terça-feira, 5 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4285: Um filme da Guiné. Jorge Freire (CCaç 153, 4ª CCaç, Bissau, Gabu, Bedanda, 1961/63)...(Virgínio Briote)

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Jorge Matias Freire 

 Encontrei o Jorge Freire há dias, em Oeiras, no Alto da Barra. É o camarada mais antigo que temos no blogue e reside há muitos anos nos EUA, em Columbia, no estado da Carolina do Sul. Das memórias que guarda, diz: 

(...) A companhia de que originalmente fiz parte, quando partimos para a Guiné, no dia 26 de Maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes. (…) 

De Vila Real, todo o pessoal viajou para Lisboa de comboio e, passada uma ou duas semanas (não me lembro ao certo), partimos em dois aviões da FAP, do aeroporto de Lisboa para Bissau, onde chegámos no mesmo dia ao anoitecer.

Passámos a noite em Bissau e seguimos logo para Fulacunda, onde permaneci à volta de dois meses, após os quais chegou a minha promoção a capitão. 

De Fulacunda fui transferido para Bissau para comandar uma companhia de nativos e render o capitão Hélder Reis. Passei 4 ou 5 meses em Bissau, depois fui para o Gabu (outros 6 meses) e daí para Bedanda onde passei o resto da minha comissão. 

No dia 18 de Maio de 1963, o capitão Nelson (meu colega de curso) veio render-me. Durante os 4 dias seguintes fiz a entrega da 4ª CCaç ao Nelson e no dia 21 de Maio vim, de avião, para Bissau.

Ai estive à espera de transporte e finalmente no dia 27 de Maio parti de volta a Portugal no navio da CUF, “Ana Mafalda”. Com o passar do tempo, a memória prega-nos partidas e não tenho bem a certeza se a companhia era a CCAÇ 164 ou CCAÇ 153. 

Voltei para Portugal e fui novamente colocado na Academia Militar, nesse tempo ainda chamada Escola do Exército, onde tinha sido instrutor desde 1957 até à minha ida para a Guiné. 

Entre 1958 e 1961, tive a oportunidade de trabalhar (nas horas livres) com um tio, que tinha uma firma de serviços de engenharia e caldeiras industriais. 

Nas férias de verão, em todos esses anos, viajei para os EUA, onde passei duas a três semanas a ajudar o meu tio em assuntos relativos aos seus negócios com duas companhias no estado da Pensilvânia. Quando voltei da Guiné, uma dessas companhias ofereceu-me o cargo de gerente de operações internacionais, com uma remuneração muito difícil de recusar. 

Nos fins de Agosto de 1963 pedi a minha demissão do Exército e parti com a minha família, (mulher e duas filhas de 3 e 2 anos), para os EUA onde me encontro há mais de 45 anos. 

Desde então tirei um curso de engenharia mecânica, trabalhei para outras duas companhias e, em 1989, formei a minha própria companhia de consultaria de projectos relacionados com energia de gás, co-geração, etc. Em 2001 parei de trabalhar a tempo inteiro, e estou praticamente reformado. 

Felizmente de boa saúde, venho a Portugal, todos os anos, e aproveito para me encontrar com um bom grupo de antigos camaradas de curso.

Tenho 3 filhas, a mais nova nasceu nos Estados Unidos e, embora todas casadas, tenho apenas um neto e uma neta da filha mais velha. A filha do meio e a mais nova ainda não têm descendentes.


Jorge Freire na festa dos 50 anos de casmento.


A Guiné está-lhe bem presente na memória. Naqueles primeiros tempos da comissão, a guerra era ainda uma ameaça. Assistiu aos sinais, cortes de comunicações, roubo de navios, abatizes. Ainda antes da guerra começar, a mulher foi ter com ele. Com a guerrilha a crescer, decidiu mandar a mulher para Lisboa. Depois a guerra começou mesmo. Minas e emboscadas causaram a morte a alguns militares da sua CCaç, em Bedanda. Regressou a Lisboa, no “Ana Mafalda”, em 1964, e tomou a decisão de não continuar no activo. Convidado por um tio, emigrou para os Estados Unidos, onde iniciou uma nova vida, que lhe veio a trazer muita satisfação.

 Longe da guerra da Guiné, não deixou de acompanhar todos os anos do conflito. Camaradas do seu curso, como os actuais Generais Hugo dos Santos, António Rodrigues Areia, Adelino Coelho, António Caetano e os Coronéis João Soares (blog Do Miradouro), Costa Martinho, Maurício Silva, entre outros, a quem se foi mantendo, continuavam nas Forças Armadas. 

Há pouco mais de um ano descobriu o nosso ponto de encontro, o blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné, de que é leitor assíduo, e para o qual enviou um pequeno diário dos acontecimentos que viveu em 1962 e 63. Jorge Freire, entre Setembro de 1962 e finais de Maio de 1963, fez um filme da Guiné. Embora algo deteriorado pelos anos, podemos ver como era a Guiné naqueles anos.

O Gabu, Nova Lamego, a avenida principal, um domingo à tarde com as famílias, os esquilos amestrados, a mulher do Jorge com a filha do 1º sargento da companhia, mulheres à pesca de camarão, a operação de lavagem das roupas, ou como bater bem com as peças de roupa nas pedras, as bajudas e os meninos a brincar na água, a fonte de água, o grande régulo Fula, a mulher mais nova e a mais velha, aparentemente amigáveis uma com a outra, os netos, os trajes de cerimónia, o alfaiate da terra, o campo de aviação do Gabu e imagens do ar, na viagem para Bissau no Dornier.

Em Bissau, o render da guarda ao Palácio com a população a assistir e o regresso ao Gabu. A visita do Jorge aos pelotões destacados, no marco da fronteira com a Guiné-Conackry, em Buruntuma, a passagem em Mule (ponte) Blassi e o regresso a Bissau num barco comercial, com imagens do piloto da embarcação.

E depois, Bedanda, o “aquartelamento”, as pirogas no Cumbijã, a construção de instalações, os alferes da companhia (4ª CCaç, um dos quais viria a morrer em combate, dias depois), imagens filmadas antes da saída de uma patrulha, um prisioneiro amarrado que terá, durante uma emboscada, morto um dos soldados da companhia.

Patrulhas no Cumbijã, os tarrafos ao lado, os tarrafos dos nossos descontentamentos, soldados com Mausers, uma secção destacada em Chugué, a transferência da população Fula de Imberém para Bedanda, as festas que se seguiram, bajudas com as belezas à mostra…

Comissão terminada, o regresso a Bissau e depois “eu vou chamar-te Pátria minha”, na voz do Carlos do Carmo, enquanto os olhos se espraiam lá do alto pelos rios e ribeiros, as margens, as florestas, as lalas. Imagens que era costume, alguns de nós, registarem, quem sabe com o receio de nunca mais nos lembrarmos… Em Bissalanca, um MG branco ou creme rodeado de especialistas da FAP, a torre de controlo, a visita à Guiné dos adidos comercial e militar, o coronel Jeffries, e as últimas vistas de Bissau no último fim de semana em Bissau, antes do regresso à pátria.

A fortaleza da Amura, o porto de Bissau, o desembarque no cais e o desfile de um pelotão (Caçadores?) de nativos, o capitão Simões, tão falado pelo Amadu Bailo Djaló nos seus escritos e, no dia do embarque, no “Ana Mafalda”, em 26 de Maio de 1963, o movimento em dias de movimento de navios, o cais de embarque nº 2, o navio em manobras, a afastar-se, com a Amura e Bissau a recortarem-se, cada vez mais pequenos. 

 Depois, o Atlântico, as Canárias no horizonte, até, finalmente começarem a ver a costa, com Lisboa cada vez maior, no Tejo de tantas entradas e saídas, a volta ao Bugio, o jovem capitão Jorge Matias Freire, à civil, de fato à anos 60 e, Lisboa tão perto que já se via gente à espera deles, de lenços no ar, a Torre de Belém, o Monumento aos Descobrimentos, e, como um agradecimento, as últimas imagens são do capitão, do imediato e do médico do “Ana Mafalda”. 

 A guerra na Guiné ainda estava muito, mesmo muito no princípio. Mas para os quatro soldados, um sargento e um alferes da companhia do capitão Jorge Freire, em Bedanda, a guerra tinha acabado. É, com a lembrança deles, que o Jorge Freire termina este pequeno filme, que, logo que saiba como devo fazer, vou incluir numa das nossas páginas, para completar o desejo do Jorge em o oferecer a todos os camaradas.

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Notas de vb: 

1. Artigos do Jorge Freire em





2. Informação do José Martins: 

A Companhia de Caçadores a referir é a 153 (a 164 não existiu na Guiné). Foi mobilizada pelo RI 13 de Vila Real (...) comandada pelo Capitão de Infantaria José dos Santos Carreto Curto. 

Embarcou para Bissau em 27Mai61 (via aérea) e regressou em 24Jul63. 

A 26Jul61 foi colocada em Fulacunda destacando forças para Empada, Cufar, Catió e Bolama, por periodos variaveis. 

A 7Fev62 foi rendida pela CCAÇ 274 e foi colocada em Bissau. A 11Fev62 rendeu a CCAÇ 74 em Bissau. A 21Jul63 foi substituida pela CCAÇ 510, ficando a aguardar embarque.

1 comentário:

Luís Graça disse...

Precioso e oportuno esclarecimento do nosso camarada e colaborador permanente do nosso blogue, o José Martins, ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70:

A Companhia de Caçadores a referir é a 153 (a 164 não existiu na Guiné)

Foi mobilizada pelo RI 13 de Vila Real [hoje é uma das actuais unidades mais evoluidas, em material e equipemento].

Foi comandada pelo Capitão de Infantaria José dos Santos Carreto Curto.

Embarou para Bissau em 27Mai61 [via aérea) e regressou em 24Jul63.

A 26Jul61 foi Colocada em Fulacunda destacando forças para Empada, Cufar, Catió e Bolama, por períodos variáveis.

A 7Fev62 foi rendida pela CCAÇ 274 e foi colocada em Bissau.
A 11Fev62 rende a CCAÇ 74 em Bissau.
A 21Jul63 foi substituida pela CCAÇ 510, ficando a aguardar embarque.

José Martins
martinsjo@mail.telepac.pt