segunda-feira, 7 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12941: Notas de leitura (579): "A Literatura na Guiné-Bissau", de Aldónio Gomes e Fernanda Cavaca (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
Houve por bem, ao tempo das comemorações dos Descobrimentos Portugueses (íamos a caminho da Expo 98), do Ministério da Educação se ter afoitado a um levantamento da literatura da Guiné-Bissau, uma síntese de grande honestidade, um ensaio que assegura uma visão global nos termos literários que vingaram desde a era dos Descobrimentos à atualidade.
Trata-se de um ensaio muito útil que bem merecia ser atualizado à luz dos conhecimentos atuais, entre 1997 e hoje pode dizer-se que se clarificou a literatura luso-guineense e que aquilo a que os autores chamam “a literatura dos combatentes” no contexto da literatura colonial ganhou autonomia e como tal deve ser apreciada e estudada.

Um abraço do
Mário


A Literatura na Guiné-Bissau: Os olhares de Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas

Beja Santos

No âmbito do Grupo de Trabalho do Ministério de Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, foi dado à estampa, em 1997, “A Literatura na Guiné-Bissau”, da autoria de Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas. Esforço coroado de sucesso, os autores abalançaram-se num esforço de enquadramento da literatura da Guiné independente, nunca perdendo a bússola de que houve um saber colonial e uma expressão acabada do mesmo, chamando a atenção para as complexidades do nascimento de uma literatura escrita num contexto muito próprio de África onde a oratura é a expressão natural da comunicação de agentes.

É uma obra de caráter expositivo e antológico, uma escrita viva, ágil, tocando os pontos principais, como se passa a enumerar.

Primeiro, o nascimento difícil da literatura escrita: uma Guiné que deixou a dependência administrativa de Cabo-Verde nos anos 70 dos século XIX, Bolama passou a ter tipografia em 1879; a administração portuguesa só avançou para o interior da Guiné no fim do primeiro quartel do século XX, a despeito de confrontos e lutas que se prolongaram até à década de trinta do século XX; a despeito de todos estes condicionalismos houve literatura colonial mas não houve literatura escrita em língua portuguesa verdadeiramente de origem local.

Segundo, a oratura é a expressão de uma sociedade não alfabetizada, a literatura oral espalha a convivência e o fascínio da palavra dita, reforça o gregarismo da vida comunitária, na tabanca. Como escrevem os autores: “Conta-se e canta-se, ouve-se, comenta-se vibra-se ou adormece-se. É-se alternamente ouvinte e narrador e toda a gente tem assegurado a sua participação”. É uma literatura tão vibrante que investigadores do século XIX como Marcelino Marques de Barros ou Manuel Belchior, já no século XX, se deliciaram a coligir narrativas históricas e épicas, contos e lendas, provérbios e advinhas que dão conta da riqueza cultural do mosaico étnico guineense. Povos como o Mandinga fazem acompanhar esta literatura oral da música, os djidius eram trovadores errantes, possuidores do dom da palavra, bons manipuladores do código poético e bons músicos (corá, nhanhero, viola de três cordas…). Os autores indicam um conjunto de obras de grande importância sobre as manifestações de oratura do século XIX e lembram outros autores do século XX como Viriato Augusto Tadeu, João Eleutério Conduto, Alexandre Barbosa, Maria Cecília de Castro para além do já citado Manuel Belchior.

Terceiro, não se pode esquecer a literatura do encontro de saberes, as crónicas, as descrições geográficas, os documentos políticos como o indispensável “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa”, de Honório Pereira Barreto, para além de um conjunto de obras de pendor etnográfico e divulgador, aqui tiveram um papel importante administradores coloniais e investigadores, como Rogado Quintino, António Carreira, Teixeira da Mota e Artur Augusto Silva, entre muitos outros. Com a independência, emergiram estudos de diferentes proveniências, como os trabalhos dos guineenses Carlos Lopes e Carlos Cardoso, a História da Guiné de René Pélissier, O Crioulo na Guiné-Bissau, de Benjamim Pinto Bull, e O Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau, de Peter Karibe Mendy. Isto são referências meteóricas aos muitos títulos entretanto surgidos, há que pensar na revista Soronda e também na Tcholona, Revista de Letras, Artes e Cultura, nas edições do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa.

Quarto, a literatura colonial guineense, como Leopoldo Amado tão bem estudou, foi uma realidade inquestionável, nela tiveram protagonismo maior ou menor Fernanda de Castro, Fausto Duarte, João Augusto Silva, entre outros. Os autores incluíram aqui a literatura dos combatentes, uma visão que me parece descabida, é um setor autónomo da literatura colonial, esta exprimiu uma realidade que não é consentânea com a dos combatentes, estes centraram-se na vivência da guerra e no conhecimento do Outro em termos tais que não é possível incluir qualquer destas manifestações literárias como experiência colonial.

Quinto, e depois veio a literatura do saber nacional onde pontifica a dimensão poética, hoje bem identificada, e onde se enfileiram nomes como o de Vasco Cabral, Pascoal d’Artagnan, Tony Tcheka, Agnelo Regalla, Hélder Proença, Manuel da Costa, Odete Semedo e Félix Sigá. Mas para além da poética há a prosa onde Abdulai Silá é porventura o nome mais saliente.

Segue-se uma antologia mínima que inclui provérbios, adivinhas, canções, histórias e contos tradicionais, cronistas dos descobrimentos, figuras de destaque da literatura colonial guineense, escritores combatentes como Armor Pires Mota e Barão da Cunha e muitos, muitos poetas e prosadores como Domingas Samy e Abdulai Silá.

Enfim, um pequeno ensaio muito bem-sucedido pela amplitude da informação, uma visão global de quanto em termos literários, ou com alguma vivência estética, se foi produzindo, através dos tempos, na Guiné, não se acantonando nem à poesia nem à ficção, espraiando-se pelo antropológico e pelo etnográfico e até pelo documento político. Um livro que merecia ser atualizado, reformulado e até aumentado, dado o crescimento que nos deve envaidecer a todos da investigação e também graças a essa nova realidade que é a literatura luso-guineense.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 4 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12932: Notas de leitura (578): "Viagem à África Ocidental", por Vasco Callixto (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Na Guiné e Caboverde nunca houve muita gente a escrever, talvez não só por falta de escolas e liceus e universidades.

Angola e Moçambique sempre tiveram muita gente a escrever.

A línguagem crioula deve ser a principal explicação para tão pouca literatura...naquelas ilhas de Bissau, Bijagós e Caboverde.