sábado, 20 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7310: Notas de leitura (174): Fuzileiros – Factos e Feitos na Guerra de África, Crónica dos Feitos da Guiné, de Luís Sanches de Baêna (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Novembro de 2010:

Queridos amigos,
A minha bagagem é própria de um djila, encontra-se ali de tudo, bacalhau, chouriços, perfume, até sementes.
O meu orgulho será desembarcar em Bissalanca com as cartas que o nosso querido Humberto Reis me ofereceu e vão direitinhas para o INEP.
Pelas mensagens que levo, tudo leva a crer que a minha agenda social em Bissau é imparável, de manhã à noite.
Contem que estarei convosco, em todos os momentos, quando visitar o cemitério de Bissau, e depois o de Bambadinca, recordarei as nossas perdas e os nossos silêncios.
Estarei aqui convosco até à hora de partida.

Um abraço do
Mário


Os fuzileiros na Guiné (3): Os últimos anos

Beja Santos

1970 começou para os Fuzileiros com a operação “Contra-Ponto”, em Sambuiá. Segundo o autor, “O conceito de manobra” assentava no modo de actuação habitual do comandante Calvão pois baseava-se no emprego táctico de três grupos, dois para efeitos de fiscalização e envolvimento e o terceiro actuando como reserva junto a uma base de fogos com morteiro 81. Em Março, Alpoim Calvão voltaria a dar que falar, com mais uma acção típica de operações especiais. “O navio-motor Bandim era vital para o reabastecimento do inimigo. Fora este navio capturado pelo PAIGC em Maio de 1963 quando, saindo de Bissau carregado de géneros para o Sul da Guiné, sem qualquer escolta, foi emboscado e capturado no rio Cacine. A primeira tentativa (operação “Nebulosa 2”) falhou por causa do nevoeiro. Mas logo a seguir, na operação “Gata Brava”, o Bandim foi destruído. Pouco tempo depois, um novo ronco na zona de Cumbamori, a captura de 10 toneladas de armas. Em Abril, a Marinha activou o primeiro Destacamento de Fuzileiros Africanos na Guiné, o DFE 21. A sua preparação efectuou-se (como as dos destacamentos de Fuzileiros seguintes) em Bolama.

Luís Sanches de Baêna destaca a operação “Mar Verde” cujo relato coincide, no essencial, com o de outros autores, pelo que se dispensa a sua transcrição. O ano de 1971 volta a assistir a operações no Cacheu e em Samboiá, com o envolvimento de Fuzileiros e forças do Exército. “A actividade das forças navais na Guiné continuava orientada no sentido da fiscalização dos rios Cacheu, Mansoa, Geba e Buba, onde mantinham dispositivos permanentes apoiando as unidades de Fuzileiros na missão da contrapenetração naqueles rios e em acções de intervenção”. E o autor volta a relatar mais um lamentável incidente, desta vez ocorrido entre os Fuzileiros e a tropa africana da CCaç 16 do Bachile, sediada em Teixeira Pinto.

Como corolário de uma série de desentendimentos entre a tropa e a própria população, na noite de 16 de Maio um baile acabou em cenas de violência. No dia seguinte rebentou uma granada junto de um grupo de militares, provocando 8 feridos.

O Comandante-Chefe castigou os Fuzileiros, impondo-lhes uma batida à região da Ponta Luís Dias-Ponta João da Silva (operação “Tordo Vermelho”). Nos restantes meses, houve a registar operações na região da Caboiana/Churo e península do Gampará. Nesta região, os Fuzileiros tinham atribuído as missões exclusivamente terrestres. A vida aqui não era fácil, o inimigo flagelava com frequência, usando mesmo foguetões 122mm e canhões sem recuo. No Sul, recrudesceu a actividade inimiga e em Julho foi lançada uma grande operação para reocupar posições na região do Cubisseco. Foi assim que se criou o aquartelamento denominado Tabanca Nova da Armada. Como recorda o autor, só durante o mês de Novembro de 1972, este estacionamento foi flagelado por 11 vezes, algumas vezes junto ao arame. O Comando da Defesa Marítima entendeu que não havia razões para continuar no Cubisseco, desactivou-se o aquartelamento.

Em 1973, ocorre uma inflexão estratégica com a chegada dos misseis Strella. Nas operações “Rumo Perene” e “Maior”, visou-se a ocupação de tabancas a montante do rio Cumbijã, com o objectivo de reforçar o dispositivo montado para o controlo do Cantanhez. Entrara-se numa nova fase de reocupação do Sul, tudo dificultado pela falta de apoio aéreo. O autor recorda que “As relações permanentemente tensas entre o Comandante-Chefe e o Comando da Defesa Marítima acentuam-se cada vez mais, sendo por vezes a Marinha tratada com a sobranceria e arrogância que advém de um excesso de protagonismo e autoritarismo que chegava a roçar as raias da prepotência”. Os Fuzileiros irão intervir no cerco de Guidage. Denotando um elevado espírito crítico, vejamos como o autor de refere aos acontecimentos de Guileje: “A guarnição de Guilieje, inexperiente, sujeita a violentas flagelações, não teve força anímica para aguentar. E aproveitando a oportunidade que o inimigo, inteligentemente comandado, lhes deixou, permitindo-lhes um local de fuga em direcção a Gadamael, tomados pelo pânico fugiram desordenadamente no dia 22, abandonando o aquartelamento com tudo o que lá havia e refugiando em Gadamael Porto”. O autor vai registando crescentes dificuldades para o trabalho dos Fuzileiros, nomeadamente em Chugué. Em Setembro, o dispositivo dos Fuzileiros conta com cinco destacamentos em Ganturé, Cacheu, Cafine, Chugué e Cacine. A actividade na zona Sul redobrou de intensidade, o PAIGC incidiu em ataques a Chugué, Gadamael, Cacine e Cameconde.

No início de 1974, era um dado adquirido de que o emprego dos Fuzileiros era feito ao arrepio dos princípios para que foram criados. Se por um lado, se continuavam a realizar patrulhamentos ofensivos, em botes, emboscadas e nomadizações, por outro lado, os Fuzileiros já se confundiam com os Comandos e os Pára-Quedistas nas suas missões.

A seguir ao 25 de Abril, e ainda na previsão da continuação da guerra, propôs-se a criação de uma terceira unidade de Fuzileiros africanos. Mas aos poucos deu-se a retracção das forças da Marinha no teatro de operações. Primeiro no Chugué depois Ganturé. Em Julho, como a situação em Bissau se afigurava perigosamente instável, o DFE 4, que se encontrava em Cacheu recebeu ordens para embarcar apenas com a bagagem individual indispensável e ficou a intervir em Bissau. Segundo o autor, houve comportamentos enérgicos de reacção a alguns enxovalhos que as Forças Armadas estavam a ser sujeitas. Em Agosto, teve lugar a desactivação das unidades de Fuzileiros Africanos estacionadas em Bolama. Diz o autor: “A desmobilização daqueles militares criava uma situação delicada e melindrosa já que era uma tropa muito leal e dedicada, que se empenhara esforçadamente na guerra nos últimos anos e não conseguia entender o que se estava a passar. No entanto, o espírito de disciplina daqueles homens e a confiança de que depositavam nos seus oficiais tudo superaram. Sendo-lhes oferecida a hipótese de regressar a casa com as famílias e haveres e receber a totalidade dos vencimentos até ao mês de Dezembro, inclusive, ou, em alternativa, de poderem ser integrados na Marinha do PAIGC, a totalidade dos homens optou pela desmobilização.

Um aspecto fundamental que cumpre destacar deste livro é o documento n.º 1 do anexo, que é o relato do massacre do Pidjiquiti.

O livro do Capitão-de-Fragata Luís Sanches de Baêna é um repositório de grande importância que os historiadores doravante não poderão ignorar.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7304: Notas de leitura (173): Fuzileiros – Factos e Feitos na Guerra de África, Crónica dos Feitos da Guiné, de Luís Sanches de Baêna (2) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caros combatentes:
Nunca tinha lido ou ouvido semelhante coisa: que aos combatentes do nosso lado foi oferecida a possibilidade de integrarem as forças da marinha do novo país. Quem sou eu para desmentir ou descrer ?!...Entretanto pergunto: os fuzileiros africanos não aceitaram a oferta por a julgarem um presente envenenado ? Por entenderem que aquele dinheirinho daria para as despesas da fuga para lugar seguro ? Ou por ambas as razões?
Não pretendo ofender ninguém até porque tenho por eles uma grande admiração e respeito reconhecendo que muitos de nós lhes devemos a vida.

Um grande abraço para todos.

António Carvalho.

antonio graça de abreu disse...

"Muitas as ervas, cada uma com a sua gota de orvalho."

Provérbio chinês

O Zé Brás, num texto inteligente e muito bem elaborado,-- tiro-te o chapéu sobretudo quando ando pelos dias de careca ao sol --, diz que eu tenho "sanha" contra o Mário Beja Santos.
Meus Deus, se tenho, é senha e contra-senha...
O Mário é o que é, tal como eu um pobre (que não é pobre) monge (que não é monge) caminhando à chuva (mesmo sob um sol radiante)em busca
do passado, do presente e de nós.
O Mário, camarada de armas na Guiné, merece-me todo o respeito, é meu amigo e irmão.
Tenho aprendido muito com o Mário Beja Santos e com o seu protagonismo total neste blogue, um cada seis postes é dele. Não vou falar de vaidades, etc... Já falei.

Neste último poste do Mário leio:

Denotando um elevado espírito crítico, vejamos como o autor de refere aos acontecimentos de Guileje: “A guarnição de Guilieje, inexperiente, sujeita a violentas flagelações, não teve força anímica para aguentar. E aproveitando a oportunidade que o inimigo, inteligentemente comandado, lhes deixou, permitindo-lhes um local de fuga em direcção a Gadamael, tomados pelo pânico fugiram desordenadamente no dia 22, abandonando o aquartelamento com tudo o que lá havia e refugiando em Gadamael Porto”.

São opiniões,do MBJ e do comandante dos fuzileiros, um dos tais que fugiu à guerra, como como diria o nosso Zé Dinis.

Abraço, e uma saudação amiga ao Mário Beja Santos.Boa viagem até à nossa Guiné.

António Graça de Abreu