1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Fevereiro de 2011:
Queridos amigos,
Está concluído o périplo aos poetas guineenses até 1990, não vale a pena iludir que é tudo muito poucochinho, numa estreita dependência dos temas portugueses e por vezes com cedências primárias ao incitamento propagandístico, mas sem miolo.
Renova-se o pedido a quem tenha outras antologias com data posterior de fazer o favor de nos emprestar, estamos aqui também para deixar o registo de todas as iniciativas culturais luso-guineenses.
Um abraço do
Mário
Os poetas da Guiné-Bissau: a ingenuidade dos amanhãs que cantam
Beja Santos
A “Antologia Poética da Guiné-Bissau”**, organizada pela União Nacional dos Artistas e Escritores da Guiné-Bissau, com prefácio de Manuel Ferreira (Editorial Inquérito, 1990) procurou na época coligir exemplos representativos das intervenções líricas mais dignas de distinção. Temos aqui várias gerações, há sem sombra de dúvida aproximações entre todas elas: a nostalgia militante, a vibração da palavra de ordem, a glorificação dos afectos, os incentivos à luta da libertação, a laude às vítimas e aos sacrifícios por essa luta e aos heróis anónimos. Há soluções líricas de ternura e enlevo, há fórmulas de grande ingenuidade, de quem se está a estrear na métrica, há poemas com apuro estético, percebe-se que é um país que arranca com vozes entusiasmadas e até deslumbradas mas manda a sinceridade que se diga que este balanço não autoriza um rasgado elogio, uma parte significativa do que consta desta antologia não passará ao futuro. Os poetas que faltam registar são José Carlos Schwartz, Pascoal D’Artagnan, Francisco Conduto, Carlos Alberto Alves de Almada, Jorge Cabral, Nagib Jauad, Félix Sigá, Domingas Samy e Eunice Borges.
Schwartz morreu precocemente, manejava a escrita com simplicidade, com orgulho do seu nacionalismo: “Antes de partir/ Encherei os meus olhos, a minha memória/ Do verde (verde, verde!) do meu País/ Para que quando tomado pela saudade/ Verde seja a esperança/ Do regresso breve”. Pascoal D’Artagnan pautou-se pelo uso de uma métrica arrumada em conceptualismos, manipulou a carga panfletária não subtraindo a veia lírica e o apelo às sonoridades, como se exemplifica no:
In Memoriam a Amílcar Cabral
As frestas das portas da mártir África
abriam-se num passo compassado.
O homem surgia –
– ele e a glória do porvir
aureolando-lhe o rasgo.
As brisas tornavam-se mais tensas
mais velozes em seus assopros
os sóis decididamente rasgavam os escuros
– que teimavam em esbater-se
– sobre os tectos africanos.
A fé e a esperança
circundavam garante o homem
– era o sonho da caminhada
Incendiando corações galopantes
Francisco Conduto não enjeita quer o panfleto quer as mensagens doutrinais, o mesmo se poderá dizer de Carlos Alberto Alves de Almada. Jorge Cabral é um poeta saudosista, melancólico, embalado por uma poesia muito formalista. Pouco há a dizer, igualmente, de Nagib Farid Said Jauad, Félix Sigá e Domingos Samy. A última poetiza da antologia, Eunice Borges, surpreende pelo uso de uma linguagem simples e directa, acalorada ao serviço de causas como os direitos das mulheres ou a apologia do heroísmo dos combatentes. E surpreende porque tal simplicidade da composição lírica acaba por servir como estrofes de canção:
Manta da minha mãe
A minha mãe
tinha uma manta velhinha
cheia de buracos
que me cobria
quando eu era pequenina!
Mamã,
a manta com que me cobrias
tinha tanto calor
que fez nascer dentro de mim
aquele amor tão grande
que a vida não faz morrer.
Em jeito de conclusão, importa reconhecer que a generalidade desta poesia está profundamente condicionada pela lírica portuguesa, é determinada por causas, mas pouco ousada em termos imaginativos. Se não surpreende na vida cultural de um Estado recém-criado, hoje, caso estejamos ainda a este nível da arquitectura poética, já será motivo de preocupação.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7883: Recortes de imprensa (40): Numa sala de espelhos estilhaçados, lembranças de partidas e chegadas (Beja Santos - Diário de Aveiro - 13/2/2011)
(**) Vd. postes de:
19 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7819: Notas de leitura (206): Antologia Poética da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)
e
22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7839: Notas de leitura (208): Antologia Poética da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7872: Notas de leitura (210): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (3) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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