1. Segunda parte do texto sobre tropas locais e africanização da guerra que é a adptação para publicação em livro do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra do texto que serviu de base a uma comunicação num seminário sobre a guerra colonial seus segredos, de autoria de Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (escritor e historiógrafo da guerra colonial), encaminhada para o nosso
Blogue por Mário Beja Santos:
A africanização na guerra colonial e as suas sequelas
“Tropas Locais – Os vilões nos ventos da História”
Carlos de Matos Gomes
A situação pós independência das tropas coloniais
O tratamento dado às tropas coloniais após as independências deve ser analisado tendo em conta os objectivos dos novos poderes vencedores. Mesmo considerando a grande carga de popularidade da nova ideologia libertadora anunciada nos programas dos movimentos de libertação, consubstanciada na perspectiva da construção de uma sociedade nova e mais justa, o que é certo é que, ainda mais do que anteriormente, se tratava de um contexto de pós-guerra com vencedores e vencidos, em que os grandes vencidos foram os que integraram as forças especiais africanas.
Relativamente aos africanos que integraram as unidades regulares do Exército e os que pertenceram às milícias, eles foram tratados como os restantes elementos da administração colonial, em regra sem particular violência, pelo menos a que excedesse vinganças localizadas e ajustes de contas.
Já quanto aos elementos das “tropas especiais africanas” a situação foi radicalmente diferente, embora distinta em cada um dos três teatros de operações. Estas unidades passaram de vitoriosas e portadoras de um projeto político, a vencidas e a traidoras de “raça” e de “classe”, sendo que raça estava associada à negritude e africanidade e classe à da exploração colonialista. Entre um Estado português em retirada, com pouca vontade política e quase nenhuma margem de manobra (sobretudo na Guiné e em Moçambique) para se empenhar em seu favor, e movimentos nacionalistas vitoriosos, que os encaravam com os piores olhos, devido não só ao papel que haviam desempenhado durante a guerra mas, também, à ameaça que representavam nos tempos de soberania incerta, que foram os das independências, o espaço de sobrevivência que lhes restou era estreito. Reparemos que, de acordo com as estimativas dos serviços de informações portugueses, existiam 11000 guerrilheiros de três movimentos em Angola, aos quais se podiam opor 37900 efectivos do antigo aparelho militar colonial de recrutamento local, na Guiné existiam 7000 guerrilheiros para 14100 tropas locais e em Moçambique de 6500 a 10000 guerrilheiros da FRELIMO para 30900 efectivos coloniais (Quadro 1).
Os dirigentes dos movimentos de libertação temiam esses militares a dois níveis, em primeiro lugar porque eles podiam constituir uma ameaça militar, um exército oponente e em segundo, mesmo que aceitassem integrar a “nova ordem” eles iriam concorrer com eles pelos lugares de comando e chefia, para os quais estavam tecnicamente mais habilitados. O que era insuportável para os vencedores.
No fundo, eles representavam a realidade que era necessário destruir para construir uma outra e foram o bode expiatório que justificou a violência utilizada pelos vencedores para imporem a sua lei e demonstrarem o seu poder.
Os vencedores, os movimentos de libertação, tinham por objectivo não só criar um novo estado, mas governá-lo. Governar o novo estado era a recompensa natural para quem tinha feito a guerra de libertação.
As contradições do discurso nacionalista e o confronto com a realidade colonial
O período que se seguiu às independências da Guiné, de Moçambique e de Angola e o tratamento dado às “tropas especiais africanas” são um brutal revelador da contradição entre as propostas da utopia de justiça e igualdade e a realidade dos interesses humanos, das contradições do discurso nacionalista, que estão na base da atual situação de África.
O discurso nacionalista africano assentou desde a sua fundação nos anos vinte do século passado numa contradição insuperável: condena a realidade que os nacionalistas não podem (e não puderam) deixar de impor como o seu projeto. Parece complicado, mas não é. É como o discurso de condenação do uso da gravata por alguém que sabe que terá de a usar quando ocupar um certo lugar onde ela é obrigatória.
Mário de Andrade, um dos grandes teóricos do nacionalismo africano, é um bom exemplo dessas contradições. Ele defendia que o nacionalismo africano devia ter como objectivo a defesa da história de África, isto é, a defesa da ideia de que a África tinha uma história antes da chegada dos colonizadores europeus, tinha estruturas sociais, politicas, económicas e afirmava que o nacionalismo devia ter como objectivo restituir a dignidade aos africanos, libertando-os da exploração colonial . Outros autores, como Kwame Nkrumah, influenciado pelas teorias da modernização política, mais devedores da ideologia revolucionária, defendiam que o objectivo do nacionalismo era construir o homem novo e a sociedade nova. Propunha a africanização dos quadros administrativos do estado pós-colonial africano para promover o desenvolvimento económico e substituir as velhas tradições culturais africanas por uma nova elite governamental sucessora e tecnicamente apta para assumir o governo nos países africanos.
A realidade por detrás dos discursos era bem diferente e não podia deixar de o ser. Quanto à historicidade, os dirigentes nacionalistas africanos, maioritariamente urbanizados, destribalizados e ocidentalizados, frutos quase todos da necessidade do colonialismo criar quadros locais para melhorar a eficácia da sua atividade exploradora, aceitaram reescrever a história das colónias que queriam promover a nações de acordo com as fronteiras definidas pelos europeus na Conferência de Berlim, o ato fundador do colonialismo, tipicamente a-histórico, e aceitaram as estruturas politicas europeias do estado-nação. Nenhum propugnou pela reversão da situação pré-colonial de África. A OUA defendeu sempre as fronteiras coloniais.
Mais, os movimentos nacionalistas e os seus dirigentes foram muito activos no ataque às autoridades tradicionais africanas, a pretexto de lutar contra o tribalismo.
Se a historicidade não foi, de facto, um argumento consistente e coerente do nacionalismo africano, a questão da libertação do homem africano da exploração colonial também não era, não foi e não podia ser um objectivo realizável, desde logo porque o subdesenvolvimento de África obrigava os seus povos a integrarem-se no sistema de trocas desigual instituído pelo capitalismo, o que levava os africanos, como ainda hoje leva, a terem de vender o seu trabalho para exportarem matérias primas em bruto e a comprarem produtos elaborados e de alto valor acrescentado. Estavam e estão sujeitos ao capitalismo na sua fase imperialista. A essa exploração geral acrescenta-se a exploração particular feita pelas elites locais sobre a generalidade dos seus povos.
É pois, num contexto em que os novos poderes não têm condições de criar um novo homem africano, nem de impor uma visão histórica pré-colonial nos seus territórios e não podem, nem querem acabar com a exploração, que eles têm de realizar o único objectivo que lhes resta e repetindo: criar um estado-nação e governá-lo. Isto é replicar o que existe um pouco por todo o mundo.
É essa interpretação que levou Hobsbawm a afirmar que o nacionalismo é um projeto político da elite proto-nacionalista, o precursor político da construção do Estado nacional do tipo que, após a Revolução Francesa, se tornou padrão universal em diversos continentes e contextos. “Sem esse projeto político de elites o nacionalismo seria uma palavra vazia de conteúdo”.
Para atingirem este objectivo, os novos poderes tiveram de encontrar soluções para os antigos aparelhos deixados pelo poder colonial, entre eles, os antigos militares das “forças especiais africanas”, aquelas que mais claramente lhes revelavam as contradições e os vazios do seu projeto.
A solução do PAIGC e da FRELIMO para a Guiné-Bissau e para Moçambique foram idênticas: desmantelá-los numa primeira fase e eliminá-los numa segunda. A solução de Angola, onde após a independência os três movimentos iniciaram uma violentíssima guerra civil, a solução foi cada um deles aproveitar esses militares para reforçar as suas forças.
Vejamos o caso particular de cada um.
A Guiné foi, dos três territórios, aquele em que o contexto se apresentava mais favorável aos vencedores, com o PAIGC vitorioso do ponto de vista militar, e portanto pouco aberto à negociações e compromissos. As forças portuguesas, após uma longa guerra travada em difíceis condições, queriam retirar rapidamente. Mas, a Guiné era também o território onde as tropas especiais africanas mais haviam evoluído, a ponto de constituírem um verdadeiro exército organizado em batalhões e companhias, à semelhança das forças armadas portuguesas, com grande experiência de combate e, portanto, representando uma verdadeira ameaça para o novo regime. Consequentemente, este foi impiedoso, localizando, prendendo e executando sumariamente a maior parte dos seus efetivos.
Moçambique apresentava, nas vésperas da independência, um quadro com algumas semelhanças ao da Guiné. O golpe do 25 de Abril trouxe a FRELIMO para a antecâmara do poder, um movimento pouco inclinado a negociar qualquer solução de integração das tropas especiais africanas – parte da “máquina militar colonial” que devia ser desmantelada. A FRELIMO interpretava o seu próprio percurso histórico, em que o chamado conflito interno entre revolucionários e reaccionários se havia saldado pela vitória dos primeiros, cuja vanguarda era representada pelo próprio aparelho militar. As Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) constituíam o último reduto da pureza revolucionária, que não poderia ser conspurcado pela presença das forças coloniais . De um ponto de vista pragmático, a integração de uma força de várias dezenas de milhares de homens nas FPLM, que teriam entre 7 e 10 mil combatentes, significaria, no mínimo, uma imprudência. As forças africanas comprometidas com o regime colonial passaram a ser tratadas como fazendo parte do «inimigo interno», e como tal seriam «punidas e purificadas», embora a punição e a purificação não tenham atingido os níveis de violência da Guiné.
Em Angola o contexto foi diferente, devido à fragmentação do movimento de libertação em três unidades autónomas, com capacidade militar, embora diferenciada, para conquistar o poder. O facto das tensões político-militares terem prosseguido ininterruptamente, favoreceu a integração dos milhares de homens das unidades especiais africanas, em contraste com a Guiné e Moçambique. Os TE localizados em Cabinda desertaram de imediato com as suas armas para engrossarem as fileiras da Frente de Libertação de Cabinda (FLEC), enquanto os grupos estacionados na fronteira norte (Zaire), compostos maioritariamente por combatentes oriundos do sul, aceitaram o programa de desmobilização e indemnizações oferecido pelas autoridades portuguesas, e regressaram às suas terras, onde grande parte aderiu à UNITA. Os cerca de 3000 homens dos GE encontravam-se dispersos por todo o território de Angola, sobretudo no norte e no leste. Também a estes foi oferecido um programa de desmobilização e indemnizações. Tratando-se de uma força de base étnica, estacionada nos locais de recrutamento, grande parte terá integrado as forças militares da FNLA e do MPLA, consoante se localizavam na área de influência de um ou outro destes movimentos.
A situação em relação aos Flechas era mais delicada, quer porque se tratava da tropa especial com mais experiência de combate e com um passado de operações com grande autonomia, ao serviço da PIDE/DGS, embora houvesse para eles o mesmo plano de desmobilização com indemnizações, as autoridades da transição foram adiando a sua desmobilização porque temiam precipitar uma situação que era já de si altamente explosiva. A previsão das autoridades, nesta altura, era de que três quartos do contingente se integrariam na Unita, um quarto no MPLA, e uma franja insignificante na FNLA, o que não terá estado muito longe da realidade.
Finalmente, a situação das tropas africanas estrangeiras constituiu, o problema mais complexo de resolver, sobretudo no caso dos Fiéis catangueses, que na altura totalizavam cerca de 2400 homens, que permaneceram organizadas e em prontidão de combate depois do 25 de Abril. Várias hipóteses de dissolução desta força foram discutidas pelas autoridades, nomeadamente a sua desmobilização com indemnizações (como sucedia com as restantes forças), a negociação diplomática para o seu regresso ao Zaire ou, ainda, a discussão com as respectivas autoridades para a sua transferência para a Rodésia e África do Sul. Procurando reter os Fiéis em Angola o mais possível, até porque estes ameaçavam, na ausência de soluções alternativas, invadir o Zaire para «morrer em combate contra Mobutu», as autoridades portuguesas negociaram a sua integração no MPLA, que acolheu a perspectiva de bom grado, dada a sua notória inferioridade militar em relação à FNLA. Reforçado por elementos dos GE e dos Flechas, e agora também pelos Fiéis, o MPLA manteve a posse de Luanda e retomou o controlo do nordeste e de Cabinda. Destino idêntico tiveram os Leais, integrados na UNITA e nas tropas sul-africanas no então Sudoeste africano.
Criar e governar um Estado
O modo como os novos poderes procedentes dos movimentos de libertação lidaram com as estruturas coloniais e com os seus agentes, quer os civis, quer os militares, após as independências de cada uma das ex-colónias portugueses de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, revelou as dificuldades dos nacionalismos africanos do início da segunda metade do século XX em criarem novas realidades políticas essencialmente diferentes das deixadas pelo colonialismo.
Após as independências, fosse por reconhecimento de um facto já internacionalmente reconhecido, como no caso da Guiné-Bissau, fosse por negociação, os dirigentes dos movimentos que haviam conduzido a luta contra o colonialismo português tiveram como principal tarefa criar um estado-nação nos territórios que haviam sido as colónias portuguesas de Angola, Guiné e Moçambique, posteriormente designadas de Províncias Ultramarinas e governá-lo com maior justiça do que a da potência colonial. Esse era o problema que lhes cabia resolver. Para o conseguirem, a primeira questão era instalarem-se o mais fortemente que lhes fosse possível no poder e exercê-lo do modo mais eficaz para o manterem.
Perante este problema, os novos dirigentes foram confrontados com tensão criada por duas forças opostas; de um lado a utopia revolucionária em que haviam fundado as suas justificações para a luta, o que os obrigava a destruir o que existia; e do outro a realidade, a de que Angola, Guiné-Bissau e Moçambique tinham a sua história e essa história resultava em boa parte da acção de uma potência colonial, que tinha implantado estruturas de governo e administração envolvendo nelas pessoas, meios e métodos, que tinha conduzido uma politica de implantação de colonos, da qual havia resultado um determinado tipo de relacionamento.
Em resumo, havia uma realidade que eram as colónias de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, constituídas pelos grupos étnicos habitantes tradicionais dos territórios e pelas comunidades europeias estabelecidas há mais ou menos tempo, por uma administração civil em que, grosso modo, os postos mais elevados e os médios eram ocupados por quadros metropolitanos, ou seus descendentes e os postos médios baixos e baixos eram providos por naturais, urbanizados e assimilados e uma estrutura de defesa e segurança, exército e polícias, onde vigorava o mesmo sistema da administração, quadros superiores metropolitanos, quadros inferiores e efetivos de linha preenchidos por elementos locais.
Esta era a realidade pré-existente aos nacionalismos africanos e às lutas anti-coloniais. Como disse Frantz Fanon , foi o colonizador que fez o colonizado. A luta anti-colonial teve por objectivo declarado derrotar e expulsar o colonizador, criar uma realidade nova, com novas estruturas politicas, novas relações e até um homem novo, liberto da exploração do colonialismo. O objetivo da luta anti-colonial e dos seus movimentos era fundar uma nova sociedade em que a utopia devia realizar-se.
A resultante do sistema de forças entre a utopia revolucionária e a realidade da herança colonial, dificilmente seria positiva, mas, para piorar as hipóteses de sucesso, surgiam ainda a realidade das fraquezas humanas, da ambição dos vencedores ocuparem os lugares dos vencidos e ainda de terem de retribuir os apoios aos seus aliados internacionais, o que, no ambiente de guerra fria da altura, significava servir os interesses estratégicos da União Soviética e, nalguns casos da China.
Os quatro elementos que balizaram as relações entre os novos poderes no período pós-independência em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique são assim: a) uma aliciante ideologia de tipo salvífico, libertador e messiânico, extraída do marxismo que a União Soviética exportou para os países do Terceiro Mundo no pós-segunda guerra; b) uma realidade colonial complexa; c) a ambição e os defeitos humanos, potenciados por uma luta vitoriosa; e) uma sujeição estratégica ao bloco soviético, que fora o aliado mais generoso e interessado das lutas de libertação.
Estes quatro fatores, comuns às três colónias onde ocorreu o conflito armado, embora em graus diversos, produzirão resultados semelhantes: a destruição das estruturas politicas, económicas e administrativas deixadas pela potência colonial, de que a expulsão dos colonos e quadros locais foi o primeiro passo, a ocupação dos lugares de comando da sociedade por elementos dos novos poderes, a aliança estratégica ao bloco Leste e a guerra civil.
A política: condição determinante do resultado da guerra
A leitura dos números de efetivos militares portugueses de recrutamento local nos três Teatros de Operações de Angola, Guiné e Moçambique (Quadro 1), num exercício a que nos estudos de situação das escolas militares de estado maior se chama “Análise do Potencial Relativo de Combate”, poderia levar à conclusão de que os militares africanos ao serviço das forças armadas portuguesas e da politica do governo de Lisboa, estavam em clara vantagem relativamente às forças de guerrilheiros. Três vezes e meia superiores em Angola, duas vezes na Guiné, três vezes em Moçambique. Em termos de quantidade e até em qualidade (organização, treino, enquadramento, equipamento) estas forças eram manifestamente superiores e podiam ter mantido o conflito numa situação de nem paz nem guerra, nem vitória nem derrota. Podiam, no mínimo, ter negado a vitória aos seus oponentes.
Aparentemente assim era, mas a guerra é antes de mais uma questão política e é essa a grande lição que podemos retirar da forma como a guerra colonial foi resolvida. O resultado da guerra colonial é a demonstração eloquente de não haver lugar a vitórias militares na guerra. O resultado da guerra colonial portuguesa foi determinado pelas condições políticas em que ela foi travada. Condições políticas internas e externas. Internamente, a guerra tornara-se um fardo insuportável para setores cada vez mais alargados e mais importantes da sociedade, que se conjugaram nos quadros intermédios das forças armadas, proporcionando-lhe o ambiente e as condições para derrubarem o governo que defendia o colonialismo através dela. Internacionalmente, o colonialismo era, no pós-segunda guerra, uma situação política insustentável. Um continente derrotado e devastado como era a Europa do pós-guerra, não podia manter colónias contra a vontade e os interesses das potências vencedoras, que apoiaram ativamente a emergência de líderes locais para substituírem os poderes coloniais, na convicção de que aqueles seriam mais fáceis de controlar e de, através deles, obterem maior controlo das riquezas (o que se veio a verificar), ou de ganharem vantagens estratégicas (caso da URSS).
O colonialismo português era, neste contexto, duplamente anacrónico, na medida em que durante o período áureo do colonialismo, da Conferência de Berlim à II GM, não dispôs de capacidade para transformar as matérias primas de África, por falta de industrias instaladas na metrópole e, a partir da II GM, era anacrónico na medida em que ficou numa situação de oposição às políticas dos seus principais aliados, a começar pela super-potência da sua zona, os EUA. Acresce ainda que a incompetência da condução da guerra feita pelos governos de Salazar e de Marcelo Caetano, que esgotaram os seus quadros militares em comissões sucessivas e não souberam utilizar de forma económica os seus recursos.
A africanização da guerra foi uma solução conhecida, que adiou a solução final, mas também a dificultou, e, acima de tudo, criou as condições para milhares de homens que serviram as forças portuguesas terem por isso sofrido torturas e mortes com sofrimentos horrorosos, que não dignificaram também os vencedores. Eles foram vítimas de um processo político que os ultrapassou.
A violência como vulgaridade no processo histórico no período pós independência
A história do modo como os novos poderes lidaram com as estruturas coloniais, incluindo os elementos locais que pertenceram às estruturas civis e militares criadas por Portugal, enquanto potência colonial, pode resumir-se na exclamação de Breno aos romanos, ao atirar a espada para cima da balança em que se pesava o ouro para pagar a partida dos gauleses:
Vae victis! – Ai dos vencidos. Nada de novo em termos históricos, pois apenas confirma comportamentos e atitudes recorrentes. Não há, pois, nenhuma moral a tirar, apenas uma conclusão: a de que a racionalidade das decisões dos homens é determinada em primeira instância pelas relações de força. Isto é, que o poder é a primeira fonte da razão e que a consideração pelas consequências das decisões está sempre sujeita ao contributo que estas podem dar ao exercício do domínio.
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Bibliografia:
Coelho, João Paulo Borges (2002) “African Troops in the Portuguese Colonial Army, 1961-1974: Angola, Guinea-Bissau and Mozambique”. Portuguese Studies Review, nº10, 2002.
Telo, António José, “Campanha de Moçambique”, in Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes (org), Portugal e a Grande Guerra. Lisboa: Diário de Noticias, 2003.
Rocha, Edgar (1977) “Portugal, anos 60: crescimento económico acelerado e papel das relações com as colónias”, Análise Social, VOL. XIII (51), 3.°, 1977.
Estado-Maior do Exército, “Dispositivo das Nossas Forças”, Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 2º, 3º, 4º Vols. Lisboa: EME, 1989.
Andrade, Mário Pinto de, Origens do Nacionalismo Africano. Lisboa: D.Quixote, 1998.
Birmingham, David, Kwame Nkrumah: The father of African nationalism. Ohio: Ohio Press University, 1998.
Hobsbawm, Eric J., A Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 2ªed, 1995.
Fanon, Frantz, Os Condenados da Terra. Lisboa: Ulisseia, 1961
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Nota de CV:
Vd. poste de 27 de Setembro de 2012 >
Guiné 63/74 - P10446: A africanização na guerra colonial e as suas sequelas (1) (Carlos Matos Gomes)