Guiné > Região de Baftá > Contuboel > A dolce vita dos dois primeiros meses (ou nem chegou a tanto...) de comissão, passados no Centro de Instrução Militar de Contuboel... Luís Graça (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12) e Renato Monteiro (CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego e Piche, 1969; e CART 2520, Xime e Enxalé, 1969/70), em passeio pelo rio Geba, em junho ou julho de 1969: Passeio de piroga junto à ponte de madeira de Contuboel, sobre o rio Geba... Nunca soube quem nos tirou esta foto... fabulosa. [Talvez o Cândido Cunha, o "Canininhas", sugere o barqueiro (*)]... Levei 40 anos a tentar recordar-me do nome do barqueiro (**)...
Foto (e legenda) © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Texto do Renato Monteiro, disponível no seu blogue "A Minha Cave"
28 de julho de 2017 > Os Gatos Pretos, Brancos e Amarelos
Texto dedicado ao meu amigo Luís Graça (***)
De tão densa a floresta, mal o sol penetra. Escura como a galeria funda de uma mina. Húmida e lúgubre, por vezes, apavora!
E que dizer dos ramos e mais ramos espinhosos que nos rasgam a pele? Das ardilosas covas abertas, pelas quais se pode desaparecer para sempre? Das ciladas dos animais? Sobretudo dos gatos brancos, pretos e amarelos, que, eriçados, soltam mios e mostram as garras, quando não se ocultam atrás dos troncos, das pedras e da folhagem. Os que nunca se abstêm de espiar, tanto os nossos gestos, como as nossas falas caladas.
Mesmo assim, não desistimos de cantarolar uma letra infantil que conta a história de um cão felpudo e sem abrigo, abandonado pelo seu dono por um amor havido a uma mulher… E enquanto os mochos, nas copas das árvores, piam, piam incansavelmente, lembrando viúvas a chorar, nós continuamos adiante, sem evitar os espinhos mais agudos, que nos deixam a sangrar. Mas, por muito exânimes, voltamos a repetir cada vez mais alto a cantilena, onde entra a história do cão abandonado… sem que alguma vez os gatos pretos, brancos e amarelos, nos percam de vista e, eriçados, mostrem as garras e espiem, espiem…
Apenas a memória do sol nos ilumina um pouco. A estrela que ainda mantém as suas marcas no nosso corpo, sobretudo nas mãos humedecidas, a fecharem-se e a abrirem-se, instintivamente, detendo e largando as ambições de outrora….
Só bem mais tarde, a inesperada clareira de um extenso lago, acaba por nos obrigar a interromper a marcha. E é, então, aí que os gatos pretos, brancos e amarelos, quais guardiões do fogo do inferno, logo se dispõem em volta, tornando impossível romper com aquele anel odioso de felinos! Apenas nos resta a oportunidade de matar a sede e quase fazer ruir o céu, ao cantarmos, de novo, a história aprendida na nossa infância.
Impensável é que, nesse instante, os gatos pretos, brancos e amarelos, fossem levados a distender as patas dianteiras, recolher as garras, inclinar as cabeças redondas, deixando-se, por fim, adormecer…
Quartel de Penafiel, 24- 10 - 1968
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(*) Vd. poste de 23 de junho de 2006 > Guiné 63/74 - P899: Diga se me ouve, escuto! (Renato Monteiro)
(**) Vd. também poste anterior, 23 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P898: Saudades do meu amigo Renato Monteiro (CART 2479/CART 11, Contuboel, Maio/Junho de 1969)
(***) Último poste da série > 24 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17276: Blogues da nossa blogosfera (77): Alda Cabrita, em 24/4/2015, à conversa com o gen trms ref Pena Madeira: uma história com h pequeno dentro da História com H grande, a colocação do cabo de transmissões no Posto de Comando do MFA, na Pontinha... (Uma homenagem à arma de transmissões: a não perder, amanhã, às 21h00, na RTP1, o documentário "A Voz e os Ouvidos do MFA")
2 comentários:
'A Minha Cave' é recomendável lá entrar.
Queiroz
Meu caro Renato: Obrigado pela dedicatória... Tanto quantoi sei, nesta altura, eras 1º cabo miliciano em Penafiel (Regimento de Artilharia Ligeira nº 5) e devias estar a dar instrução a uns desgraçados, rapidamente mobilizados para o Ultramar, como tu.... Em janeiro/fevereiro de 1969 já estás a fazer "a" (ou "o" ?) IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional coms os teus camaradas da CART 2479... Na sua parábol, ou fábula, não sei que gato és (preto, branco, amarelo ?), mas entendo a amarga ironia do teu texto: eras já presa e presador ao mesmo tempo...
Pela mesma altura, com um atraso de 3 meses, no que diz respeito à mobilizaçãio para a Guiné, a imagem que eu retinha para mim era a do cão: sentia-se "apanhado como um cão"... Nunca gostei de cães nem gatos...
Uma preciosidade, a tua cave... LG
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