Queridos amigos,
Mais uma edição de autor, mais um regresso à memória com toques de romance, narrativa histórica, poesia, considerações pessoais.
Uma comissão que começa em Bula e chega a Gadamael-Porto. Há para ali sonhos, gente que está disposta a ficar e fazer agricultura, os sonhos evaporam-se com a aspereza da guerra. Há uma observação obsidiante em que os guineenses barafustam com a presença cabo-verdiana, o registo não fica bem esclarecido. Muito mais memória sobre o que vai na cabeça das pessoas do que nos afazeres da guerra. Um registo que é uma operação de boa vontade e um hino à camaradagem.
Nada mais a dizer.
Um abraço do
Mário
Geração de 70, época das chuvas, por A. Santos Silva
Beja Santos
“Geração de 70”, por A. Santos Silva, Euedito, 2014, é a história de uma comissão que nos faz supor, assim pensa o autor, um romance, tem páginas em prosa e poesia, tudo começa na Gare Marítima de Alcântara, o navio Niassa parte a 25 de março para a Guiné. Regista-se o que se passa no cais de embarque, depois os embarcados vão estabelecendo conversa. Adverte o autor quando apresenta as personagens que atravessam a narrativa: “António, Augusto e Domingos Djaló são nomes fictícios, mas existiram e representam o nome dos jovens das gerações que foram apanhados pela guerra de África. Designamos de geração de 70, porque foi o ano em que embarcaram António e Augusto”. Assim se chega ao cais do Pidjiquiti, viaja-se para o quartel de Brá, entabula-se conversa com o condutor da GMC que fala do baga-baga e avisa que ninguém se deve esconder atrás dele debaixo de fogo. É uma conversa instrutiva em que fala de bolanhas e da agricultura em geral. O condutor apresenta-se: Armando Arafã Mali, descendente de mãe Mandinga e pai marinheiro português. No dia seguinte o narrador calcorreia por Bissau, a vertente dos ensinamentos não pára, fala-se de rebenta-minas, picadas e os perigos que reserva o primeiro destino, Bula. Estamos numa época bastante estranha, há quem diga que a guerra vai acabar, e de repente tudo parece virar-se do avesso, fala-se na morte de majores que estariam a negociar o fim da guerra. Começam os patrulhamentos e as colunas de abastecimento. E saltamos deste possível romance para as cogitações do autor que entende dever explicar ao leitor um pouco da história de Portugal e o que é que África representou para a Monarquia, Primeira República e Estado Novo. Faz considerações altamente críticas sobre o que vê na Guiné. Um exemplo: “Fora de Bissau e um pouco por toda a Guiné, havia um corpo de milícias, uma espécie de exército de segundo plano, mal equipado e mal armado que colaborava com o exército regular, fazendo patrulhas de reconhecimento, fornecia guias para as operações cujos objetivos eram difíceis de encontrar e serviam de intérpretes dos vários dialetos existentes. Estes homens do povo recebiam um salário e isso representava uma melhoria nas condições de vida, pois nas tabancas não havia qualquer emprego e só as mulheres trabalhavam na agricultura. A existência deste corpo de milícias parecia não incomodar o PAIGC”. Oxalá alguém, entretanto, tenha explicado a Santos Silva o que eram efetivamente as milícias.
Uma outra preocupação do autor é uma Guiné que dispõe de uma classe média, gente que até vive confortavelmente na guerra, são sobretudo cabo-verdianos e comerciantes de países limítrofes. E soltamos de novo para o romance, a unidade militar de que fazem parte António, Augusto e Domingos Djaló é encaminhada para as obras da estrada que vão de Mansabá a Farim. António, que é o alferes, fala aos seus homens, explica-lhes o intuito da missão: “Na tática militar encetada pelo nosso General Spínola, a construção de estradas tem prioridade e esta assume particular importância; depois de pronta, permite a ligação asfaltada de Bissau a Farim. Até ao final da construção, cabe-nos organizar os camiões que transportam os trabalhadores nativos que tratam de desmatar as margens da estrada”. O alferes dá ainda mais informações: de como picar para evitar as minas sobretudo as antipessoais, os horários, a relação de combate. Domingos Djaló vai ensinando crioulo aos seus camaradas. Augusto entretanto vai a Bissau a uma consulta e começa a questionar-se: o que é que eu faço aqui? Sente-se indesejado, lança um piropo a uma miúda e o namorado disse-lhe: "não estás na tua terra e aqui só atrapalhais, ide para a vossa terra”. O PAIGC dá sinal de vida ali muito próximo do K3 e ficamos a saber uma coisa do outro mundo: "o K3 foi implantado para interromper um corredor usado pelo PAIGC, trilho que dá acesso ao interior da selva, local onde se diz que Nino Vieira tem o seu estado-maior na região do Morés”. O autor por vezes filosofa: “Quando se pensa numa guerra, quando se fala de uma guerra, quem fala e quem ouve, pensa apenas em pessoas. Mas uma guerra não envolve apenas pessoas. Envolve mais, muito mais; envolve pessoas, casas, árvores, rios, mares e muito mais. E animais”. E, mais adiante: “Na guerra nem tudo é trágico, na tristeza, no desânimo e no medo também há lugar para a alegria, divertimento e para a esperança. Sem isso, a guerra transformava-se num manicómio e o cérebro na sua imensa e ainda desconhecida capacidade não permite que tal aconteça”.
Felupes de Cassolol, fotografia tirada da revista “O Mundo Português”, Abril de 1936
Besna Baldé de Mansabá merece destaque, jogou no Futebol, Clube do Porto, na Académica de Coimbra, no Barreirense, no Tavira, no Chaves, no Santo Tirso. Defende uma autonomia regional sob bandeira portuguesa, do género Açores e Madeira (coisa incrível, trata-se de matéria que só veio a debate público depois do 25 de abril), uma região autónoma governada por gente da Guiné. E há alguns amores de permeio, como os de Maria Sofia Elisabete Pereira da Silva, professora, filha do Reitor da Universidade de Bissau, que anda em derriço com Djaló. Esporadicamente, os rancores aos cabo-verdianos imiscuem-se no texto, e como aparecem desaparecem. António é vítima de uma mina anticarro na estrada de Mansabá-Farim, em abril de 71, felizmente sem consequências graves. Em junho marcham para o sul, vão para Gadamael-Porto, desembarcam em Cacine e depois fazem a viagem pelo rio. São referidos os ataques a Guileje, os patrulhamentos. Temos depois uma operação de reconhecimento à região de Sangonhá, Mamadu Segunda é o guia da operação. Atacados por uma força do PAIGC, é o grupo de Mamadu quem prontamente reage, esse grupo terá dois mortos e três feridos. E regressam ao Cumeré, e depois o Carvalho Araújo deixa-os no Cais da Rocha de Conde de Óbidos, em 2 de janeiro de 1972. Vão até Lamego, fazer o espólio, noite alta, com as estradas cheias de neve metem-se a caminho do Porto, separam-se em S. Bento, é um momento de recordar que ao autor também é poeta: “Será que esta viagem tem regresso?/ Que o cais de chegada é o de partida?/ Que as águas que navego e não conheço,/ são águas conhecidas por viagem tida”.
Santos Silva polvilha a sua obra de ilustrações e notas históricas e recolhe testemunhos de alguns dos seus camaradas.
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Nota do editor
Último poste da série de 11 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15477: Notas de leitura (787): "Nos Celeiros da Guiné - Memórias de Guerra", de Albano Dias Costa e José Jorge de Campos Sá-Chaves, ex-alf mil da CCAÇ 413 (1963/65)
1 comentário:
Amigos e camaradas ex-Combatentes.
Foi com enorme emoção que escrevi o romance histórico GERAÇÃO DE 70-Época das chuvas.
Por diversas vezes tive que interromper a escrita, tal a emoção que de mim se apossou.
Dos muitos camaradas e amigos que já leram o romance, alguns me dão conta de que o fizeram sob grande emoção, afirmando outros, que as lágrimas se soltam quando se vêem em situações já vividas.
Não falei muito sobre guerra. Preferi falar de nós, jovens soldados cheios de sonhos, imbuídos de generosidade e patriotismo. De nós, jovens de cá, e de lá, que combateram pela bandeira portuguesa e contra ela. Todos merecem o meu apreço e respeito.
Sobre o comentário aqui mostrado na "mensagem original" agradeço o mesmo ao amigo e camarada Beja Santos.
Entretanto, se precisarem da minha presença para alguma tertúlia ou apresentação sobre o tema Guerra Colonial, basta contactar-me por e-mail ou tlm. O romance foi lançado em Leiria em Maio de 2014 e de então para cá tenho estado em vários locais, sempre solicitado por camaradas ex-Combatentes para falarmos sobro o tema Guerra Colonial.
Um abraço a todos ex-Combatentes.
Angelino Santos Silva
912998600
angelinosantossilva@gmail.com
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