


(...) 4. Notas à margem do processo:   notícias e testemunhos


Transcrevo um testemunho acerca da morte do soldado José António Canoa Nogueira, do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (Poste P14858, de 10 de juho de 2015). O testemunho é de João Sacôto, ex-alf mil inf CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, ilha do Como e Cachil, 1964/66, que em correspondência com Luís Graça escreve:

(...) “Quanto ao teu primo José António Canoa Nogueira, natural de Lourinhã, soldado do pelotão de morteiros 942, CCAÇ 619, com sede em Catió, que tinha por alcunha o 'Bombarral' e que era muito amigo de um soldado do meu pelotão, o João Fernandes Almeida, de alcunha o 'Lourinhã', não morreu em Ganjola, mas sim, em combate, numa das operações para instalar as NT em Cufar,  da qual também fiz parte (CCAÇ 617) numa altura em que, estando a municiar um morteiro, saiu do abrigo para ir buscar granadas, foi atingido, na cabeça, por estilhaços de granada do IN. Ainda foi evacuado por helicóptero, mas infelizmente, não sobreviveu aos ferimentos”. (...)

Na verdade, este testemunho do alferes Sacôto coincide com o teor da participação do comandante de companhia (a CCAÇ 619) sobre o local e causas da morte do soldado Canoa.

Transcrevo, também, a notícia local no jornal "Alvorada" de 23/05/1965, da autoria de Luís Graça (...), aquando do funeral do soldado José António Canoa Nogueira, intitulado, “Os restos mortais de José António jazem finalmente na sua Terra Natal”:

(...) “Depois de transportados da Guiné para a metrópole a expensas dos seus companheiros de companhia que lhe votavam particular estima e amizade, os restos mortais do soldado José António Canoa Nogueira repousam finalmente no cemitério da sua Terra Natal.

O funeral, realizado no segundo domingo do corrente, constituiu uma homenagem pública à memória daquele de cuja presença e convívio a morte irremediavelmente nos separou, e um testemunho de apreço pelo sacrifício da sua vida. Nele se incorporaram, além da multidão anónima e inumerável, o senhor Presidente do Concelho, outras autoridades civis e militares e os bombeiros voluntários.

À chegada do autofúnebre militar, com a urna, os clarins dos Soldados da Paz tocaram a silêncio. E o préstito atravessou a Vila, sob uma impressionante atmosfera de recolhimento e dor.

Antes da urna ser depositada no jazigo, os Bombeiros tocaram em continência, num último adeus e derradeiro tributo de homenagem ao soldado e Jovem Lourinhanense”. (Poste P6509, de 1 de junho de 2010).

Luís Graça, no seu blogue, a propósito da notícia da morte deste soldado, escreve o seu testemunho acerca do ambiente de dor, de luto, emoção, medo e estupefação por si experienciados:

“(…) o funeral de Nogueira, 4 meses depois (em maio de 1965), foi uma impressionante manifestação de dor. Lembro-me da urna, selada, em chumbo. Dos soldados fardados e aprumados, vindos de Mafra, da Escola Prática de Infantaria. Da salva de tiros. Do luto carregado. Da emoção no ar. De uma família destroçada. De uma comunidade comovida. Dos boatos. “Se calhar o caixão vem cheio de pedras”. Da estupefação e do medo dos mancebos que estavam na lista para a tropa, como eu. Lembro-me sobretudo do silêncio do cemitério. Do calor, abrasador, do dia.” (...)

Também sobre a questão da solidariedade dos camaradas de companhia, que se cotisavam para enviar os restos mortais dos colegas para a metrópole, num tempo em que o Estado não assegurava a trasladação dos corpos, Luís Graça escreve:


(...) “Um facto desconhecido e insólito para mim, mas ao tempo revelador da grande solidariedade entre os camaradas de guerra, na época os restos mortais dos nossos soldados não eram embarcados para a Metrópole a expensas do Estado. No caso do Nogueira, foram os seus camaradas (do pelotão de morteiros e possivelmente também do batalhão) que se cotizaram para pagar, do seu bolso, o transporte via marítima da urna… (E, se calhar, a própria urna).


Creio que custava, o transporte por via marítima, qualquer coisa como 11 contos (equivalente hoje a mais de 5 mil  euros…) o que era muito dinheiro para a época. " (...)
 
 Luís Graça refere, ainda, a propósito da notícia e comentários acerca do funeral do Canoa e da publicação da sua carta endereçado ao diretor, escrita 13 dias antes de morrer (...), lembra que a Censura  escreveu ao Diretor do "Alvorada" interrogando-o acerca do motivo pelo qual o jornal não continuava a ir à censura:

“(…) não sei se foi depois disso (da notícia do funeral e dos meus comentários) que o diretor, padre António Escudeiro, recebeu um ofício do Ministério do Interior a perguntar porque é que o jornal já não ia à censura há mais de um ano. Duas linhas, secas, burocráticas, impessoais. Em baixo, ocupando mais de metade da folha, a assinatura, em letra garrafal, mas arrogante e intimidatória que eu jamais vi em toda a minha vida. (Se o fascismo alguma vez existiu na minha Terra, na nossa Terra, então essa assinatura do censor-mor, ou de alguém dos seus esbirros era fascismo, puro e duro)”. (...)

  

O jornal publicava também, a seguir à notícia, uma carta, datada de 10 de Janeiro, endereçada ao director, e que fazia parte do  espólio do malogrado José António  (o jornal não chegara a recebê-la, fora entregue ao Luís Graça pelo pai).(A carta voltará a ser transcrita no livro "Não esqueceremos"..., na pág, 119). 
 

2. Um domingo do mato | por José António Canoa Nogueira

Aqui, Ganjolá, Guiné, 10-1-1965

Mesmo no sul da Guiné, pequeno destacamento militar presta continência à Bandeira Verde-Rubra que sobre o mastro fica brilhando ao sol. E que linda que é a nossa bandeira; e é tão alegre, tão garrida, só olhá-la nos faz sentir alegria e também emoção; alegria de sermos portugueses e emoção por estarmos cá longe para a defender. Embora assim perdida no mato, a bandeira, brilhando, afirma que aqui também é Portugal.

Em volta, meia dúzia de barracas verdes, o nosso aquartelamento, a única nota de civilização nesta imensa planície. 

Muito ao longe, quase perdidas no mato e no capim, algumas palhotas indígenas; de resto, tudo é solidão. Somos soldados de Infantaria e por isso o nosso trabalho é fazer operações em qualquer parte do mato.

Aqui não há escolas e as igrejas não têm paredes; o teto é o céu. Em toda a parte se reza e tudo nos incita à oração. Deus está em toda a parte e ouve-nos.

Hoje é domingo, dia de descanso, não se trabalha, mas distracções também não há. Alguns vão à pesca ou à caça; outros, deitados debaixo das enormes árvores, dormem e pensam nas suas terras e famílias distantes, mas pertinho do coração. 

Como são diferentes aqui os divertimentos nos domingos.

Dois soldados vão todos os dias à caça; por isso, fome não há. Temos carne com abundância, mas falta tanta coisa!... 

Ei-los que chegam com tenros cabritos e gazelas e logo enorme fogueira crepita alegremente. Esfolam-se os animais e lava-se a carne; a água não falta, embora para se beber seja preciso enorme cuidado. Prepara-se um espeto para se assar a carne. Espalha-se então o cheiro da carne assada pelo pequeno acampamento. Está a refeição preparada; troncos de árvores, caixotes vazios, servem de mesa e de cadeiras.

Todos se servem. A refeição é pouco variada: apenas carne assada e pão. O vinho também é pouco, mas dividido irmãmente dá para todos; que bem que sabe uma pinguita com este almoço!...

Bebi-se mais mas não há, paciência… O improvisado cozinheiro faz enormes quantidades de café. Todos enchemos os copos de alumínio e bebemos alegremente. Acaba a refeição; por fim, alguns macacos, meio domesticados, que por aqui andam, aproximam-se e reclamam a sua parte.

É assim um domingo no mato. Depois de explanar esta ideia, termino. Despeço-me com o mais ardente desejo de a todos vós abraçar brevemente, fazendo preces ao Senhor para que tenhais saúde e boa sorte. 

Vosso amigo que respeitosamente se subscreve, todo vosso.

José António Canoa Nogueira.
Soldado nº 2955/63
SPM 2058
.

(Revisão / fixação de trexfo: LG)







Lourinhã > Cemitério local > 6 de maio de 2012 > Lápide funerária referente ao José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro militar lourinhanense a morrer em terras da Guiné, em 23/1/1965... Era sold ap mort Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). 

 Os seus restos mortais estão em jazigo de família, não no  talhão criado entretanto para os antigos combatentes (I Guerra Mnudial e Guerra Colonial). 

Fotos (e legenda) : © Luís Graça  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


30 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26968: Seis jovens lourinhanenses mortos no CTIG (Jaime Silva / Luís Graça) (1): José António Canoa Nogueira (1942- 1965) (sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619, Catió, 1964/ 1966) - Parte II: o Manuel Luís Lomba estava lá, em Cufar, em 23 de janeiro de 1965

Guiné 61/74 - P26982: (in)citações (275): Jorge Ferreira, "um dos nossos mais velhos"... "Jorge, até aos 100 é sempre em frente!... É só preciso ter cuidado com as minas e armadilhas!... E um dia Buruntuma ainda será grande!" (Luís Graça)


1. O Jorge Ferreira faz hoje 87 aninhos! É da colheita de 1938... É capaz de ser "um dos nossos mais velhos", a par do António Rosinha, do George Freire, do Mário Arada  Pinheiro , do Alberto Nascimento (cito de cor) ...  Falo dos nossos grão-tabanqueiros que ainda continuam ativos, saudáveis, produtivos e proativos!...  Enfim, o Jorge é uma figura sempre presente na Magnífica Tabanca da Linha e, de vez em quando, telefonamo-nos. E na Tabanca Grande a idade é um posto. 

Tenho por ele uma grande estima e carinho. É um vê-cè-cê, um veteraníssimo, ainda do tempo da farda amarela, que honra a nossa Tabanca Grande. E merece, hoje, um destaque especial.

Tive o privilégio de o apresentar à Tabanca Grande em 19/9/2016 nestes termos (**):

(...) o Jorge, veteraníssimo camarada que esteve um ano em Buruntuma, entre novembro de 1961 e julho de 1962, quando ainda a guerra não tinha começado oficialmente, tem um livro lindíssimo sobre aquela terra e as suas gentes que ficaram no nosso coração (...)

Conhecemo-nos há dias, pessoalmente, embora já desde meados de junho que temos vindo a falar ao telefone. (...)

Eu e o Jorge Ferreira, que mora no concelho de Oeiras, para além da Guiné, temos várias coisas em comum: 

(i) a frequência do ISCSP - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, onde ele se licenciou depois de ter vindo da Guiné, (e onde eu frequentei o 1º ano da licenciatura em ciências sociais, em 1975/76, na mesma altura em que lá esteve o cap cav Salgueiro Maia); 

(ii) vários amigos do Instituto de Informática do Ministério das Finanças e da DGOA - Direção Geral de Organização Administrativa);

(iii) a paixão pela fotografia, etc...

 Trabalhou, depois do regresso, em maio de 1963, da Guiné , nos serviços mecanográficos do exército até 1972 onde teve, entre outros, como colega o Manuel Barão da Cunha, conhecido escritor da guerra de África, bem como o seu irmão Francisco.

O Jorge [da Silva] Ferreira, que passa a ser o nº grã-tabanqueiro nº 728 , tem um blogue de fotografia que merece ser divulgado e conhecido. 

 É um homem culto e viajado. e que cultiva a memória. No seu blogue, diz com modéstia que não é "um fotógrafo profissional nem mesmo um amador". Descreve-se apenas como um" caçador de imagens" (...) "que desde muito jovem se sentiu atraído pela fotografia, passando a fazer parte do [seu] quotidiano". 

Retomou a fotografia depois de enviuvar há 5 anos, fazendo do seu blogue também uma tocante homenagem à sua companheira de uma vida, Gabriela, e mãe do seu filho  (...)

2. Em plena pandemia, há 5 anos atrás, quando estávamos a olhar o mundo através do vidro embaciado da janela, trancados em casa, à espera que o pesadelo da pandemia de covid-19 passasse, escrevi ao Jorge as seguintes quadras (estava "desenfiado" na Quinta de Candoz, a quase 400 km do meu poiso habitual). É uma forma de lembrar quão resistentes, afinal, temos sabido ser,  e graças também ao nosso humor, às nossas tabancas, às nossas tertúlias (físicas e virtuais)...

Reitero os votos que sempre lhe faço, desde que nos encontrámos, em 2016: Jorge, até aos 100 é sempre em frente!... Cuidado com as minas e armadilhas!... E um dia Buruntuma ainda será grande!" (***)


Ao Jorge Ferreira (e aos demais aniversariantes da nossa Tabanca Grande que foram obrigados a cantar "os parabéns a você", sozinhos em casa):


Amigo Jorge Ferreira,
És dos nossos veteranos,
Mas não caias na asneira,
De dizer que fazes anos.

Não há copos p’ra celebrar,
Nem na Tabanca da Linha,
Mas logo que a crise passar,
Abre o Resende a cozinha.

Em Buruntuma, as bajudas
Foram todas retratadas,
Fossem belas ou feiudas,
Solteirinhas ou casadas.

Desse tempo tens saudade,
Até marcos tu puseste,
Não te pesava a idade,
Grande alfero lá do Leste.

Retificaste a fronteira
C’o a Guiné-Conacri,
E juraste p’la bandeira:
 “Sou eu quem manda aqui”.

Saia um  peixinho da bolanha,
Feito à maneira, no forno,
Quem não tinha arte e manha,
Apanhava com um corno.

Paludismo, hepatite,
E até bilharziose,
Não faltava o apetite,
Cada um c’o sua dose.

De Paunca até Pirada,
Do Gabu até Bolama,
Não me queixo, camarada,
Dormi no mato e na cama.

Tive farda de caqui,
E chapéu colonial,
Mas só de amores morri
Pl' aquela terra, afinal.

Convivi com  o Sané,
Senhor de Canquelifá,
Percorri meia Guiné,
Fiz amigos como os de cá.

Em resorts de muitas estrelas,
Deixei pedaços de mim,
Não me lembro das caravelas,
Mas a história foi assim.

Buruntuma, hás de ser grande,
Não importa em que ano ou dia,
Seja o povo quem mais mande,
Em passando a pandemia.

Hoje o Jorge é menininho,
Vai ter ronco na tabanca,
Toda a gente, preta ou branca,
Lhe vai dar um miminho.

Luís Graça, 
Tabanca de Candoz, 4 de julho de 2020 (****)
___________

Notas do editor LG:

(****) Vd. poste de 4 de julho de 2020 > Guiné 61/74- P21140: E as nossas palmas vão para... (20): o veteraníssimo Jorge Ferreira, que hoje faz anos, e foi o etnofotógrafo da Buruntuma de 1961/63 que não existe mais...

Guiné 61/74 - P26981: Diálogos com a IA (Inteligència Artificial) (5) : a origem da expressão "Filhos do Vento" (="Filhos de Tuga") e a "paternidade" do José Saúde




21 "filhos do vento" ou "fidju di tuga" (10 homens, 11 mulheres), membros da associação "Fidju di Tuga", criada em 2013 (com a ajuda da jornalista e escritora Catarina Gomes)

Fotogramas: Filhos de Tuga > Ao Pai Desconhecido | Episódio 1 de 3 | Duração: 52 min | RTP 1 | Episódio 1 | 02 Jul 2025 (realização: João Gomes e Catarina Gomes, 2025) (*)

 (Cortesia de  RTP > Programas TV)

Edição de imagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


(...) A Associação Fidju di Tuga/Filho de Tuga-Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes na Guiné-Bissau foi criada em 2013 para representar os chamados Fidju di Tuga, expressão que traduzida do crioulo significa Filho de Tuga, e que durante todas as nossas vidas foi usada para nos designar/ insultar na Guiné-Bissau.

Somos filhos de ex-combatentes portugueses que estiveram na Guiné-Bissau durante a guerra colonial/guerra da libertação e que tiveram filhos com mulheres guineenses e os deixaram para trás. Muitos de nós até hoje apenas sabem os apelidos e patentes dos nossos pais, dados incompletos que não nos permitiram saber quem é nosso pai português e tentar entrar em contacto com ele.

Criámos esta associação para representar todos estes filhos que ficaram. Somos actualmente cerca de meia centena de membros, apenas em Bissau. Estimamos que existam pelo menos meio milhar de "filhos de tuga" espalhados pelo país, todos nascidos durante os anos da guerra ou no ano imediatamente a seguir ao regresso definitivo das tropas portuguesas.

Os nossos pais estiveram na Guiné-Bissau ao serviço do Estado Português. Os abaixo-assinados vêm por este meio pedir o reconhecimento do seu legítimo direito à nacionalidade portuguesa como filhos de pais portugueses, solicitando que a sua causa seja debatida no Parlamento português. (...)

 

I. Perguntámos à IA (Inteligêrncia Artificial) qual a origem da Expressão "Filhos do Vento" ? (**)

(i) Resposta do ChatGPT:

A expressão "filhos do vento" tem origens e significados variados, dependendo do contexto cultural, histórico e simbólico em que é usada. Aqui estão algumas das principais origens e interpretações:

1. Origem Poética e Simbólica

A expressão "filhos do vento" é frequentemente usada de forma metafórica ou poética para descrever pessoas ou seres associados à liberdade, velocidade, evasão, natureza ou espiritualidade.

"Vento" simboliza o que é invisível, livre, incontrolável e poderoso, e "filhos do vento" seriam aqueles que compartilham essas qualidades. Pode referir-se a espíritos livres, nómadas, viajantes, povos indígenas, ou mesmo animais velozes.

2. Ciganos e Povos Nómadas

Em algumas culturas, "filhos do vento" é uma expressão associada ao povo cigano, por causa de sua vida nômade e da forma como se movem livremente pelo mundo.

O termo expressa tanto a admiração pela liberdade do estilo de vida quanto, por vezes, um olhar romântico ou exótico sobre esses povos.


II. E no contexto da guerra colonial na África Portuguesa, nos anos 60/70 ?

(ii) Geminia IA / Google:

A expressão "filhos do vento" em blogues sobre a Guerra Colonial Portuguesa em África refere-se às crianças nascidas de pais militares portugueses e mães africanas durante o conflito.

O termo evoca a ideia de que essas crianças eram, de certa forma, "levadas pelo vento", ou seja, deixadas para trás, muitas vezes sem o reconhecimento paterno ou o suporte dos seus pais biológicos após o fim da guerra e o regresso dos militares a Portugal.

É uma expressão que sublinha o abandono, a falta de raízes e a identidade complexa que muitas dessas crianças enfrentaram, sendo muitas vezes estigmatizadas ou tendo dificuldades em serem integradas tanto na sociedade africana quanto na portuguesa.

Essa expressão tornou-se mais conhecida, por exemplo, com a obra "Furriel Não É Nome de Pai",  de Catarina Gomes, que explora precisamente as histórias e o destino dessas crianças.

É importante notar que, em outros contextos, "filhos do vento" também é uma expressão usada para se referir ao povo cigano, devido ao seu estilo de vida tradicionalmente nómada e livre. No entanto, no contexto da Guerra Colonial, o significado é específico e está ligado ao legado humano do conflito.


III. O que quer dizer a expressão "filhos do vento", ou também "fidju di tuga", usada por exemplo em blogues como "Luís Graça & Camaradas da Guiné" ?


(iii) ChatGPT:

A expressão "filhos do vento" ou "fidju di tuga" (em crioulo guineense, literalmente "filho do português") tem um significado simbólico e histórico profundo, especialmente em contextos relacionados com a Guerra Colonial Portuguesa e os seus desdobramentos sociais, culturais e identitários.

1. "Filhos do vento"

Esta expressão é usada para se referir a indivíduos, muitas vezes mestiços ou filhos de soldados portugueses com mulheres locais (guineenses, angolanas, moçambicanas, etc.), nascidos durante ou após o período da Guerra Colonial (1961–1974). 

O termo "vento" sugere algo efémero, transitório ou invisível — como se essas pessoas fossem o resultado de encontros passageiros ou relações informais durante o tempo da guerra.

Conotações:
  • Pessoas sem paternidade reconhecida oficialmente.
  • Crianças deixadas para trás por soldados portugueses ao regressarem a Portugal.
  • Vidas marcadas por um certo abandono ou ausência de raízes claras.

2. "Fidju di tuga"

Em crioulo guineense: "Fidju" = filho | "di" = de | "Tuga" = português (forma informal, muitas vezes usada para referir-se ao colonizador)

Este termo pode ser usado de forma neutra ou afetiva para designar:

  • Filhos de portugueses com mulheres guineenses;
  • Pessoas mestiças, vistas como pertencentes a dois mundos (o africano e o europeu);
  • Às vezes também tem uma carga crítica ou irónica, dependendo do contexto.

No contexto do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné":

Este blogue é mantido por ex-combatentes da Guiné e muitos dos textos são memórias pessoais, reflexões sobre a guerra, e histórias humanas. Nesses textos, "filhos do vento" são frequentemente mencionados com um tom nostálgico ou reflexivo, abordando o legado humano da presença portuguesa em África, sobretudo as ligações afetivas que deixaram marcas profundas, tanto nos soldados como nas populações locais. (...
)
 

IV.  O escritor e antigo combatente José Saúde ("Um ranger na guerra colonial", Edições Colibri, Lisboa, 2020) reivindica a "paternidade" da expressão. Certo ?

(iv) ChatGPT:

Sim, está certo: o próprio José Saúde — ex‑furriel na Guiné e autor de Um ranger na guerra colonial — reivindica a paternidade da expressão “filhos do vento”. 

Foi ele quem, num post no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, pela primeira vez, em 2011,  utilizou essa metáfora para designar os filhos nascidos de relações fugazes entre militares portugueses e mulheres guineenses, e que ficaram na Guiné sem pai identificado após o regresso dos soldados a Portugal (...)

Nesse post, Saúde lançou o tema ao desafiar os camaradas a partilharem relatos:

“Camaradas: quantas crianças mestiças, cuja paternidade era imputada a militares, 'tugas'… vocês conheceram…?” (...) 

Outros ex‑combatentes começaram a usar a expressão “filhos do vento” e reconheceram que ela surgira exatamente da iniciativa de Saúde .

Assim, de facto, José Saúde é considerado o criador do termo, e não apenas um dos que o popularizou.



(v) Gemini IA / Google:

É um facto que José Saúde, autor do livro "Um ranger na guerra colonial", é uma figura proeminente na discussão sobre os "filhos do vento" e reivindica ter sido o primeiro a utilizar e divulgar essa expressão para se referir às crianças nascidas durante a Guerra Colonial Portuguesa, fruto das relações entre militares portugueses e mulheres africanas.

Em vários blogues e publicações sobre o tema (...),  é possível encontrar referências onde se agradece a José Saúde por ter cunhado ou popularizado a expressão "filhos do vento", reconhecendo o seu papel na visibilidade desta questão. A sua contribuição foi fundamental para trazer à tona este aspeto sensível e muitas vezes silenciado do legado da Guerra Colonial.

A expressão "filhos do vento" ("fidju di tuga" é outra designação comum, usada pelos próprios e que carrega o estigma da sua origem) capta a essência da situação dessas crianças: a sua condição de terem sido, muitas vezes, deixadas para trás, sem o reconhecimento do pai e sem um lugar social definido, vivendo num "limbo" identitário.


V. Blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné", queres tu dizer ?!


(vi) Gemini IA / Google

Sim, é precisamente esse blogue!

O blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" é uma referência importante e amplamente reconhecida para a memória da Guerra Colonial Portuguesa, especialmente no que diz respeito à Guiné-Bissau. Ele serve como um vasto arquivo de testemunhos, fotografias e discussões entre ex-combatentes, historiadores e interessados no tema.

Como pode ser visto nos resultados da pesquisa, o blogue tem um histórico de abordar a questão dos "Filhos do Vento" e faz menção a José Saúde, reconhecendo o seu contributo para a visibilidade deste assunto. É um espaço onde se partilham memórias, se promovem debates e se procura reconstituir o "puzzle" da experiência da guerra, incluindo os seus legados humanos e sociais.

É um recurso valioso para quem procura aprofundar o conhecimento sobre a Guerra Colonial e as suas diversas dimensões.



VI. Contrariamente ao que se passou na guerra do Vietname, relativamente às "dust children", em Portual náo existem estimativas sobre o número de crianças nascidas de relações, fora do casamento,  entre militares portugueses e mulheres africanas (angolanas, guineenses, moçambicanas) durante a guerra colonial (1961/75)... Porquè ?


(vii) ChatGPT:

Essa questão é muito pertinente e toca em temas sensíveis da história recente portuguesa. A ausência de estimativas sobre o número de crianças nascidas de relações entre militares portugueses e mulheres africanas durante a guerra colonial (1961–1975) pode ser explicada por vários fatores, tanto políticos como sociais e culturais.

Aqui estão algumas das razões mais relevantes:
 
1. Silêncio e negação pós-colonial

Após o fim da guerra colonial e a descolonização (1975), Portugal passou por um processo de transição política (Revolução dos Cravos) que tentou, em grande parte, “virar a página” da era colonial. Este desejo coletivo de esquecer ou silenciar o passado contribuiu para que muitos temas, como estas relações e as crianças delas resultantes, não fossem alvo de estudo nem debate público.

2. Estigma e discriminação

As crianças mestiças (ou "filhos da guerra") muitas vezes enfrentaram discriminação nas sociedades africanas e portuguesa. Em muitos casos, essas crianças foram marginalizadas ou não reconhecidas pelos pais portugueses, o que contribuiu para o apagamento da sua existência oficial.

3. Falta de registos oficiais

As relações entre militares e mulheres locais, muitas vezes casuais ou não institucionalizadas, raramente eram registadas oficialmente. Mesmo quando havia reconhecimento, este nem sempre se traduzia em registos civis. Sem dados oficiais, torna-se muito difícil fazer estimativas fiáveis.

4. Diferenças de contexto em relação ao Vietname

Nos EUA, o caso das “dust children” ou "Amerasians" foi muito mediatizado, e houve até programas de repatriação. Isso nunca aconteceu em Portugal, onde não houve pressão internacional ou movimentos sociais significativos para o reconhecimento ou proteção destas crianças.

5. Falta de investigação académica

Só mais recentemente a historiografia portuguesa começou a olhar com mais atenção para a dimensão humana e social da guerra colonial. O foco esteve durante décadas mais centrado em aspetos militares, políticos ou estratégicos.

Apesar desta invisibilidade, há um crescente interesse académico e social em Portugal sobre estas memórias silenciadas. A recuperação destas histórias é essencial para compreender o impacto humano da guerra colonial. (..:)


 
VII. Dz-me algumas fontes


(viii) ChatGPT:

 (...) Em síntese

Estima-se que existam centenas — talvez milhares — de crianças nascidas de relações entre militares e mulheres africanas, mas não há dados oficiais nem registos sistemáticos .

O tema foi documentado no jornalismo (como por Catarina Gomes) e em projetos académicos (CES-UC).

A maioria das fontes enfatiza o silêncio institucional, o estigma social e a falta de reconhecimento legal.


(Pesquisa, seleção, revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)
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Notas do editor:

(*) ´Vd. poste de 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26972: Agenda cultural (892): "Filhos de tuga": documentário em três episódios, com a duração de 52 minutos cada: começa amanhã na RTP1, às 22:29