segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7284: Notas de leitura (170): Fuzileiros – Factos e Feitos na Guerra de África, Crónica dos Feitos da Guiné, de Luís Sanches de Baêna (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
Foi muito bom ter tido a companhia do nosso blogue ontem, no lançamento do livro do Armor Pires Mota, na Associação 25 de Abril. Tivemos casa cheia, os confrades apareceram em massa, com a Alice e Luís Graça na primeira fila. O Humberto Reis trouxe as suas lembranças para Bambadinca e deu-me um rolo de cartas, estou desconfiado que ele pensa que irei tirar azimutes ou andar em operações…
Os meus preparativos prosseguem. Vou levar azeite em lata, amanhã de manhã vou à rua do Arsenal comprar bacalhau.
A minha amizade com o Fodé nasceu à volta do bacalhau com batatas, vai prosseguir assim.
Estou a acabar, com este livro dos fuzileiros, o primeiro carregamento de leituras que me trouxe o António Duarte Silva.
Na minha sala de trabalho, já estou cercado de sacos de plástico, inclusive tenho aqui uma saca enorme com livros destinados à biblioteca do blogue.

Um abraço do
Mário


Os fuzileiros na Guiné (1), entre 1961 e 1974

Beja Santos

“Fuzileiros – Factos e Feitos na Guerra de África, Crónica dos Feitos da Guiné”, é o relato minucioso destas tropas especiais a que se propõe o Capitão-de-Fragata Luís Sanches de Baêna (Edições Inapa, 2006). Trata-se de um documento exaustivo que inclui a identificação dos dados históricos e culturais da região, incluindo o conhecimento das etnias. Após um quadro relativo às efemérides da subversão da Guiné e entra-se directamente no cenário de conflito latente, em 1962.

Em Junho desse ano chega a Bissalanca o DFE 2 sob o comando do 2.º Tenente Vasconcelos Caeiro. São identificados os meios navais então existentes e é elucidativo o que o Comando da Defesa Marítima informa em finais de 1962: “Mantem-se o estado de expectativa no Sul da Guiné, onde existem vários focos de aliciamento das populações que é necessário colmatar”. O reforço de efectivos navais começa em finais de Janeiro de 1963. Desde muito cedo que vão surgir conflitos por vezes pouco discretos entre o Comando-Chefe e a Armada: esta considera que os Fuzileiros não estavam a ser aproveitados nas missões que lhes eram próprias e que na região assumiam um papel de grande relevância, tendo em conta a particularidade das características geo-hidrográficas. Em Março desse ano, grupos do PAIGC apoderaram-se dos navios Mirandela e Arouca, perto de Cafine, no Sul. O dispositivo naval inclui Lanchas de Fiscalização e Lanchas-Patrulhas. Os meios eram poucos, foi necessário recorrer à imaginação para conseguir os melhores resultados. Vão chegando, ao longo de 1963, um rebocador, um ferry-boat, batelões e mais dois Destacamentos de Fuzileiros, comandados por Ribeiro Pacheco e Alpoim Calvão. As novas unidades foram aquarteladas em Bolama. O armamento é escasso e as deficiências eram muitas: falta pessoal habilitado a trabalhar com bazuca, morteiro e MG 42; grande parte do pessoal nunca tinha efectuado lançamento de granadas; não havia pessoal habilitado a trabalhar com explosivos, etc. O trabalho em coordenação dava bons resultados, envolvendo o Exército, os Pára-quedistas e os Fuzileiros.

Assim ocorreu a operação “Trevo” que levou à ocupação de Darsalame, no Cubisseco.

Em 1964 teve lugar a acção de maior envergadura de toda a guerra, a Operação “Tridente”. O autor detalha ao pormenor e destaca trechos do relato de Alpoim Calvão: “O Comandante sentia um nó na garganta. Ali, à frente dos seus olhos, estava o inimigo, na iminência de se apoderar de um dos seus homens. Apoiou-se a uma árvore, pesando o dilema: arriscar mais vidas para tentar recuperar o corpo ou ver mãos ávidas arrastarem-no aos poucos para as densas sombras da mata, onde se viria depois de troféu de propaganda? Subitamente viu alguns homens destacarem-se do perímetro defensivo. Distinguiu perfeitamente as largas espáduas do Sargento André, a achaboucada figura do Fonseca, o Botelho, o Dias da Rosa, o ágil perfil de lobo do Piedade Grumete e outros mais. Símbolos da mais pura camaradagem e da mais viril fraternidade – a das armas. Espelhos da valentia impossível, resumos gloriosos do que há de mais belo e de mais profundo na alma humana. Avançaram resolutos, pelo limiar da eternidade, em direcção ao camarada morto. Alcançaram-no esmagando as sombras que o queriam levar. Regressaram às linhas. Aos ombros, em vez de um, traziam dois cadáveres: a dádiva generosa do Botelho fora total […]”. A Operação “Tridente” terá sido duríssima para os Fuzileiros (sofreram dois mortos, nove feridos graves e muitos evacuados por doença”. Em Março, chega o novo Destacamento de Fuzileiros e o Comandante-Chefe passa a ser o General Schulz. Os Fuzileiros mantêm-se activos no Sul e também no rio Corubal, no canal do Geba as forças do PAIGC começam a atacar a navegação em Ponta Varela.

Não há condições de pormenorizar as tropas que chegam e as que partem, mesmo as chefias. O fundamental a reter é que nesta fase da guerra, o Comando da Defesa Marítima é inteiramente responsável por largas porções do território do Sul, fiscalizando águas territoriais e interiores, assegurando transporte, intervindo isolada ou conjuntamente. As necessidades de intervenção aumentam, os Fuzileiros vão estar activos em quatro áreas distintas: Cacheu; Geba, Mansoa e Corubal; Rio Grande de Buba e Tombali-Pobreza; Cumbijã e Cacine, as quatro da responsabilidade do respectivo Comandante de Destacamento. As forças do PAIGC vêem o seu armamento melhorado, o uso do morteiro 60 e de explosivos passou a ser referenciado.


Chegamos assim a 1965, o PAIGC aumenta a sua actividade no sector Leste (Pirada, Canquelifá e Beli) e começa a utilizar minas antipessoais com caixas de madeira, o que trouxe nova preocupação para a mobilidade das tropas. Os ataques nas rias do Sul agravam-se. Em cada área de Destacamento, os Fuzileiros fazem patrulhas, emboscadas, golpes de mão e protegem a navegação. As emboscadas no Cacheu passam a ser frequentes mesmo a lanchas dotadas de peças de artilharia dissuasoras. O autor escreve “Em Outubro constatava-se estar a margem sul do rio Cacheu fortemente contaminada pelo inimigo entre Forol e Canjaja, com a presença de pequenos grupos das bases de Iador, Máqué e Canjaja. No mês seguinte, o inimigo tornava a manifestar-se na ilha de Bissau… as acções terroristas estenderam-se à tabanca de Morocunda, em Farim, causando 19 mortos e 70 feridos entre a população que assistia a um batuque”. O PAIGC frequenta com mais assiduidade a região entre Jugudul e Enxalé, no fim desse ano despovoaram-se todas as tabancas que ainda restavam na região.

Referindo-se ao início de 1966, o autor observa que o Cantanhez permanecia um santuário onde os guerrilheiros se mantinham acantonados em força, algumas das operações desencadeados no ano anterior, envolvendo Fuzileiros, tinham sido mal sucedidas, não se tendo conseguido entrar em Cafine. Em Janeiro, é posta em marcha uma grande operação para conquistar Cafine, mas os Fuzileiros viram-se de novo obrigados a retirar. Em meados do ano, o PAIGC passou a empregar o canhão sem recuo e há notícia da presença de cubanos entre os guerrilheiros. Graças ao apoio dado pelas autoridades senegalesas, Sambuiá torna-se numa base temível, e no Leste prossegue a pressão sobre Beli e Madina do Boé. Tendo em conta que não havia efectivos para ocupar o Cantanhez, foi considerado que o emprego dos Fuzileiros devia ser orientado para as operações anfíbias, para a execução de operações com forte probabilidade de contacto e para ataques de surpresas com golpes de mão.

Seguindo o relato do autor, verifica-se que uma larga percentagem de insucessos decorria a erros no local de desembarque, à chegada de tropas quando a maré já se encontrava na vazante à hora de reembarque, à própria natureza do terreno com tarrafe intransponível. No Sul, entrou-se numa certa rotina de operações no Rio Grande de Buba, o inimigo revelava-se mais agressivo, passando a atacar nos reembarques, usando as suas temíveis bazucas.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7275: Notas de leitura (169): O Império dos Espiões, de Rui Araújo (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Torcato Mendonca disse...

Não tiras azimutes...mas podes levar uma pequena bússola e uma lanterna mini com pilha de mercúrio...um estilete...levas botas???faz armazém...e leva! Bem leva o coração preparado e abraça aquela Gente.
AB T