segunda-feira, 4 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4280: No 25 de Abril eu estava em... (9): RI 15, Tomar, à espera de ir para a Guiné (Magalhães Ribeiro)

Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, da CCS/BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá (1974), que recentemente entrou para o grupo de editores deste Blogue.

Nasceu no dia 27 de Março de 1952, no concelho de Matosinhos. Seguiu para a Guiné, em 1974, já depois do 25 de Abril, tendo regressado em 15 de Outubro do mesmo ano, na última viagem, com tropas, do navio Uíge.

Vive e trabalha no Porto (Departamento de Manutenção Mecânica da Produção Hidráulica, EDP). Actualmente é Vice-Presidente da Delegação do Porto da APVG (Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra) e pertence aos Corpos Directivos da AOE (Associação de Operações Especiais) e da LAMMP (Liga dos Amigos do Museu Militar do Porto).

Estandarte e Brasão do BCAÇ 4612/74. Divisa: Dignos e Leais. Ao centro, Estandarte do RI 15 de Tomar. Divisa: Conduta Brava e em Tudo Distinta


1. O Eduardo, desde o fim do mês de Abril, é co-editor do nosso Blogue. O eterno Pira de Mansoa é periquito na idade, na Guiné e no grupo dos editores. Temos que lhe arranjar um poleiro na Tabanca.

A sua colaboração vai ser muito importante, dada a necessidade que tínhamos de mais alguém para nos ajudar a levar a cabo este trabalho diário, muito desgastante.

Se virmos as estatísticas do mês de Abril, verificamos que foram publicados 149 postes, distribuídos do seguinte modo: Luís Graça, 30; Vinhal, 117 e Eduardo 2. Vejam que há praticamente 5 postes publicados por dia, a que corresponde um trabalho de cerca de 4 horas. A juntar a isto há que responder às diversas solicitações nos bastidores da Tabanca.

Pelos motivos expostos, saudamos a chegada do Eduardo ao corpo editorial.
CV


2. Mensagem de E. Magalhães Ribeiro com data de 1 de Maio de 2009:

Boa noite amigos Luís, Vinhal e Briote,

Estive aqui a teclar uma carta que enviei ao meu Amigo e RANGER Raul Moreira da Silva Marques, em 27 ou 28 de Abril de 1974.

O Marques estava em Mansoa e pertencia à CCS do BCaç 4612/72.

Sempre vivemos os dois aqui no Porto, éramos da mesma Especialidade e o meu destino era substituí-lo, pertencendo eu à CCS do BCaç 4612/74.

Escusado será dizer que somos amicíssimos.

Infelizmente, o Marques está a recuperar, segundo me disse, relativamente bem, de vários problemas de saúde.

Espero que, com a colaboração da sua filha Elisa, o consiga convencer, mais dia menos dia, a tornar-se mais um camarada a juntar-se a nós no blogue.

Já temos um camarada bloguista - o Jorge Canhão -, do mesmo batalhão dele, mas que era da 3.ª Cia.

Penso que este texto é oportuno, dados os 35 anos que decorreram sobre a Revolução do dia 25 de Abril de 1974.

Já o disse, mais que uma vez e repito, que dado estar mobilizado para a Guiné desde no início do ano de 1974, e pelo modo como evoluia a guerra, achei o 25A74 um milagre.

Repara que eu já estva casado desde 05MAR72 e, entretanto fui pai de um puto maravilhoso em 04NOV73.

Muito resumidamente, penso que houve pelo menos duas hipóteses dos governos de Salazar e Ceatano terem resolvido pacificamente os problemas ultramarinos, evitando a mencionada revolução:

1 - deviam ter dado emprego aos africanos que acabavam os seus cursos superiores, pois foi uma maioria deles que, revoltada pelo ostracismo e rejeição a que foram votados, incentivou e deu vida aos movimentos de libertação;

2 - podiam ter pensado, já depois de iniciadas as hostilidades, na possibilidade de autodeterminação aos povos envolvidos através de eleições livres;

Isto é o que eu penso, pois com o avançar dos anos na guerra, como todos bem sabemos, até no armamento estávamos a ficar cada vez mais inferiorizados, com muito material desadequado e, ou obsoleto, muito dele proveniente da 2.ª Guerra Mundial, enquanto o inimigo ia recebendo armas cada vez mais modernas e eficazes (mísseis incluídos).

Uma das bocas que eu ouvi não raras vezes, em fins de 1973 e inícios de 1974, era que o nosso pessoal andava na Guiné a combater mísseis com G3.

Despeço-me com um abraço Amigo para vós do MR.

Fotos de contraste, para dar uma ideia dos efeitos físicos que a Guiné, me provocou. Uma antes da partida para a Guiné e outra já no regresso, na sala de estar, a bordo do Uíge.


Tomar, 27 de Abril de 1974

Amigo RANGER Marques,

Eu sei que a informação que vos chega aí a Mansoa sobre o que aqui se passa no Continente é praticamente nula e, ou, muito deturpada, por isso, vou-te descrever, resumidamente, os últimos acontecimentos.

GOLPE DE ANTEONTEM - 25 de ABRIL

No passado dia 25 de madrugada, decorreu aqui no Continente um golpe de Estado. Uma coluna militar, com carros blindados, da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia, acompanhado por 240 homens (a maioria recrutas com pouca experiência militar), avançou para Lisboa a fim de destituir o Primeiro Ministro - Marcelo Caetano -, que, na altura, se encontrava no Quartel do Carmo.

Assim se iniciou uma marcha revoltosa, que diziam envolver muita gente, mas o que é certo, é que quando a dita coluna chegou ao Terreiro do Paço, cerca das 05h30 da manhã, não estava lá mais ninguém.

Pelas últimas notícias, esta coluna, tinha como missão, ocupar ao Terreiro do Paço, controlar o Banco de Portugal, a Rádio Marconi e os acessos à Praça do Município, enquanto outros militares revoltosos tinham a seu cargo apoderar-se de outros pontos vitais em Lisboa como, a TV, rádios, PIDE, polícia, aeroporto, ministérios, etc.

É claro que este golpe foi previamente preparado, ao pormenor durante vários meses, entre um grupo de militares, muitos deles capitães, afirmando-se descontentes quanto ao modo como o país estava a ser governado e, fundamentalmente, em relação ao problema da Guerra que travamos em África.

Mas, muitos outros militares ignorantes deste movimento, continuavam, como é lógico, a serem fiéis à política adoptada, quer pelo falecido Salazar, quer posteriormente, quase na íntegra, seguida por Marcelo Caetano (MC).

Creio que o MC, não sabia de nada (ou muito pouco) sobre esta marcha sobre Lisboa.

Mais penso que ele, ainda escaldado pelos acontecimentos do 16 de Março, deste ano, com o pessoal do RI5, trazia alguns dos seus intervenientes sob a alçada da PIDE, e devia ter alguma informação, por muito dispersa e vaga que fosse, sobre alguns zuns zuns, que sempre escapam nos preparativos como o desta revolta.

Por isso, o MC devia estar a contar, mais dia menos dia, com uma nova tentativa de revolta militar.

Mas é fácil deduzir que ele pensava estar seguro e que, quando tal acontecesse sobre a sua pessoa e tudo o que o envolvia, e ele representava em Portugal, contaria nas horas decisivas com o socorro/combate suficiente, de muita gente que lhe era fiel, afim de dominar os seus protagonistas.

Foi isso mesmo que aconteceu, quando se apercebeu que estava em movimento mais uma revolta, MC apelou àqueles que lhe haviam jurado estarem do seu lado ou, pelo menos, ao lado da Pátria e a bem de Portugal.

Assim, correspondendo aos seus apelos, poucas horas depois o Brigadeiro Junqueira Reis acorreu ao Terreiro do Paço com um coluna, constituída por vários carros blindados, do Regimento de Cavalaria 7, cuja base é na Calçada da Ajuda. Nota bem que estes carros de combate eram de grande calibre e poder de fogo.

A certa altura deu-se o confronto, que eu imagino como sendo um duelo do tipo dos filmes americanos, tendo de um lado o Cap Salgueiro Maia e o seu pessoal, e do outro o Brigadeiro Junqueira Reis com os seu blindados e soldados.

Foram momentos de muita tensão e angústia, mas cruciais ao bom sucesso do golpe.

Apesar de outros momentos dramáticos que então se viveram, esta foi a resistência mais séria e perigosa colocada aos revoltosos, que podia ter redundado num banho de sangue.

Às tantas o brigadeiro ordenou seca e rispidamente a um dos seus homens que fizesse fogo sobre o Capitão Salgueiro Maia.

UM MILAGRE DEU-SE ENTÃO!

Foi o Alferes Miliciano Fernando Sottomayor, do RC7, que na Ribeira das Naus, desobedeceu, inequivocamente, às ordens do Brigadeiro Junqueira dos Reis para disparar sobre Salgueiro Maia e as suas tropas.

O Brigadeiro furioso, deu ordem de prisão ao Sottomayor e ordenou aos soldados que o rodeavam que disparassem, tendo-se também este recusado a disparar.

Então o Brigadeiro Junqueira dos Reis disparou dois tiros para o ar, tentando com esta atitude que alguém lhe seguisse o gesto e começasse a disparar.

Vendo que ninguém reagia às suas palavras e acções, abandonou o local e dirigiu-se para a rua do Arsenal.

ASSIM DESTA FORMA SE EVITOU O QUE PODERIA TER REDUNDADO UM HORRÍVEL E TRÁGICO BANHO DE SANGUE DE CONSEQUÊNCIAS IMPREVISÍVEIS!

Felizmente as coisas correram bem a esta malta que se envolveu nesta arriscada e imprevisível aventura.

2 HERÓIS

Digam o que disserem, escrevam o que escreverem, sobre a revolução do 25 de Abril de 1974, jamais mudarei de ideias sobre os dois Homens destemidos, que fizeram vingar a revolução.

Um, o Capitão Salgueiro Maia, porque deu corajosa e frontalmente, a cara e o peito desarmado como poucos homens o fariam neste mundo, e o Alferes Miliciano Fernando Sottomayor porque, como foi dito, desobedecendo a uma ordem superior, não disparou o tiro que podia ter originado o caos no país inteiro.

DEPOIS DISTO APARECERAM MUITOS HERÓIS

Posteriormente, ao descobrirem-se mais a fundo outros detalhes programados a cumprir entre o pessoal envolvido na revolução, soube-se que outros militares, que deviam estar em vários pontos cruciais antes da coluna do Capitão Salgueiro Maia chegaram muito depois, cumprindo as acções que tinham assumido pela sua parte, como prender os Ministros da Defesa, do Exército e da Informação e Turismo que, entretanto, ao saberem do movimento em curso, tiveram tempo para fugirem, pelas narrações que me chegaram, por um buraco que conseguiram abrir na parede de um pátio que, fazia paredes meias com o Ministério da Marinha.

Depois já se sabe o que aconteceu, por demais noticiado, surgiram e continuam a surgir muitos heróis a dizer que: - Eu estive lá, eu fiz, eu aconteci... etc. etc.

Entre as objectivas e simples declarações de um homem sério, justo e humano que considero ser Salgueiro Maia, uma jamais esquecerei, que se referia à memória dos seus homens (na flor da idade) a morrerem em combate no tarrafo, nas bolanhas e sob as minas na guerra da Guiné

NÓS EM TOMAR NO RI 15

Agora reina uma grande confusão e bandalheira, nós aqui no RI 15 (em Tomar), estivemos em estado de grande preocupação e angústia, porque durante os dias 25 e 26 a informação que nos chegava era escassa, confusa e até contraditória.

Durante a dia 25 recebemos ordem para nos armarmos e municiarmos todos e vimos as viaturas a saírem das garagens. Estava tudo preparado só não sabíamos para quê!

Chegavam notícias de Unidades que aderiam aos golpistas e outras não.

Aqui devem estar mais de 600 homens em armas, pessoal que já cumpriu a recruta e que neste momento está com 4 semanas de instrução na Especialidade de Atiradores de Infantaria.

Começou a constar (boato?), que o nosso comandante, se mantinha fiel ao Regime e não aderia ao entretanto designado MFA (Movimento das Forças Armadas) e, caso houvesse resistência aos revoltosos ele avançaria connosco para Lisboa em socorro do MC.

Ainda não consegui saber se isto foi verdade ou boato.

No dia 26, estava tudo resolvido, a bem, e afinal acabou por imperar o bom senso e, pelo menos, excluindo algumas saídas de secções (12 a 13 homens), para prender os PIDES, e efectuar algum controle em pontos vitais dos acessos a Tomar, nada de anormal me constou.

Até breve se Deus quiser, espero que isso por aí em Mansoa vá correndo pelo melhor, os 18 meses que aí tens estão quase a terminar e facilmente presumo, que estás ansioso que nós aí cheguemos, para poderes regressar a casa.

Vamos a ver no que isto dá, já que muita malta já diz que não quer ir para a Guiné, que não deve ir nem mais um soldado para o Ultramar, etc.

Espero que não se instale a anarquia e a bandalheira total.

Um grande abraço amigo do
Magalhães

Apesar de a Nação se encontrar em estado de alerta, ainda houve quem arranjasse um passaporte de dois dias.


3. Comentário de CV:

Ainda não tínhamos um testemunho de alguém que estando na Metrópole, já mobilizado, à espera de embarque para a Guiné, tivesse assistido ao 25 de Abril. O Eduardo deixa-nos aqui as suas impressões em cima do acontecimento, numa carta que enviou ao seu (nosso) camarada Marques, este sim em Mansoa, à espera de ser rendido.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4106: No 25 de Abril eu estava em... (6): Pirada, a ferro e fogo (Joaquim Vicente Silva, 3ª CCAV / BCAV 8323)

2 comentários:

nuno chaves disse...

Boa tarde, parabéns pela página, mas se permite irei fazer uma pequena correcção heráldica... o Estandarte do centro não é do RI15, mas sim do RI16 (sempre com a mesma divisa): "Conduta Brava e em tudo distinta"
O Regimento de Infantaria Nº 16 (RI 16) antecessor do Regimento de Infantaria de Évora (RIEV)deu lugar ao RIBE que herdou todas as suas tradições e posteriormente ao RI3 de Beja.
Obrigado e um abraço

http://heportugal.wordpress.com/

Anónimo disse...

Boa tarde, estou escrevendo sobre a Revolucao e queria saber se o Alferes Miliciano Fernando Sottomayor tambem serviu em Guine? ou aonde? Queira saber porque ouvi dizer que a razao que ele recusou atirar sobre Salgueira Maia era porque porque eles haviam servido juntos nas guerras coloniais e, portanto, eram irmãos de armas.
Obrigada