segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17729: Notas de leitura (993): “A verdadeira morte de Amílcar Cabral”, por Tomás Medeiros, althum.com, segunda edição revista, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

A Verdadeira Morte de Amílcar Cabral, por Tomás Medeiros


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Março de 2016:

Queridos amigos,
Aquando da primeira edição, aqui se fez referência a este trabalho. Esta segunda edição comporta alterações, quem se interessa pela temática tem a ganhar com esta nova leitura.
Temos poucos biógrafos de Amílcar Cabral em língua portuguesa: Julião Soares Sousa (o mais importante), António Tomás, Daniel Santos e Tomás Medeiros, a despeito de numerosíssimas referências em ensaios, estudos e até trabalhos sobre a história do movimento de libertação na Guiné.
As reflexões de Tomás Medeiros têm uma singularidade: concentram-se num jovem de cultura cabo-verdiana que triunfou nos estudos em Lisboa no exato momento em que a problemática da descolonização preocupava estas jovens elites africanas. E há o pensamento de um líder inflado por um sonho utópico que acabou por matar o seu criador: a unidade Guiné-Cabo Verde, uma bela consigna para juntarem a melhor mão-de-obra revolucionária e o mais destrutivo explosivo para juntar no mesmo país gente que não esqueceu o passado, tantas vezes doloroso.

Um abraço do
Mário


A verdadeira morte de Amílcar Cabral (1)

Beja Santos

Tomás Medeiros é nome incontornável no movimento anticolonial português. Conviveu de perto com os futuros líderes dos movimentos de libertação e tem sobre os mesmos uma ideia sobre o seu valor e a importância do seu desempenho. Acompanhou e fez um estudo aturado do pensamento e obra de Amílcar Cabral. O seu trabalho intitula-se “A verdadeira morte de Amílcar Cabral”, Tomás Medeiros, althum.com, segunda edição revista, 2014. Já aqui se fez referência à primeira edição, acabo de comprovar que esta revisão dada a público inclui elementos importantes para a ponderação da vida e obra do mais consagrado dos líderes revolucionários africanos das colónias portuguesas.

Tomás Medeiros começa por enquadrar o tempo histórico após a II Guerra Mundial e traça a emergência da descolonização, da negritude, revela com rigor esse novo estado de espírito das elites africanas a estudar nas universidades europeias. Medeiros vinha de S. Tomé e aproximou-se desses estudantes do Império que ganhavam notoriedade, caso de Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Francisco Tenreiro. Segundo nos diz na introdução, pretendia ir muito mais longe nas suas investigações mas foi apanhado por doença prolongada e diz que o que hoje se publica constitui a síntese de um projeto que precisa de ser desenvolvido a longo prazo.

Recorda que a juventude de Amílcar Cabral ficou indelevelmente associada a Cabo Verde, um ambiente africano arquipelágico particular, com fomes cíclicas, dentro de uma intelectualidade crioula que se exprime sem equívocos na sua iniciação poética, atravessada pelo modernismo e um naturalismo de cariz africano.

Segue-se a descrição de Lisboa em 1945, aonde chega o estudante de agronomia que vem com o firme propósito de ser um bom poeta e de aprender o que for necessário para lutar contra as crises de Cabo Verde, não terá sido por acaso que foi atraído desde cedo pela erosão dos solos. Convive, mas com distâncias, com o MUD Juvenil, lê afincadamente, e discute com o mesmo afinco, o que lhe cai às mãos sobre colonialismo, africanidade e sopros da descolonização. Vai emadurecendo e quando regressa a Cabo Verde em 1949 mostra um grande entusiasmo em palestras radiofónicas sobre soluções para o problema das secas. Enquanto tira a licenciatura no Instituto Superior de Agronomia frequenta os diferentes espaços por onde transitam os estudantes africanos das diferentes colónias. Medeiros refere a Casa dos Estudantes do Império, o Centro de Estudos Africanos, na residência da família Espírito Santo, no primeiro andar do n.º 37 da Rua Actor Vale, ali para os lados da Fonte Luminosa, por ali circulam Alda do Espírito Santo, Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Agostinho Neto, Francisco Tenreiro.

Concluído o curso, parte em 1952 com a mulher para a Guiné, leva na bagagem uma série de trabalhos de agronomia, de valor científico: o problema da erosão dos solos; contribuição para o estudo da região de Cuba (Alentejo); o conceito de erosão – projeto para o estudo dos solos em Cabo Verde. Revela-se um funcionário público metódico e inovador, publica na imprensa local as sínteses das atividades que desenvolve sobretudo em Pessubé, uma estância experimental agrícola onde surgem algumas maravilhas. O seu nome aparece ligado a um projeto da Associação Desportiva e Recreativa dos Africanos, não aceite pelas autoridades. Terá tido encontros com os dirigentes do MING – Movimento de Independência da Guiné, que tinha à frente os nomes de Rafael Barbosa, Aristides Pereira, Fernandes Fortes, Abílio Duarte, e alguns mais. O MING, no dizer de Aristides Pereira era um movimento que não andava. Entretanto, vão crescendo nos países limítrofes organizações políticas que vão sendo conhecidas e discutidas na Guiné Portuguesa.

Em 1955, a sofrer de paludismo, regressa a Lisboa. Tomás Medeiros assegura que Amílcar Cabral esteve na Guiné em 1956 e 1958, o que Julião Soares Sousa contesta, Cabral não terá assistido à fundação do PAI e era impossível em 1958 ele ter passado pela Guiné. Cabral esteve a trabalhar em Angola na cartografia de solos, o seu trabalho foi muitíssimo apreciado, é um trabalho que ele abandona em 1959. Em Angola, escreve propaganda anticolonial e colabora na redação do manifesto que leva à fundação do MPLA. É o tempo em que toma decisões de fundo, parte para a clandestinidade. As diferentes organizações ligadas à luta de libertação criam o MAC – Movimento Anticolonial, o desempenho de Cabral é decisivo. Em Setembro de 1959 regressa a Bissau, no rescaldo dos acontecimentos de 3 de Agosto. Tiram-se ensinamentos de que não há condições para a luta urbana, são fundamentais militantes que precisam de ser recrutados no interior da Guiné. A estratégia do partido fica definida: luta armada para a obtenção da liberdade nacional. Cabe a Cabral desenhar o diagnóstico que irá levar à formulação estratégica: uma parte da direção estará no exílio, em Conacri, a outra parte dirige a sublevação e o envio dos novos quadros para Conacri. Logo no seu primeiro diagnóstico, Cabral enuncia que a vanguarda é caracteristicamente pequeno-burguesa, mais tarde este raciocínio será desenvolvido numa frase ainda com consonância explosiva: a pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de se suicidar como classe para ressuscitar como trabalhador revolucionário, inteiramente identificado com as aspirações mais profundas do povo a que pertence.

Os contornos da luta armada que Medeiros refere acompanham de perto tudo aquilo que é hoje conhecido e considerado. E depois aborda o problema da unidade Guiné-Cabo Verde, e cita Cabral: “Nós na Guiné e nas ilhas de Cabo Verde somos as mesmas gentes, temos a mesma língua e temos o mesmo partido". Noutro registo, deve-se a Cabral a seguinte apreciação: “Somos pela unidade africana, à escala regional ou continental como meio necessário para a construção do progresso dos povos africanos, para garantir a segurança e a continuidade deste progresso (…) A liquidação total do colonialismo e das suas sequelas, a conquista prévia da independência nacional de cada país ou colónia, a transformação das estruturas económica e sociais e a aproximação das novas estruturas criadas nos países, deverão, na nossa opinião, constituir a base fundamental da realização da unidade africana”.

(Continua)

Em maré de sorte, este achado na Feira da Ladra, um mapa da Guiné, presumivelmente de trabalhos cartográficos aí pelos anos 1930. Envolvida pela Senegâmbia, o que leva a querer que a colónia francesa do Senegal ainda não se distingue da colónia britânica da Gâmbia. Quem vê este mapa é capaz de pensar que mais de metade do país era ocupado por Fulas, vejam com atenção. No Sul, preponderavam os Biafadas, o que não era totalmente incorreto, os Fulas tinham empurrado os Biafadas para o Litoral, os Nalus e os Sossos, por exemplo, tinham pouca expressão. Não há uma só referência a Mandingas nem a Papéis, parece que essas etnias eram puros epifenómenos. E vale a pena estudar a toponímia. Do que me foi dado ver e viver, na região centro-leste Goli corresponde a Porto Gole, Malafo era nome de rio mas não de povoação, Enxalé fica em frente ao Xime. Em frente a Bambadinca vêm referidas povoações inexistentes em 1960: Sambel Nhanta, que fora a sede do régulo do Cuor, tinha desparecido, Caranque Cunda era um pequeno lugar, que fora importante para acantonar as tropas macuas, em 1908, mas rapidamente perdeu importância. E Checibá talvez seja Madina. Podemos questionar se houve tantas migrações em escassas décadas. O ponto assente é que este mapa tem muitíssimo pouco a ver com a Guiné que conhecemos. O mapa terá sido produzido pelo Istituto Geografico de Agostini – Novara: talvez queira significar que os padres italianos já estavam a caminho.

Beja Santos
____________

Nota do editor

Último poste da série de 1 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17718: Notas de leitura (992): Relatório científico do Aspirante de Artilharia Wilmer Delgado Pinto para o Mestrado em Ciências Militares na Especialidade de Artilharia, Academia Militar, 2014 (Mário Beja Santos)

Sem comentários: