quarta-feira, 9 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12955: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (19): Na guerra colonial, Guiné, numa aldeia do fim do mundo chamada Cancolin (Manuel Vitorino)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Vitorino*, Jornalista, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4518/73, Cancolim, 1973/74, com data de 24 de Março de 2014:

Amigo Luís Graça, boa noite
Não resisti à frase do Baptista-Bastos "Onde estavas no 25 de Abril?" - E escrevi uma crónica.
Há 40 anos permanecia na Guiné como furriel miliciano de Infantaria (Minas e Armadilhas). Hoje sou jornalista.
Aqui vai crónica.

Abraço
MV


ONDE ESTAVAS NO 25 DE ABRIL? 

Manuel Vitorino 
Jornalista

Vista aérea do aquartelamento de Cancolim

Foto: © Rui Baptista (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: CV]

Há 40 anos estava na guerra colonial, Guiné-Bissau, numa aldeia do fim do mundo, em Cancolim, longe de Bafatá.
Quando a madrugada mais luminosa aconteceu já levava várias operações no mato, quilómetros de caminhadas por entre trilhos de floresta sempre à espera de um balázio, uma mina debaixo da árvore, um ataque do PAIGC.
Aparentemente, no país dos “coronéis de lápis azul” o Fascismo estava para lavar e durar.
Não existiam mortos nem feridos. Antes “baixas em combate”, notícias a uma coluna de jornal.

Até ao 25 de Abril vivia num país de partido único, salazarento, cinzentão, liberdades vigiadas por legionários e pides.
Dizer mal do António de Santa Comba Dão só em voz baixa. O delator tanto podia ser o vizinho “bufo” como o colega de trabalho.
Ler o Avante dava direito à perda de emprego.
Distribuir um panfleto de apoio aos presos políticos à prisão. Tudo era literalmente proibido. Até um beijo na rua.

Naquela manhã do dia 25 de Abril acordei cedo e a telefonia só transmitia marchas militares, notícias sobre um “golpe de Estado” em Portugal feito por militares. “Aqui posto de comando das Forças Armadas” ouvi vezes sem conta a par de siglas únicas e inimagináveis: “MFA”, “O Povo Unido….”

Estou em África, no meio do nada, fico inquieto, ansioso. Já só queria aterrar em Lisboa, viver dia e noite, fazer parte da História. Sintonizo a Emissora Nacional, depois a BBC, mais a Deutsche Welle, a Voz da Alemanha e nas várias estações oiço sons de gente sedenta de Liberdade, reportagens de multidões nas ruas de Lisboa e do Porto, exigências de “Libertação dos Presos Políticos” e “Abaixo a guerra colonial”

Subitamente, o país está em catarse colectiva, em festa. E fico colado à rádio de todas as ondas hertzianas. Pelo microfone de um repórter estimado, Adelino Gomes oiço as primeiras declarações do capitão Salgueiro Maia, o mais generoso de todos aqueles que ousaram restituíram o país à dignidade, retenho gritos de Liberdade, o cerco ao quartel do Carmo – onde Tomás e Marcelo se refugiam antes do exílio dourado para a Madeira e depois o Brasil - a chegada de Spínola ao palco dos acontecimentos.
E digo com os meus botões: “A Guerra Acabou”.

E assim aconteceu. A 2.ª companhia do BCAÇ 4518 ainda fez mais duas ou três incursões pelo mato, mas poucos dias depois da “Revolução dos Cravos” uma coluna de “temíveis guerrilheiros” do PAIGC ultrapassou o arame farpado e veio fraternalmente ao nosso encontro.
E por magia tanto as Kalashnikov como as G3 calaram-se de vez.

No quartel o tempo foi vivido em festa, emoções e lágrimas. Abraços calorosos e confidências.
“Nós sabíamos quem vocês eram e o que faziam em Cancolim”, disse-me um combatente das tropas de Amílcar Cabral. Depois das cervejas, decidimos continuar a conversa pela noite dentro, trocar de farda e emblemas, tal e qual como acontece nos jogos de futebol.
A minha competição foi outra.
A guerra da Guiné só podia ser ganha pelo PAIGC.
____________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 10 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12425: O nosso livro de visitas (171): Manuel Vitorino, ex-Fur Mil do BCAÇ 4518 (Cancolim, 1973/74)

Último poste da série de 1 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11511: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (18): Canquelifá, Pirada, Bissau, Gadamael (Carlos Costa, Carlos Ferreira, Mário Serra Oliveira, C. Martins)

5 comentários:

Anónimo disse...

Camarada Vitorino: essa da guerra da Guiné só poder ser ganha pelo paigc,é uma opinião tua, ou faz parte dalgum relatório secreto a que eu que não sou jornalista, tive acesso? Sabes é que quando por ali andei, 8/65 a 4/67, a guerra só não foi ganha por nós, por outros motivos.
De: Veríssimo Ferreira
Ex FUR.MIL, CCAÇ 1422 Mansabá, K3

Juvenal Amado disse...

Manuel Vitorino

Conheci bem o destacamento de Cancolim durante o tempo do batalhão 3872.
A C.Caç 3489 verteu aí sangue suor e lágrimas e houve um período em que foi preciso resistir ao desânimo apelando a forças, que já ninguém pensava ter.
Foi reforçada com grupos de combate da 3491, e por diversas vezes os para-quedistas foram destacados para lá a fim de reforçar a segurança da área, uma vez que por lá passavam os grupos de guerrilheiros que podiam atacar Bafatá ou redondezas.
Quanto à guerra só poder ser ganha pelo PAIGC, a verdade é que ela seria sempre perdida .
Nunca foi uma guerra para ser ganha por nós.
Às razões poderemos sempre chamar ventos da história, uma coisa posso comprovar hoje não tivemos uma só guerra mas várias. Cada companhia encontrou uma realidade diferente, com a guerrilha sempre mais bem armada, com mais apoios externos e nós cada vez mais fartos daquilo.
Um abraço e bem vindo a esta tabanca.

Juvenal Amado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manuel Luis Lomba disse...

Camarada Manuel Vitorino, bem-vindo ao debate. O PAIGC merecia ganhar a guerra, porquê? Só porque tinha armamento mais eficiente? Mas não tinha mais nada!
A guerra não foi ganha pelo PAIGC; foi uma facção do MFA a determinar o abandono da Guiné; o povo bissau-guineense será o perdedor do "pão, paz, liberdade, educação, saúde" da revolução. O silêncio das Kalashnikov trocado pelos copos na cantina da tropa de Cancolin foi efémero; a seguir,o PAIGC voltou-as contra o próprio povo...
O 25 de Abril não foi uma revolução - foi um golpe de Estado. A revolução aconteceu em "28 de Setembro", por empresa dos comunistas - esses coitados, como os mais perseguidos e os maiores sofredores do sr. António de Santa Comba e da sua malta.
O caro camarada facilmente se aperceberá da relação da escalada da guerra da Guiné (Guileje, Gadamael, Guidaje, Copá, Canquelifá, etc com o "1º choque petrolífero", da qual o PAIGC saiu derrotado.
Nos nossos 500 anos de colonização da Guiné, apenas houve soldados mortos e vitoriosos...
Manuel Luís Lomba
Ex f. milº CCAV 703 - Bissau, Cufar e Buruntuma

Manuel Luis Lomba disse...

Camarada Manuel Vitorino, bem-vindo ao debate. O PAIGC merecia ganhar a guerra, porquê? Só porque tinha armamento mais eficiente? Mas não tinha mais nada!
A guerra não foi ganha pelo PAIGC; foi uma facção do MFA a determinar o abandono da Guiné; o povo bissau-guineense será o perdedor do "pão, paz, liberdade, educação, saúde" da revolução. O silêncio das Kalashnikov trocado pelos copos na cantina da tropa de Cancolin foi efémero; a seguir,o PAIGC voltou-as contra o próprio povo...
O 25 de Abril não foi uma revolução - foi um golpe de Estado. A revolução aconteceu em "28 de Setembro", por empresa dos comunistas - esses coitados, como os mais perseguidos e os maiores sofredores do sr. António de Santa Comba e da sua malta.
O caro camarada facilmente se aperceberá da relação da escalada da guerra da Guiné (Guileje, Gadamael, Guidaje, Copá, Canquelifá, etc com o "1º choque petrolífero", da qual o PAIGC saiu derrotado.
Nos nossos 500 anos de colonização da Guiné, apenas houve soldados mortos e vitoriosos...
Manuel Luís Lomba
Ex f. milº CCAV 703 - Bissau, Cufar e Buruntuma