Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António, auscultando uma idosa/ Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 17 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Cuban doctor Antonio checking up heartbeat - 1974 (Nesta altura havia mais um cirurgião e um enfermeiro cubanos, cujos nomes não são conyecidos, na base de Sara, para além do dr. António, de apelido também desconhecido.)
Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António, auscultando uma jovem mulher / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 21 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974
Guiné-Bissau > Região do Oio > Sara > Março-abril de 1974 > Médico do PAIGC, cubano, o dr. António, falando doentes, sempre na presença de um intérpetre (ao centro) / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 22 - Infirmary in Sara, Guinea-Bissau - Heartbeat check up by doctor Antonio - 1974.
1. O PAIGC munca controlou 2/3 do território da antiga Guiné Portuguesa, na altura da luta armada pela independência. Foi um mito habilmente fabricado e explorado por Amílcar Cabral. Nem nunca teve "hospitais" no interior do território, em zonas como a base de Sara, a sudeste do Morés e a nordeste de Mansoa. Teve, isso sim, pequenas enfermarias do mato, guarnecidas por um ou outro médico cubano e enfermeira local, formada "ad hoc"... As condições de higiene, segurança, assepsia e antissepsia, eram deploráveis. Fazia-se, excecionalmente, alguma pequena cirurgia ambulatória (sem banco de sangue, anestesia geral, gerador elétrico, ou simples material para desinfeção e esterilização, ou até simples água potável, etc.) e consultas, "públicas", de clínica geral, como as fotos de Roel Coutinho (*) documentam.
O médico holandês deve ter passado por aqui algumas semanas, pelo menos fotografou os seus colegas cubanos a trabalhar em condições inacreditáveis... O arsenal terapêutico era extremamente rudimentar. Em casos mais graves mas excecionais, os doentes podiam ser transportados até à fronteira do Senegal, de padiola (operação que levava 4 dias), e depois em viatura automóvel até ao hospital de Ziguinchor.
Estas fotos também fazem, de algum modo, parte daquilo a que chamos uma "estética da guerra de libertação"... A saúde, a educação, os "armazéns do povo", etc., foram temas bastante focados pelos fotojornalistas e outros visitantes das "regiões libertadas" do PAIGC (***)...
Sabemos, de resto, que "não há revoluções sem propaganda". Sem mitos, rituais, "folclore", "mentiras piedosas", etc. Mas, no caso do médico Roel Coutinho, acreditamos na sua boa fé. As suas fotos (mais de 700) pretendem documentar uma realidade, exótica para ele, mas sobre a qual não parece fazer juízos de valor. As suas fotos só foram doadas à ASC Leiden e tornadas públicas na Net quando a "revolução...fotogénica" de Amílcar Cabral e do seu PAIGC já há muito tinha passado de moda...
2. Já aqui transcrevemos em tempos o depoimento de um médico-cirurgião cubano, Domingo Diaz Delgado (n.1936), respeitante à sua passagem, no segundo semestre de 1966, pelas bases de Sambuiá, Maqué, Morés e Sará, na Frente Norte (**).
[…] "Luís Cabral levou-me até Ziguinchor. Aí permaneci dois ou três dias, tendo-me encontrado com os chefes militares mais importantes que actuavam no Norte da Guiné, entre eles Osvaldo Vieira (1938-1974) porque, como era o primeiro cubano que ali chegava, estavam à minha espera.
Despediram-se de mim [6 de julho de 1966] e saí com um grupo de combatentes. Era noite quando cruzei a fronteira por essa zona escoltado por uns quantos. A caminhada, feita por um terreno acidentado, para mim foi terrível. Demorei quatro a cinco horas até chegar à primeira base guerrilheira que se chamava Sambuiá. Passei a noite nessa base, já com os pés bastante maltratados.
Essa caminhada que fiz em quatro ou cinco horas, quando regressei fi-la em cinquenta minutos, porque tinha menos trinta quilos e levava já um ano caminhando naquele terreno.
Passada a noite nesse lugar, de madrugada retomámos a caminhada até à próxima base da guerrilha, penetrando profundamente no território da Guiné (Bissau).
À volta de quarenta minutos caminhámos com uma vegetação que nos protegia da aviação, mas para alcançar o rio Farim, que teríamos de atravessar para chegar à base de Maqué, faltava ainda percorrer sete quilómetros muito planos, e sem qualquer protecção natural".
(...) "Pouco habituado a estas tarefas, caminhava lentamente face ao estado em que estavam os meus pés e todo o corpo. O meu estado de desespero também começou a dar sinais e que não me deixava ficar tranquilo, e não dava conta que olhavam para o céu, uma vez que naquele lugar os helicópteros armados e os jactos (aviões de guerra), metralhavam e matavam quem fosse detectado. Os guerrilheiros estavam desesperados porque tinham que zelar pela minha segurança, pois era o primeiro médico que ali chegava.
Finalmente chegámos ao rio Farim, onde o abundante caudal tornava difícil a sua travessia nas pequenas canoas que eles fabricavam com troncos de árvores. Atravessámos o rio e chegámos pela noite à base de Maqué, onde levava dois dias a andar e estava bastante mal.
No trajecto tivemos de beber água em más condições. Ali a água potável era a dos rios, e eles habituaram-se a fazer uns buracos na terra, bem localizados e escondidos para encherem quando chovia. Ao longo do itinerário realizado sabiam onde tinham os buracos para tirar a água com terra e era a que, a partir desse momento, comecei a beber.
Como era o primeiro grupo cubano na Guiné (Bissau), não tínhamos antecedentes. Quando cheguei à base de Maqué já as diarreias começavam a fazer estragos, mas nem por isso deixámos de comer o que encontrávamos pelo caminho. No dia seguinte, antes de amanhecer, reiniciámos a caminhada, avançando pelo país até alcançar a base de Morés. Nesse lugar estivemos um dia, seguindo, depois, uma nova caminhada até chegar à base onde permaneci cerca de seis meses: Sará". […]
Guiné - Bisssu > Região do Oio > Base de Sará > 1966 > Cubanos: da esquerda para a direita, o instrutor militar tenente Alfonso Pérez Morales (Pina); o ortopedista Tendy Ojeda Suárez; o cirurgião Domingo Diaz Delgado e o médico de clínica-geral Pedro Labarrere. (In: Hedelberto López Blanchi - "Historias Secretas de Médicos Cubanos", La Habana, Ediciones "La Memoria", Centro Cultural "Pablo de la Torriente Brau", 2005, 237 pp. Com a devida vénia...)
Acrescente-se que o Domingo Dias Delgado, nome de guerra Demétrio (passou dois anos na Guiné=, escreveu ainda recentemente um livro de memórias (2018): "Memorias de Demetrio : un médico guerrillero en Guinea Bissau" (La Habana, Cuba : Editorial Capitán San Luis, 2018, 189 pp,, + ilustrações)
(...) "A base de Sará estava praticamente no centro do território. Aqui já estavam dois companheiros médicos do meu grupo, dos três que saíram de Cuba em avião, o ortopedista Teudi Ojeda e o médico Pedro Labarrere, e os três fomos os únicos que naquele tempo [1966] estivemos na Zona Norte. De Sará, estávamos a quatro dias de distância da fronteira [Senegal] e não era fácil transportar coisas para lá.
Tínhamos um pequeno arsenal de medicamentos, instrumentos cirúrgicos, mas muito rudimentar, para resolver problemas que se apresentassem naquele tipo de conflito. A possibilidade de enviar feridos até à fronteira era muito escassa, pela distância e a maneira de os transportar, e a forma como se movimentava o inimigo.
O acampamento mudava de lugar em certas ocasiões, pois apesar de que nesse tempo era uma base guerrilheira, não se podia permanecer fixo e havia que mudá-lo constantemente para maior segurança. Chegou o momento em que detectaram a base, e a aviação a atacou e a metralhou em várias ocasiões.
De qualquer maneira, nós permanecemos cerca de seis meses nessa base [até dezembro de 66] e depois de vários bombardeamentos vimo-nos na obrigação de mudar o hospital [enfermaria no mato] para outro lugar que ficava a hora e meia dessa base". […]
Mapa da Frente Norte – região do Oio – assinalando-se as bases por onde passou o médico Domingo Diaz Delgado, no 2º semestre de 1966: Sambuiá, Maqué, Morés, Sará.
Infografia: Jorge Araújo (2018)
Guiné > PAIGC > 1970 > Algures, numa "área libertada" > "Dzsungel lakók", em húngaro, gente do mato... A guerra de libertação teve muito pouco de romântico. Os militares portugueses que combateram o PAIGC na Guiné, sabem quão duras eram as condições de vida, tanto dos seus combatentes como da população sob o seu controlo, dentro das fronteiras do território da antiga província portuguesa da Guiné ... A foto é do fotojornalista húngaro Bara István (n. 1942) que visitou, a partir de Conacri, algumas dessas regiões, no sul, em 1970, embebbed nas fileiras do PAIGC.
Foto: Foto Bara (http://www.fotobara.hu/galeria.htm) (já não está disponível "on line", a não ser no Arquivo.pt: https://arquivo.pt/wayback/20090707123742/http://www.fotobara.hu/galeria.htm)
3. Escreveu o António Graça de Abreu ("Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura". Lisboa: Guerra e Paz, Editores, SA, 2007, p. 94):
Mansoa, 3 de Maio de 1973
Na região de Mansoa, as NT capturam mais elementos IN, ou aparentados com os guerrilheiros, do que em Canchungo. Normalmente chegam ao nosso CAOP com um aspecto lastimável, a subnutrição, as doenças, a miséria têm tomado conta deste pobre povo que vive nas regiões libertadas.
Os prisioneiros são quase sempre mulheres que se deslocam às povoações controladas pelas NT, a fim de venderem por exemplo mancarra (amendoim), óleo ou vinho de palma, e são capturadas nas estradas ou nos caminhos em volta dos nossos aquartelamentos.
Chegam descalças, andrajosas, às vezes com filhos pequenos às costas a chupar os peitos secos e mirrados. Dói, só de olhar.
São interrogadas, é-lhes pedido todo o tipo de informações sobre os acampamentos, o armamento, as aldeias controladas pelo IN onde vivem os seus maridos, os seus familiares.
Como é natural, estas mulheres falam muito pouco e também magoa o coração ver como são tratadas. É minha tarefa comprar-lhes uns trapinhos novos para tapar o corpo, umas sandálias de plástico para protegerem os pés.
Também se capturam elementos IN dos sexo masculino. Há dias um deles, que gozava de um regime de semi-liberdade, foi apanhado a fugir do quartel, já do outro lado do arame farpado, Deu a desculpa de que ia cagar.
Alguns prisioneiros são utilizados como guias nas operações das NT contra os santuários IN. Quando começa o tiroteiro, têm o hábito de escapar e de se refugiar na mata, por isso, às vezes seguem à frente das NT levando uma corda grande amarrada em volta da cintura. Se tentam a fuga, procurando desligar-se da corda, são por norma abatidos.(...)