quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15497: Historiografia da presença portuguesa em África (67): Na agonia da presença portuguesa em Ziguinchor (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2015:

Queridos amigos,
Convida a leitura do documento correspondente ao abaixo-assinado de negociantes portugueses a viver em Ziguinchor.
Todo este período correspondente à primeira metade do século XIX é de puro declínio, os franceses não se foram infiltrando na região do Casamansa guerreando, simplesmente não encontraram resistência, estamos no fim do comércio negreiro, as hostilidades dos autóctones é enorme, basta ler os livros de René Pélissier e de Pierre Mendy. E a carta diz tudo, era uma aventura atravessar de Ziguinchor até Cacheu, pelo menos três portagens.
Curiosamente, enquanto tudo isto se passa, Honório Pereira Barreto, com dinheiro do seu bolso e hábil diplomacia dilata o território da Coroa. E quando chega a Convenção Luso-Francesa de 1886 os franceses impuseram as suas condições: ficaram com o Casamansa e deram-nos a península de Cacine.
A História dita as suas regras: o Casamansa que ainda hoje ver respeitada a sua identidade Mandinga e a região de Cacine aderiu facilmente à propagando do PAIGC.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Na agonia da presença portuguesa em Ziguinchor

Beja Santos

Folheava os diferentes números do boletim “Ecos da Guiné”, que teve alguma importância informativa oficial no início da década de 1950, quando, no número 29 de 1 de Dezembro de 1952 encontrei um documento trazido por Alexandre Almeida, um abaixo-assinado enviado por um conjunto de negociantes de Ziguinchor ao Governador-Geral de Cabo Verde, em 13 de Abril de 1944, é este o seu teor:
“Os abaixo-assinados, negociantes e comerciantes do presídio de Ziguinchor, vão hoje levar à presença de V. Ex.ª a mais justa das queixas e esperam que V. Ex.ª os atenda como julgar merecer.
Desde há muitos anos que este Presídio vive absolutamente abandonado por Cacheu, sem providência e sem socorro, apenas é lembrado por este quando tem a enviar alguns soldados insubordinados e de péssima conduta.
Há pouco, os estrangeiros intentaram roubar o único negócio que ainda os portugueses fazem com vantagem que é o do sal, em terras de Felupes Jugubel; foi um particular e não o governo quem obstou a tal, fazendo com dispêndio contratos com o gentio de mora naquelas paragens.
Não obstante este culpável desamparo, os abaixo-assinados têm audácia de asseverar a V. Ex.ª que é o presídio mais respeitado do gentio; porque os abaixo-assinados e o povo não duvidam expor a vida para vingar o mais leve insulto feito à Bandeira Nacional.
Os abaixo-assinados não recebem nem exigem louvores por factos que são em cumprimento do dever. Mas se os abaixo-assinados não podem encómios e distinções também não querem ser ofendidos nos seus interesses já tão minguados em todo este Rio Casamansa.
Acaba de ser ordenado que os abaixo-assinados não possam comprar fazendas aos navios que aportam este presídio, devendo eles ir comprá-las a Cacheu, cuja viagem é, além de dispendiosa, perigosa. A incúria de tal ordem é fácil de ser demonstrada. Os habitantes de Ziguinchor têm já que lutar contra a ruinosa concorrência estrangeira que se apossou deste riquíssimo rio, pois em 1837 os franceses fundaram uma feitoria em Sejo; sendo de notar que são estes mesmos estrangeiros quem nos vende géneros por um preço tal que por pouco mais ou menos custam ao gentio, onde os abaixo-assinados vão negociar.
Ora, se além dos direitos já pesados que os abaixo-assinados hão de pagar acrescer as despesas de viagem até Cacheu, em canoas que pouco ou nada carregam, decerto os abaixo-assinados não poderão vender os seus géneros ao gentio, e ver-se-ão reduzidos à miséria que será a paga pelos seus sacrifícios!
A viagem de Cacheu é bastante perigosa como já se disse: porque tem de se passar um estreito, onde se pagam três impostos a três régulos gentios, demasiadamente insolentes. Conquanto esta proibição de negócio ainda não se tenha posto em vigor, contudo existe, de direito e é contra ele que os abaixo-assinados reclamam providências de V. Ex.ª.
À vista do exposto, os abaixo-assinados rogam a V. Ex.ª se digne de terminar que fique de nenhum valor a ordem que proíbe tão injustamente aos habitantes de Ziguinchor comprar fazenda aos navios que vêm a este porto.
Não pense V. Ex.ª que os abaixo-assinados se negam a pagar os direitos: eles os têm pago e continuarão a pagar”.

Segue-se uma lista de assinaturas encabeçada por Francisco Carvalho Alvarenga.

Não se desconhece que a presença portuguesa na região é débil, os conflitos com as etnias não abrandaram a despeito dos efémeros tratados de concórdia. Basta recordar o que se passa em Bissau, em que os militares e negociantes vivem dentro da fortaleza e quando saem para Bandim ou Intim são imediatamente hostilizados. Fora formalmente abolida a escravatura e não se vê a solução à vista para manter em condições a fixação de população. Fomos abandonando a região de Casamansa e os franceses infiltraram-se insidiosamente. Mesmo quando invocamos a nossa presença histórica na região do Casamansa, as autoridades de Paris não nos atenderam. Fomos libertando os escravos, a decadência atingiu tal proporção que a Coroa tomou medidas drásticas, separando a Guiné de Cabo Verde, dando um governador à região.

Atenda-se ao teor da carta: Cacheu, debilitada, praticamente ignora o presídio de Ziguinchor, só se lembra desta posição quando é necessário recambiar corrécios, os motins de tropa indisciplinada, maltrapilha, eram prática habitual; e atravessar o Norte da Guiné era uma aventura dispendiosa. Este documento é contemporâneo de dois fenómenos importantes: o aceso da resistência das etnias à presença portuguesa e o esforço admirável de Honório Pereira Barreto que cedeu propriedades e fez contratos com régulos para aumentar o território efetivo da Coroa. O investigador António Duarte Silva já se referiu a esta situação: ao começar a segunda metade do século XIX a presença portuguesa na Guiné, embora antiga, mantinha-se muito limitada. Reduzia-se a uma praça (a de Bissau), quatro presídios (Cacheu, Geba, Farim e Ziguinchor), um posto (Bolor) e a Ilha de Bolama. Todos estes estabelecimentos se encontravam sujeitos ao governo das ilhas de Cabo Verde e como refere Honório Pereira Barreto estavam permanentemente “cercados por gentios mais ou menos insolentes, mas que geralmente dominam os Portugueses (…) Dos gentios vizinhos aos nossos estabelecimentos vêm os sustentos (…) Os habitantes, à exceção dos poucos notáveis, seguem os costumes dos gentios, de que descendem (…) São preguiçosos, indolentes, inertes, e a nada se querem aplicar; podendo, se quisessem, levar a grande escala a agricultura, pois o terreno é fecundo”. É neste contexto de letargia que outro fenómeno importante irá ocorrer, importância que extravasa a Guiné: os Fulas submetem os Mandingas e entram ostensivamente no território que é hoje o Gabu. Irão ter um papel determinante na pacificação, tornar-se-ão o mais poderoso aliado da potência colonial.



Ziguinchor tem muitas parecenças com o Bissau Velho. Quem me fez esta observação foi alguém que me ajudou a preparar o contexto do meu livro “Mulher Grande”, alguém que viveu no Norte da Guiné entre 1952 e 1961 e que ia regularmente a Ziguinchor. Aqui viveu Luís Cabral no tempo da luta de libertação, era um ponto fulcral devido à presença de bastantes comerciantes cabo-verdianos e de muitos guineenses que escaparam à guerra.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15495: Historiografia da presença portuguesa em África (66): James Pinto Bull, deputado guineense (1913-1970), da União Nacional, comenta na Assembleia Nacional,em 10/2/1968, a visita oficial do presidente da República à Guiné (que teve início em 2/2/1968, e cujo roteiro incluiu Bissau, Bafatá, Gabu, Bolama, Bubaque e Safim)

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