1. Em mensagem de 24 de Fevereiro de 2011, Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64), volta com mais uma das suas memórias.
O Alenquer retoma o contacto (4)
Depois de Guileje seguiu-se Ganturé
Durante a permanência do meu pelotão em Guileje, enquanto ia avançando a construção do aquartelamento, nós deslocávamo-nos com frequência a Aldeia Formosa, Buba, Bedanda, etc.
Nessas deslocações sofríamos algumas emboscadas e como reagíamos de imediato, porque tínhamos um forte poder de fogo, depressa eram aniquiladas.
Lembro-me de uma das vezes em que fomos a Bedanda, termos sofrido uma emboscada e na sequência desse ataque, em certa altura ver um arame a ir pelo ar, saindo debaixo da minha auto-metralhadora. Esse arame não era nada mais nada menos do que o comando de uma mina que depois de levantada tinha o bonito peso de sete quilos.
Pelo que se deduziu, o arame foi puxado no exacto momento em que uma das rodas o pisava e por isso se partiu e a mina não explodiu. Depois de bem examinado o local, ainda havia mais outra mina idêntica uns metros mais à frente, mas que devido à nossa rápida reacção, o IN partiu em debandada e não houve tempo de a fazer explodir.
Depois do aquartelamento de Guileje ter condições de alguma segurança para defesa do pelotão que aí se instalou, nós rumamos para outras paragens.
Em Gadamael Porto encontrava-se uma Companhia que se encontrava totalmente isolada por estrada, devido às dezenas de árvores que ocupavam as estradas que comunicavam com essa localidade vindas de Norte. Ali só se chegava de barco ou de helicóptero.
Essa Companhia era constantemente flagelada pelos ataques do IN e toda aquela gente vivia em frequente sobressalto, até que foi posta em marcha a Operação “Furão” que tinha por fim pôr transitável a estrada entre Guileje e Gadamael.
Então, a 2 de Fevereiro de 1964, lá vamos nós a escoltar os Caçadores e a Engenharia a fim de desobstruir a estrada. Assim: depois de quase um dia, e de várias dezenas de árvores cortadas e retiradas para as bermas da estrada, chegámos a Gantoré que se situa a cerca de três quilómetros de Gadamael Porto.
Ao chegarmos, foram detectados vários vestígios da presença do IN que aí se tinha instalado, porque as tropas que estavam em Gadamael não conseguiam vir até aí sem que sofressem grandes emboscadas que as obrigavam a voltar para trás.
Depois de instalado em Ganturé um perímetro de segurança, o Pelotão de Cavalaria deslocou-se a Gadamael onde foi recebido com pompa e circunstância; havia um grande lanche à nossa espera com comida e bebida à descrição.
Nesse dia eu que nem sou de muitas bebidas, apanhei o maior pifo da minha vida, que nem sei como regressei a Gantoré, nem por onde o carro passou, só sei que acordei no outro dia de manhã debaixo do carro, deitado em cima de um pouco de capim seco que alguma alma caridosa se encarregou de lá colocar.
Durante os próximos dias seguiram-se a montagem do arame farpado à volta do aquartelamento, a escavação de abrigos, a melhoria de habitabilidade das palhotas ali existentes, que eram agora as nossas habitações, e escoltas aos arredores a fim de serem minados os possíveis acessos do IN.
O meu Pelotão deslocava-se a Gadamael várias vezes por dia visto que era lá que funcionava a cozinha e as messes de Sargentos e de Oficiais. Por vezes também nos deslocávamos a Guileje.
Nessas deslocações, nos locais que se julgavam perigosos, fazia-se fogo de reconhecimento e numa dessas vezes aconteceu um caso pouco vulgar:
Ao serem feitas algumas rajadas para reconhecimento, no cruzamento entre Gantoré, Gadamael Porto e Gadamael Fronteira, senti uma leve comichão no pescoço e um liquido viscoso a correr-me pelo peito. Qual não foi o meu espanto ao verificar que já existia uma quantidade de sangue dentro da camisa.
Coloquei um penso e ao chegar a Gadamael o médico verificou que havia um corte provocado por um objecto metálico. Como não tínhamos ouvido nenhum tiro por parte do IN isso criou-nos alguma admiração. No regresso fomos averiguar no local se havia alguns vestígios de algum atirador isolado, mas o que se encontrou foi uma lasca de ferro tirada de um poste dos fios telefónicos que era de ferro, o que nos levou a supor que foi o nosso próprio fogo que me provocou esse ferimento.
Quem havia de dizer que aquela lasca arrancada pelo fogo das nossas metralhadoras vinha entrar pela janela de visão do condutor, que é muito limitada em tamanho, cerca de 40X15cm.
Cerca de um mês depois, quando nos deslocávamos ao encontro de uma coluna que se destinava ao abastecimento do aquartelamento de Guileje vinda de Aldeia Formosa, pois como anteriormente citei, nunca os dois Pelotões de Cavalaria se encontravam do mesmo lado do rio Balana, por causa da possível destruição da ponte, sofremos uma emboscada em que de novo voltei a ser ferido por uma rajada, que batendo na frente da auto metralhadora junto da janela, cujos estilhaços das balas juntamente com tinta se vieram espetar na minha cara. Fiquei com quatro ou cinco ferimentos ligeiros, e o resto eram pedaços de tinta espetados por toda a cara. O Alferes ao ver a minha cara ficou estupefacto, ainda ficou mais preocupado do que eu.
Até esta altura, Março de 1964, já com 22 messes de comissão, nunca tínhamos tido ninguém ferido, mas aqui o nosso bom anjo parecia ter-nos abandonado.
Permanecemos em Ganturé até 20 de Maio. No dia seguinte fomos para Sangonhá, mas ficará para uma próxima edição, que por agora não me vou alongar mais.
Um grande abraço para toda a tabanca, em especial para os seus editores
Armando Fonseca
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7736: O Alenquer retoma o contacto (3): Actividades do Pel Rec Fox 42 em Janeiro e Fevereiro de 1963 (Armando Fonseca)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Caro Fonseca
Temos em comum Bedanda como tropa, e tenho alguns amigos em Alenquer.
Gostaria de um contacto para podermos conhecermo-nos melhor.
o meu:- ruigdossantos@gmail.com
Rui Santos
Caro Armando Fonseca:
O teu relato é interessante, ele recorda praticamente o nascimento dos aquartelamentos do Sul, que eu palmilhei: Guileje, Gadamael, Ganturé,este já desaparecido em 1972, onde algumas vezes embosquei com dois grupos de combate.
Aguardo a próxima narrativa para acompanhar o teu percurso, que me entusiasmou.
Um abraço amigo.
Manuel Reis
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