Queridos amigos,
Recordam-se certamente das esculturas, panos e artigos de couro que se vendiam no mercado de Bandim e imediações, isto no caso de Bissau. Havia o ourives de Bafatá e seguramente outros em diferentes localidades. Os colecionadores e os museus disputam objetos escultóricos dos Bijagós e dos Nalus.
Numa visita que fiz ao Museu Metropolitano de Nova Iorque, nas salas reservadas à arte africana li um documentário de um Rockfeller que andara pela África Ocidental e que deixara escrita a sua apreciação sobre a escultura Nalu, considerou-a a mais genial de todas. Foi uma opinião, mas há que reconhecer que nestas esculturas vibra a inspiração e muitos séculos de artífices espantosos.
Fica aqui uma oportunidade para rever imagens dessa opulência.
Um abraço do
Mário
Esculturas e objetos decorados da Guiné Portuguesa
Beja Santos
Fernando Galhano é um nome importante na etnologia e etnografia guineense a par de António Carreira e Rogado Quintino, no período colonial. Este seu trabalho “Esculturas e objetos decorados da Guiné Portuguesa no Museu de Etnologia do Ultramar”, Edição da Junta de Investigações do Ultramar, 1971, atesta o esmero e o rigor do seu trabalho. Concentra-se essencialmente na arte Bijagó e Nalu porque foram sempre aquelas que deram provas de maior originalidade e criatividade.
Apesar dos seus particularismos culturais, os Bijagós dão provas de uma unidade cultural verificada há séculos. São dotados de uma exuberante fantasia. As suas esculturas são cobiçadas por colecionadores e museus de todo o mundo, ávidos por estas máscaras de pelicano e de hipopótamo que revelam um espírito muito livre e aberto. Estas máscaras de animais que podem ser uma cabeça de boi ou a cabeça de um peixe-serra, de um búfalo, as máscaras que representam cabeças de tubarão ou de porco, adornadas de fitas, tranças, ranjas, borlas e adornos são muitas vezes peças excecionais.
Escreve Fernando Galhano: “O boi, o tubarão e o tubarão-martelo, e também o hipopótamo, em corpo inteiro ou apenas numa das suas partes – cabeça ou barbatanas – entram com grande frequência na composição de vários objetos rituais e de uso corrente. Pegas de tampas, cabos de colheres, os bastões dos iniciados, certos chapéus de dança, são em muitos casos enriquecidos com figuras daqueles animais. É nos adornos de dança – de cabeça, costa e braços – que a fantasia deste povo mais francamente revela a sua exuberância e a sua liberdade de escolha de motivos”. O autor faz larga referência a outros elementos escultóricos que aparecem em colheres, taças, cabaças, fechaduras, bancos e machados cerimoniais, lanças-bastões e para demoradamente nas máscaras e adornos de cabeça para dança.
Vejamos alguns desenhos por ele apresentados, quanto à arte Bijagó.
Figura cultual, Ilha de Caraxe, Bijagó
Adorno de costas para dança do peixe-verga
Ilha Formosa, Bijagó
A cultura Nalu é muito antiga. Deslocados em tempos recuados, pela expansão do império Mandinga, da região do curso superior do Niger em que habitava, os Nalus já ocupavam no século XV, à data da chegada dos portugueses o território onde hoje se encontra. A sua cultura foi fortemente influenciada pela dos Bagas, outro povo que devido à pressão dos Mandingas foi forçado a tomar o caminho do litoral. A expressão mais conhecida e procurada pelos colecionadores é o Nhinte-kamachol, a representação da cabeça de uma ave, e a estilização da ave, na qual aparecem também traços de um rosto humano. Segundo os estudiosos esta ave será o pelicano, tida por ave mítica. E Fernando Galhano adianta: “O Nhinte-kamachol estava presente em todas as cerimónias relacionadas com a Simô, e presidia aos ritos da iniciação à puberdade dos rapazes. Nessa ocasião, são metidos chifres de gazela nos orifícios abertos no crânio da escultura entre as cerimónias, o Nhinte-kamachol fica guardado dentro de uma espécie de caixa circular feita de pauzinhos postos a prumo, ligados por duas cintas, do fundo da qual, junto às paredes, se erguem picos de porco-espinho. Mas há também outras máscaras Nalus de grande importância e veneração animista: o ‘Mrime, que dá boa sorte às casas e às colheitas, a máscara Numbé, que guarda a casa e combate os maus feitiços, a máscara Bandá, usada na cabeça dos dançarinos, e a máscara Koni que aprece encarnar os espíritos benfazejos".
Nhinte-kamachol
Fernando Galhano realça também os trabalhos dos Fulas e Mandingas na decoração do couro e no trabalho dos metais. As manifestações do trabalho em couro são as bainhas dos sabres e as almofadas. Os ourives trabalham ouro e a prata, pulseiras, colares, anéis, amuletos, etc. E recorda a bela olaria dos Balantas e dos Manjacos, bem como a panaria Manjaca oriunda dos teares de Cabo Verde. Para terminar, fala-nos dos Sônôs, disputados pelos grandes museus. Segundo o Teixeira da Mota, os Sônôs são constituídos por hastes de ferro de cerca de 1,2 metros de altura, com vários braços laterais terminando em esculturas de bronze, geralmente pequenas cabeças humanas. Eram os símbolos da realeza, sobretudo dos régulos Beafadas e eram também objeto de formas culto animista. O Nhinte-kamachol fascina-me pela singularidade dos perfis e pelo génio da escultura em madeira. São tão importantes para mim que pedi a um dos meus editores para o pôr na capa de um livro em que a minha heroína tinha vivido na Guiné entre os anos 1950 e 1960. Acho que ficou uma beleza
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Nota do editor
Último poste da série de 14 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15486: Notas de leitura (788): “Geração de 70”, por A. Santos Silva, Euedito, 2014 (Mário Beja Santos)
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