1. Caros amigos:
Estou de regresso das minhas férias e tenho visto no blogue a excelente iniciativa do Jorge Santos em divulgar a bibliografia da guerra. Achei, por isso, que podia dar um contributo com mais uma achega para esta bibliografia: "Uma campanha na Guiné, 1965/67: hiatória de uma guerra", de Manuel Domingues.
Trata-se de uma edição do autor. Conheci-o quando ele teve a amabilidade de oferecer um exemplar da obra à biblioteca da Delegação do Norte da Associação 25 de Abril e nos enviou alguns exemplares para vendermos, com uma boa percentagem para os nossos fundos (sempre tão no fundo que mal se vêem...).
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(i) o Comando e CCS sedeados em Nova Lamego [Gabu];
(ii) as companhias operacionais em Madina do Boé (CCAÇ 1416, com um destacamento em Béli)), em Bajocunda (CCAÇ 1417, com um destacamento em Copá) e em Buruntuma (CCAÇ 1418, com um destacamento em Ponte Caiúm).
Mas o que acho mais interessante é que ele dá, neste livro, voz a vários combatentes:
- "Diário de um combatente", por um desconhecido, que mostra ser poeta, da CCAÇ 1417;
- "Afinal o que é Madina do Boé?", por Jorge Monteiro, Cap Mil da CCAÇ 1416;
- "Agruras de um sapador", por João Silvestre Carvalho, Fur Mil sapador da CCS;
- "Retalhos de uma campanha", por António Sousa Madureira, Fur Mil da CCAÇ 1416;
- "Aconteceu em Madina do Boé", por José Miranda Alves, 1º Cabo da CCAÇ 1416;
- "Recordações", por António Manuel Santos Reis, radiomontador da CCS;
- "Aspectos caricatos de uma guerra", por António Araújo, da CCAÇ 1416;
- "Coisas que o capelão passou na Guiné", por Mota Tavares, capelão do BCAÇ 1856 (mais um a quem disseram: "Senhor capelão, o senhor sabe por que está aqui? Veja lá como me fala" - diz ele que "fiquei a saber que a PIDE e a minha história de revolta cristã tinham chegado ao Batalhão primeiro que eu");
- "Uma amizade que o tempo não apagou", por Fernando Pereira, Fur Mil da CCAÇ 1417 (o menino Óscar Baldé, que foi quando crescido lutador pela liberdade e que, alcançada esta, se licenciou e foi Director-Geral das Pescas da Guiné-Bissau);
- "Epílogo: valeu a pena?", pelo próprio Manuel Domingues, que voltou à Guiné em 1981, que sentiu a dor e o desencanto por aquele povo não estar agora como todos desejávamos, melhor e mais feliz.
Só por estes testemunhos directos e pessoais vale a pena ler.
2. Apresentação da obra pelo próprio autor (incluída na edição):
«A ideia deste trabalho surgiu perante a constatação de que, passadas três décadas e meia sobre o fim da comissão do BCAÇ 1856, os encontros de confraternização, que tiveram origem num despretensioso almoço levado a efeito em Luanda em 1972, onde o acaso nos juntou a meia dúzia de elementos da mesma Unidade, continuam a reunir cerca de duas centenas de pessoas, incluindo filhos e netos dos antigos Combatentes.
"Todos os anos muitos destes elementos fazem centenas de quilómetros para se encontrarem com antigos camaradas e recordar tempos idos. Este Encontro Geral é ainda completado por outros a nível de companhia ou de região, num exemplo notável de manutenção de laços adquiridos na flor da idade e que nenhum obstáculo tem conseguido quebrar.
"Nesses encontros, ao ouvir relatos e histórias, apercebemo-nos dos efeitos da erosão que o tempo decorrido provocou, tornando confusos e imprecisos os limites do contexto em que tiveram lugar.
"Assim entendemos que seria útil sistematizar aspectos desta experiência colectiva, referindo os factos principais ocorridos durante a existência do BCAÇ 1856, e sobretudo os acontecimentos que rodearam a Comissão de Serviço na Guiné Portuguesa, mediante uma inventariação rigorosa dos mesmos.
"No entanto, e porque que cada um viveu os acontecimentos de forma diferente, era importante que antigos componentes da nossa Unidade descrevessem as suas memórias face à vivência dessa situação de guerra e aos valores que os guiavam como jovens da década de sessenta, traçando desta forma um quadro das emoções e sentir humanos que uma simples cronologia dos factos não podia conseguir. Só com estes dois aspectos complementares se poderá reconstituir e interpretar o ambiente geral e o contexto em que decorreu aquele período tão marcante das nossas vidas.
"Os objectivos são simples e claros:
"1°- Facilitar o enquadramento das nossas memórias pessoais no trabalho colectivo desenvolvido pela Unidade de que fizemos parte, podendo explicar aos mais novos em que consistiu o esforço anónimo, e por vezes mal compreendido, de muitos da nossa geração para um período importante da história de Portugal;
"2°- Ressalvar a nossa própria vivência porque nem sempre nos identificamos com a generalização de factos reais ou imaginários contados por outros;
"3°- Recordar aqueles 12 companheiros que na flor da juventude pagaram com a vida o cumprimento da sua Missão na Guiné e mostrar a nossa solidariedade com os que foram marcados por traumas que os acompanharão durante a sua existência.
"Embora não seja nossa intenção analisar aqui as causas da guerra em que esta Campanha se inseriu, não podemos deixar de constatar que neste conflito a explicação assenta na clássica trilogia: cegueira, ou falta de visão estratégica, surdez ou insensibilidade à voz da razão e do bom senso, e mudez ou ausência de diálogo, como instrumento de resolução de divergências. Num ambiente de impreparação geral para o tipo de guerra em causa, emergia a única palavra de ordem possível: AGUENTAR.
"A nível da superstrutura político-militar era notória a falta de visão estratégica dos decisores acabando por arrastar a guerra durante treze longos anos e que culminou com a descolonização exemplar. Neste contexto a interrogação dos militares do BCAÇ 1856 no final da Comissão de Serviço, sobre a utilidade do seu esforço, fazia todo o sentido.
"Os protagonistas relatam dificuldades sentidas desde o início, não só devido à sua impreparação e desconhecimento da realidade, mas também à de muitos dos intervenientes no processo da guerra, e às falhas do sistema nos aspectos de programação, logística, meios disponibilizados e sensibilidade às condições existentes no terreno operacional. São referidos ainda conflitos que algumas hierarquias tentavam camuflar ou resolver através do RDM [Regulamento de Disciplina Militar].
"Igualmente somos levados a concluir que na fase pós-libertaçao tudo se resume na mesma trilogia. O processo de aprendizagem do uso da independência não tem sido fácil nem pacífico, quer nas antigas possessões portuguesas, quer na generalidade dos territórios descolonizados.
"A falta de preparação de elites e as interferências externas são duas das principais causas das dificuldades que afectam os novos países. No caso da Guiné as lutas internas e a ambição desmesurada dos dirigentes tem desbaratado o enorme potencial oferecido pela comunidade internacional, colocando as populações numa situação de extrema penúria e o País entre os dez mais pobres do Mundo. A inexistência de um sentimento geral de nação entre os vários grupos étnicos nunca foi resolvido pelo PAIGC, que tentou cativar os habitantes da Guiné para o conceito aglutinador de libertação .
"Obtida esta, os antigos combatentes instalam-se no poder e progressivamente vão-se afastando dos restantes grupos, que constituem a maioria da população.
"O regime torna-se autoritário, senão ditatorial, de partido único. Os benefícios da libertação só chegam a alguns, enquanto a grande maioria contínua a viver na mais extrema pobreza. A corrupção e o despotismo generalizaram-se. Foi esta realidade que pudemos constatar, que nos levou a referir o caso de alguém que, não pertencendo aos que utilizaram armas contra o colonizador, tem uma visão diferente da seguida pelos antigos guerrilheiros.
"O trabalho que a seguir se apresenta, não pode ser encarado como uma obra acabada, mas antes como um estímulo para que mais se decidam a compartilhar as suas memórias e vivências. A linguagem e os critérios de análise utilizados na descrição da Campanha basearam-se em parâmetros vigentes na época em que ocorreram e foram vividos, recusando-se qualquer avaliação fora desse contexto que ditou o comportamento dos mais de 670 combatentes que integraram o BCAÇ 1856. Não pretendemos justificar o que fizemos mas apenas relatar os factos e a forma como os vivemos. Temos direito à nossa memória, que não deve ser apropriada por ninguém.
"Assim, e em resumo, estruturamos o trabalho da seguinte forma:
"- Na 1ª Parte, da nossa inteira responsabilidade, enumeram-se, por ordem cronológica, e com o maior rigor possível, os factos mais importantes da existência do Batalhão, desde a sua constituição em 16 de Janeiro de 1965, até ao desembarque no cais de Alcântara, em Lisboa, em 21 de Abril de 1967, bem como dados informativos relativamente à Guiné, no período em que decorreu a Comissão de Serviço do BCAÇ 1856. Em cada fase importante do BCAÇ 1856 tentamos analisar alguns dos factores e condicionalismos que enquadraram a actividade operacional e comportamental dos elementos que o integraram.
"- Na 2ª Parte, os intervenientes na guerra evocam factos e emoções então vividos e que o decorrer do tempo não apagou. Inclui histórias relacionadas com o ambiente de guerra e memórias desde factos do dia a dia do combatente até pequenos incidentes que o tempo parece ter reduzido à insignificância ou tornado caricatos, mas que na altura apareciam como importantes a quem os viveu.
"Mantivemos, no essencial, a forma como cada um entendeu descrevê-los, pelo que a verdade pode coexistir com o imaginário e o rigor pode atenuar-se com o passar das décadas. No entanto, e também por isso, aquilo que é relembrado foi o mais importante para cada um.»
3. O autor, Manuel Domingues:
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(ii) frequentou o Liceu da Póvoa de Varzim e o de Braga;
(iii) fez os estudos universitários e um curso de pós-graduação em gestão financeira na Universidade Técnica de Lisboa;
(iv) como bolseiro do Governo Francês realizou uma pós-graduação em Desenvolvimento Económico, em Paris;
(v) dirigiu um Centro de Formação Internacional da UNESCO.
(vi) Incorporado no serviço militar, frequentou o Curso de Rangers e integrou o BCAÇ 1856;
(vii) foi destacado para a Guiné, de 31/07/1965 até 15/04/1967;
(viii) como Alferes Mil foi Cmdt do Pel Rec e Informação e desempenhou as funções de oficial de Informações e, durante alguns meses, a de Oficial de Operações com louvor pelo seu desempenh
(ix) passa à disponibilidade em Maio de 1967 e integra a direcção de um grupo económico multinacional, realizando vários estudos e missões em diversos Países da CEE e no Ultramar Português;
(x) ingressou no Grupo CUF, onde foi consultor especializado em Planeamento a Longo Prazo, Gestão por Objectivos e Organização e Gestão de Empresas, tendo dirigido a reorganização e modernização de grandes empresas e serviços públicos;
(xi) coordenou o suplemento económico do jornal A Capital, as publicações da Associação Comercial de Lisboa - Câmara de Comércio e outras de carácter económico;
(xii) desempenhou vários cargos de Direcção Geral. Foi director do Desenvolvimento Organizacional de grandes empresas e Secretário Geral do Ministério da Agricultura durante 8 anos e da TAP durante 3 anos;
(xiii) conselheiro da Comissão Empresas Administração até à sua extinção em 1995 e expert independente da OCDE;
(xiv) foi Relator do 1° Congresso de Modernização Administrativa, docente universitário e Consultor de Formação durante cerca de 20 anos;
(xv) possui ainda o Curso de Auditor da Defesa Nacional;
(xvi) publicou vários livros e artigos sobre assuntos ligados ao Planeamento e Gestão Estratégica das organizações;
(xvii) está reformado.
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