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domingo, 12 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24060: Notas de leitura (1553): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte XI: Cobumba, manga de minas?!... Vamos lá levantá-las e noutro dia arrasar aquela... brincadeira!


Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956)  > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda,  Cobumba, Cufar e rio Cumbijã.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Continuação da leitura do livro de Manuel Andrezo, pseudónimo literário de Aurélio Manuel Trindade, ten-gen ref,  que foi cap inf no CTIG, o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6. Fez a sua comissão sempre em Bedanda, entre julho de 1965 e julho de 1967. (*)

Com mais três comissões, primeiro na Índia, depois em Moçambique, como capitão (1962/64) e outra em Angola, já como major (1971/73), é um militar condecorado com Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, Cruz de Guerra, colectiva, de 1.ª classe, Cruz de Guerra de 2.ª Classe, Ordem Militar de Avis, Grau Cavaleiro, Medalha de Mérito Militar de 3.ª Classe e ainda Prémio Governador da Guiné.

Participou no 25 de Abril, como major, tinha então 41 anos e estava colocado na EPI, Mafra. 

À frente da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), o cap inf Trindade revelou-se um excecional comandante operacional, como testemunha o episódio autobiográfico, um pouco extenso mas revelador das qualidades de um grande milatar de infantaria que a seguir se transcreve (no original, "Alerta Minas!, pp, 57-65).

 A narrativa. em que o autor privilegia os diálogos (entre o "capitão Cristo" e os seus subordinados, os alferes e o seu guarda-costa, Lassen), é também reveladora das duras condições em se travava a guerra contra o PAIGC. 

Na época (1965/67), o IN já recorria em larga escala a um das mais sujas e temíveis armas, que eram as minas A/C e A/P, além das armadilhas ou fornilhos. Provocaram muitas vítimas, entre mortos e estropiados. 

Numa companhia, de praças africanas e quadros metropolitanos, como a 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, em que não havia um sargento sapador, o capitão determinado e destemido,  pega na sua  faca de mato e em 10 metros de cordão,  e faz, ele mesmo,  esse trabalho, meticuloso e perigoso, que era levantar as minas, identificadas pelos picadores, no percurso entre o porto exterior de Bedanda e as imediações da tabanca de Cobumba... Ou seja, nas barbas da guerrilha e da população IN. Com 3 Gr Com e dois morteiros 81.  Em seis horas, das 10h00 às 16h00, levantou quatro minas, que deram direito ao prémio então instituído por apreensão de material ao IN em combate. Com o dinheiro recebido, os participamtes da operação fizeram uma farra, beberam uns bons  copos de cerveja.

Percebe-se melhor, com episódios como este, porque é que houve, no TO da Guiné, grandes combatentes, grandes comandantes operacionais
que sabiam mandar e ser obedecidos, não porque puxavam dos galões, mas porque  davam o exemplo como líderes  (etimologicamente falando, os que vão à frente mostrando o caminho). O cap inf Trindade foi seguramente um deles.

Imagem à direita: pormenor da capa do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército. Na foto da capa, podemos ver o "capitão Cristo"("alter ego" do autor), sentado ao centro, com a mão direita no rosto, visivelmente bem disposto, em agradável convívio na casa do Zé Saldatnha [
antigo militar,   e depois encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia]. Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o dono da casa, o Zé Saldanha.






Cobumba, manga de minas ?!... Vamos lá levantá-las 
e noutro dia arrasar aquela... brincadeira! 
(pp. 57-65)

por Manuel Andrezo / Aurélio Manuel Trindade

Cobumba, logo do outro lado do [rio ] Cumbijã [a oeste de Bedanda] era uma área controlada pelos guerrilheiros e constituía um perigo para a navegação no rio e também para o pessoal
dos barcos quando ancorados no porto exterior de Bedanda

A tabanca ficava a 2 km do porto e todos os homens estavam armados constituindo uma milícia do inimigo.

Nas proximidades havia um acampamento de guerrilheiros que tinha por missão estabelecer a ligação a Chugué e a Cabolol, ao mesmo tempo que controlava a tabanca e flagelava o porto. 

Cobumba está localizada na área da companhia de Cufar, mas o que lá se passa interessa mais a Bedanda porque é pelo rio e pelo porto que a Companhia, uma vez por mês, recebe os géneros para a alimentação, as munições e todos os demais reabastecimentos, incluindo medicamentos. É portanto uma área sensível para os militares de Bedanda

É raro a companhia de Cufar subir 
frequente a de Bedanda, com ou saté Cobumba, mas éem autorização do Comando do Batalhão, penetrar na área, atravessando o rio de noite no porto exterior. 

Por isso e porque a livre descarga dos barcos sempre preocupou o capitão Cristo em termos de segurança, resolveu atravessar o rio, penetrar em Cobumba e fazer uma batida para localizar o acampamento inimigo. Era preciso ir lá urgentemente, até para poder combater o mal-estar causado por aquela outra operação em que nem o rio foi atravessado.

─ Lassen 
 [1] ─ chamou o capitão Cristo, ─ vai chamar os nossos alferes.

─ Sim, nosso capitão. Também vou chamar o nosso alferes Ribeiro?

─ Sim, Lassen, quero aqui no gabinete todos os nossos alferes.

Meia hora depois os alferes batiam à porta do gabinete do capitão e entravam.

─ Bom dia, meu capitão, há guerra?

─ Guerra há sempre porque estamos em zona de combate e cercados por todos os lados. Agora, no entanto, quero tratar duma guerra especial. Falem-me de Cobumba, começamos pelo Oliveira.

─ Meu capitão, eu nunca fui a Cobumba pois estou na companhia há pouco tempo. Dizem que é perigoso ir lá sem apoio aéreo. Os guerrilheiros estão no meio da população e todos os homens estão armados. Dizem que o caminho entre o porto e a tabanca está minado.

─ Carvalho, sou todo ouvidos.

─ Meu capitão, o Oliveira tem razão. É uma zona má. É impossível chegar lá de surpresa, o rio é muito largo. Peço ao meu capitão para pensar um pouco antes de decidir ir lá sem outra companhia.

─ Muito bem, é a sua vez, Cordeiro.

─ Meu capitão, aquilo em Cobumba é duro, mas quem vai à guerra dá e leva. É verdade o que já foi dito. Penso, no entanto, que ou vamos sozinhos ou não vamos, porque o batalhão não vai pôr uma companhia à nossa disposição.

─ Se quiser ir a Cobumba, ─ diz o Ribeiro ─ conte comigo que eu gosto de festa. 
Tudo o que foi dito sobre Cobumba é verdade. Já lá fui e fiquei à porta, não nos deixaram entrar na povoação. É uma tabanca grande, com as casas espalhadas e estendidas de ambos os lados da estrada. O terreno favorece quem defende. Quando lá fui apenas chegámos até às primeiras casas. Depois, bem depois foi o inferno e tivemos que retirar. Todos os homens estão armados. Um grupo mais aguerrido está num acampamento que fica próximo, quase, quase agarrado à povoação. Além disso, Cobumba pode ser facilmente reforçada por indivíduos vindos do Chugué e de Cabolol. Penso que é possível lá ir, mas teremos dissabores. Além disso, o porto exterior, do lado de lá, costuma estar minado e a estrada para Cobumba também. Para mim, no entanto, o mais perigoso é atravessar o rio que é largo naquele ponto e tem de ser atravessado de noite. Para aniquilar a 1ª secção, basta um homem do lado de lá, à espera, pronto para lançar uma granada de mão para dentro do barco. Se tal acontecer, perdemos uma secção e não atravessamos o rio. É possível irmos lá mas com muito cuidado.

─ Muito bem, estou elucidado. Em resumo, riscos elevados na travessia, um percurso por estrada minada, baixas se uma mina for accionada e guerrilheiros postos em alerta. Na povoação, quando lá chegarmos, encontraremos um grupo aguerrido que nos vai impedir a entrada e que pode ser rapidamente reforçado. No final, temos que retirar e regressar ao rio para o atravessar de novo com a hipótese de, nessa altura, sermos acossados pelos guerrilheiros. É este o resumo de tudo o que me disseram. Eu acrescentaria que não temos apoio aéreo e que se tivermos mortos ou feridos teremos que os trazer para casa às costas. Correcto, este resumo?

─ Está sim, meu capitão ─ disseram os alferes.

─ Muito bem 
 disse o capitão Cristo. ─ Vamos a Cobumba por fases. Na 1ª fase levantamos as minas no porto exterior e limpamos a estrada. Vamos fazer isto amanhã. Quem na companhia já levantou minas?

─ Ninguém, disse o Ribeiro. ─ Tínhamos um sargento que fazia isso mas já foi transferido. Eu posso levantar.

Como ninguém sabe levantar minas vou fazer eu o serviço. Saímos amanhã de manhã, às 9 horas. Vou eu com o Ribeiro, o Cordeiro e o Carvalho. O Oliveira toma conta do aquartelamento e providencia para que, às 10 horas da manhã, estejam três barcos de borracha com motor no porto exterior. Vai lá uma camioneta levá-los para não cansar os homens. Vamos a pé e quando chegarmos, o pelotão do Carvalho entra nos barcos e passa para a outra margem ficando instalado a sul da estrada. Os barcos regressam e passam o pelotão do Cordeiro que vai ficar do lado norte da estrada. O Ribeiro monta segurança no porto, do lado de Badanda, impedindo envolvimentos. Leva dois morteiros 81 e monta uma base de fogos no mesmo local. Nomeia um sargento e três soldados para picarem o porto e a estrada. Sinalizam as minas e eu levanto-as. Não regressamos a casa enquanto não picarmos a estrada e as minas não forem levantadas. Eu não posso levantar as minas e comandar a tropa ao mesmo tempo. O Cordeiro substitui-me no comando da tropa que está na margem do lado de Cobumba enquanto eu estiver a levantar as minas. Tem de resolver todos os problemas porque eu não venho embora sem levantar as minas e não deixo o meu trabalho por mais tiroteio que haja. A vossa missão é dar-me segurança, a mim e aos homens que picam a estrada. Entendido?

─ Sim, meu capitão.

─ Só mais uma coisa. Formem os homens meia hora antes de sairmos e expliquem-lhes o que vamos fazer e qual o nosso objectivo. Quero que seja bem frisado que não pretendemos ir a Cobumba mas apenas levantar as minas para termos o porto e a estrada desimpedidos. Quando regressarmos, quero que os homens possam comparar o que fizemos com o objectivo que tínhamos e deduzam se cumprimos ou não a missão. Podem sair. Às 9 horas estamos todos na povoação comercial para sairmos.

─ Até logo, meu capitão ─ disseram os alferes.

─ Até logo.

À saída do gabinete os alferes traziam cara de preocupados. O caso não era para menos. Iam levantar minas e só o capitão as sabia levantar. Uma mina podia rebentar e perdiam logo o capitão. Podiam ter que pagar um preço muito elevado pelas minas.

O capitão tinha razão. As minas tinham que ser levantadas para demonstrar aos guerrilheiros que não valeria a pena voltarem a colocá-las porque não seria isso que impediria o avanço da tropa de Bedanda quando esta quisesse passar. 

Por outro lado, ia haver tiroteio de certeza. Os guerrilheiros ouviriam as camionetas e os motores dos barcos, e instalar-se-iam na orla da tabanca à espera da tropa. É certo que se tudo resultasse, esta acção iria ter um efeito positivo no moral dos soldados, enquanto os guerrilheiros ficariam preocupados e com o moral em baixo.

Os pensamentos do capitão e dos seus alferes, quais seriam? Apreensão? Receio? Todos tinham que saber o que fazer no caso de a operação dar para o torto. Todos tinham que estar preocupados em providenciar todo o material necessário para o trabalho que iam executar. O capitão Cristo transmitiu as ordens ao seu guarda-costas.

─ Lassen, quero a minha arma bem limpa aqui no gabinete. Quero todos os carregadores com munições e quatro granadas de mão, duas ofensivas e duas defensivas. Quero a minha faca de mato preparada e quero um cordão com dez metros de comprimento. Não quero o cordão muito grosso. Dizes ao nosso sargento do material de guerra que se não tiver cordão bom na arrecadação que vá à povoação comercial comprá-lo. Quero ver tudo isso antes da noite. Vamos sair, prepara-te para saíres comigo.

─ Sim senhor, nosso capitão. O Joãozinho 
 [1] também vai?

─ Vai, mas só lhe dizes amanhã de manhã ao café.

─ Onde vamos?

─ Não sei, e a ti não te deve interessar muito o local onde vamos.

No dia seguinte, às 9 horas da manhã, o capitão chegou à povoação com os pelotões do Carvalho e do Cordeiro. O Ribeiro já estava à sua espera com o seu pelotão pronto para integrar a coluna. O capitão mandou o Ribeiro seguir à frente pois a segurança no porto era a primeira acção a executar. A seguir ia o Carvalho e por fim o Cordeiro.

Seguiam pela ordem em que tinham de actuar. Praticamente não houve conversas. Os oficiais tinham confiança uns nos outros e sabiam que todos se tinham preparado muito bem para cumprirem a sua parte da missão. Às 10 horas chegaram ao porto exterior ao mesmo tempo que chegavam as viaturas com os barcos que, rapidamente, foram preparados para a travessia. O Carvalho atravessou com o seu pelotão e desapareceu no tarrafo  [2] 

Os barcos regressam e só um deles iniciou nova viagem para transportar o capitão, os seus guarda-costas e a equipa que ia picar a estrada. O capitão desembarcou e esperou na outra margem enquanto a equipa de picagem começava picar o porto e a estrada. O barco regressou à outra margem, por segurança. Estava tudo silencioso. 

Os homens do Carvalho e do Cordeiro estavam já à frente, a cerca de 1 km da margem. Foram mandados parar e abrigar nos ouriques da bolanha. No porto não foi localizada nenhuma mina. Começaram a picar a estrada e de imediato localizaram e sinalizaram uma mina. Foram também mandados parar e abrigar-se nos ouriques  [3]  . O capitão Cristo avançou.

─ Cordeiro, aqui Cristo. Foi localizada a primeira mina, vou começar o levantamento. Como vai isso por aí? Está tudo demasiado silencioso. Tanto tu como o Carvalho devem ter cuidado com os fulanos. O pior que nos podia acontecer era os gajos meterem-se entre nós e o rio em vez de nos atacarem do lado de Cobumba, escuto.

─ Cristo, aqui Cordeiro. Vejo alguns elementos a vigiarem-nos do lado da povoação. Julgo que eles ainda não perceberam qual é a nossa ideia, escuto.

─ Cordeiro, aqui Cristo, aguenta o barco e não me chateies mais.

─ Ribeiro, aqui Cristo. Morteiros apontados a Cobumba. Fogo apenas à ordem do Cordeiro. Aguenta-me essa retaguarda e cuidado com envolvimentos por indivíduos que atravessem o rio, mais acima ou mais abaixo. Sem ti e sem os teus barcos estamos perdidos.

─ Cristo, aqui Ribeiro. Esteja descansado. Se eles quiserem vir que venham pois saberão que estamos muito bem preparados para uma boa recepção. Sorte no levantamento das minas.

─ Cordeiro, Carvalho e Ribeiro, aqui Cristo. Vou iniciar agora o trabalho. Terminado.

O capitão, com a sua faca de mato, começou a picar a estrada a toda a volta da mina. Identificou esta mina e transmitiu a identificação ao Lassen para que a transmitisse aos pelotões. O Lassen transmitiu a indicação.

─ Cordeiro, Carvalho, Ribeiro, mina identificada. É de madeira e de pressão. Cristo continua a picar a terra em volta para a desenterrar completamente porque receia que esteja armadilhada. Terminado.

O capitão, indiferente a tudo o que se passava à sua volta, continuava a picar a terra, tentando fazer um buraco debaixo da mina. O suor escorria-lhe pela testa. Era grande a tensão pois sabia que um pequeno erro podia ser a sua morte ou, no mínimo, a sua incapacidade física. Os seus guarda-costas estavam a 5 metros de distância com os ouvidos atentos à voz do capitão. 

Eles sabiam, como veteranos de guerra que eram, que o seu capitão corria perigo e que eles nada podiam fazer para o ajudar. Conseguiu furar a terra por baixo da mina sem a molestar e começou a passar o cordão por baixo. O cordão passou, a mina foi amarrada e o capitão disse ao Lassen para informar os alferes.

─ Carvalho, Cordeiro, Ribeiro. Mina presa pelo cordão, capitão vai puxar a mina depois de se abrigar. Se rebentar, é porque está armadilhada e não há problema. Terminado.

A mina foi puxada e não rebentou. O capitão retirou e guardou o cordão, tendo de imediato retirado o detonador da mina. Entregou a mina ao Joãozinho para que a fosse levar ao porto, tendo recomendado para que o detonador e a mina ficassem separados, e seguiu para o local onde outra mina já tinha sido localizada. Já havia três minas localizadas e os picadores ainda só tinham andado 300 metros.

Agora, junto da segunda mina, o capitão começou a repetir as operações de levantamento. O terreno desta vez era mais duro. A mina foi identificada e era igual à anterior. Mais uma vez o Lassen informou os alferes e perguntou se havia novidades por Cobumba.

─ Cristo, aqui Cordeiro, há movimentos em Cobumba. Deve estar próximo um arraial de porrada, escuto.

─ Cordeiro, Cristo diz para aguentares. Mas se necessário, avancem mais um bocadinho. Continua a não querer entrar em Cobumba, a missão principal é protegêlo enquanto levanta as minas. Diga se entendeu, escuto.

─ Lassen, aqui Cordeiro, ─ diz ao Cristo que o festival vai ser grande, mas nós aguentamos. Terminado.

O capitão continuava a levantar a mina. Já estava toda a descoberto, faltava apenas fazer o buraco por baixo para meter o cordão quando o tiroteio rebentou. O barulho dos tiros dos guerrilheiros e a resposta dos soldados tornavam aquela área um inferno. Calmamente, o capitão continuava a levantar a mina.

─ Cristo, aqui Cordeiro, isto está um inferno. A orla da povoação está cheia de homens e de armas. Estou a ser atacado e o Carvalho também. É difícil aguentar o barco, acabe com as minas senão ainda cá ficamos todos.

─ Cordeiro, aqui Cristo, não exagere. Eles não querem que a gente levante as minas, mas eu vou levantá-las, é a nossa missão principal. Aguenta-te e não me chateies que eu tenho que me concentrar no que estou a fazer. Pede ao Ribeiro fogo de morteiro sobre Cobumba, vê com a Companhia para apoio de fogo de artilharia. Assim que terminar o trabalho eu digo-te e vamos embora. A segunda mina está pronta a ser puxada e só tenho mais duas para levantar. Terminado.

─ Nosso capitão, ─ disse o Lassen ─ há uma metralhadora enfiar-nos, os tiros batem aqui perto de nós. Deixe isso porque parado e desabrigado é um bom alvo.

─ Lassen, vai chatear a tua tia. Quem manda aqui és tu ou sou eu? Se tens medo vai-te embora que isto aqui é para machos.

Se nosso capitão fica eu fico, mas isto está muito perigoso. Eu e o Joãozinho vamos tomar posições.

─ Afasta-te. Não quero ninguém a menos de 5 metros de mim. Agora deixa-me trabalhar.

Já tinham ido duas minas e a terceira estava quase. Serenamente o capitão Cristo levantou a terceira e ainda uma quarta. Nem ouvia o tiroteio à sua volta. Os alferes estavam preocupados, mas a pressão dos guerrilheiros abrandou com as granadas de morteiro e da artilharia sobre Cobumba. O tiroteio foi diminuindo e terminou com tiros esporádicos, mais para mostrar presença do que para vencer a batalha. O capitão tinha vencido. Bedanda tinha cumprido a missão e os soldados aperceberam-se de que massa era feito o seu capitão.

─ Cordeiro, Carvalho e Ribeiro, levantei as quatro minas. Não foi localizada mais nenhuma. Cumprida a missão, vamos regressar a Bedanda. O Ribeiro manda avançar os barcos para a margem de cá. O Carvalho e o Cordeiro mandam retirar metade dos pelotões e tomam posição junto do tarrafo do porto e aguardam. Logo que estejam instalados, os restantes avançam para os barcos. Na segunda viagem vai o resto do pessoal. O Ribeiro fica atento. Se recomeçar o tiroteio vindo de Cobumba, devemos nós recomeçar o fogo sobre a povoação. Assim que chegarmos à outra banda regressamos à Companhia. Os barcos vão nas viaturas que já devem estar voltadas para Bedanda. Escuto.

─ Cristo, aqui Cordeiro. Entendido, escuto.

─ Aqui Cristo, vou dirigir-me para o porto.
 
Apenas com tiros esporádicos dos guerrilheiros fez-se a travessia do Cumbijã. O regresso a Bedanda foi o prémio apetecido. Tinham começado a acção às 10 horas da manhã e só foi dada como terminada às 4 horas da tarde. Tinha valido a pena o sacrifício e toda a tensão vivida porque a missão foi cumprida e provaram aos guerrilheiros e à própria companhia que eram capazes de ir a Cobumba, sempre que quisessem, as minas não seriam obstáculo. 

Todo o dinheiro das minas ─ o material capturado dava origem a uma gratificação ─ foi transformado em cerveja. Beberam oficiais, sargentos e praças, todos os que tinham tomado parte na operação. A alegria era grande entre todos. Antes de ir descansar, o capitão falou com os alferes.

─ Tudo correu bem e a vossa tropa portou-se maravilhosamente. Fizemos o que tínhamos planeado e isso é importante. É preciso mostrar ao inimigo e aos nossos soldados que vamos onde quisermos e quando quisermos. Por isso, nunca podemos deixar de cumprir as missões que planearmos. Obrigado ao Antunes, o nosso artilheiro-mor, pelo apoio de fogo que nos prestou. Estamos todos de parabéns. Digam isso aos homens. Depois de amanhã, voltamos a Cobumba para arrasar aquela brincadeira. Falaremos disso amanhã. Agora vão descansar, que bem precisam.

─ Lassen.

─ Pronto, nosso capitão.

─ Pega na arma e nas granadas. Quero tudo bem limpo e arrumado. Vou-me deitar. Que ninguém me acorde. Enquanto eu não sair do gabinete não estou para ninguém a não ser que o sangue comece a correr no quartel. Diz isso aos nossos alferes. Se eu não aparecer à hora de jantar, jantam sem mim.

─ Sim senhor, nosso capitão

E assim começou o repouso e o descanso dos guerreiros.
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Notas:

 [1 ] Larsen e Joãozinho: guarda-costas do capitão.

 [2] Tarrafo: terreno junto dum rio com arborização ligeira por oposição a mata cerrada.

[3] Ouriques: diques, numa bolanha, geralmente feito de lama e paus, para controlar a entrada e saída de água nos arrozais.

[Seleção / revisão e fixação de texto / parênteses retos / título / negritos, para efeitos de publicação neste blogue: LG]
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Último poste da série "Notas de leitura" > 10 de fevereiro de  2023 > Guiné 61/74 - P24055: Notas de leitura (1552): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2) (Mário Beja Santos)

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24059: Os nossos seres, saberes e lazeres (555): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (89): Uma visita ao Museu Nacional de Arte Antiga, a neta questiona tudo (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
As solicitações de uma menina de 12 anos merecem ser correspondidas, já sei o que é a disciplina de HGP, caminhamos para o liberalismo e começámos na civilização muçulmana, veio agora a incumbência de fazer um relatório a uma viagem de museu, fui confrontado com o facto consumado de que a neta escolhera uma casa de que gosta muito, o Museu Nacional de Arte Antiga, tem boas vistas e boa comida, ainda por cima, impunha-se fazer uma seleção de temas, na viagem acertámos o que lhe interessava versar, nada do estilo indo-português, nem muito ourivesaria, acresce que de vez em quando havia que fazer uma pausa, ó avô, vim trabalhar, um chocolate com meia torrada a meio da manhã vai-me despertar a vontade de visitar mais coisas... Tal como aconteceu e muito me entusiasmou, a menina gosta dos presépios de Machado de Castro, detesta as chávenas arrebicadas de que o avô gosta e estranhamente nem pediu para ver o Bosch, anda em viagem, ficará para uma próxima. Aqui está mais ou menos metade do percurso, o resto fica para a semana.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (89):
Uma visita ao Museu Nacional de Arte Antiga, a neta questiona tudo (1)


Mário Beja Santos

O telefonema trepidante, carregado de urgências, veio ao fim da tarde de sexta-feira, o avô fica a saber que a neta tem de fazer um trabalho de HGP, tem que o entregar na quinta-feira próxima, cada um de nós lá da turma pode visitar um museu, vamos organizar quem vai aonde e o que vai ver, olhe, avô, lembrei-me de irmos àquele museu que tem tudo e mais alguma coisa de antigo, lembra-se? Crucifixos muito velhos, tapeçarias, presépios, coisas do Japão, aqueles painéis que o avô diz que é obra de valor universal, não há retrato de um grupo no século XV como aquele? Pois foi o que eu escolhi, e a professora aceitou, preferia que fosse amanhã a visita, assim tenho domingo para começar a escrever, tiramos os dois imagens e o avô depois ajuda-me a comentar, está bem? Tenho que fazer uma apresentação, um ou dois parágrafos sobre a história do museu e fazer uma escolha de objetos, pode ser amanhã, e depois vamos almoçar?
E lá fomos, o frio ajudou a passarmos prontamente para o interior, falou-se do convento que tinha sido, com capela, pois claro, falou-se da extinção das ordens religiosas, e da calamidade que dali sobreveio para muita arte espoliada, e depois a obra de D. Fernando II, o marido de D. Maria da Glória, foi o dínamo desta organização museológica, evitou outras calamidades, imagina tu que a Custódia de Belém esteve para ser derretida, vamos então fazer uma escolha de objetos de arte, organiza-se por temas, está descansada que vamos ver os painéis, sim, vamos almoçar depois desta visita. Olha, vamos começar pelos barristas e pelos presépios, não demoramos muito.

Repara bem nestas figuras de presépio, vê o equilíbrio das formas, a indumentária da figura do meio, a sensibilidade e ternura que marca o rosto daquele pastor que leva uma ovelhinha para o Deus Menino, não achas isto uma preciosidade?
Em dado momento, os barristas quiseram associar figuras régias aos presépios, afinal os reis foram adorar Deus, tens aqui o rei Baltasar, no século XVIII, o negro está presente na sociedade portuguesa, podes vê-lo nestas duas obras de arte, olha bem para o recamado do vestuário do rei Baltasar e a organização do trio de jovens que vão levar presentes ao Menino.
Não sei o que te diga, há quem diga que estas obras de arte não passam de arte decorativa, só vejo talento e centelha de génio na organização e arrumação deste espaço, o equilíbrio das formas dentro desta encenação barroca onde não faltam motivos clássicos, olha bem para aquelas colunas da esquerda com capitel dórico, vê a disposição e iluminação, que assegura uma leitura espiritual, um chamamento à devoção.
O Mês de Abril, Baltasar Gomes Figueira e Josefa d’Ayala, dita Josefa de Óbidos, 1668

Ó neta, já viste Baltasar Figueira, o pai da Josefa, no Museu Municipal de Óbidos e a Josefa nas pinturas da igreja, neste século XVII não tivemos melhor pintor que a Josefa no que toca a temas religiosos e naturezas-mortas, aqui parece que estamos a assistir a um hino à pujança primaveril, com a amenidade do céu ao fundo, no espaço intermédio a linearidade do casario, que bela organização do espaço, não achas?
Trono real

Vamos lá ver o que esta sala nos reserva, temos aqui o sr. D. João VI, às vezes questiono se não houve uma conspiração de todos os artistas que o pintaram, o regente e depois el Rei nunca deveu nada à beleza, o ponto curioso é que os historiadores dão conta da inteligência e da habilidade política do monarca, mesmo quando foi desfeiteado e traído pela mulher e pelo seu filho Miguel, pô-los com dono, mas teve um destino bem amargurado e olhando bem de frente este trono sou levado a pensar que há por ali espinhos que ninguém vê e dores que ninguém mais pode sentir, ó neta, são coisas da minha imaginação, o trono pode ter algum esplendor mas francamente acho-o uma coisa compacta, com reminiscências do estilo Império, vamos adiante.
Doido como sou por chávenas, impossível deixar de contemplar estas peças de rara finura e coloração

Atravessamos agora uma sala e sinto que a neta suspira, lá está o avô a dar atenção ao bricabraque, como se não tivesse alguns móveis atulhados desta loiça, é a minha vez de pedir vamos adiante, tenho um trabalho para fazer, garanto que não vou falar destas chávenas.
Centro de mesa da Baixela Germain

Neta, eu devia ter aí uns onze anos quando visitei este espaço e quero que acredites que devia haver uma certa falta de dinheiro para limpar as pratas, tudo muito escurecido, o olho desvalorizava, agora tudo nos aparece flamejante, como deve ser para se entender o portentoso desta encomenda, até posso imagina D. João V a receber embaixadores num daqueles jantares intermináveis com toda esta panóplia, invejável em qualquer corte, a delicadeza das formas, a natural harmonia das peças, o cuidado dos aspetos mais minuciosos, veja-se os rendilhados, a ondulação da base, o peso ornamental dos braços, que tesouro universal a que nos podemos arrogar!
Outra peça saída do genial ourives Germain. A graciosidade com que aquelas mãos sopesam o bico, a habilidade daquela pega, nem a carantonha, um tanto simiesca, nos amedronta, e que bonita solução encontrada naquele chapéu, por onde se enche de líquido, o que uma lamparina aquece. Para quê mais palavras?
Apolo e as Musas, manufatura de Bruxelas, século XVIII

Continuamos em movimento, neta, estas tapeçarias não eram só para provocar emoção estética, aqueciam ou resguardavam, temos tapeçaria do que há de melhor no mundo, havemos de ir à Manufatura de Tapeçarias de Portalegre e ao respetivo museu, vais pasmar com os tesouros que fabricamos, mas é sempre bom olhar para estas obras-primas que nos vieram dos Países-Baixos ou de Itália ou de França, há para aqui muitos temas mitológicos, como há a glorificação da nossa chegada à Índia ou conquistas do Norte de África, temáticas não nos faltaram, hoje vai pelo que somos brindados pela imaginação dos nossos artistas, podem ser Almada, Camarinha, Menez, entre tantos outros.
Sala do Palácio de Paar, em Viena, século XVIII, doação de Antenor Patiño

Este boliviano que deu uma festa de estalo na altura em que Salazar se acidentou (agosto de 1968) mimoseou este museu com doações ímpares, pensa tu, ó neta, o trabalhão que é desmontar, encaixotar e pôr tudo noutra sala, num país longínquo, este esplendor de outrora, e como nos sentimos impressionados e até confusos, porque não há nada, nem antes nem depois, que se aparente no percurso que fazemos até chegarmos à pintura que tu tanto anseias.
A Virgem com o Menino, de Hans Memling, c. 1485

Podes confiar na minha seleção, este Hans Memling vi dele uma exposição comemorativa de centenário em Bruges, corria o ano de 1994, lá estava esta Virgem com o Menino. Não nos podemos gabar de termos uma coleção extraordinária de grandes mestres europeus, mas tu vais agora desfrutar de outros que por direito próprio podiam estar nos melhores museus do mundo.
Milagre de Santo Eusébio de Cremona, por Rafael Sanzio, século XVI

Este Rafael, sabe-se lá porquê, cada vez que o contemplo aqui, obriga-me a pôr a imaginação aos saltos, volto aos Museus Vaticanos e paro embasbacado diante da Escola de Atenas, que quadro colossal, o pior é que está bem perto de um dos maiores tesouros da pintura universal, a Capela Sistina, daqui saímos esmagados.
Santo Agostinho, por Piero della Francesca, século XV

Uma das prendas que a minha mãe me deu quando fiz o 5º ano de liceu foi um livrinho com reproduções de Piero della Francesca, altamente representado na Galeria dos Ofícios, em Florença. O que impressiona aqui é como o grande pintor meteu num género de tábua um santo meditativo, de olhar distante e com a pujança de um Doutor da Igreja, só falta saltar para o chão, e mantendo o báculo na mão, citar-nos As Confissões. Neta, vamos agora fazer um break, tenho a impressão que o melhor está para vir.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24037: Os nossos seres, saberes e lazeres (554): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (88): Leeds, a próspera, sempre em renovação, aqui dá gosto ser pedestre (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24058: Agenda cultural (829): Convite para a apresentação do livro "Volfrâmio: Suor o deu, miséria o levou - Cambra na diáspora", por Alberto Bastos, dia 13 de Fevereiro (segunda-feira), pelas 18,30 horas, sede da Universidade Popular do Porto, Rua da Bovista, 736

C O N V I T E


APRESENTAÇÃO DO LIVRO "VOLFRÂMIO 'SUOR O DEU, MISÉRIA O LEVOU'", CAMBRA NA DIÁSPORA"


A Associação Cívica Alberto Bastos e a UPP - Universidade Popular do Porto têm o prazer de tornar público o convite para a apresentação do livro de Alberto Bastos "Volfrâmio 'Suor o deu, miséria o levou' - Cambra na diáspora" na segunda-feira, 13 de fevereiro às 18.30 horas.

O livro, que integra as duas peças de teatro designadas no título, será apresentado por Adão Pinho Cruz e José Soares.

A sessão será presencial na sede da UPP com entrada livre, na Rua da Boavista 736, mas pode também ser acompanhada por videoconferência (neste caso deverá ser ser feita inscrição prévia por email para secretaria@upp.pt para posterior envio dos dados de acesso).

Recorde-se que o Alberto Bastos (1948-2022), natural de Vale de Cambra, foi alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73). Morreu de doença súbita, logo no início do ano de 2022.  Entrou para a Tabanca Grande, a título póstumo, no dia 11 de janeiro de 2022.

Guiné 61/74 - P24057: Blogues da nossa blogosfera (177): Os helicópteros Kamov Ka-32 do nosso descontentamento... (Luís Graça, A Nossa Quinta de Candoz, 29 de agosto de 2009)





Vídeo 1: 0' 50''



Vídeo 2: 1' 23"


Vídeo 3. 0' 20"

Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > 29 de Agosto de 2009 > O Kamov Ka-32 em acção na nossa terra, o heli pesado de combate a incêndios florestais, de fabrico russo... Foi um fim de semana de incêndios... Neste caso, o fogo era no Juncal, freguesia de Paredes de Viadores, ali bem perto... Um heli pesado, ao serviço da ANPC, andava, à nossa frente, num rodopio constante, abastecendo-se de água na barragem do Carrapatelo (que fica à nossa direita)... Fotos e vídeos feitos a partir nossa varanda, na  Quinta de Candoz. 

A experiência dos Kamov Ka-32 no combate contra incêndios em Portugal parece não ter sido feliz... Não sei qual o balanço feito  pela Autoridade Nacional de Proteção Civil.  Os seis Kamov Ka-32  acabaram por ir parar à FAP, e precisavam de peças para a sua manutenção. Estiveram inoperacionais durante vários anos... Mais recentemente foram oferecidos pelo Governo Português ao Governo da Ucrânia...  (O Kamov Ka-32 custa, por unidade,  cerca 6,5 milhões de dólares.)  


Fotos e vídeos (e legendas):  © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  No CTIG, o heli era uma "máquina de terror" para os homens que combatíamos na Guiné (e as populações sobre o seu controlo), sobretudo o helicanhão (ou "lobo mau", na gíria da malta da FAP). 

Para nós, o heli estava associado a cobertura aérea das NT, helioperações (com os páras e comandos),  mortos e feridos, evacuações Y (ipsilon) ou, na melhor das hipóteses, uma visita do Caco Baldé, o Homem Grande Bissaau, o Com-Chefe, o gen Spínola... 

Ainda hoje, para mim, o som do heli é como o tinonim da ambulância do 112: ambos pressagia(va)m desgraça, aflição, aperto, catástrofes, acidentes, guerra, morte... (Mas sabia, bem, no mato, em operações, na Guiné, sentir o helicanhão ou o T-6 por ali perto de nós,  temos que o reconhecer...).

Claro, eu hoje sei que o heli têm múltiplas aplicações, não só militarrs, como civis (desde
passear turistas, transportar doentes, combater incêndios, resgatar náugrafos, etc.). 
 
Em boa verdade, quem andava de heli, no meu/nosso  tempo, no CTIG, quem se podia dar o luxo de andar de heli (e fazia gala disso) era o gen Spínola, governador-geral e comandante-chefe... E aparecia a "desoras", quando menos se esperava... O nosso heli, o Al-III,  de fabrico francês, era também por isso o terror dos comandantes de batalhão... 

O seu custo de operação era de 15 contos por hora  (lia-se nos relatórios)... Quinze contos por hora, em 1969, equivalia, a preços de hoje, a cinco mil euros... Era  "manga de patacão":  dava para comprar cerca de 300 garrafas de uísque novo... ou para ir ao restaurante cerca de 750 vezes... ou para ir ao Pilão ou ao Bataclã todas semanas durante uma comissão...

2. Já aqui falámos, em tempos desses  sons de helicóptero que ainda hoje mexem connosco" (*)... De facto, depois da "peluda", nunca os senti tão perto como na nossa Quinta de Candoz, num mês de agosto lá longínquo,  em que lá estava a passar férias... Já aqui contei a história no blogue A Nossa Quinta de Candoz (**).

(...) Estava na hora do almoço quando ao fim de uma manhã soalheirenta, ouvi, lá fora, um som que me era familiar, o som caraterístico e inconfundível de um helicóptero... Saí logo de casa, a correr, levando a máquina fotográfica, e vou ao nosso miradouro da quinta, contíguo à casa, para ver o que se passava...

A noroeste, a escassos dois quilómetros,  em linha reta, havia um incêncio nos "montes", em pleno coração do território  da nossa freguesia, para os lados da ermida de Nossa Senhora do Socorro, diziam unsm  ou talvez para os lados do Juncal, diziam outros.  Era  o primeiro incêndio, felizmente, que o povo sinalizava naquele ano por aquelas  bandas... (Os nossos "montes", esses, já tinham ardido várias vezes, nos últimos vinte ou trinta anos.)

Um heli dirigiu-se ao Rio Douro,  à albufeira do Carrapatelo, que fica a escassos cinco quilómetreos em linha reta, para se abastecer de água... Foi e veio três vezes. Daqui via-se (e continua a ver-se)  uma parte da albufeira, de Candoz vê-se Porto Antigo, já no conselho de Cinfães, distrito de Viseu, Estamos  a 250/300 metros do nivel do mar... e rodeados de floresta e montanha.

Desta vez, o  incêndio foi rapidamenmte extinto. Mas o raio do som do heli ficou a mexer comigo... Velhas recordações da Guiné, dos anos de 1969/71... (***)  


3. Sobre esta aeronave, ao serviço da ANPC (Autoridade Nacional de Proteção Civil), pudemos na altura ler o seguinte no sítio Área Militar (o link foi, infelizmente, descontinuado, o blogue já não deve existir, mas a página foi capturada pelo Arquivo,pt):

(...) "Portugal adquiriu seis destas aeronaves, na sua versão para combate a incêndios. Os Ka-32 portugueses estarão equipados com um depósito suspenso do tipo «balde» com capacidade para até 5000 litros de Água.

"O Kamov Ka-32 consegue transportar quase tanta água como a aeronave de combate aos fogos Canadair, podendo reabastecer-se tanto em rios como em simples lagos, onde a aeronave do Canadá não pode operar. Além de operações de combate a incêncios os Kamov KA-32A portugueses ao serviço da 'Protecção Civil' também colaboraram em operações de busca e salvamento" (...)

...) "Família de helicópteros Ka-25, foi concebida originalmente por Nikolai Kamov ainda nos anos 50 e o primeiro Ka-25 voou em 1961. Em 1967, um substituto para o Ka-25 começou a ser estudado. Desse estudo resultaria o helicóptero Ka-27 cujo primeiro voo ocorreu em 1974.

"A mais distintiva característica dos helicópteros Kamov, é a não existência de um rotor de cauda, que nos helicópteros convencionais é utilizada para compensar a rotação do rotor principal e manter a aeronave estável.  Ao contrário, os helicópteros da família Kamov, têm um sistema de dois conjuntos de três pás, montados num mesmo eixo, rodando cada um deles em posições opostas. A navegação é auxiliada pelos dois grandes lemes traseiros. Este tipo de configuração foi considerado adequado para operação a partir de navios, pois a não existência de cauda, torna a aeronave mais compacta" (...)

Características técnicas (para os amantes destes máquinas, agora ao serviço da paz):

(i) Dimensões: Comprimento: 11.3m; Envergadura: 15.9 m; Altura: 5.4 m.

(ii) Motores/ Potência: 2 x motores Klimov TV3-117V; Potência total: 4380 HP/CV

(iii) Peso / Capacidade de carga: Peso vazio: 6500 Kg; Peso máximo/descolagem: 11000 Kg; Numero de suportes p/ armas: 0; Capacidade de carga/armamento: 5000 Kg; Tripulação / passageiros: 2.

(iv) Velocidade/Autonomia: Velocidade Máxima: 270 Km/h; Máxima (nível do mar): Não disponível; De cruzeiro: 240 Km/h; Autonomia standard /carregado : 600 Km; Autonomia máxima / leve 800 Km; Altitude máxima: 6345 m

Fonte: Área Militar / Arquivo.pt (com a devida vénia) 

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Notas do editor

(*) Vd. 30 de 30 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13546: Blogoterapia (261): Esses sons de heli que ainda mexem connosco... (Luís Graça, en férias na Tabanca de Candoz)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24056: Facebok...ando (72): Nós, os antigos combatentes, porque nos tornaram proscritos? (Angelino Santos Silva, ex-fur mil 'cmd', 26ª CCmds, Bula, Teixeira Pinto e Bissau, 1970/72)


Capa e contracapa de um dos romances históricos do nosso camarada Angelino Santos Silva, "Geração de 70: época das chuvas" (edição de autor, 2014). (*)


I. O Angelino  Santos Silva (foto atual à esquerda), publicou na sua página do Facebook (em 16 de janeiro último) e replicou, na página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, a reflexão, que a seguir reproduzimos (com a devida vénia), sobre a nossa geração de combatentes da guerra colonial, nascida nos anos 40. 

O Angelino aceitou o nosso convite para ingressar na Tabanca Grande, a comunidade virtual de amigos e camaradas da Guiné que se reune neste blogue. Iremos apresentá-lo brevemente à nossa tertúlia.

Para já aqui um breve apontamento biográfico do autor:

(i) nasceu em novembro de 1948, na aldeia de Recarei, concelho de Paredes;

(ii)  concluído o ensino básico, fez os seus estudos na cidade do Porto;

(iii) aos 17 anos entra na Efacec como estagiário escolar, situação que se manteve até ingressar no Serviço Militar Obrigatório;

(iv) como trabalhador-estudante faz o SPI para entrada no Instituto Industrial do Porto;

(v) em 1969 vai para o CIOE, em Lamego, para frequentar o Curso de Comandos, com vista à Guerra Colonial Portuguesa em África;

(vi) integrado na 26ª Companhia de Comandos, em março de 1970 embarca no navio Niassa para a Guiné, local onde esteve 22 meses (passando por  Bula, Teixeira Pinto e Bissau);

(vii)  em março de 71, sofre em combate um "acidente" provocado por mina anticarro que o projecta a cerca de 30 metros; porque ia dependurado no lado contrário ao rebentamento da mina, quis a sorte que ficasse apenas com algumas queimaduras nas costas, provocado pela água da bateria do camião cisterna, que ficou completamente destruído; sorte, que não tiveram os camaradas dentro do camião; esteve hospitalizado dois meses;
 
(viii) regressado à Efacec em 1972, inicia a carreira profissional como Técnico de Projetos de Engenharia de Equipamentos de Produção e Distribuição de Energia Elétrica, profissão que manteve até 1982;

(ix) em 1982 despede-se da Efacec e inicia uma nova carreira profissional como vendedor de Produtos Químicos de Manutenção Industrial; promovido a Chefe de Vendas ao fim de meio ano, foi promovido a Diretor Técnico/Comercial da zona Norte, ao fim de três anos, cargo que ocupou durante 20 anos na Quimivenda;

(x) o gosto pela escrita em prosa e poesia é de sempre, mas apenas em 2010 começou a publicar os seus textos; Pedaços de Vida foi o seu primeiro romance.(**)

(xi) sabemos que frequenta as Tabancas de Matosinhos e dos Melros;

(xii) contactos: Angelino Santos Silva > telem 912 998 600 | email: angelinosantossilva@gmail.com

 Fonte: Adapt. de Wook (com a devida vénia)


II. Facebok...ando  (***) > Nós, os combatentes: Porque nos tornaram  proscritos?

por Angelino Santos Silva

1. Para responder à questão, temos de recorrer à História, não só à que nos diz directamente respeito, mas também à dos nossos pais, ou seja, à história do país do séc. XX.

A vida é um somatório de passos por caminhos sinuosos com encruzilhadas à mistura. Por vezes temos dúvidas quanto ao caminho a tomar, porém, temos consciência de que temos de prosseguir por um. Noutros, alguém os escolhe por nós sem apelo nem agravo e poucas saídas nos restam para o evitar e sempre com custos elevados.

Nós, os Combatentes pertencemos a este último grupo: perante a maior encruzilhada que a vida nos reservou, alguém nos traçou o caminho e sem qualquer recurso, tivemos que o percorrer.

Vamos aos factos históricos.

A nossa Geração nasceu no período compreendido entre o início da II Guerra Mundial e poucos anos após o fim da mesma, ou seja, entre 1941 e 1953. Olhamos à distância de 70 ou 80 anos e sentimos um amor incomensurável pelos nossos pais, que nasceram no período compreendido entre o fim da Monarquia e os princípios da I República.
 
Enquanto miúdos, víamos o enorme sacrifício que faziam para nos subtrair a um estilo de vida de grande dificuldade que lhes era imposto pelo Estado Novo. Nessa época quase metade da população portuguesa era analfabeta, principalmente nas aldeias, sendo que – analfabeto  – significava apenas não saber ler e escrever com desenvoltura, porque da vida e do trabalho os nossos pais eram mestres: aos dez anos iniciavam uma profissão, aos vinte sabiam quase tudo sobre a mesma e aos trinta eram mestres na arte que escolheram para ofício. 

Para um país retrógrado como era o nosso, tal capacidade e empenho significava uma enorme riqueza, não aproveitada por um regime que mantinha pobre o seu povo e fazia da emigração, ou antes, dos dinheiros enviados pelos emigrantes, o seu pote de ouro. Porém, beneficiaram os países que acolheram a emigração, aproveitando a mão-de-obra barata depois do descalabro da II Guerra Mundial.

Por cá, o esforço e empenho dos nossos pais, também não foram aproveitados por quem tinha o dever de melhorar o nível social do país e acompanhar o desenvolvimento social da Europa do pós-guerra mundial. Aproveitamos nós - seus filhos - cada um por si e todos criamos condições para melhorar a vida de nossas famílias. 

E assim aconteceu: perante cada encruzilhada que nos foi surgindo após o Serviço Militar, não tivemos grandes dúvidas em escolher um caminho, sempre com os olhos postos no exemplo de nossos pais: os que continuaram a estudar após a 4ª classe (o ensino básico era obrigatório até aos 14 anos para quem reprovava) fizeram-no com o intuito de arranjar o melhor emprego possível e os que foram trabalhar legalmente após os 14 anos de idade, fizeram-no com o mesmo propósito. 

Todos melhoramos substancialmente as nossas vidas, criamos as bases para erradicar o analfabetismo e os nossos filhos têm hoje um razoável nível de vida. Parte significativa é licenciada e alguns já exibem um doutoramento. 

Porém, os seus filhos – nossos netos – estão nos antípodas das gerações de seus avós e pouco sabem sobre a nossa missão enquanto Combatentes na Guerra Colonial em África. Tudo é diferente nesta Nova Geração. Aparentemente, os miúdos do Séc. XXI – aos quais designo por Geração de Cristal – têm tudo ao seu alcance, mas na realidade, perante uma encruzilhada que lhes surja pela frente, já não têm tanta certeza, como a tiveram os seus pais e avós. 

É claro, que não é por culpa própria, mas sim pelas decisões políticas erradas tomadas pelas elites governantes, que a pretexto de salvar a “economia” criam dificuldades inultrapassáveis para a maioria das pessoas. 

Esta nova forma de “olhar o mundo“ e geri-lo sob um conceito estritamente económico, - o mesmo que dizer, proteger interesses dos mais ricos - está a transformar a vida dos jovens em uma “caixa de Pandora”. No ensino, parte dos cursos académicos estão desajustados às necessidades do tempo actual e de pouco servem aos licenciados, que se veem obrigados a aceitar um emprego para o qual não estudaram, precários e mal remunerados

Além da frustração que tal opção acarreta, os jovens tornam-se permeáveis aos problemas de foro psíquico e o recurso aos antidepressivos é cada vez mais frequente. Portugal é um dos países da Europa com maior prevalência do número de doenças psiquiátricas. 

No primeiro semestre de 2022 os portugueses compraram perto de 10,9 milhões de embalagens de ansiolíticos, sedativos e antidepressivos, o que representou um encargo para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de cerca de 32,5 milhões de euros. Em média, venderam-se mais de 59.732 embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos por dia, totalizando 10.871.282 nos primeiros seis meses do ano, o que representa um aumento de 4,1% face ao mesmo período de 2021 (10.439.500), segundo dados do Infarmed.

A pandemia veio acelerar este consumo, sendo que nos jovens se verificou o maior aumento.

Ao prosseguir nesta forma de “olhar o mundo”, ou seja, sob orientação puramente económica, chegaremos a 2030 com uma juventude sem perspectivas quanto ao futuro, com um curriculum académico puramente administrativo que pouco serve, sem emprego ou com emprego mal pago, insuficiente para fazer face à vida. 

Chegados aqui, teremos a Geração de Cristal transformada na “Geração dos Nem Nem” ou seja, Nem estudam, Nem trabalham, porque mais vale viver de subsídios. Se isto não for corrigido, a geração dos nossos netos será confrontada com um recuo civilizacional de um século e chegará ao tempo da Monarquia.

2. É muito importante que falemos aos nossos netos. É muito importante que lhes expliquemos, porque motivo existe, desde o 25 de Abril, um esforço da parte dos governantes em ignorar os Combatentes e se possível, fazer deles, cidadãos Proscritos ou seja, banidos da História de Portugal.
 
3. Este esforço tem sido feito por todos os governos com maior ou menor disfarce e todos comungam do mesmo objectivo: passar em branco as páginas da História da Guerra Colonial e nela, a dos Combatentes.

4. Cabe-nos, não permitir que tal objectivo tenha sucesso. Como fazer isso? Escrever. Escrever muito sobre nós, Combatentes.

5. Porque o tempo não pára e porque estamos confrontados com a verdade inquestionável da idade, deparamos com uma nova e derradeira encruzilhada: escrever sobre nós, utilizar as redes sociais falando sobre nós, porque no ensino escolar ninguém o faz.
 
6. Os nossos filhos também não, porque ao longo da vida familiar pouco falamos sobre a nossa presença em África, absorvidos que estávamos – tal como os nossos pais – a trabalhar para lhes dar um nível social melhor do que o nosso.
 
7. Entre nós falamos muito, facto que por vezes causava espanto aos nossos familiares, quando nos acompanhavam aos Encontros Anuais e encontros de ocasião.

8. Mas devemos falar mais, porque o tempo urge. Seremos hoje cerca de 250 mil, número com algum impacto, se unidos, coisa complicada num país que se uniu para derrubar o Estado Novo, mas logo se dividiu nas artimanhas dos políticos.
 
9. Porque, parte significativa de nós anda entre os 70 e 80 anos – os mais velhos já ultrapassaram este limite – daqui a 10 anos seremos talvez, menos de 50 mil, porque segundo as estatísticas é na idade dos 80 em diante que morre mais gente. Não fugiremos a esta realidade, até porque em cima de nós vieram algumas mazelas que nos causaram desgaste físico e psíquico.

10. De abril de 74 para cá, temos andado divididos entre religião, futebol e política. Tem sido este o desenho bem aproveitado pelos políticos, que sabem que quem não tem potencial para fazer lóbi, fica irremediavelmente para trás. E assim tem acontecido e acontece com os Antigos Combatentes, disfarçado com esmolas que “desarmam” alguns.
 
11. Se nos achamos injustiçados e entendemos fazer alguma coisa, está na hora de encontrar o caminho, porque o tempo urge e já não teremos outra encruzilhada pela frente. Esta será a última das nossas vidas.

• Quanto à pergunta, PORQUE NOS TORNARAM PROSCRITOS?

A resposta é fácil: depois de manipuladas e arregimentadas as gerações que fizeram a Guerra Colonial e, por consequência, a divisão do grupo de Capitães/Combatentes, que se tinham unido para derrubar o Estado Novo, nenhum dos governantes conheceu a guerra colonial portuguesa em África.

Um abraço a todos Combatentes.

Angelino dos Santos Silva
Combatente na Guerra Colonial Portuguesa na Guiné-Bissau

[Revisão e fixação de texto / Negritos, para efeitos de edição deste poste no nosso blogue: LG]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de
14 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15486: Notas de leitura (788): “Geração de 70”, por A. Santos Silva, Euedito, 2014 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24055: Notas de leitura (1552): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
O que há de verdadeiramente relevante nesta brochura, com pensamento de "companheiros de estrada" de inteletuais conservadores britânicos, no início da década de 1960? Era uma política pragmática, já não havia Império das Índias, tudo convergia para a Commonwealth, saber tirar partido do inglês, da educação, do sistema administrativo colonial reconvertido, da ajuda e cooperação. Ter os olhos bem abertos à presença sino-soviética, a grande divisão no bloco comunista estava já anunciada mas ainda não confirmada. Reconhecia-se o papel fulcral das Nações Unidas, como igualmente se reconhecia a existência de problemas momentosos como os da Rodésia e da África do Sul, não havia transigências para o Apartheid e temia-se que os governos de minoria branca incendiassem a África Austral. O império colonial português era considerado pelos conservadores como caduco e a intransigência de Salazar levaria o país para um beco sem saída, já que não existem soluções militares para as lutas de libertação, e o Bow Group propunha ao governo de Londres que ajudasse Portugal a negociar e não lhe vendesse armas com apoio técnico.

Um abraço do
Mário



Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (2)

Mário Beja Santos

É de questionar, antes de mais, qual o grau de utilidade de pôr em cima da mesa uma publicação produzida em 1961 por um think tank de nome Bow Group, que funciona na órbita do Partido Conservador Britânico, ainda hoje afirmando-se com elevado grau de independência, se bem que dirigido pelo antigo primeiro-ministro John Major, para se fazer uma reflexão sobre o que os conservadores britânicos pensavam da nova África independente, no tempo em que já germinava a inclusão das antigas colónias africanas na Commonwealth fundada muitos anos antes. A validade deste exercício é permitir-nos avaliar o realismo britânico que abandonara as fanfarronadas imperiais e que procurava um novo papel junto das suas antigas colónias independentes, ciente de que a África entrara na Guerra Fria, de que se punha com muita agudeza o problema das sociedades multirraciais, havendo que discernir sobre a contribuição britânica nos terrenos da educação, da administração, do desenvolvimento e da segurança interna.

Os britânicos receberam muito bem a mensagem do seu primeiro-ministro Harold Macmillan quando ele anunciou em 1960 os novos ventos da mudança, isto em pleno parlamento da África do Sul, estava dado o mote para repensar o novo enquadramento da cooperação e da ajuda ao desenvolvimento, havia inclusivamente, e isso diz-se sem rebuço na reflexão deste documento, que pugnar pela estabilização dos preços das matérias-primas. A previsão do think tank aparece claramente descrita para um novo desempenho britânico na assistência técnica, na consagração dos novos países na Commonwealth, no incremento dos investimentos, deixando bem claro os problemas concorrenciais com a presença sino-soviética e as transformações que se estavam a operar no bloco francês, sobretudo com a criação de uma comunidade francesa da África Ocidental. É nesse contexto que os membros do think tank são levados a sugerir encorajamento às federações entre países, era uma moda, como hoje se sabe, praticamente todas as federações sugeridas nas Áfricas Ocidental, Central e Oriental acabaram no charco.

A presença comunista é dissecada, fala-se das estações radiofónicas de Moscovo e Pequim, as agências noticiosas, a distribuição de publicações, os convites para viagens e bolsas de estudo. Moscovo tinha transformado a Universidade da Amizade em Universidade Patrice Lumumba, a ela acorriam milhares de estudantes da África, Ásia e América Latina, mas logo ser observa que se bem que três mil ganeses tivessem a estudar em Moscovo, mil e quinhentos ganeses estudavam no Reino Unido. Estes analistas minimizavam os cursos de sindicalismo a africanos dados em Moscovo e Pequim, no contexto internacional o sindicalismo sob a égide do comunismo estava claramente demarcado do sindicalismo dito do “mundo livre”. Havia igualmente que ponderar o apoio britânico ao trabalho das igrejas cristãs e referia-se em concreto o bom trabalho que acontecia graças às atividades dos missionários da Igreja da Escócia na Niassalândia, da Igreja Católica na Rodésia do Sul e dos Missionários Baptistas em Angola. Avançava-se com propostas de trabalho para a nova diplomacia em África: formação da administração colonial, com o intuito de criar administrações locais democráticas, apoiar as diferentes modalidades de voluntariado sobretudo nas áreas da Educação, da Saúde e da Administração Pública.

Devia transformar-se num objetivo predominante que a África Ocidental de língua inglesa se inserisse na Commonwealth, apostar no apoio à construção de economias diversificadas e seguras, e refere-se concretamente a Federação do Tanganica, o Quénia e o Uganda, e admitia-se a possibilidade do Zanzibar, a Niassalândia e a Rodésia do Norte preferirem aderir a uma federação da África Central. E são passados em revista os diferentes problemas políticos: Jomo Kenyatta e o Quénia, a existência de uma base militar britânica em Kahawa (nos arredores de Nairobi), e todos os problemas da agricultura queniana deviam ser cuidadosamente apoiados na ajuda técnica. Do mesmo modo, a brochura analisa a Federação da Rodésia e Niassalândia, não escondem os estudiosos que se avizinham problemas altamente delicados.

A análise da África Ocidental, dizem estes investigadores, que havia de agir numa boa relação diplomática com a França, na medida em que a Mauritânia, Senegal, Guiné, Mali, Togo, Chade, República Centro-Africana, o Gabão, o Congo Brazzaville e os aliados Costa do Marfim, Alto Volta, Daomé e Níger eram países declaradamente francófilos, tirando a Guiné de Sékou Touré, todos os outros aceitavam uma forma de entendimento com a França. O Reino Unido tinha um problema sensível com o Gana, na medida em que Nkrumah não escondia simpatias por Moscovo e tinha um programa pan-africano que estava pronto a pôr em marcha, Nkrumah estabelecera relações com a República Árabe Unida, estava ao lado dos sublevados argelinos, enfim Nasser, Nkrumah e Sékou Touré estavam prontos a receber apoio soviético. Em capítulo separado é apreciada a importância da Nigéria e a necessidade de manter as diferentes etnias coesas no mesmo Estado.

Ao tempo, o governo britânico já tinha imensas dores de cabeça com o Aparteid sul-africano, completamente desaprovado por Londres, em sintonia com as Nações Unidas, o que estes autores propõem é que se continue a criticar o Aparteid mas distinguido entre o governo e o povo da África do Sul. Em capítulo à parte aborda-se Espanha e Portugal em África e o subtítulo é claro: colonialismo fora de moda. Desde que De Gaulle apoiava uma Argélia independente, se bem com forte oposição, as possessões espanholas preparavam-se para alcançar a independência, nesta altura ainda ninguém sobrelevava o problema do Sara Ocidental, Marrocos ainda não lhe tinha lançado a garra, curiosamente não é hoje assunto relevante na cena internacional, o que dá que pensar como as grandes potências se resignam à tirania marroquina.

O Bow Group não tem ilusões de que Salazar, contrariando os ventos de mudança, se iria preparar para uma guerra interminável, e adiantam que não há solução militar para qualquer problema colonial, competia ao governo de Sua Majestade não vender armas, nem dar apoio técnico ou tecnológico às Forças Armadas portuguesas e recusar o uso de armamento da NATO nos territórios africanos portugueses. Concluia-se mesmo este capítulo advogando que a diplomacia britânica devia estar preparada para usar os seus bons ofícios a ajudar as ocupações pacíficas entre Portugal e os movimentos de libertação. E por último, o think tank discreteia sobre o papel das Nações Unidas em África, nomeadamente quanto ao que se estava a passar no Congo e nos territórios portugueses, havendo ainda a questão sul-africana no contexto da África Austral.

O Reino Unido não podia iludir a questão colonial, se necessidade houvesse havia que apelar às Nações Unidas para intervir em Angola. A nova Commonwealth e a nova África tinham-se transformado num assunto político de primeira grandeza, competia ao governo não discurar a tempo e horas a ajuda a África e ganhar a competição aos comunistas.

Mapa político de África em 30 de junho de 1961: a cinzento os Estados independentes
John Kennedy e Harold Macmillan, Bermudas, 21 de dezembro de 1961
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Notas do editor

Poste anterior de 6 DE FEVEREIRO DE 2023 > lGuiné 61/74 - P24041: Notas de leitura (1550): Uma safra de leituras, sábado na Feira da Ladra, em tempos de pandemia (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24044: Notas de leitura (1551): Quem mandou matar Amílcar Cabral? (José Pedro Castanheira, jornalista, "Expresso", 22 de janeiro de 2023) - Parte I - Talvez o maior mistério da "absurda e inútil" guerra colonial (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P24054: Ser solidário (253): A ONGD "Na Rota dos Povos", com sede em Gondomar, na sua segunda viagem, por via terrestre, levando mais uma carrinha adaptada para pessoas com mobilidade reduzida, até Catió (Joaquim Costa)


Foto nº 1 - Gondomar > Escola Secundária  > 9 de fevereiro de 2023 > ONGD "Na Rota dos Povos " > Os professores  David Freitas e Joaquim Costa (diretor escolar duranate 25 anos)


Foto nº 2 > Gondomar > Escola Secundária  > 9 de fevereiro de 2023 > ONGD "Na Rota dos Pobos " >  A carrinha (adaptada) vai fazer a viagem solidária Gondomar-Catió


Foto nº 3 > Gondomar > Escola Secundária  > 9 de fevereiro de 2023 > ONGD "Na Rota dos Pobos " >  "Viagem há só uma, a que se faz com o coração"... David Freitas, de 47 anos, nascido em França, é professor de Informática do Agrupamento de Escolas nº. 1 de Gondomar.  


Foto nº 4 > Gondomar > Escola Secundária  > 9 de fevereiro de 2023 > ONGD "Na Rota dos Pobos " >  Um viagem que levará 63 horas de carro e 918 horas a pé. Cinco mil km até Catió.
  

Foto nº 5 > Gondomar > Escola Secundária  > 9 de fevereiro de 2023 > ONGD "Na Rota dos Pobos " >   O prof David explicando a missão... Um das realziações da ONGD é a Casa da Mamé.

Na página da ONGD "Na Rota dos Povos" lê-se:

A “Casa da Mamé” acolhe crianças que perderam a sua mãe durante o parto. Perder a mãe nos primeiros suspiros é certamente a forma mais dura e injusta de entrar no nosso mundo. Um mundo, onde, infelizmente, tantas vezes se mistura o milagre e a beleza da vida com a dor da perda.

A “Na Rota dos Povos” tem assumido o papel de abraçar essas crianças que, num país onde a taxa de mortalidade infantil é uma das mais elevadas do mundo, teriam o seu futuro hipotecado.

Para continuarmos a dar a mão às nossas crianças e caminharmos com elas rumo a um futuro melhor, é essencial a vossa ajuda."


Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Joaquim Costa, ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021; autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022. Tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto; foi professor do ensino secundário; vive em Fânzeres, Gondomar.


Data - 10/2/2023 01:43  
Assunto -  ONGD "Na Rota dos Pobos " 

Olá, Luís

Hoje foi um dia especial para mim. Quero partilhá-lo contigo, enviando enviando algumas fotos
Não podia deixar de ir hoje (09/02/2023) dar um abraço ao meu amigo David Freitas (Prof. da Escola Secundária de Gondomar), na partida para a sua segunda viagem, por via terrestre, levando mais uma carrinha adaptada para pessoas com mobilidade reduzida até Catió, Guiné-Bissau. Terra que amo mas que já muito “odiei”. Nesta maravilhosa terra de gente boa, que não merecem o que lhes aconteceu e muito menos o que lhes está a acontecer, passei dois anos da minha juventude.

Boa viagem David e companhia. Se passares por Buba, Mampatá, Quebo (antiga Aldeia Formosa), Cumbijã e Nhacobá, dá a todos um abraço amigo do “Furriel Pequenina”

Joaquim Costa
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P24053: Parabéns a você (2144): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24045: Parabéns a você (2143): Constantino Neves, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24052: Agenda cultural (828): Convite para a apresentação do ensaio "Sociedade de Consumo e Consumidores de Portugal" da autoria de Mário Beja Santos, dia 17 de Fevereiro (sexta-feira), pelas 19h00, na Sala de Âmbito Cultural de El Corte Inglês (6.º piso), em Lisboa

C O N V I T E

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23993: Agenda cultural (827): Lembrar um construtor de nações, meio século depois do seu assassinato, no Colóquio "Amílcar Cabral e a História do Futuro", na Assembleia da República, Lisboa, 13 e 14 de janeiro de 2023 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24051: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte III)




Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (FulacundaMejoAldeia Formosa e Buba, 1966/68), autor do livro "Noites de Mejo - Histórias Singulares da Guerra na Guiné". Parte III.

Foto 13 > Duas balzaquianas de Mejo provocando o fotógrafo (1966)
Foto 14 > Oração do final do Ramadão. Repare-se no perfil do homem Fula ao centro. (15JAN67)
Foto 15 > Abrigo da Porta D'Armas, com algeroz para recolha da água das chuvas. (1967)
Foto 16 > A sempre bem disposta lavadeira da Companhia. (1967)
Foto 17 > Carne fresca para o rancho. Um "munto" apanhado na armadilha. O Fula de gorro é o caçador. Por vezes era uma onça que caía nela.
Foto 18 > Vista exterior de Mejo no cacimbo.
Foto 19 > Pilões de Mejo. Ao fundo, os novos celeiros para uma safra histórica
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24032: Álbum fotográfico do Coronel Inf Luís Carlos Cadete, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 1591 (Fulacunda, Mejo, Aldeia Formosa e Buba, 1966/68) (Parte II)