segunda-feira, 7 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12945: Estórias avulsas (77): A história do dia seguinte! (João Alberto Coelho)

1. O nosso Camarada João Coelho (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 – S. Domingos -, 1972/74) enviou-nos a seguinte mensagem e algumas fotos do seu álbum de memórias. 

Camaradas, 

Tal como prometi quando me apresentei no blogue, aqui vai:

A história do dia seguinte

Como disse, fomos flagelados com granadas de canhão sem recuo (cerca de sessenta). Enquanto ocorria a flagelação, o alferes Rocha (artilheiro), foi batendo a zona com o obus do meio com tiros para cima da fronteira a norte e nordeste, e com o do lado direito, para uma bolanha imensa que ficava a nordeste do aquartelamento e de onde parecia que as granadas estavam a ser lançadas. Então ao fim de pouco tempo deixaram de cair e nós pensámos que tudo tinha terminado. 

Só que 10 a 15 minutos depois somos novamente flagelados, desta vez com 6 misseis terra-terra (foguetões de 122 mm). Apenas 1 caiu na extremidade sul do aquartelamento, fazendo estragos nalgumas viaturas. 

No dia seguinte, bem cedo, lá fui eu com dois pelotões, bem armados e dispostos a tudo, a caminho de um marco da fronteira, lugar onde pensámos terem sido lançados os foguetões. Sem qualquer dificuldade encontrámos o local onde estiveram as rampas de lançamento. Ainda estivemos para entrar numa aldeia Senegalesa perto daquele local, mas tivemos o bom senso de não o fazer. 

Agora, faltava descobrir o local de onde tinham sido disparados os canhões. Começámos a bater a bolanha e mais ou menos a 2/3 para sul, demos com uma cratera provocada por rebentamento de granada de obus, a cerca de três metro e no meio do lugar onde estiveram os 2 canhões. Em volta, o capim era amarelo e vermelho e através de um informador soubemos que o IN teve várias baixas entre mortos e feridos. 

Se "por sorte", a granada não tivesse caído ali, possivelmente a flagelação continuaria e talvez as baixas fossem do nosso lado. 

A título de comentário, eu acho que o ataque foi muito bem planeado e executado, pois as granadas caíram quase todas à frente dos obuses, e se o IN tivesse um elemento a corrigir o tiro, tínhamos passado um mau bocado. 

Eu com outro camarada a assistir a um "RONCO"
O primeiro grupo de guerrilheiros do PAIGC a visitar S. Domingos (Com um comissário político do PAIGC e o 1º Sargento Cardante)
Em cima do célebre obus.
No varandim da messe (ao meu lado estão bocados de foguetão e bocados de granada de canhão)
 Estávamos perto de tudo... 

Obrigado pela vossa atenção a este meu relato. 

Abraços para todos os amigos, 
João Coelho
Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 –

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010).Direitos reservados. 
Fotos: © João Coelho (2010). Direitos reservados. 
_____________
Notas de M.R.:

Vd. o último poste desta série em: 

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarada João A. Coelho

Em artilharia designa-se fazer "contra-bateria" o que relatas.

Tentávamos fazê-lo sempre e às vezes com sorte e azar do IN.

O obus da foto era o 10,5 de fabrico alemão do grupo "Krupp".

Lançava um "ameixa" com 15 kg e um alcance máximo de sensivelmente 12 km.

Recordo-me que vai fazer agora 40 anos que fomos atacados em Gadamael com granadas incendiárias e estas caíram todas à frente dos obuses na orla da mata..resolvemos não fazer fogo de "contra-bateria" contrariando o que estava estipulado...se caíssem dentro do aquartelamento respondíamos imediatamente, pelo simples facto de que o IN rectificava o tiro..era lógico para eles.. se estávamos a responder era porque não estavam a cair próximo.
Neste caso se rectificassem o tiro provavelmente levávamos com elas em cima.
Foi um espectáculo dantesco a que assistimos impávidos e não serenos..a mata ardia..o cheiro a fósforo era insuportável..ah..e não foi necessário chamar os bombeiros....

Um alfa bravo

C.Martins

Hélder Valério disse...

Caro camarada João Coelho

Da observação que fiz aquando da minha estadia no 'mato', das conversas que fui tendo com os "artilheiros" e principalmente do que fui aprendendo por aqui, de vários intervenientes com particular atenção ao C. Martins, relevo que a 'resposta' da nossa artilharia era (foi) essencial em vários momentos.

Uma boa e prévia determinação da localização das bases de fogos do IN podia ser o factor decisivo, como foi em muitas situações.

No caso que relatas pode ter sido 'um tiro de sorte' mas essa procurava-se. Caso não, podiam acontecer revezes graves.

E a situação que o C. Martins relata, com a 'contenção' na resposta, demonstra já muita experiência, muita 'velhice'...

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Caríssimo J. Coelho,

Pois é, às vezes "dá sorte", quando não, é chamado de "fogo amigo"; lemos isso várias vezes nos jornais, no Vietnam, e mais tarde no Kuwait, apesar de toda a tecnologia embarcada!!!

No fim da minha comissão,vindo de um longo período em Gadamael, estive adido na sede do teu Batalhão, em Ingoré em 72 com o BCAV 3846, que suponho vosso antecessor, felizmente não foi necessário fazer um só disparo.

Sempre, quando o fogo In chegava perto, ou dentro do arame farpado,eram momentos tensos, contudo, o momento de maior tensão para o Artilheiro, é quando a tropa entra em confronto, e pede apoio para pontos próximos.

Bem podes imaginar a situação, porque a deves ter vivido, debaixo de fogo, com uma carta ás vezes de atualização duvidosa, no meio do mato sem referências, o grau de precisão para situar das tropas.

As palavras são como as cerejas...

Lembro também, bem no começo da minha comissão, me mandaram para Bachile, acredito que para substituir um Camarada de férias.

Um dia estava na messe na sede CAOP (?) em Teixeira Pinto, e um Major, o Oficial de Operações, falou:

- Nosso Alferes, amanhã tem uma operação numa mata que não lembro o nome,em que participam as Forças Especiais para invadir uma base IN, e nós (ele e eu) vamos voar e regular o tiro.

No auge da minha "periquitice", nada poderia dizer, senão:

-Sim senhor meu Major!

Imaginei eu, na minha inocência, que iriamos fazê-lo de helicóptero.

Para minha surpresa, subimos numa Dornier, e lá fomos, rodando às voltas, ele identificando os pontos na carta, e eu tábua de tiro no colo, calculando e enviando os dados para o Furriel que ficou no Comando.

Creio eu, que foi o momento mais "irresponsável", mesmo com a desculpa de ser periquito, dos meus dois anos de serviço na Guiné.

E siga a Artilharia...

forte abraço a todos
Vasco Pires