terça-feira, 3 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3975: Sr. jornalista da Visão, nós todos somos combatentes, não assassinos (12): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381

1. Mensagem de José Teixeira(*), ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70, com data de 26 de Fevereiro de 2009:

Camaradas amigos
Junto mais um texto, escrito com o coração nas mãos, a sangrar de revolta. Chamem-me tudo, menos assassino e . . . já que procuram esquecer-me como filho da Pátria a quem dei o melhor da minha vida - a minha juventude, ao menos respeitem a minha velhice e deixem-me acabar os dias que Deus me vai conceder em paz e sossego.

Mando também uma foto minha mais actualizada, pois a idade não perdoa.

Um fraterno abraço para todos os camaradas

José Teixeira


Aquele abraço grande Vasco

A tua revolta é a minha revolta(**). É a revolta de todos nós. Todos aqueles que sofreram na carne e no espírito, uma guerra que na sua grande maioria, se não todos, não queriam fazer. O sangue que eu vi derramar, de brancos e africanos guineenses. Os mortos, cuja vida vi fugir, como enfermeiro feito às três pancadas em quatro meses, sem soluções, no meio da mesma selva por onde andaste uns anos depois.

Os gritos de dor dos que ficaram feridos e estropiados. As lágrimas que vi escorrer pelas faces dos homens meus camaradas e de mim mesmo pelo desespero de não os conseguir "safar". As lágrimas das mães que temiam pela vida das suas crianças. Ah aquela mãe em Buba que viu a sua bebé morrer carbonizada! A angústia sentida nas picadas de Buba, nas picadas de Gandembel, nas picadas de Mampatá e Chamarra, pelo perigo de emboscadas, muito bem montadas por um adversário que nos gritava:

- Tuga, vai para a tua terra - e nos deixava mensagens do mesmo teor. O acordar sobressaltado altas horas da noite, pelo despertar prematuro provocado pela a primeira “saída” dos canhões do inimigo, nas suas investidas nocturnas sobre o Tuga a convidá-lo a partir e deixar a Guiné em paz. Um pequeno atraso, foi fatal para o meu amigo Conceição Caixeiro. Quantas corridas para a vala, salva vidas, ou abrigo, de dia ou de noite para aguentar, enquanto os camaradas da frente se batiam com garra e destemor pela sua vida, a vida das populações que carinhosamente nos recebiam e a de todos nós. Os buracos onde tive de viver para tentar salvar a pele.




Não consigo apagar estas cenas vividas e sentidas da minha memória, apesar das grandes alegrias vividas nos meus regressos recentes àquelas martirizadas terras, com a recepção das pessoas que passados quarenta anos me reconheceram, me chamaram pelo nome e se penduraram no meu pescoço para extravasarmos a alegria de um retorno em paz.



O abraço a antigos inimigos que se bateram comigo, do outro lado da barreira em situações algumas delas localizadas na data e no terreno, para como que a pedir desculpa, pedir o tal abraço e chamar “tu ermom de mim”. Sentir mágoa e dor nas suas palavras quando, um deles me pergunta se passei o campo de minas onde morreram seis camaradas da CCaç 2317 entre Chamarra e Ponte Balana (foram cerca de setenta) e depois me diz:
- Eu era sapador e fui um dos que as montei





Senti sim uma grande paz interior, porque estas reacções espontâneas que ainda hoje fazem eco na minha vida e se repetem nos telefonemas que continuo a receber (ainda na semana passada a minha "lavandera" me telefonou para saber se eu estava bem e partir mantanhas.



Não aceito. Não posso aceitar que alguém tente passar uma esponja por tudo isto que eu, tu, nós, e, tantos foram, vivemos, forçados por um sistema político ultrapassado na época, através de escritos estropiados da verdade dos factos, ou mesmo inventados por máquinas informativas que não pretendem senão calar-nos e provocar nas gerações vindouras, uma visão errada das estóicas realidades vividas, por todos nós.



Obrigado Luís e tantos outros camaradas que ousaram criar condições para podermos falar, escrever, passar à história a verdade dos factos. A verdade de quem sentiu e viveu.

Não podemos calar. Temos de gritar bem alto o que sentimos e demonstrar a esses atrasados mentais, os que não são capazes ou não querem ver e os que se servem da pena para escrever baboseiras, que a realidade foi outra, a nossa, a que nós vivemos e sentimos. As lágrimas, o suor e o sangue que lá deixamos e . . . mostrar também os seus frutos. A vontade cada vez maior e em mais quantidade de voltarmos, agora voluntários, para rever, reviver e alimentar as amizades que lá deixamos, na população. E não vamos de arma na mão bolsos vazios e coração a sofrer, como da primeira vez. Procuramos levar-lhes para além do carinho e amizade, um pouco de nós mesmos. Os contentores vão cheios com um pouco de cada um de nós, dos nossos amigos, para lá ficar e resolver situações de vida e de miséria, numa terra inóspita e agreste que pouco dá aos seus habitantes e que os sistemas políticos portugueses de outrora, pouco se preocuparam em dar às suas populações as condições de cultura que lhes permitisse tirar o melhor rendimento. O importante era “sacar” a pouca riqueza pela exploração de mão de obra barata.

Vasco, Vascos, Zés Maneis, Joaquins... aquele abraço.
Zé Teixeira
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3791: Estórias do Zé Teixeira (34): O El Gonzalez (José Teixeira)

(**) Vd. poste de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3939: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (1): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74

Vd. último poste da série de 3 de Março > Guiné 63/74 - P3969: Sr. Jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (11): Jorge Picado, Manuel Reis, Luís Dias

1 comentário:

Anónimo disse...

Meu caro Zé Teixeira,
Meu bom Amigo,
Aqui te deixo um abraço, aproveitando para te dizer que os mails que te envio são recusados.Queres ter a bondade de mo reenviar?
Acabei de receber, de um Tigre que vive em Espanha desde que regressou da Guiné,uma foto aérea de Aldeia Formosa que contigo queria compartilhar.
Vasco