segunda-feira, 28 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9953: Notas de leitura (364): Mitos Revolucionários do Terceiro Mundo, por Gérard Chaliand (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 16 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
É graças à extrema solicitude de António Duarte Silva, que possui uma invejável biblioteca sobre a guerra da Guiné e a as lutas de libertação, que tive a oportunidade de ler este conjunto de flashes em que Chaliand viaja sobre os primórdios das lutas armadas e procede a balanço sobre as principais revoluções nacionais. Nestas coisas da leitura recomenda-se o distanciamento, Chaliand não escondia a sua deceção sobre os caminhos trilhados pelos países recém independentes, como alguns deles tinham irresponsavelmente atirado grandes sonhos para o charco, como a própria África já se perfilava como um continente condenado a um estranho sistema de subdesenvolvimento com explosão demográfica. E onde uma vez mais Chaliand não esconde o seu deslumbramento por Amílcar Cabral.

Um abraço do
Mário


Reler Gérard Chaliand: Mitos revolucionários do Terceiro Mundo

Beja Santos

Anticolonialista, ativo e militante, redator-chefe do semanário Révolution Africain, acompanhou Amílcar Cabral na guerrilha. Viveu nas aldeias do Vietnam do Norte, investigou as guerrilhas da Colúmbia, a resistência palestiniana. Ao tempo em que publicou “Mitos Revolucionários do Terceiro Mundo” (1976) já era um conferencista emérito e considerado um dos maiores especialistas mundiais na guerra revolucionária e lutas de libertação nacional.

Nesta sua obra “Mitos Revolucionários do Terceiro Mundo” (Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1977), Chaliand procede a um balanço das suas permanências e investigações em África, Próximo Oriente, América Latina e Sudeste Asiático, estuda as estratégias e métodos e a luta armada nos três continentes, disseca os seus sucessos e os seus numerosos fracassos, descodifica siglas arrebatadoras dos grupos revolucionários, as metamorfoses a que foi sujeito em todo o mundo o projeto socialista e por onde andavam, bem ou mal, os mitos revolucionários à entrada do último quartel do século XX. Inevitavelmente, aqui se fará referência a Amílcar Cabral.

Primeiro, o subdesenvolvimento, a economia colonial e o papel das camadas urbanas nas lutas de libertação. Aí ganha projeção a densidade demográfica de um Terceiro Mundo, na altura totalmente incapaz de competir com as economias dos EUA, CEE e URSS. Os países desenvolvidos e as suas instituições (com o FMI e o Banco Mundial à frente) reconheciam pela voz de McNamara que era inaceitável o estado atual do desenvolvimento, a repartição dramaticamente desigual das vantagens, havia que melhorar urgentemente o rendimento dos mais pobres e valorizar as suas matérias-primas. O choque petrolífero subverteu a essência das boas intenções, dentro de uma atmosfera de Guerra Fria, depois de tudo o que se tinha passado e continuava a passar no Vietnam, a nacionalização do Canal de Suez, da Argélia, o ímpeto independentista do Magrebe até África Ocidental e descendo para o Congo, o Terceiro Mundo e o Movimento dos Não Alinhados estava na ordem do dia. É nessa atmosfera de efervescência que Chaliand fala do neocolonialismo no contexto das contradições africanas e a constituição de uma pequena burguesia comercial e de uma camada dirigente que se irá revelar incapaz de conduzir projetos políticos dignos de apontarem para o desenvolvimento.

O autor enquadra os princípios gerais da guerra de guerrilhas e exemplifica a sua aplicação na América Latina, na África e na Ásia, sobretudo. São capítulos altamente resumidos, em alguns casos o leitor não ganha munição, a esta distância, para entender os jogos de poder, a desagregação dos ideais, a solidez das alianças regionais, por exemplo. É neste embrenhado que o investigador faz avultar um capítulo intitulado “A herança de Amílcar Cabral”. Começa por um facto sem precedentes que atirou para a valeta um registo diplomático: a proclamação unilateral de independência da Guiné-Bissau, rapidamente reconhecida por dezenas de países. Sumariza os principais acontecimentos da fundação e institucionalização do PAIGC, o modo como Amílcar Cabral baseou a sua estratégia na paciente construção de uma infraestrutura, como soube desencadear a luta armada numa região da Guiné deixando as forças armadas praticamente manietadas durante meses e quando começou a resposta o modo como a guerrilha prosseguiu no Leste e no Norte, obrigando o contendor a igualmente dispersar-se e sujeito a um enorme desgaste. Explica como as autoridades portuguesas detinham o controlo de uma maioria populacional sem nunca conseguir fazer pressão para expulsar os guerrilheiros para fora do território.

A influência internacional de Cabral era notória: na ONU, nos areópagos controlados pelos comunistas, na Organização da Unidade Africana. Manteve as populações sempre mobilizadas e participantes, e descreve minuciosamente as eleições da “Assembleia Popular da Guiné-Bissau”, acontecimento ímpar nos movimentos de guerrilha. Chaliand trata Cabral como a figura revolucionária mais notável da África contemporânea, exalta-o pelo talento político, pela capacidade de organização, como teórico e pelo seu tato diplomático. E escreve: “A 20 de Janeiro de 1973, nas vésperas da proclamação da independência, Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri por membros do seu próprio partido. Os portugueses tinham dado esperanças a alguns quadros do partido, originários da Guiné, de que outorgariam a independência com a condição de que fossem descartados os cabo-verdianos que compunham uma parte importante da direção do PAIGC”.

Falando do ato de independência, Chaliand questiona as razões que levaram o PAIGC a tomar uma decisão tão singular, e procura justificar: “A resposta é dupla: de um lado, o Portugal de Marcello Caetano não oferecia nenhuma possibilidade a mais que o de Salazar para uma paz negociada. Não podendo tornar-se neocolonial, o Império Português crispava-se sobre as suas possessões e não podia abandonar a Guiné, sob a pena de encorajar os movimentos nacionalistas de Angola e Moçambique. Por outro lado, o PAIGC, tendo em conta a relação de forças, não podia vencer o inimigo no terreno puramente militar. Esta impossibilidade de levar os movimentos de libertação africanos a um Dien Bien Phu, mesmo no caso do mais bem estruturado deles, o da Guiné-Bissau, tem uma causa que parece não ter chamado a atenção dos observadores: a escassez demográfica. A verdade é que uma confrontação militar decisiva requer uma massa de homens cujas perdas possam ser compensadas facilmente”.

Para efeitos de recensão, paramos aqui, Chaliand prossegue a sua digressão pelas teorias e práticas da contrainsurreição, refere abundantemente várias revoluções nacionais anti-imperialistas e é em jeito de conclusão mostrar-se-á claramente céptico quanto à consolidação e reconhecimento de o “terceiro-mundismo”.

Obra naturalmente datada, tudo quanto ele registou faz parte da história, não chegou ao presente.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9945: Notas de leitura (363): "A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné - Gandembel / Ponte Balana", por Idálio Reis (Belarmino Sardinha)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

Obrigada pela trabalheira que me poupas, MBS, em leres mais um livro prá gente.

Este Gerard também não andou comigo na tropa e fui ver na Wikipédia quem era.

É mais um "branco" a falar dos problemas do "Homem negro" e dos latinos americanos e chineses e árabes.

Portanto é mais do mesmo, só que este pelo que li foi daqueles tempos "românticos" que acompanharam com revolucionários, com mercenários, com nacionalistas e outros "guerreiros" da guerra fria.

Este, com 18 anos, já cavou da Argélia, para vermos que já era um aventureiro precoce.

Foi por espírito de aventura que apareceu muita gente desta, naquele tempo, alguns por estratégia pessoal ligavam-se aos revolucionários e simultaneamente aos serviços secretos dos países coloniais.

Era uma vida porreira e de muita adrenalina a vida destes aventureiros.

Hoje era mais perigoso acompanhar com revolucionários, pois que usam explosivos na cintura.

Anónimo disse...

DIEN BEN FHU E ESCASSEZ DEMOGRÁFICA

Dien ben fhu, foi a maior estupidez de todas as guerras contemporâneas,tanto clássicas com de guerrilhas.
Só foi possível graças à arrogância e estupidez dos generais franceses e da "gorge" e "grand france", tão típica dos dirigentes, e não só, desde os tempos de Napoleão.Desde essa altura que só levam na "corneta", 1.ª e 2.ª guerras mundiais, intervaladas pela linha maginot, passando pelo vietnam e acabando na argélia.
Em abono da verdade,no vietnam, tanto com os franceses como com os américas,um tal general giap,nunca se preocupou com as perdas humanas, o que era necessário era atingir os fins, derrota dos franceses e retirada dos américas.
Aliás isto é comum a qualquer regime dito comunista.
Isto nada tem a ver com a guerra na guiné,onde uma das preocupações do paigc era evitar o mais possível perdas humanas,e na minha opinião, não tinha só que ver com a baixa demografia.

C.Martins

antonio graça de abreu disse...

Diz o Chaliand num texto rigorosamente datado, de 1976, com trinta e seis anos, portanto:

"O PAIGC, tendo em conta a relação de forças, não podia vencer o inimigo no terreno puramente militar. Esta impossibilidade de levar os movimentos de libertação africanos a um Dien Bien Phu, mesmo no caso do mais bem estruturado deles, o da Guiné-Bissau, tem uma causa que parece não ter chamado a atenção dos observadores: a escassez demográfica. A verdade é que uma confrontação militar decisiva requer uma massa de homens cujas perdas possam ser compensadas facilmente”.

Então, houve ou não houve uma derrota militar das NT, o debacle, etc?

Gente ilustre, ao contrário do Chaliand, continua a pensar que sim.

Abraço,

António Graça de Abreu