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sábado, 3 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26760: No 25 de Abril eu estava em... (40): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte V



Guiné > Bissau > QG / CTIG > s/d (c. 1973/74) > Carlos Filipe Gonçalves

Foto (e legenda): © Carlos Filipe Gonçalves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


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 Carlos Filipe Gonçalves (n. 1950, no Mindelo, ilha de São Vicente): ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74... Radialista, jornalista, historiógtrafo da música da sua terra, e escritor, vive na Praia, Cabo Verde. É membro da nossa Tabanca Grande desde 14 de maio de 2019, sentando-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 790. Tem c. 20 referências no nosso blogue.


1. Continuação do seu depoimento sobre o 25 de Abril em Bissau (*), disponível na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque) e também na página do Facebook da Tabanca Grande.


No 25 de Abril eu estava em... (40): Em Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte V (*)


por Carlos Filipe Gonçalves,
ex-fur mil amanuense
(natural do Mindelo,
vive hoje na Praia, Cabo Verde)


Ainda, extractos das "Recordações - Guiné 73/74" nos meses de Junho, Julho de 1974. 

Atenção, neste trabalho procurei ter depoimentos de todos os lados envolvidos, consultei outras fontes, que dão uma outra dimensão e visão dos acontecimentos, conforme as situações. Eu, como disse em poste anterior, sou o militar que lá esteve, viu e ouviu e agora restitui, numa posição de repórter/jornalista, cumprindo o dever da imparcialidade

Estes encontros entre a tropa portuguesa e os guerrilheiros do PAIGC, quanto a mim marcaram o final da guerra e foram algo «espectacular»,  noticiado pela imprensa na metrópole. 

No seu livro o autor John Woollacott (in “A luta pela libertação nacional na Guiné-Bissau e a revolução em Portugal”, 1983) refere sobre tais encontros, que:

(...)  “a iniciativa era normalmente tomada, embora nem sempre, pelos comandantes do PAIGC, que saíam do mato para conversações. Trocavam-se opiniões acerca da guerra e das negociações enquanto se bebiam uns copos e, à medida que a confiança e as amizades cresciam, os inimigos de ontem convidavam-se mutuamente para 'jantares e convívios intermináveis'. Realizavam-se jogos de futebol entre equipas de ambos os lados. (…) Os soldados tiravam fotografias de braço dado com os seus parceiros guerrilheiros.”

Manecas Santos, comandante do PAIGC numa entrevista à rádio DW (Deutsche Welle), diz:

“Foi interessante que, após o 25 de Abril, tanto os nossos soldados como os portugueses fizeram o possível para se encontrarem no terreno. Em Maio e Junho já estávamos a nos encontrar no terreno.”

A 1 de Julho de 1974 realizou-se a 1ª Assembleia Geral do MFA, com cerca de 1000 militares na qual se aprovou uma moção histórica que exigia:

 “ (…) se reconheça imediatamente e sem equívocos a República da Guiné-Bissau e o direito à autodeterminação e independência dos povos de Cabo Verde, única política susceptível de conduzir à paz verdadeira; exigir que sejam imediatamente reatadas negociações com o PAIGC, não para negociar o direito à independência, mas tão-só os mecanismos conducentes a transferência de poderes.”

O Comandante do PAIGC Manecas Santos na entrevista à rádio DW comentou mais tarde aquela reunião, desta forma:

“O general Spínola teve uma tentativa, não sei se de continuar a guerra, mas de arranjar instrumentos de pressão ameaçando com a continuação da guerra. Neste momento, no entanto, houve um manifesto escrito pelos oficiais portugueses na Guiné, assinado por mais de mil oficiais portugueses que se encontravam aqui, a dizer que a guerra havia acabado.”

Aguardávamos (nós,  da tropa) com impaciência o desfecho das negociações, entre delegações do Governo português e do PAIGC que decorreram nos meses de Maio e Junho. Na cabeça de nós todos reinava o seguinte pensamento: não tenho nada a ver com isto, quero é ir embora para casa! Aliás, «Para a peluda já!» é a palavra de ordem que circula entre os militares. Mas ocorre a marcação de mais rondas de negociações!

Entretanto, corre a informação: o PAIGC reforçou as suas posições no mato e vai suspender o cessar-fogo que vigorava desde a confraternização tropa/guerrilheiros. Sobre esta situação de tensão, o tenente-coronel Jorge Sales Golias (referido anteriormente) recordou:

(...)  o PAIGC “se mostrava dialogante e ao mesmo tempo lançava comunicados de guerra, mesmo depois do cessar-fogo. Tão depressa confraternizava com as NT (Nossas Tropas) como lançava ultimatos a unidades portuguesas. O primeiro foi a Cuntima, dando 48 horas à Unidade de Cavalaria local para retirar e o segundo foi a Buruntuma.”

 O referido militar explica que:

 “Em Cuntima, acabámos por ir ao encontro do Comandante da Guerrilha, Baiô Camará, já em território do Senegal. Fomos recebidos com aspereza e com alguma arrogância (…). Em Buruntuma foi diferente. A renitência do Comandante local levou-nos a negociar a retirada, que foi feita pouco depois, mas com uma digna cerimónia de transferência de poderes.” 

Esta descrição demonstra que ao mesmo tempo que decorrem negociações, há movimentações no terreno, com o início de retirada da tropa portuguesa! Outra versão deste «quiproquó» é que “o PAIGC simulou um ataque ao quartel de Buruntuma, no Leste.” 

O combatente do PAICG Bobo Keita recorda:

“As tropas portuguesas não estavam com vontade de combater. Em conversa com o comandante do quartel (de Buruntuma) ele disse-me que queriam ir embora, mas não tinham meio de transporte. Respondi que não havia problemas, arranjei-lhes dois dos nossos camiões, que os transportaram para uma outra zona.” 

Comentário nosso, esta descrição parece fantasiosa, uma vez que há regras rígidas no funcionamento da tropa, as operações têm de ser planeadas com a devida informação de todas as estruturas de comando… mas, naquela situação… tudo é possível!

Entretanto, o PAIGC tem posições firmes sobre o futuro e não aceita as soluções «spinolistas» que andam no ar, como a ideia de uma «comunidade lusíada» e rejeita liminarmente uma divisão do poder com os partidos que surgiram depois do 25 de Abril.

Num encontro realizado a 1 de Julho de 1974 na zona da bolanha de Nenecó (junto da fronteira com o Senegal, a norte de Bigene) entre PAIGC e COP3 (Comando da tropa portuguesa na zona norte) elementos do PAIGC informam claramente;

 “Que, se o general Spínola visitar a Guiné, (isso) dará origem ao reinício da luta. Que o cessar-fogo por parte do PAIGC é da responsabilidade dos combatentes, dado não terem recebido directivas do S. G. nesse sentido, pelo que poderão recomeçar a luta quando o entenderem.” 

Note-se que a acção do general Spínola durante a guerra foi relevante a tal ponto que,  anos mais tarde,  o comandante do PAIGC Manuel Santos lhe fez o seguinte elogio:  “(…) foi, de longe, o melhor comandante-chefe português que passou aqui na Guiné.”— com José Luiz Ramos e 10 outras pessoas.

(Revisão / fixação de texto: LG)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26744: No 25 de Abril eu estava em... (39): Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, natural do Mindelo, vive hoje na Praia, Cabo Verde) - Parte IV

Guiné 61/74 - P26759: Os nossos seres, saberes e lazeres (679): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (203): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2025:

Queridos amigos,
Deixo-vos aqui o relato um tanto informe da minha primeira vagabundagem por Frankfurt, nada de entradas em património religioso ou artístico, é o gozo de contemplar o pulsar o centro histórico desta praça financeira e capital do euro, contemplar o que se reconstruiu depois dos bombardeamentos devastadores da Segunda Guerra Mundial, num bombardeamento em março de 1944 ficou em cinzas o que era então o centro medieval mais completo da Europa. Gera uma certa confusão como em cerca de mais de um quilómetro de avenida pedonal haver um volume de vendas incomparável, nenhuma outra cidade alemã lhe pode competir. Há quem lhe chame a 5ª Avenida, pois vamos avançando e temos cerca de arranha-céus a desafiar a imaginação. Andei a caminhar pelas pontes para apanhar as diferentes panorâmicas e deslumbrar-me como se procura respeitar uma certa memória desta grande cidade a partir do que ficou de pé de tão devastadores bombardeamentos. E peço desculpa a quem não gosta de ópera, tive a dita de me convidarem para ir à tarde à cidade de Wiesbaden ver no teatro-ópera A Flauta Mágica, é sempre um espetáculo inesquecível, belas vozes, boa orquestração e condução, encenação certa para coreografia a respeitar a magia e o fantástico sonhados por Mozart.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (203):
Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 2


Mário Beja Santos

Estou a viver em Idstein, há que tomar um comboio e viajar até à estação central de Frankfurt, cerca de 45 minutos, veem-se belos prados, regatos, as povoações do subúrbio da grande metrópole. Antes de se chegar à estação central vê-se a alguma distância a Frankfurt Höchst, conhecida em todo o mundo pela química e pela indústria farmacêutica. Depois de algumas fusões, a Höchst deu origem à Sanofi, uma das empresas farmacêuticas mais poderosas. Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, os Aliados decidiram partir o potentado IG Farben num conjunto de empresas, todas elas ganharam fama mundial, a Bayer, a AGFA e a Basf, o mais curioso de tudo, para quem vai de comboio, é que se fica com a visão de que Franlfurt Höchst é dominantemente uma cidade industrial quando na verdade tem um património habitacional de grande beleza, se o leitor duvida procure as imagens aprazíveis que o Google lhe oferece.
Estamos agora no Zeil, trata-se de uma avenida pedonal, com cerca de 1,2 km, é o coração de Frankfurt. Tem a particularidade do seu fabuloso volume de vendas, está no topo do comércio a retalho da Alemanha. Foi completamente reconstruída, sobretudo o bombardeamento de 22 de março de 1944 deixou-a num escombro. É conhecida como a 5ª Avenida, aqui há de tudo como na botica, do luxo ao mais económico, das casas de marca às ourivesarias e a profusão de sapatarias. É impressionante este percurso que nos leva até um conjunto de torres de arquitetura usada.
Atenda-se ao que vem numa brochura explicativa: “A parte ocidental da rua Zeil é uma zona pedonal entre duas grandes praças, Hauptwache oeste e Konstablerwache leste. Estes dois lugares servem como ligações para os transportes públicos (autocarro, metro, comboio e tram). A rua passou por grandes reformas entre 2008 e 2009 e a zona pedonal foi estendida para o oeste até Börsenstraße implicando grandes mudanças para o tráfico, uma vez que a rota através de Hauptwache é uma seção importante que liga o norte e o sul da cidade.”
Duas imagens que falam do diálogo entre o Meno e a cidade, na segunda imagem ao fundo vemos o edifício do Banco Central Europeu, uma igreja antiga do lado direito e os bacos turísticos na margem esquerda. Na primeira imagem vê-se uma das várias pontes que atravessam o Meno, espero amanhã de manhã passar por ela para chegar à zona dos museus. Nada de correrias, há para ali uma série de museus apetitosos, o meu alvo é um museu de Belas Artes que dá pelo nome de Städel, do movimento impressionista à atualidade o seu acervo é fabuloso.
Esta fotografia não é minha, pareceu-me útil aqui a postar, dá a dimensão deste pano de fundo da moderna Frankfurt, a capital do euro
A razão de ser desta imagem é de mostrar como tendo sido Frankfurt praticamente arrasada os alemães aproveitam todas as ruínas ou reconstroem, nota-se um certo cuidado em não provocar um choque de estilos.
Os meus anfitriões tinham-me avisado na véspera que iríamos nessa noite à ópera na cidade de Wiesbaden, ver A Flauta Mágica, de Mozart. Aproveitei o regresso da viagem de Frankfurt para Idstein para reler o intricado enredo desta fabulosa ópera. Retenho alguns dados essenciais, espero que o leitor aprecie a música de Mozart, A Flauta Mágica é um caso sério do seu génio:

“Composta, não para uma casa de ópera, mas para o popular teatro suburbano de vaudeville, A Flauta Mágica é uma das últimas obras de Mozart, escrita numa altura em que o compositor se encontrava desesperado por dinheiro. O mundo da Flauta é construído de certo modo segundo o conceito Maçónico do universo: o sol e a lua governam – aqui Sarastro e Tamino são associados ao sol, e ouro, a Rainha da Noite e Pamina à noite, à prata – como na lua, o elemento feminino da água. No início da história, Papageno está ao serviço da Rainha, e Monastatos ao serviço de Sarastro. Tudo isto muda no fim, devolvendo o ar – que seria Papageno como um passarinheiro – ao seu governador, o sol, e devolvendo a terra – a gruta onde Monastatos vive – ao seu governador, a feminina noite.

Para além destes aspetos chegou a ser sugerido que a Rainha da Noite representava a Imperatriz Maria Teresa, e Tamino o seu filho José II, um adepto do iluminismo. Mas o enredo continua a ser uma teia esplendidamente intrincada, que dificulta todas as tentativas de o interpretar como uma alegoria coerente. Uma das teorias defende que, por alguma razão, as naturezas morais de Sarastro e da Rainha da Noite foram invertidas durante a fase de elaboração do libreto.

Mozart adorava esta ópera que lhe tinha custado grandes esforços.

Porque é também uma obra infantil, apesar do "alto significado" que lhe reconhece Goethe. "Como se a infância aumentasse no fim, a flauta mágica é a mais infantil das suas obras", escreveu P.J. Jouve. De facto, o público infantil reagiu muito favoravelmente ao maravilhoso filme de Bergman. Mas é impossível pegar no libreto pelo seu sentido literal, tal como a ação de qualquer outra ópera: é uma liturgia, como Parsifal, nem mais nem menos absurda para o profano do que outras liturgias, também todas elas carregadas de símbolos… Se a Flauta é o relato de uma iniciação, é também uma obra cujo desenlace é o triunfo do amor sobre os obstáculos que lhe são postos.”

Este teatro-ópera de Wiesbaden é luxuoso, aproveitei a entrada e o intervalo para captar umas imagens do seu interior. Como é estritamente proibido fotografar durante a récita, fui ao site do teatro retirar imagens deste esplendoroso espetáculo.

Antes de regressarmos a Idstein ainda fomos espreitar a casa da cultura de Wiesbaden, toda em estilo neoclássico agora transformada em casa de eventos e com um casino. Que o leitor se prepare, se amanhã estiver em forma haverá uma tripa-forra de imagens do grandioso museu que é o Städel.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 26 de Abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26733: Os nossos seres, saberes e lazeres (678): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (202): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 1 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26758: Parabéns a você (2372): Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux. Enfermeiro da CCAV 3366/BCAV 3846 (Susana e Varela, 1971/73)

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Nota do editor

Último post da série de 1 de Maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26749: Parabéns a você (2371): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuna, 1964/66)

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26757: Facebook...ando (76): História de vida do Tenente Coronel José Francisco Robalo Borrego, ex-Furriel Art do 9.º Pel Art (Guiné, 1970/72)



Soldado recruta incorporado,
Que o Exército quis integrar,
Senti-me logo vinculado,
A Instituição acolheu-me para formar.

Na recruta em Castelo Branco,
Onde o clima é de tipo continental,
A instrução foi dura, mas teve encanto,
E dali saíram soldados que serviram Portugal.

Seguiu-se a Pesada 3, na Figueira da Foz,
Onde a especialidade de artilheiro fui tirar,
Passei muitos momentos difíceis e a sós,
Era essencial, na Escola de Cabos, aprovar.

Seguir a carreira militar era um desejo ardente,
Havia que cumprir, trabalhar e estudar,
Com afinco e de modo permanente,
A matéria era vasta e o concurso não podia esperar.

Para os meus instrutores vai um agradecimento,
Como autodidacta muitas dúvidas me surgiram então,
Contactei-os com o meu correcto comportamento,
Felizmente, nunca me foi recusada uma única explicação.

Cumpri uma comissão no ultramar,
De 1970 a 1972, na província da Guiné,
Nas horas livres estudava para o objectivo alcançar,
Algumas aulas eram junto à Catedral, também Sé.

Chamavam “paizinho” ao comandante da unidade,
A todos tratava por filho sem excepção,
Muitos não toleravam a “paternidade”,
Quando julgava era um” pai “ sem coração!

Os esforços dispendidos acumularam cultura geral,
Não houve cansaço, desesperança nem desalento,
O resultado foi ascender a oficial,
Após quinze anos de praça e de sargento.

O Regimento de Artilharia de Costa era único pela dispersão,
Ali morava a camaradagem e a amizade,
As Baterias iam de Alcabideche ao Outão,
Um grande abraço, aos camaradas, de saudade.

Fiz exames no liceu Honório Barreto, Guiné, o primeiro,
O liceu da Madeira foi o segundo,
O liceu D. João de Castro o terceiro,
Por onde passava, deixava o meu testemunho.

Em escolas de referência, estudei ciências militares,
Os professores primavam pela excelência,
Águeda e Pedrouços, locais sossegados e de bons ares,
Aprendi a Arte de Comandar com bom senso e proficiência.

De Julho 1968 a Julho 2018 50 anos vão,
Ironia do destino ou forte determinação,
Entrei soldado raso com a 4ª classe de habilitação,
Saí oficial superior a comandar um batalhão!

Comandei o Batalhão de Adidos com honra e prazer,
Conheci muita gente dedicada e honrada,
Por mais anos que viva não vou esquecer,
Uma função muito digna e prestigiada.

O sucesso, raramente, é obra individual,
A mãe dos meus filhos deu apoio crucial,
Para ela vai um agradecimento muito especial,
Uma boa retaguarda é sempre fundamental.

A toda a hierarquia, da base ao topo, devo gratidão,
A todos, sem excepção, quero lembrar e agradecer,
Foram muitos os estímulos recebidos de motivação,
Nestas minhas memórias não vos poderia esquecer.


JFRB, 2018-14

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Nota do editor

Último post da série de 26 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26730: Facebook...ando (75): Joaquim Galhós, do Barreiro, pertenceu ao Pel Caç Nat 57 (Cutia, 1972/73) e ao BENG 447 (Brá, 1973/74): esteve três meses com o cap cav Salgueiro Maia em Pete, Bula

Guiné 61/74 - P26756: Tabanca da Diáspora Lusófona (33): artigo de opinião de João Crisóstomo ("O Nobel da Paz e as Armas Nucleares", Tribuna Portugueda, 10/11/2024)

 





Recorte de Imprensa > João Crisóstomo > O Nobel da Paz e as Armas Nucleares. "Tribuna Portuguesa", San Jose, CA, USA,  10 de novembro de 2024, pág. 21.


1. Este texto do João Crisóstomo já aqui foi publicado no nosso blogue (*), sob o título "Uma carta do Papa Francisco e o Nobel da Paz", aliás com a transcrição (mais completa) da carta de resposa do cardeal Piedro Parolin, Secretártio de Estado do Vaticano.  

Teve também, na altura, bom acolhimento no "Tribuna Portuguesa"/ "The Portuguese Tribune", quinzenário bilingue, independente,  "ao serviço das comunidades portuguesas" na América, que se publica em San Jose, California.


Vilma e João

Damos hoje o devido destaque a este artigo de opinião escrito pelo régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona (**), o João Crisóstomo, que está cá, entre nós, este mês de maio: 

(i) volta para Nova Iorque, dia 3 de junho; 

(ii) acaba de passar também uma temporada na terra da sua querida Vilma, a Eslovénia, no mês transato (**);

Guiné 61/74 - P26755: Convívios (1025): XLIV Convívio do pessoal da CCAV 2639, dia 21 de Junho de 2025, em Azoia - Leiria (António Ramalho, ex-Fur Mil Cav)

1. Mensagem do nosso camarada António Ramalho (ex-Fur Mil At Cav da CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71), com data de 23 de Junho de 2024:

Caro Luís Graça, bom dia.
Espero que estejas bem assim como a tua família.
Agradeço-te que na primeira oportunidade seja publicado no nosso Blogue a informação sobre o nosso 44.º Convívio.

Um grande abraço para todos.
António Ramalho



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Nota do editor

Último post da série de 26 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26731: Convívios (1024): XXVI Encontro/Convívio da CCAÇ 4150 - "Os Apaches do Norte", (Bigene e Guidaje, 1973/74), dia 11 de Maio de 2025 em Maureles-Vila Boa de Quires-Marco de Canaveses (Albano Costa, ex-1.º Cabo At Inf)

Guiné 61/74 - P26754: (In)citações (269): Quem se lembra destes preços? (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Mensagem do nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), com data de 21 de Abril de 2025:

Caro Carlos Vinhal
Na perspetiva de recordar aos camaradas, os artigos vendidos nas cantinas dos mais diversos aquartelamentos dispersos pela Guiné, em anexo envio duas páginas do anexo - 1 do Balancete de 30 de Junho de 1970, da CCAV 2483, "Os Cavaleiros de Nova Sintra", com a descrição dos mesmos e o preço de custo.

Alguns dos artigos eram "Mimos", infelizmente não acessíveis a todos os "Prés", que para além de mitigarem o desconforto de viver no mato, por vezes nos fazia lembrar a vida civil na Metrópole.

A cerveja e o tabaco eram os artigos que faziam parte do "cabaz indispensável" à manutenção duma regular mentalidade para suportar as agruras do mato, pelo que o stock estava sempre devidamente apetrechado, salvo raras exceções devidas a reabastecimentos tardios. Dizia-se até que a guerra poderia acabar se faltasse a cerveja e o tabaco!!!

Mas, já viram o trabalho e as canseiras do "cantineiro" que, para apresentar estas contas, bem como as dos outros anexos, as tinha de fazer à mão, já que máquinas de calcular, mecânicas e muito menos elétricas não havia. Para conferir as contas, repetia o trabalho e só quando encontrava dois resultados iguais é que as considerava certas, o que por vezes era à terceira ou à quarta vez.

Um abraço
Aníbal Silva

2. Comentário dos editores CV/LG:

Aníbal, é uma lista... preciosa!... Como é que tu a conseguiste conservar até hoje?!...São  55 anos!...

Vamos lá fazer algumas contas com a ajuda do simulador de inflação da Pordata:

Quanto valia esse patacão todo em 1970 ? Em euros, arrendondados...  (mil escudos em 1970 valiam hoje 343 euros | 1 escudo = 0,343465 euros).
  • total: 150 569$46 = 51 715 €
  • cerveja: 3$50 e 6$20, respetivamente 1 e 2 euros
  • água Castelo: 6$40 = 2 €
  • vinho verde Alveleda: 23$60 = 8 €
  • uísque Haig's:  47$95 = 16 €
  • uísque Antiquary: 79$40 = 27 €
  • vodca: 70$20 = 24 €
  • conhaque Remy Martin:  120$00 = 41 €
  • nestcafé s/ cafeína: 18$50 = 6 €
  • lata de atum, 8$90 = 3 €
  • lata de salsichas: 9$25 = 3 €
  • bolacha Maria: 21$00 = 7 €
  • pasta dentífrica Pepsodent: 14,44 = 5 €
  • creme de barbear Palmolive: 16$49 = 6 €
  • tabaco LM, 4$50 = 2 € 
Outro pormenor: à data do inventário, 30/6/1979, havia:

  • 8 mil garrafas de cerveja (de 0,3l e 06l);
  • mais de 1400 latas de coca-cola;
  • cerca de 9,8 mil maços de cigarros, de marcas nacionais e estrangeiras (o mais barato era o Sagres, 1$89...).

Isto para uma companhia (mais de 150 homens)...  Mas não sabemos quais os preços de revenda, que se praticavam na cantina de Nova Sintra... 

Um último comentário:  abundavam  as bebidas alcoólicas  e o tabaquinho e faltavam as águas engarrafadas... Como diz o Aníbal e bem, a guerra acabava se faltasse o "bioxene" (o termo é do nosso saudoso Valdemar Queiroz) e o cigarro...


Informação da Pordata:

"Esta ferramenta permite converter,  para preços do ano corrente, qualquer montante monetário do passado, desde 1960, utilizando o deflator anual do Índice de Preços no Consumidor (IPC) 'base 2012'. Trata-se de transformar valores a preços correntes/nominais em valores a preços constantes/reais, descontando a inflação. 

"Para usar a ferramenta, indique o valor monetário, a moeda (euros ou escudos) e o ano a que corresponde esse valor."
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Nota do editor

Último post da série de 30 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26747: (In)citações (268): O mês de Abril e as amêndoas amargas (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

Guiné 61/74 - P26753: VI Viagem a Timor Leste: 2025 (Rui Chamusco, ASTIL) - IV (e última) Parte: de 9 a 19 de abril de 2025: um país, de cultura riquíssima, onde algumas das suas melhores tradições, como o Fase Matan, correm o risco de perder



A foto e a legenda é da página do Facebook do Nunes José Nunes Martins, com data de 27 de março ·

"Imagem com história verdadeira:  Primeiro Ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, visita surpresa e celebra com a comunidade o 7ºaniversário da Escola São Francisco de Assis "Paz e Bem". Rui Chamusco sorri ao ver Xanana com tanto interesse na concertina aos ombros da menina que alegremente o recebe.

A imagem vale por mil palavras! (Nota: trata-se uma das  imagens oficiais do Governo de Timor!)



Rui Chamusco

1. Mensagem do Rui Chamusco, ainda em Díli, Timor-Leste, mas que entretanto já regressou à sua casa, na Lourinhã, Portugal, a 20 mil km de distância 

Data - sábado, 19/04, 13:00 (há 12 dias)
Assunto - Crónicas de Tiumor-Leste

Estimados amigos,

Desde a Terra do Sol Nascente,  os meus votos de Boas Festas de Páscoa. 

Que a alegria de Jesus Ressuscitado seja a nossa força e esperança num mundo melhor.

Quase a chegar ao fim desta minha estadia, envio-vos um cheirinho das últimas crónicas que escrevi.

Um grande abraço,  Rui

 
2. O Rui  Chamusco é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de maio de 2024. Tem mais de 60 referências no nosso blogue.  Natural da Malcata, Sabugal, vive na Lourinhã onde durante cerca de 4 décadas foi professor de música no ensino secundário. É um dos cofundadores e dirigentes da ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste), criada em 2015, com sede em Coimbra, com outros amigos, o luso-timorense Gaspar Sobral e a  malcatense  Glória Sobral. A ASTIL fundou em Boebau, nas montanhas de Liquiçá, uma escola, a ESFA (Escola São Francisco de Assis), em 2018. Voltou a Timor-Leste, em 2025, pela sexta vez. 



VI Viagem a Timor Leste: 2025 (Rui Chamusco, ASTIL) - IV (e última) Parte: de 9 a 19 de abril de 2025: um país, de cultura riquíssima,  onde algumas das suas melhores tradições, como o Fase Matan, correm o risco de perder



 
09.04.2025, quarta – As promessas são para ser cumpridas…

A seguir ao VII aniversário da ESFA prometi que eu voltaria a passar mais uns dias em Boebau antes de regressar a Portugal. E assim fiz… No dia 9 deste mês eu mais o inseparável Eustáquio (o que é que eu aqui faria sem este precioso amigo?), lá vamos nós outra vez a caminho da Escola São Francisco de Assis. E, já sabemos, que cada vez que vamos ou vimos de Boebau, temos de contar com as dificuldades e os imprevistos do percurso.

Estes dias tem chovido muito por cá, e há que contar com os buracos mais acentuados, com os lamaçais, com as terras que deslizaram para os caminhos, cvom os montes de pedra e areia que depositaram à borda desses caminhos devido às obras em curso promovidas pelo programa de desenvolvimento rural que está a ser implementado pelo governo timorense. Apesar de alguns melhoramentos já verificados, o baloiço e a aflição dão sempre cabo deste corpo que está cada vez mais escangalhado e em que o Pdi (Porra da Idade) faz questão de se fazer notar. Mas pronto. 

Como disse a primeira vez que a professora Cristina visitou Boebau,  “ vale a pena tanto esforço porque estas paisagens enchem-nos a alma. Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”… 

Então cá estamos nós a dar apoio a esta comunidade escolar de alunos, professores e todos aqueles que de uma forma ou de outra estão envolvidos neste projeto solidário.


10.04.2025, quinta – Outra vez com as portas fechadas

A casa dos professores está cheia. Desta vez pernoitamos nela seis pessoas, umas a dormir nos colchões que são três, outras a dormir no chão. Eu sou sempre um privilegiado, talvez por consideração em ser velho ou por respeito ao abô Rui, destinam-me sempre um quarto com colchão. 

Até aqui tudo bem. O pior é quando acontece o imprevisto. Eu tenho o costume, quando estou em Boebau, de me levantar várias vezes durante a noite para passear, para ver as paisagens ao luar, para ouvir as ribeiras que passam de ambos os lados, ou até para outras coisas. Ontem já passava da meia noite quando, regressando desse passeio noturno, me preparava para entrar de novo em casa. Então não é que a porta, que eu deixei aberta quando saí, estava bem fechada à chave? 

Que grande “tampa” me deram. E eu a pensar quem foi, quem não foi e a ter de tomar uma decisão ad hoc. Cá fora está frio, lá para dentro não posso ir, que fazer? Seis ou sete horas ao relento dão cabo de mim. A chave da escola também está lá dentro. E o tempo ia passando enquanto maus pensamentos me atormentavam, até que tomei a decisão de dar a volta à casa, e bater suavemente na porta traseira procurando que alguém ouvisse e me abrisse a porta. 

Depois de algum tempo alguém perguntou: 

– Quem é?

– É o Rui!” – respondi eu.

E quando ouço a chave da porta a desandar, todo o meu ser se aliviou. Afinal o Eustáquio e o professor Alarico ainda estavam conversando na sala.

 Quem fechou a porta?– perguntei.

– Foi o Alarico. Ele não sabia que o Tiu estava fora  disse o Eustáquio. 

Depois, foi rir à gargalhada com os comentários que fazíamos. Mas aprendi bem a lição: nunca mais sair à noite sem levar a chave comigo.


11.04.2025, sexta – Histórias da História: o homem que viajou na ponta de canhão

De vez em quando aparecem histórias destas por aqui. Depois de chegarmos a Ailok Laran, e enquanto bebíamos um café, o Eustáquio chamou-me a atenção para o senhor que conversava lá fora com o irmão Mari (Mário). 

– Quem é o Senhor? – perguntei.

– É o Apeo (Pedro)   
– respondeu. 

Então é assim. O Apeo no tempo da invasão indonésia em Timor Leste, não sei se em luta pela resistência timorense ou noutra situação, foi ferido pelos invasores, que atacavam com carros de combate. Como não tinham outro meio de transporte, colocaram o homem ferido na ponta do canhão, e assim foi transportado para Dili a fim se ser assistido. 

Pois o homem que andou na ponta de um canhão, aqui está ainda bem vivo e fresquinho, a fazer visita e companhia a este amigo Mari. Grande Apeo!...

14.04.2025, segunda  – O que fazer, quando não há nada para fazer?



Sim, há dias assim. E então, quando estás em terra estrangeira, privado dos meios de locomoção a que está habituado, ou seja sem o teu carro, dependente de segundos, o tempo que estás parado parece uma eternidade e suscita talentos não habituais que frequentemente não utilizamos, sobretudo a leitura e a escrita. 

E é por isso que estou escrevendo: E é por isso que por ser escritor durante as minhas seis estadias neste país irmão Timor Leste que as minhas crónicas já estão a chegar às trezentas páginas. Não fora Timor Leste o e projeto de solidariedade em que estamos empenhados, nada destes escritos teriam vindo a lume. Até por isso, valeu e vale a pena ter estado em Timor. 

Hoje é Dia de Ramos. E, enquanto eu estou retido neste habitáculo onde escrevo, uma multidão de gente está-se movimentando para participar na celebração deste evento religioso, o primeiro da semana santa que na igreja católica hoje se inicia. Uma semana repleta de rituais, de celebrações que nos levam à festa mais importante do calendário litúrgico: a Páscoa, a Ressurreição, a vida nova.

 Para os que têm fé e acreditam esta é a grande notícia: Cristo venceu a morte. Ressuscitou!... A Ressurreição de Cristo é a garantia da nossa ressurreição. “Se com Ele morremos, com Ele vivemos, com Ele cantamos: Aleluia!”

16.04.2025, quarta – “Rapaziada da vida airada…” / Cerimónia do “Fase Pima”

Hoje foi o dia escolhido pelos construtores da campa da Aurora (a saudos esposa do Eustáquio) para fazer o “remate”. Embora eles já tenham terminado a obra há bastantes dias, só agora a deram por acabada. E eu perguntava ao Eustáquio: 

– Já terminaram ?

– Sim! – disse ele. 

– Então por que deixaram aqui os materiais (baldes, colheres, fios, etc…)? 

– Porque agora tem de haver o ritual da lavagem dos materiais e a celebração. Aqui, em Timor é assim, faz parte da nossa cultura. Temos de fazer a cerimónia do “Fase Pima” (que, traduzido do tétum quer dizer “lavagem das mãos).

Fiquei estupefato, e a pensar comigo: "mais comes e bebes, mais bebedeiras, mais cigarros, mais despesas para a família.” 

Então logo de manhã aparecem os três moços que construíram a campa, que mais não vi fazer do que ouvir músicas nos telemóveis, fumar cigarros e um pouco de conversa. Depois do almoço é que foi a festa. Começaram a juntar-se junto à campa a rapaziada da vida airada, alguns já bem nossos conhecidos pelos seus excessos alcoólicos e pelas figuras tristes que daí lhes advêm. E não foi certamente para rezarem pela alma da Aurora, mas sim para entre copos, alguma comida, música e muitos cigarros, se divertirem e fazerem a festa à sua maneira. 

Coitada da Aurora! O que dirá ela perante estes festejos?... Ela que me perdoe, mas não são nada ao meu gosto. Mas, por respeito aos mortos e aos vivos deste país, que tem a sua tradição e cultura identitária, tenho de respeitar e aceitar que façam assim.

18.04.2025, sexta feira santa – Da terra para o mar…

Há dias assim. Hoje, sexta feira santa, quando tudo fazia crer que não havia nada para fazer, surge um convite depois do almoço. O Fred (Frederico Sobral),  filho do Abeca, veio convidar-me para ir a Casait visitar o projeto de criação de tartarugas, que desde há três anos vem desenvolvendo um pequeno grupo de doze voluntários, em prole da preservação desta espécie marinha. 

Anui sem hesitação, e sem demoras pusemo-nos a caminho no jipe da família,  um Pajero Patrol, que mesmo a cair aos bocados, arrancou todo contente pelas ruas e estradas que nos conduzem de Ailok Laran ao local do destino. 

A título de memória, foi este carro que me(nos) levou a primeira vez a Boebau e que consta em descrições nas Primeiras Crónicas de 2016. Carregado com viajantes como eu, a Adobe, a Glória, o Afun e o condutor Fred, depressa galgou os quilómetros do percurso, deixando-nos mesmo á beira mar, junto às pequenas instalações onde os ovos e as pequenas tartarugas dão início às suas vidas. 

Este projeto que muitos já conhecem porque o visitaram ou viram reportagens televisivas sobre o mesmo, e que, sem qualquer apoio do Estado ou de outras entidades procuram manter apesar das muitas dificuldades, por exemplo muitas das tartarugas bebés morrem por falta de
alimento apropriado (gema de ovos), é um exemplo do empenho e dedicação destes doze jovens que, sem qualquer remuneração monetária, fazem este belo trabalho de procurarem os
ovos na praia, arranjar os tanques incubadores, alimentar os bebés e devolver estas novas criaturas ao seu habitat natural que é o mar. 

De vez em quando são anunciados os dias em que se vai fazer o lançamento no mar, E é então que as pessoas interessadas, e sobretudo as crianças das escolas, se deslocam para vivenciar este espetáculo único. Nós tivemos o privilégio de, orientados pelos amigos Frederico Sobral e N… Braz (dois dos fundadores deste movimento) conhecermos ao pormenor todas estas etapas. 

E confesso que tive uma emoção enorme quando eles apareceram com três pequenas tartarugas, cada uma dentro de uma metade de coco, a nadarem e nos disseram para dar o nome a cada uma. E eu adiantei: Glória, Adobe e Rui, e assim foram batizadas. Depois, cada um de nós com o seu bebé, entramos um pouco no mar e, ao sinal de contagem de três a zero, largamos as meninas carinhosamente, até vê-las desaparecer. 

Foi-nos dito que as fêmeas, porque já está gravado no seu ADN, vão voltar. Que mais não seja para pôr os seus ovos. À semelhança de São Francisco de Assis direi:

“Louvado sejas meu Senhor por todas as tuas criaturas, e especialmente pelas irmãs tartarugas
que são tão lindas e belas. De Ti,  Altíssimo nos fazem lembrar”.

19.04.2025, sábado – O “Fase Matan”

Logo de manhã, ao consultar as notícias no Facebook, deparo com uma publicação do jornal nacional  "Diligente” que me surpreendeu e passo a registar nesta crónicas.

Sendo eu ávido da cultura timorense, não poderia ficar insensível a tal publicação, mais a mais envolvendo rituais em que os protagonistas são as crianças.





"Cresce com dedicação ao trabalho. Aprende a limpar a tua casa, a preparar a terra e a plantar o teu próprio alimento"


Quando ver é mais do que olhar: a tradição do Fase Matan em Timor

Jornal “Diligente” |  Rilijanto Viana | 19 de abril de 2025 (reproduzido com a devida vénia)


Segundo a crença dos timorenses, a tradição do Fase Matan — que significa literalmente “lavar os olhos” — é realizada para garantir que, no futuro, a criança desenvolva uma visão clara e apurada. Além disso, marca simbolicamente a libertação da mãe, permitindo-lhe voltar a sair de casa e usar água fria. Contudo, esta prática começa a rarear na sociedade atual, levando os praticantes a apelar à preservação deste ritual ancestral.

O sol ainda mal iluminava as montanhas de Dare, aldeia situada a cerca de dois quilómetros de Díli. Eram seis da manhã. Crianças corriam e brincavam sob tendas improvisadas; mulheres mais velhas preparavam comida nas cozinhas; e os homens estendiam um tapete à entrada da casa. As famílias começavam a juntar-se para dar início à cerimónia.

Sobre o tapete, foram colocados dois pratos cheios de água, folhas, um anel e uma moeda de dez centavos. Ao lado, também estavam a noz de areca e cigarros tradicionais. Dentro da casa, a tia Rosa de Aleixo trazia às costas um cesto, uma alavanca e uma catana, enquanto o tio Virgílio Fátima carregava o bebé recém-nascido, segurando um caderno e um lápis nas mãos.

Pouco depois, saíram do quarto. Lá fora, todos os familiares se levantaram para os acompanhar, caminhando lentamente até à esteira, colocada a cerca de três metros de distância. Quando chegaram, tia Rosa começou a cortar as ervas com a catana e, com a alavanca, abriu um pequeno buraco na terra, dizendo em voz alta: 

“Cresce com dedicação ao trabalho. Aprende a limpar a tua casa, a preparar a terra e a plantar o teu próprio alimento.”

De seguida, o tio Virgílio sentou-se com o bebé na esteira e, com grande delicadeza, passou as folhas sobre os olhos da criança, dizendo: “Lavo os teus olhos para que no futuro vejas tudo claramente.” Depois, pegou no anel e repetiu o gesto, pronunciando:

“Lavo os teus olhos para que no futuro possas ver toda a tua família, sejas sábio e saibas observar o mundo à tua volta.”

Terminada esta fase, o tio abriu o caderno onde estavam escritos o nome completo e a
data de nascimento do bebé, e murmurou-lhe ao ouvido: “

"O teu nome é Queinaya Viana de Aleixo. Este caderno e este lápis são para tu segurares, escreveres e estudares, para que tenhas pensamentos brilhantes.”

Ergueu então o bebé em direção ao sol nascente, para que recebesse a luz e a energia do novo dia. Após este gesto, tanto o tio como a tia esfregaram os próprios olhos com as folhas, a Moeda e o anel, como sinal de proteção. Os restantes membros da família também repetiram o ritual, esfregando estes objetos nos olhos.


Os familiares presentes na cerimónia também devem lavar seus olhos para os proteger

Foto: Diligente


Um gesto ancestral para proteger e abençoar a criança


 
 A cerimónia do Fase Matan é realizada desde tempos ancestrais. Costuma acontecer três dias ou uma semana após o nascimento. De acordo com a tradição, lavar os olhos do bebé evita que a sua visão se torne “cinzenta” e também assinala o momento em ue a mãe pode voltar a usar água fria.

Além da cerimónia, a ocasião é também um momento de convívio comunitário. Familiares e vizinhos trazem ofertas práticas como sabonete, sabão em pó, fraldas e toalhas para dar as boas-vindas ao recém-nascido.

Afonso Aleixo Bareto, representante da família, explicou que o Fase Matan é uma prática para pedir matak malirin — a bênção natural — para que a criança cresça saudável. “Se não realizarmos esta prática, no futuro a criança poderá não compreender bem o mundo”, alertou.

A cerimónia deve ocorrer antes do nascer do sol, para que a criança aprenda a levantar-se cedo e desenvolver hábitos de responsabilidade. Afonso sublinhou ainda que todos os que assistiram ao parto — seja em casa ou no hospital — devem participar no ritual de lavar os olhos, como forma de proteger a própria visão.

Entre os materiais essenciais estão água retirada diretamente de uma nascente natural, para garantir frescura e pureza; folhas da planta ai lauk, conhecidas pela sua energia vitalizante; um anel ou uma moeda de dez centavos, símbolos de luz e roteção visual e materiais agrícolas e escolares, para orientar o bebé no trabalho e no estudo.

“O ai lauk cresce perto da nascente e é ele que dá vida à água, por isso consideramos
que ele transmite essa energia vital ao desenvolvimento da criança”, explicou.

As mulheres realizam o ritual dentro da casa, simbolizando o trabalho doméstico, enquanto os homens realizam-no no exterior, representando o trabalho agrícola.

O cesto, a catana e a alavanca representam a ligação da criança à agricultura, enquanto o caderno e o lápis incentivam a sabedoria e o estudo. “Se estes materiais não acompanharem o bebé, ele poderá crescer com preguiça de trabalhar e estudar”, afirmou Afonso.


As diferentes práticas do Fase Matan em Timor

Tomás Alves Madeira, de Letefoho, Ermera, explicou que na sua comunidade o Fase Matan é sempre feito de madrugada, para que o bebé receba a bênção da luz das estrelas e do sol. O ritual inclui medir o bebé dos pés à cabeça — gesto simbólico para que a criança cresça saudável e alta — e passar uma moeda de dez centavos nos olhos do bebé.

“É necessário realizar o Fase Matan para que a criança possa receber a luz das estrelas e  do sol, de modo a que os seus olhos fiquem claros e consigam ver tudo com nitidez”, destacou.

Tomás contou que, durante a cerimónia, os familiares colocam água num prato e adicionam uma moeda de dez centavos, que é depois colocada em frente à casa, juntamente com bua malus (noz de areca e betel, em português). 

“Pegamos numa moeda de 10 centavos para passar nos olhos do bebé, para que os seus olhos brilhem como a lua e as estrelas. E não é apenas para proteger os olhos do bebé, mas também para todos os familiares, para que ninguém fique com a visão cinzenta demasiado cedo”, explicou.

Disse ainda que, durante o processo, deve ser escolhida uma pessoa para realizar a medição do bebé, passando as mãos dos pés até à cabeça, com o objetivo de que, no futuro, a criança possa crescer com boa estatura. Após essa medição, a criança é levada para fora de casa para se realizar o ritual do Fase Matan, utilizando a água e a moeda que foram previamente colocadas no prato. “Depois, o bebé é erguido em direção ao nascer do sol, para que possa receber a força e a bênção da luz do dia”, explicou.

Tomás Madeira concordou que o Fase Matan é uma tradição feita para conceder atak malirin (bênção da natureza) ao bebé e que, ao mesmo tempo, serve como um ritual de libertação, permitindo que tanto o bebé como a mãe possam voltar a sair de casa e sentar-se ao ar livre.

João Rui Lemos, de Laclubar, Manatuto, descreveu o ritual como uma espécie de “batismo cultural”. Na sua tradição, além de lavar os olhos, a família entorna água sobre a moleira do bebé e anuncia-lhe oficialmente o nome, geralmente herdado dos avós. Caso o nome escolhido não seja o adequado (por exemplo, se o bebé chorar muito), a família procura outro nome dentro da linhagem familiar.

A pessoa que carrega o bebé: espelho do seu futuro

Os praticantes do Fase Matan acreditam que a pessoa que carrega o bebé durante o ritual influencia o seu caráter futuro. Por isso, a escolha é criteriosa. O homem torna- se o Aman Kous (“pai acolhido”) e a mulher, a Inan Kous (“mãe acolhida”).

Afonso explicou: “Se escolhermos alguém que não respeita os outros ou que tem maus
comportamentos, a criança poderá crescer com essas mesmas características.”

“Se escolhermos uma pessoa que gosta de causar problemas, que não respeita os outros e age com arrogância, esse comportamento refletir-se-á na criança”, disse Afonso. Mencionou que essa situação aconteceu na sua própria família. “A minha filha, agora, fala muito, tal como a tia que a acolheu durante o Fase Matan“, afirmou.

Tomás Madeira acrescentou que, mais tarde, realiza-se outra cerimónia chamada
Oidu (“trazer para fora”), na qual o bebé é levado para fora de casa com utensílios agrícolas
e materiais escolares, reforçando a ligação entre trabalho e estudo.

Disse que a pessoa escolhida para carregar o bebé para fora de casa deve ter boas atitudes e conhecimento, pois, no futuro, esses comportamentos refletir-se-ão na criança à medida que crescer.

“Quando uma criança é traquina e as pessoas comentam que ela não respeita ninguém, as famílias perguntam logo aos pais: ‘Quem levou a criança para fora de casa durante o Fase Matan?’ Se os pais indicarem uma pessoa conhecida por esse tipo de comportamento, então as famílias dizem: ‘É por isso que o comportamento do teu filho ou filha é igual ao dessa pessoa;”, explicou.

Um apelo urgente: preservar uma tradição em risco

Apesar da sua importância cultural, o Fase Matan está a desaparecer, sobretudo devido à modernização e às mudanças nos valores familiares. Afonso Aleixo explicou que, mesmo onde ainda se pratica o barlaque (casamento tradicional), a cerimónia já enfrenta dificuldades.

“Se a casa sagrada deixar de dar importância a estas práticas, a tradição poderá desaparecer. Podemos registá-las por escrito, mas a sua verdadeira força está na prática”, lamentou João Lemos.

Tomás Alves Madeira observou que, em Ermera, a tradição ainda resiste, mas nas famílias que se mudaram para Díli o ritual tem vindo a perder-se.

Todos apelam para que se continue a praticar e a investigar o Fase Matan, para que as gerações futuras possam conhecer e valorizar esta herança ancestral. “Precisamos que os estudantes pesquisem, registem e divulguem esta tradição, porque ela está seriamente ameaçada de desaparecer”, concluiu Tomás.

Entre a luz e a cegueira

Em Timor-Leste, a visão não é apenas física: é também um dom espiritual, um guia para a vida. O ritual do Fase Matan reflete esta conceção ancestral — lavar os olhos do recém-nascido para que ele possa ver o mundo com clareza, sabedoria e responsabilidade.

Este simbolismo ecoa também na literatura timorense, nomeadamente no romance Olhos de Coruja, Olhos de Gato Bravo, de Luís Cardoso. A protagonista, Beatriz, nasce com olhos enormes e mágicos, mas é vendada para ser protegida das dores do mundo e por julgarem que ela padece de uma doença. Paradoxalmente, é ela, cega para o exterior, quem melhor compreende as verdades escondidas, enquanto aqueles que mantêm os olhos abertos permanecem presos à ignorância e à ilusão.

Tal como em Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, Luís Cardoso mostra-nos que ver fisicamente não significa necessariamente compreender. A verdadeira cegueira é espiritual: é não querer ver, é não querer saber. Em Timor, nas tradições como o Fase Matan, preserva-se o valor de ensinar a ver para além do imediato — de formar crianças capazes de interpretar o mundo com lucidez e compaixão.

Num país onde a visão representa tanto uma bênção como uma responsabilidade, osrituais e as histórias lembram-nos que, mais importante do que abrir os olhos, é aprender a ver. Como diria José Saramago, no seu Ensaio sobre a Cegueira, “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.

Texto e fotos:  Rilijanto Viana | Jornal “Diligente” |  19 de abril de 2025  

(Revisão / fixação de texto para publicação no blogue: LG)

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Nota do editor:

Postes anteriores da série ;