sábado, 4 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17931: Recortes de imprensa (90): A Guiné na revista Panorama (1946, 1954) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
Atenda-se à prosa de exultação sobre a colonização da Guiné, há um cuidado imenso em brandir algumas datas bem convenientes, eram uma fórmula segura para abafar silêncios, nesta prosopopeia nunca se diz que foi preciso esperar pelo século XX para ter uma presença efetiva, mas mesmo assim deixando muitas regiões sem conhecer branco.
A convenção Luso-francesa de 1886 foi bem generosa com os portugueses, deu-lhes uns bons palmos de terra onde nunca tinham posto os pés e os franceses, com astúcia e blandícia, subtraíram a Portugal a região de Casamansa, onde se estava presente, numa boa atmosfera de negócios.
A história da Guiné está carregada de silêncio, só agora é que começa a ganhar linearidade e a ser confrontada com as civilizações africanas envolventes. Mas mais vale tarde do que nunca...

Um abraço do
Mário


A Guiné na revista Panorama (1946, 1954)

Beja Santos

Não é a primeira vez que aqui se faz referência à revista Panorama. A partir de 1941, apareceu como a principal publicação do Secretariado da Propaganda Nacional, fazia eco dos eventos do regime, das belezas regionais, incluindo as imperiais, publicava contos e não se cansava de exaltar o património natural e construído. Foi obra de António Ferro, rodeou-se de um conjunto significativo de artistas plásticos e fotógrafos de primeira plana, tinha um grafismo bem modernista, era uma linha avançada da revolução cultural segundo o Estado Novo.


A Guiné merece um conjunto de referências na Panorama. Circunscrevemo-nos a duas. Em 1946, temos as comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné. O artigo é de Carlos Parreira, dá-nos um conjunto de notas que nos permite perceber como se visualizava a Guiné e a sua história:

“Nuno Tristão descobre em 1446 o rio Geba, a que Cadamosto, o Veneziano Célebre, chama, mais tarde, rio Grande. Surpreendem-no os Nalus, e massacram-no, com mais 20 dos seus companheiros. É pouco mais ou menos nessa época que Lançarote, escudeiro do mesmo Príncipe, funda a primeira companhia colonial. Começa, então, o tráfico de escravos. Decorrem dois anos. O dito escudeiro envia os seus navios à Guiné, e em 1461 as ilhas de Cabo Verde são colonizadas com os indígenas dos nossos domínios do continente africano. A primeira cidade portuguesa que se instala no Rio Grande de Buba, em Guinala, fundam-na um punhado de monges, em 1584. Em 1588 constroem-se as fortificações de Cacheu, o Forte e a Igreja de Buba, as aldeias de Bolola e de Geba. Mais três anos ainda, e surge Farim. Só muito mais tarde, em fins do século XVII, é que são construídas a Fortaleza e a Feitoria de Bissau. É a Companhia de Cacheu e Cabo Verde que as torna possíveis. Estamos no século XIX. Nessa época procura a Grã-Bretanha, por todos os meios, apoderar-se de Bolama. Resolve o conflito, a favor de Portugal, a arbitragem do Presidente Grant.

Em 1879, subtrai-se a Guiné aos laços administrativos, que até então a prendiam a Cabo Verde, e passa a ser uma Província.

Em 1910, ainda é necessário manter na colónia um regime misto, da administração civil e militar. Tribos guerreiras povoam a Guiné, dispostas a não abdicarem da sua atrabiliária independência… Em 1910 toda a Guiné é um acervo de ódios, fermentando contagiantes rebeliões, entre a matula indígena que a povoa. Nenhuma sorte de segurança podem esperar, para as suas vidas, de obreiros pertinazes, os núcleos europeus, que lá se instalaram. Perspetivas de assaltos, de ataques sem quartel, ululando todas as imaginativas de crueldade. Ora é neste preciso instante que o Destino criou a figura enorme de Teixeira Pinto. Foi com este homem que a pacificação da Guiné passou a constituir para Portugal, uma das mais ardorosas gestas de heroísmo".

Sabe-se hoje que as coisas não se passaram rigorosamente assim, logo Nuno Tristão não chegou ao rio Geba, para começar. E nas entrelinhas dizia-se que a presença portuguesa era pouco menos que uma quimera. Artigo profusamente ilustrado por belas fotografias de Mário Novais. Estamos em 1954, Salazar discursa em 6 de Dezembro na Assembleia Nacional sobre o tratado luso-brasileiro, a Panorama dedica um volumoso número a tudo quanto é Portugal e Brasil e todas as nossas parcelas do império. O texto apologético é minguado, mais fantasioso do que histórico:
“Outrora, a esta terra cortada de canais, olhavam-na como um inferno de vida e de morte - sobretudo de morte. O emigrante de raça branca tinha de enfrentar a hostilidade do clima, as doenças e a animosidade voluntariosa dos naturais. No decorrer dos anos porém, pacificou-se o indígena, procedeu-se a obras de saneamento, criou-se uma estrutura sanitária eficaz e completa.

Lenta e seguramente, no lugar da legenda de abandono e de mágoa, surgiu uma nova e mais verdadeira imagem da Guiné: a imagem de uma terra acolhedora e fértil, progressiva e civilizada. A benéfica mudança respeitou, contudo, a caraterística fisionomia guineense. Como outrora, ainda hoje tumultuam, nas ruas das cidades, os representantes de 12 diversíssimas raças negras; idiomas bárbaros ressoam à nossa volta. A paisagem humana não mudou; como não mudaram também, as longas planícies matizadas, a humidade quente, as plantações de milho e de mancarra. As longas filas de bambu. Apenas, com a civilização, nasceram aglomerados urbanos, cimentou-se uma cultura; rasgaram-se mais de três mil quilómetros de estradas, que substituindo vantajosamente os tortuosos e incómodos caminhos do mato, permitiram a ocupação efetiva da província”.

Artigo profusamente ilustrado, como se verá.

A beleza do tarrafo



____________

Nota do editor

Último poste da série de 28 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17912: Recortes de imprensa (89): A Guiné na revista Panorama, pelo escritor Castro Soromenho, 1941 (Mário Beja Santos)

2 comentários:

António J. P. Costa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

A revista é um espectáculo, como se diz hoje.
Agora, dos textos...
Mas quem é que escrevia aquelas baboseiras? Só 12 étnias! Não sei quantos Km de estradas! Aquilo é que era progresso!
Todavia, a leitura atenta dos textos apresenta uma verdade que já conhecemos: as populações locais não aceitaram com facilidade o "nosso" domínio.
Mas tudo mudou, tudo se pacificou e hoje a Guiné uma promissora terra, etc. etc. etc.
Fomos muito bem mentalizados e embarrilados.
Por isso é que havia um SNI e antes dele o Secretariado de Propaganda.

Um Ab. bom fds
António J. P. Costa

PS: Só quero acrescentar que este é mais um daqueles documentos emitidos durante o fascismo que, por isso mesmo e por ter sido escrito com "autorização da censura", tem um valor incalculável para se saber o que os poderes constituídos do tempo "sabiam" e queriam que o povoléu soubesse sobre a (portuguesíssima) Guiné.