domingo, 31 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13551: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Anexo I: Depois de finda a comissão no TO da Guiné, em dezembro de 1969, ainda foi capelão da marinha mercante até abandonar a vida sacerdotal, em 1972, e casar-se na igreja de Cedofeita, Porto...



Capa da tese de dissertação de mestrado do Horácio Neto Fernandes, "Francisco Caboz: do angélico ao trânsfuga, uma autobiografia. Porto:  Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. 1995, 147 pp. (A tese de dissertação, orientada pelo Prof Doutor Stephen R. Stoer, já falecido, está aqui disponível em formato pdf).



1. Publicámos, com autorização do autor, cerca de 35 páginas do livro  "Francisco Caboz; a construção e a desconstrução de um padre" (Porto: Papiro Editora, 2009) (*). [Vd. aqui página da Editora no Facebook]

O autor é o nosso camarada e grã-tabanqueiro Horácio [Neto] Fernandes eos excertos publicados são relativos à sua experiência como alf mil capelão no CTIG, de setembro de 1967 a dezembro de 1969. De rendição individual, o capelão Horácio Fernandes esteve a maior partte do sua comissão de serviço na CSS/ BART 1913,(Catió, 1967/69).

[ Horácio Fernandes: foto à direita, da autoria do nosso saudoso Victor Condeço, 1943-2010, que foi fur mil mecânico de armamento, CCS/BART 1913].


Os 8 poste publicados correspondem às pp. 127-162 do livro que  já anteriormente tinha sido objeto de recensão crítica por parte do nosso camarada Beja Santos (Poste P9439, de 3 de fevereiro de 2012)

Trata-se de um livrro autobiográfico, Francisco Caboz é o "alter ego" do Horácio Fermandes (n. 1935, Ribamar, Lourinhã). O Horácio Fernandes vive há 4 décadas no Porto. Vestiu o hábito franciscano, tendo sido ordenado padre em 1959. Deixou o sacerdócio em 1972.. É casado, tem 3 filhos. Está reformado da Inspeção Geral de Educação onde trabalhou 25 anos na zona norte. Em 2006 doutorou-se em ciências da educação pela Universidadfe de Salamanca, Espanha.

Horácio Fernandes. Foto: cortesia da
Papiro Editora, Porto
 O livro começou por ser uma tese de dissertação de mestrado em ciências da educação, pela Univeridade do Porto, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, (1995): "Francisco Caboz: de angfélico ao trânsfuga, uma autobiografia (147 pp.) (A tese de dissertação, orientada pelo Prof Doutor Stephen R. Stoer, já falecido, está aqui disponível em formato pdf).

Alguns dos nossos leitores poderão ter curiosidade em saber o que aconteceu ao capelão Horácio Fernandes depois do seu regresso da Guiné em dezembro de 1969. Já aqui aconselhámos a leitura integral do livro. Fomos, entretanto, "repescar" a versão (muito mais sucinta) da sua história de vida, constante da tese de dissertação de mestrado em ciências da educação. Com a devida vénia, reproduzimos aqui as pp. 133-136 desse trabalaho académico. (LG)

Como j+a dissemis, o Horácio Fernandes abandonou o sacerdócio em 1972, dois anos e tal depois de regressar da Guiné. Não querendo voltar opara o concento, ainda se ofereceu , em vão, para prolongar a condição de capelão militar. Como alternativa, foi capelão na marinha mercante: leia-se a parte III, cap 4, do livro ("Capelão do Clube Stella Maris", pp. 163-174).

 Como ele explicou na sua tese de dissertação de mestrado em ciências da educação, Horácio Fernandes "é o sujeito e objecto da autobiografia, coberto por um pseudónimo que pretende esconder o que revela. Francisco, modelo de pessoa e de vocação que nasceu em Assis; Caboz, de peixe tímido, que não se aventura ao alto mar, mas cresce humildemente nas rochas, que a maré baixa põe a descoberto. Morde a isca com muita facilidade, quando tem fome, mas se desconfia, mais ninguém o consegue apanhar" (p.95)-


Anexo I - Depois da comissão no TO da Guiné, Horácio Fernandes ainda foi capelão da marinha mercante  até abandonar a vida de padre, em 1972,  e casar-se na igreja de Cedofeita, Porto...


(...) As férias, de Capelão Militar, duas vezes por ano, eram passadas em casa de meus pais. Celebrava na minha terra e era muito solicitado pelas famílias da redondezas, para saberem notícias dos filhos. Não tinha tempo para ir visitar a instituição, nem sentia necessidade disso. Aliás, com o meu dinheiro, custeava as despesas dos estudos de minha irmã, que frequentava já o Instituto Comercial e consegui, com as economias liquidar as restantes dívidas de meu pai. Vivia, portanto, praticamente à margem da minha instituição.

Ainda cheguei a escrever algumas cartas, mas nunca obtive resposta. Talvez, por isso, quando acabou a tropa, escrevi aos Superiores a dizer que não estava disposto a voltar imediatamente para o Convento. Responderam-me, acenando-me com um lugar de Superior, numa residência da instituição. . Recusei e sem saber para onde ir, pedi para flcar mais um ano no serviço militar.

Como me disseram que não havia lugar, fiquei bastante ofendido, pois sabia que outros conseguiram ficar. Frustrada uma ida para Angola, para dar aulas no Liceu de Nova Lisboa, ofereci-me ao Clube Stella Maris para ir para Capelão do Mar, a ver como as coisas evoluíam, pois achava que não era capaz de voltar para a Instituição.

Tinha de tomar uma decisão, mas era muito penoso. A pressão social da minha família e das gentes que em mim tinham confiado continuava a ser um grande obstáculo, cada vez mais difícil de transpor. Preferi, pois, adiar mais algum tempo. Nascia também em mim o Trânsfuga.

O Apostolado da Mar, organização católica que fornecia capelães para os navios da Marinha Mercante, foi a solução provisória encontrada. Ganhava, assim, mais algum tempo, fora da jurisdição da Instituição, podia continuar a ajudar a família e entretanto tinha tempo para ponderar melhor a minha decisão-

Este adiamento nada resolveu. A decisão tinha de ser minha. O clima relacional nos navios da Marinha Mercante, fretados ao exército para transporte de tropas, era duplamente penalizador. Após as emoções da partida, os soldados iam como animais para o matadouro, em camaratas improvisadas nos porões. Alguns enjoavam e outros bebiam demais e nem para as refeições se levantavam. Revoltados, vingavam-se nos colchões de espuma que, no fim da viagem eram mandados ao mar. Por sua vez, a tripulação do navio, sob a jurisdição do comando militar, vivia num contínuo stress. A tripulação era constituída na sua grande maioria por jovens oficiais, a cumprir deste modo o serviço militar. Afogavam, pois, em garrafas de uísque a sua desdita.

Nos navios petroleiros a situação não era melhor. Passavam cerca de 25 dias a sonhar com o porto de Lisboa ou Leixões, mas aí chegados, passadas 48 horas, o navio zarpava novamente.

Eu percorria, durante o dia, todo o navio, quando o mar era calmo, mas só era solicitado para ouvir desabafos. Por isso, sentia-me inútil como padre; não obstante todos me tratarem com correcção, sentia-me como uma ave rara, com quem todos, levados pela curiosidade, queriam discutir assuntos de religião. Tirava algumas dúvidas, mas não resolvia as minhas.



Entretanto, ia-me preparando para o exame de admissão à Faculdade de Letras. Esta admissão constava da
matéria de História do 5º ao 7º ano e Filosofia do 6º e 7º.

Nas últimas viagens ao Golfo Pérsico, estava mesmo disposto a mudar de profissão, pedindo a redução ao estado laical. O isolamento de cerca de 25 dias de viagens, só com 30 a 40 homens a bordo, tentando esquecer o tempo, bebendo, ou criando situações conflituais, desenraizados socialmente, trouxe-me a noção do meu próprio isolamento. Nada me faltava a bordo. Contudo, achava inútil a minha presença ali.

Na minha indecisão ia-os ouvindo mas também desabafando os meus problemas. Esta situação não lhes passou despercebido e, na hora do desembarque, ofereceram-me um saco confeccionado a bordo e uma caneta, num estojo, onde se lia: «para o capelão. Prenda de casamento».

Nesta indecisão, bem dolorosa para mim e toda a minha família, novamente, uma pessoa teve grande influência: o padre da minha freguesia, um belga, assistente da Universidade de Lovaina em Físico-Químicas, que veio, já vocação tardia, para o Patriarcado. Ousadamente, tentou sacudir a religiosidade tradicional do povo da Freguesia, preocupando-se, sobretudo, em reconciliar as muitas famílias desavindas, o que para ele era essencial. Deixou de celebrar missa semanal na igeja paroquial, preferindo antes as casas das pessoas. Aí reunia toda a família, e outros que quisessem participar. No meio da refeição normal, constituída por aquilo que cada um levava, lia alguns extractos do Evangelho apropriados. Consagrava, depois, o pão e o vinho e dava a Comunhão que era o momento alto da reconciliação das pessoas, umas com as outras, porque,  dizia, ninguém pode estar de bem com Deus, sem estar de bem com os outros.

Nos dias de semana trabalhava como camarada de um barco e recebia o seu quinhão de peixe. Disso vivia e das aulas no Instituto dos Invisuais em Lisboa, sem levar dinheiro pelos outros serviços, prestados aos fregueses. [Há aqui um hiato no texto, o sujeito da frase ´deve ser um professor do Instituto dos Invisuais de Lisboa...] Toda a gente o estimava e admirava peia sua dedicação e desprendimento que contrastava com a normalidade. Foi incompreendido pelas hierarquias do Patriarcado, acabando por sair e casar com uma professora cega, com mais três irmãos cegos que continuou a amparar.

Foi ele que me orientou. Ia para sua casa e falávamos, demoradamente. Os seus conselhos e a sua corajosa atitude ajudaram a libertar-me da indecisão.

Depois de mais uma vez regressar à Guiné, com tropas, fiz a última viagem a Cabinda. Desembarquei e fui hospedar-me, como de costume, numa residência da Instituição. Pedi a redução ao estado laical e fiquei a aguardar. Embora continuasse a celebrar, recebia a visita de minha irmã, então a trabalhar no Porto e de outras raparigas, entre elas a minha futura mulher [, Milita].

Esta situação deve ter chegado aos ouvidos dos Superiores Maiores, que se ofereceram para me pagar determinada quantia mensal, para alugar um quarto na cidade, se eu abandonasse, de vez, a residência.

Mal abandonei a residência, esqueceram-se da promessa e fui morar com mas três colegas, num quarto alugado. Para sobreviver, dava explicações e oito horas semanais de aulas. Em contrapartida, leguei aos meus ex-confrades as alfaias litúrgicas do Apostolado do Mar e à Igreja de Arribas do Mar [, Ribamar, Lourinhã] os cálices que me tinham oferecido na Missa Nova ], em 15 de agosto de 1959].

Casei na capela românica da Cedofeita [, Porto], com a assistência apenas dos padrinhos, tal como me impôs o Bispo do Porto, em 1972 [, D. António Ferreira Gomes, regressado do exílio em 1969]. Tudo em conformidade com o habitus da obediência e subordinação. A paixão é que foi transferida do simbólico para o real. (...)

[Fonte: Horácio Neto Fernandes, "Francisco Caboz: do angélico ao trânsfuga, uma autobiografia. Porto:  Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. 1995, pp. 133-136. (Disponível em formato pdf)... Com a devida vénia ao autor e à biblioteca da FPCE/UP.]

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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de agosto de  2014 > Guiné 63/74 - P13545: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte VIII (e última): (i) o fim da comissão e o regressa a casa; ... (ii) a angústia em relação ao futuro

4 comentários:

Luís Graça disse...

Com a devida v+enia... LG
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D. António Ferreira Gomes

D. António Ferreira Gomes nasceu em 1906, em Penafiel, e faleceu em 1989.Concluiu os seus estudos eclesiásticos na Universidade Gregoriana, onde se formou em Filosofia, em 1928. Ordenado sacerdote nesse mesmo ano, foi professor, prefeito, vice-reitor e reitor do Seminário de Vilar, na cidade do Porto. Foi nomeado coadjutor de Portalegre em 1948, passando a titular da diocese em 1949. Tornou-se bispo do Porto em 1952.No exercício do magistério episcopal e em defesa da doutrina social da Igreja Católica, em 1958 (coincidindo, portanto, com a campanha presidencial de Humberto Delgado), dirigiu uma carta ao então chefe do Governo, António de Oliveira Salazar, crítica da situação política, social e religiosa da nação. Consequentemente, foi forçado ao exílio a 24 de julho de 1959. Residiu em Espanha, na República Federal da Alemanha e em França, sendo mais tarde nomeado membro da Comissão Pontifícia de Estudos Ecuménicos para a preparação do Concílio Vaticano II pelo Papa João XXIII.Após a morte de Salazar, regressou a Portugal, em 1969, e retomou o governo da sua diocese. Sendo o fundador do semanário Voz Portucalense e do boletim Igreja Portucalense, foi também responsável pela criação, nos anos 70, da Secção Diocesana da Comissão Pontifícia "Justiça e Paz". Apresentou o pedido de resignação da diocese em 1981, cessando funções no ano seguinte.
Publicou uma vasta obra de reflexão e ensaio. Foi alvo de várias homenagens e galardoado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, em 1976, e a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, em 1983.
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Como referenciar este artigo:
D. António Ferreira Gomes. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-08-30].
Disponível na www: .

Luís Graça disse...

Veja-se aqui a famosa carta que o então bispo do Porto escrveu a Salazar em 1858, e que lhe valeu o exílio...



http://entreostextosdamemoria.blogspot.pt/2007/07/carta-do-bispo-do-porto-salazar-1958.html

Luís Graça disse...




Vd. também a biografia de D. António Ferreira Gomes, da autoria de Carlos A. Moreira de Azevedo, então bispo auxiliar de Lisboa.

(...)No ano de 1969, devido a diligências da ala liberal, em colaboração com padres diocesanos actuantes junto da Nunciatura, Marcelo Caetano autoriza a sua entrada em Portugal. Agora é o esforço de retomar e de redescobrir a diocese e de a reestruturar no estilo do Concílio. A sua preocupação dominante de pastor foi a doutrinação e a criação de organismo de correspondência eclesial.


Não deixa de ser uma figura incómoda e polémica. São exemplos: a presença no julgamento do P. Mário Pais de Oliveira nos dias 7 e 8 de Janeiro de 1971, a homilia da paz de 1972 quando fala da teologia da guerra e inclui referências à «virtudes militares» dos capelães, o interdito à paróquia de Mozelos no dia 1 de Janeiro de 1974. A mesma linha ética se manteve após o 25 de Abril do mesmo ano. Enfrenta a nova situação com a coragem merecida por uma coerência granítica. É um período de escrita singularmente fecundo. O diálogo com a cultura moderna será o seu tema central desde 1976, até ao fim. Isto após os esclarecidos avisos aos portugueses, com apelos à tolerância e a denúncia dos novos perigos pós-revolucionários. Dentro da Igreja, a crítica aos cristãos pelo socialismo demonstrou o homem da fidelidade à memória doutrinal da Igreja (ver Cristianismo, Liberdade e Socialização, in Igreja e Missão, 75/76 (1975) 305/330). A partir de 1978 notam-se algumas reacções do clero com posições mais irrequietas e radicais. Nos anos oitenta diminuem os momentos de intervenção.(...)

http://www.fspes.pt/biografia.html

anonimo disse...

Não resta dúvida que é preciso coragem para se desvincular da hierarquia da Igreja e das tradições e crenças da família e de alguns amigos.
É bom ter fugido à hipocrisia religiosa
É pena que a igreja tenha contribuída para manter o povo no obscurantismo religiosa.
Se seguissem a Bíblia em que dizem crer não estariam manchados com o sangue dos inocentes vitimas da guerra e da hipocrisia religiosa. por meio disso saberão todos que sois meus discípulos se tiverdes amor entre vós disse JESUS (JOÃO 13:34,35)
Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. isso inclui não participar em qualquer tipo de violência. A forma de adoração que é pura e imaculada do ponto de vista de nosso Deus e Pai é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas na sua tribulação, e manter-se sem mancha do mundo.