terça-feira, 29 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9962: O Nosso Livro de Visitas (137): Nelson Cerveira, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAV 8320/73 (Bissorã e Bissau, 1974)

1. Mensagem do nosso camarada Nelson Henriques Cerveira, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAV 8320/73, Bissorã e Bissau, 1974, com data de 23 de Maio de 2012:

Numa das descrições do seu blogue sobre saída dos últimos militares da Guiné "os últimos militares portugueses a abandonar o território da Guiné" feita por Luís Gonçalves Vaz, refere que o navio Niassa navegava já à frente, na realidade navegava mais à frente por ainda não ter chegado a águas territoriais da Guiné, pois vinha mais atrasado que o navio Uíge, e como não tinha hipótese de chegar ao largo de Bissau antes da meia-noite do dia 14/10/1974, data limite acordada para o abandono dos militares portugueses da então Província da Guiné, ficou à espera dos últimos militares ainda em pleno oceano Atlântico. Estes últimos militares, dos quais fazia parte o meu Batalhão de Caçadores, embarcou no porto de Bissau, em LDG (lancha de desembarque grande), vindos da Amura, poucos minutos antes da meia-noite e eram perto das 6 horas da manhã do dia 15 quando passaram das lanchas de desembarque para o Niassa, subindo por uma escada estreita colocada encostada ao casco do navio, num local onde a ondulação era pronunciada.

Passo de seguida a descrever esse embarque nas LDG. Eram cerca das 22 horas do dia 14, quando os militares formados no aquartelamento da Amura se começaram a deslocar para o porto de Bissau. Logo à saída da porta do aquartelamento encontrava-se uma segurança formada de cada lado da estrada feita por militares do PAIGC e Fuzileiros Navais Portugueses, espaçados cerca de 1 a 2 metros e alternando um militar do PAIGC com um Fuzileiro Português, até ao cais onde se encontravam as LDG. À medida que o último militar português da formatura ia passando por um Fuzileiro este ia-se integrando no fim da formatura. Tudo correu sem problemas e como já referi, os últimos militares a entrarem na LDG fizeram-no poucos minutos antes da meia-noite, tendo estes avançado, sem qualquer tipo de represália, nem tentativa, em direção ao navio, que nos esperava como já disse em pleno oceano Atlântico.

Devo também referir, que não temíamos qualquer represália por parte dos militares do PAIGC, mas sim por parte de alguns civis. Os militares do PAIGC, pelo contrário, protegeram alguns militares portugueses contra os civis, como aconteceu com alguns militares do meu Batalhão nos últimos dias que estivemos em Bissau. Esses militares foram vítimas de tentativa de agressão por parte da população civil negra, valendo-lhe nessa altura os militares do PAIGC que mal apareciam os civis fugiam de imediato temendo represálias por parte desses militares.

O meu posto era Furriel Miliciano Enfermeiro, pertencia à CCS, dum Batalhão de Caçadores, que não me lembro o número, pois todas as referências que tinha em relação à minha estadia na Guiné, e que eram muitas, inclusive grande número de fotografias, perdi-as numa mudança que fui obrigado a fazer de residência, numa altura que não me encontrava no país. No entanto vou deixar alguns dados sobre o meu Batalhão e espero que alguns dos meus colegas leiam o seu blogue e me possam indicar o número do Batalhão.

O meu Batalhão formou-se em Estremoz, nos primeiros meses do ano de 1974. Estávamos em Santa Margarida a tirar o IAO quando se deu o 25 de Abril. No dia 24 de Abril foi-nos comunicado que tínhamos sido desmobilizados, mas que tínhamos de entregar todo o armamento que nos tinha sido distribuído até à meia-noite desse dia. Esta ordem ficou sem efeito após o 25 de Abril e fomos para a Guiné, nos primeiros dias de Junho de avião. O nosso Batalhão foi render um batalhão cuja CCS estava estacionada em Bissorã, de onde saímos depois de fazer a entrega ao PAIGC em fins de Agosto de 1974.

Agradeço a hipótese de colaborar no seu blogue e fico à espera de respostas de companheiros meus desse Batalhão.

Muito atenciosamente
Nelson Henriques Cerveira
nelcerveira@gmail.com


2. No mesmo dia foi enviada a mensagem que se segue ao camarada Nelson

Caro camarada Nelson
Pelos elementos que forneces, poderás ter pertencido ao BCAV 8320/73 formado em Estremoz e não a um BCAÇ como referes.


1.º CMDT - Maj Cav Luís Manuel Lemos Alves
2.º CMDT - Cap Cav Nuno António Amaral Pais de Faria
OInfOp/Adj - Cap Cav João Luís Adrião de Castro Brito
CMDT da CCS - Cap SGE Sizenando Silva Lampreia
CMDT da 1.ª Comp - Cap Mil Grad José Feijão Leitão de Castro e Cap Art.ª Vítor Manuel Barata
CMDT da 2.ª Comp - Cap Mil Grad José Manuel Santos Jorge e Cap Inf.ª António dos Santos Vieira
CMDT da 3.ª Comp - Cap Mil Grad João Pedro Melo Martins Soares e Cap QEO Valdemar Nogueira dos Santos

Partidas:
Em 20JUN74 - CMD e CCS,
em 21JUN74 - 1.ª Companhia
em 22JUN74 - 2.ª Companhia
em 23JUN74 - 3.ª Companhia

Regresso em 14OUT74

Confirma-se que este Batalhão assumiu a responsabilidade do sector de Bissorã substituindo o BCAÇ 4610/72.

Se achares que estou correcto, mando-te cópias das folhas do livro que possuo, onde está a actividade resumida das diversas Companhias.

Recebe um abraço
Carlos Vinhal


3. No dia 24 recebemos resposta do camarada Nelson Cerveira

Caro Carlos Vinhal,
Tem toda a razão, só quero reteficar uma coisa. O Major Luís Manuel Lemos Alves, conseguiu ser desmobilizado pouco antes de termos partido por não haver espaço de tempo suficiente entre a sua última mobilização e esta, tendo assumido provisoriamente o Comando o Segundo Comandante Capitão Nuno António Amaral Pais de Faria, mas não chegou a ser nomeado novo Comandante, passando o Capitão a Comandante efetivo.
Agradeço a sua informação e fico a aguardar os documentos que refere.

Receba um abraço amigo
Nelson Cerveira


4. Comentário de CV:

Analisando os dados fornecido pelo nosso camarada Nelson e consultando a Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, concluímos que este Batalhão tinha como 1.º Comandante um Major quando o usual era o cargo ser ocupado por um Tenente Coronel. Pasme-se que por impossibilidade de o Major Lemos Alves ocupar o lugar de 1.º CMDT, foi substituído pelo Capitão Pais de Faria. Competências à parte, tivemos pois um Capitão a comandar um Batalhão. Terá sido porque a guerra estava em fase terminal? Já não havia Tenentes Coronéis e Majores disponíveis para dotar as Unidades mobilizadas?

Outra coisa que não se percebe nas afirmações do nosso camarada, a não haver confusão nas datas, é o facto de o Batalhão ter sido desmobilizado no dia 24 de Abril de 1974. Premonição? E por que foi "reactivado" no dia da Revolução?

Poderá o nosso camarada explicar?

Caro camarada Cerveira, convido-te em nome da tertúlia a fazeres parte da família do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné onde há sempre lugar para quem quiser contribuir para a memória futura da história da guerra colonial, e da Guiné em particular. Viveste não o período da guerra declarada, mas meses de tensão e de indefinição, e a fazer fé no que dizes, de alguma hostilidade da população de Bissau para com a tropa portuguesa.

Manda-nos uma foto actual e outra do teu tempo de Guiné e considera a tua mensagem de 23 de Maio como o início da tua colaboração, narrando as tuas experiências e aquilo que viste e sentiste em Bissorã e Bissau, até àquela inesquecível noite de embarque no Niassa.

Recebe um abraço do camarada
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9894: O Nosso Livro de Visitas (136): António Martins Alves, Regimento de Cavalaria 8 - Castelo Branco, 1967/70

3 comentários:

Ultramar Naveg disse...

... as derradeiras unidades do Exército Português, que em 14Out74 ainda se encontravam em território da Guiné e no final daquela noite saíram do cais de Bissau para embarcar – nos NTT "Niassa" e "Uíge" – de regresso à Metrópole, foram as seguintes:
BCac4510/73, BCac4610/73, BCac4612/74, BArt6521/74 e BCav8320/73 (com as respectivas subunidades orgânicas); e as subunidades de Polícia Militar, CPM8272/74 e PelPM8273/72.
Um contingente com cerca de 3500 homens, equivalente ao existente no Estado da Índia Portuguesa, aquando da invasão pela UI ocorrida em 17-18Dez61.
____

Manuel Araújo disse...

Caros camaradas,

Da 2ª Comp. do BCav8320/73 podem aqui encontrar alguns sobreviventes :)

https://www.facebook.com/groups/117089708405665

Eu fiz parte desse embarque e escrevi no comentário que segue, algo que ainda não esqueci.
Penso, se ainda for a tempo, registar em livro essa e outras situações.

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=329744730397386&set=a.229820150389845.61819.100000855862371&type=1&theater

Ze Luis disse...

Caros camaradas. Volto de novo para confirmar, as afirmações do camarada Nelson Cerveira, e responder a uma dúvida que ficou no nosso espirito, sobre a desmobilização e posterior mobilização para CTIGuiné-Bissau. Na primeira mobilização, íamos render o BCAV/8320/72, na altura aquartelado em Bula. Após o 25 de Abril de 1974, quando nos inicios de Maio, recebemos a ordem para regressar a Sta Margarida, estavamos convictos que íamos cumprir a rendição que inicialmente programada; até porque ainda não tinham sido iniciadas as conversações para o cessar fogo e para o fim da nossa intervenção naquele território. Um dia, nós os telegrafistas, falámos com o nosso Tenente (só foi promovido a capitão nas vésperas do embarque, como todos os milicianos),para conseguir que nós praticasse-mos telegrafia. No centro de transmissões do Campo Militar, estava de serviço um antigo colega de trabalho e amigo de Almada, que em conversa, me mostrou sob rigoroso sigilo a mensagem que revelava qual o nosso verdadeiro destino.
PS- curiosamente a minha Companhia(2ª BCAV8320/73) embarcámos a 22/6 e o cessar-fogo foi assinado a 21/6. Abraço a todos camaradas.