segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7875: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (72): Na Kontra Ka Kontra: 36.º episódio




1. Trigésimo sexto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 27 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


36º EPISÓDIO

O Alferes ficou aparvalhado, sem saber o que dizer. Passava-se alguma coisa com o seu amigo. Antes de ir para Madina Xaquili davam-se como verdadeiros amigos e agora a reacção do Ibraim era perfeitamente incompreensível. Estendeu o dinheiro, recebeu o bilhete e entrou. Sentado à espera que o filme comece pensa em tudo o que podia ter provocado aquela reacção, não chegando a conclusão alguma. Decide que no fim do espectáculo irá tirar tudo a limpo, confrontando o amigo com a reacção que tinha tido.

Depois dos documentários, que desta vez foram sobre as Pousadas de Portugal, e começado o filme dessa noite é que o Alferes se apercebe que se trata do “Deserto Vermelho” de Antonioni. Óptimo filme, mas nestas circunstâncias talvez preferisse um tema menos pesado, quiçá uma “coboiada”.

O que é certo é que no intervalo metade da assistência já não voltou à sala. O filme era realmente difícil.

No fim o Alferes deixou sair todo o pessoal e só depois de dirigiu para a saída. O Ibraim não teria justificação para não falar com ele.

Ou porque já não havia necessidade de controlar as entradas, dado o género de filme, ou porque o Ibraim efectivamente não se queria encontrar com o amigo, o que é certo é que o Alferes não conseguiu descortiná-lo. Acabou por ir para o quartel convencido que o Ibraim tinha algo contra si. Por um lado quer resolver a situação, por outro tem receio de enfrentar a realidade que lhe pode ser adversa e decide estar algum tempo sem ir ao cinema para não ter um NA KONTRA que se poderia transformar num KA KONTRA, nada desejado.

Como depois do trabalho permanece mais tempo no quartel, dedica-se novamente ao jogo da “lerpa”, continuando a perder, como sempre acontecia.

Azar ao jogo, sorte no amor, eis que chega do Porto, a resposta da sua namorada. Dedica-se agora a escrever-lhe longas e apaixonadas missivas. Raramente joga às cartas.

Pelo motivo que é conhecido não vai ao cinema durante várias semanas. Algumas vezes joga às cartas e até ganha… o que o preocupa. Os dias vão passando.

O Alferes Magalhães sentado à porta do bar de oficiais do
Comando de Agrupamento.

Num fim duma manhã, estando a trabalhar no seu local de trabalho, na Sala de Operações, vêm chama-lo pois estava lá fora um militar nativo com galões de Alferes que lhe queria falar. Não era mais do que o João Sanhá de Madina Xaquili. Há um NA KONTRA efusivo. Ambos estão felizes por se reverem, no entanto o Alferes Magalhães nota que o semblante do João é mais carregado do que habitualmente. Não foi preciso esperar muito tempo para saber a razão. O João vai contando que agora lá na tabanca já não há moranças. Que as coberturas das palhotas que não arderam durante os ataques estavam agora sobre os abrigos para estes não se esboroarem. Quanto aos ataques, referiu que já tinha havido vários e no que houve na semana seguinte ao primeiro, quando o Alferes Magalhães já estava em Bafata, morreu o Dionildo. O João carregou ainda mais o semblante.

Consternação do Alferes. Terrível. O seu amigo Ibraim vira-lhe a cara e agora o seu amigo Dionildo morria.

Reage mais uma vez a uma má notícia e, como era seu costume, convida o João para almoçar. No Senhor Teófilo comem uma bela cachupa, que a esposa dele tinha cozinhado nesse dia.

De regresso ao quartel, depois de se despedir do João, não deixa de pensar e repensar: Morre o Samba, o Ibraim não lhe fala e o Dionildo, de quem se tinha tornado grande amigo morre agora também. Se antes repetia, porquê o Samba, agora repete sem cessar: Porquê o Dionildo?

Os dias continuam a passar. Com o reatar da correspondência com a namorada e “as coisas” a correr pelo melhor, o nosso Alferes resolve ir de férias à Metrópole. No princípio de Novembro de 1969 e no dia aprazado toma o avião, o Dakota, para Bissau. O avião sobrevoa a relativa baixa altitude regiões que ele sabe muito bem serem autênticos santuários do PAIGC, como o Oio. Chega a ver pessoas em tabancas controladas pelos guerrilheiros. A viagem é curta e depressa o avião se faz à pista do Aeroporto de Bissalanca.

O Dakota onde vai o Alferes Magalhães sobrevoando a
tabanca da Ponte Nova.

Passa dois dias em Bissau antes de embarcar para a metrópole. Encontra-se com amigos e com os Alferes do seu curso de Mafra que ficaram a trabalhar no Quartel General. São dois dias já de verdadeiras férias. Não deixa de ir à “Casa Gouveia” comprar algumas prendas para os familiares, mas sobretudo para a sua namorada.

Na manhã do embarque deixa o aposento, que ocupava com mais sete camaradas nas instalações do Quartel de Santa Luzia e, pedindo um táxi, dirige-se para Aeroporto.

O Alferes Magalhães na camarata do QG.

Os aviões vêm de Lisboa durante a noite, passando pela ilha do Sal em Cabo Verde e regressam durante o dia à Metrópole. Não atravessam o continente africano. Os países a sobrevoar não o permitem por Portugal ser um país colonialista. De qualquer modo vai-se sempre a ver a costa de África. Sabendo disso o nosso Alferes, ao fazer o check-in, pede um lugar à janela e do lado direito da cabine.

Chamam para o embarque. O nosso Alferes tem que mostrar o cartão de embarque e um documento, o Passaporte Militar, trazido de Bafata. Depois de muito procurar, de esvaziar várias vezes os bolsos e um pequeno saco que levava com ele, o dito documento não aparece. Todos os passageiros já tinham embarcado. Sem Passaporte Militar o Alferes Magalhães ia ficar em terra.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7861: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (71): Na Kontra Ka Kontra: 35.º episódio

2 comentários:

Fernando Gouveia disse...

Conforme referido no 1º comentário do 1º Episódio:

Glossário do 36º episódio:

CACHUPA: Cozinhado de origem cabo-verdiano à base de carne de carneiro, porco, galinha e milho tenro (verde).

Um abraço a todos e até ao próximo.
Fernando Gouveia.

JOSE CASIMIRO CARVALHO disse...

CAMARADA VELHINHO
FOSTE DOS PRIMEIROS
EU FUI DOS ÚLTIMOS (ÚLTIMO !!!)
DEMOS O GOSSE! 22 MAIO 74

UM ABRAÇO

JOSÉ CARVALHO
EX FUR MIL OP/ESP