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Queridos amigos,
Dá-se por finda uma visita aos depoimentos do volume I de “A Guerra de África” do José Freire Antunes. Já estou a ler “O Capitão Nemo e Eu”, do Álvaro Guerra, é mesmo uma preciosidade.
Ando a procurar desencantar mais obras sobre a nossa guerra, não me cansarei de pedir o apoio de todos para se tentar proceder a um inventário tão minucioso quanto possível no que toca à guerra da Guiné.
Um abraço do
Mário
A Guerra de África, 1961 – 1974, Volume I (conclusão)
Por José Freire Antunes
Beja Santos
Recorde-se que Alpoim Calvão também é entrevistado sobre o ataque a Conacri. A operação Mar Verde foi proposta por Calvão a Spínola, foi inicialmente sugerida para destruir os navios do PAIGC e libertar os prisioneiros portugueses que estavam nas masmorras de Conacri. Spínola teve a ideia de introduzir na operação os ingredientes de um golpe de Estado de modo a desalojar Sekou Touré. Há certas confusões no seu depoimento. Por exemplo “Em relação a Amílcar Cabral, a nossa ideia era prendê-lo. Mas mandámos umas bazucadas para a casa que se presumia ser dele. A ideia era capturá-lo, apesar de, a minha consciência, e se fosse necessário... os meus homens perguntavam: E se chegarmos lá e eles atirarem? Eu disse: Aí, é tiro contra tiro”. Como é sabido, a operação Mar Verde falhou em objectivos essenciais e trouxe questões diplomáticas graves. O pelotão do tenente Januário entregou-se às autoridades de Conacri, foram todos fuzilados. A versão que Alpoim Calvão dá do seu relacionamento com os dirigentes do PAIGC ao mais alto nível aparecem, como veremos, contrariados por Luís Cabral. O que ele vem dizer é que havia espionagem em Dakar e contactos com Amílcar Cabral, Victor Saúde Maria, Luís Cabral, Lourenço Gomes e Marcelo Almeida, do PAIGC. O relatório da operação Mar Verde não traz nada de novo, relativamente ao que tem vindo a ser publicado nos últimos anos.
O depoimento de Luís Cabral avança com dados da constituição da luta anti-colonial na Guiné, a partir da fundação do PAI – Partido Africano para a Independência e União dos Povos da Guiné e Cabo Verde. Descreve a implantação do partido ao nível interno e externo e dá uma síntese da luta armada e da organização da linha política a partir do escritório em Conacri. É um testemunho de valor inegável. Abre luz sobre algumas das atrocidades praticadas por quadros do PAIGC que vieram a ser executados no primeiro congresso do partido, realizado em Cassacá, em Fevereiro de 1964. Este congresso definiu as áreas de relativo controlo do PAIGC em torno do Morés e da região Sul onde actuava Nino Vieira. Por esses anos, o relacionamento com o Senegal era extremamente difícil. A situação irá alterar-se ainda no final dos anos 70 e marcará uma viragem para a luta do PAIGC. Para Luís Cabral, as únicas negociações sérias que houve foram as que ocorreram em Março de 1974, em Londres, e observa: “Espanto-me muito quando leio que o general Spínola quis contactos com o Amílcar. Garante-lhe que o Amílcar nunca soube disso. O Amílcar quis sempre discutir com o governo português. Mas com Spínola nunca houve qualquer contacto, nem directo nem indirecto. Senghor falou com Amílcar na perspectiva de um encontro e o meu irmão disse-lhe que, de facto, todo o encontro com o governo português seria bom. Soubemos depois que ele teve um encontro com Spínola... as cartas que apareceram num livro do comandante Alpoim Calvão foram assinadas por mim e tratou-se de uma história muito simples. Um comerciante da fronteira Norte, Mário Soares, depois denunciado com agente da PIDE, escreveu uma carta ao Amílcar a dizer que tinha uma comunicação importante a fazer, mas que só podia ser feita fora da Guiné, e propôs Londres, onde tinha uma filha a estudar. O Amílcar recebeu a carta e mandou-ma. Mandámos a Londres o Vítor Saúde Maria. E quando o Vítor lá foi encontrou-se com a filha do Mário Soares. Mas ele não apareceu. E foi essa a história das cartas e dos telegramas. Nunca houve mais nada, a história resumiu-se a isso”.
Marcelino da Mata, porventura o mais condecorado dos militares portugueses, no século XX, conta a sua história a partir do comando de grupos especiais de africanos, descreve as suas operações, a sua participação na operação Mar Verde e na operação Ametista Real. E afirma: “Dizem que o PAIGC tinha uma zona libertada na Guiné, mas eu ia para onde queria, com 4, 5, 6, 7 ou 8 homens. Eu tinha um corneteiro e quando chegávamos ao meio do mato eu mandava-o tocar a corneta. Só depois é que íamos para cima do PAIGC. Mandava tocar a corneta para eles verem que eu ia a caminho e não tinha medo. Cheguei passar centenas de vezes de helicóptero, com eles a fazerem emboscadas. Na Guiné, no Inverno, o capim tem quatro metros de altura. Eu passava e eles não me emboscavam. Mais tarde apanhei um homem que me contou que o Nino Vieira tinha dado ordens para não me atacarem, porque se me atacassem, eles é que lá ficavam. Nunca me atacaram. Uma vez tentaram fazer-me uma emboscada. Nesse dia éramos 12. Tinha ido para lá um batalhão de comandos que não conseguiu entrar e voltou para trás. Foi lá com destacamento 22 dos fuzileiros, apanhámos 4 morteiros 120, 3 rampas de foguetão, 9 morteiros 82”. Marcelino da Mata não se conforma com a entrega do poder ao PAIGC, para ele devia ter havido um referendo: “A Guiné tinha as companhias africanas, comandos, fuzileiros e milícias. Eram vinte e tal companhias que seriam suficientes para assegurar o referendo. A única preocupação que o Estado português teve na Guiné foi desarmar o exército africano e entregá-lo ao PAIGC... o PAIGC só entrou dentro da cidade de Bissau depois das tropas dos comandos e fuzileiros serem desarmadas. Quem desarmou os comandos foi o Carlos Fabião. A 15ª companhia, em Mansoa, não aceitou o desarmamento. A maioria deles foi fuzilada”.
Isto foi o essencial que se extraiu dos protagonistas que, directa ou indirectamente, se pronunciaram sobre a guerra da Guiné. Veremos a seguir o conteúdo do volume II de “A Guerra de África”.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6569: Notas de leitura (120): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (1) (Mário Beja Santos)
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