sexta-feira, 6 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16056: Nota de leitura (836): “Portuguese Africa, A handbook”, com coordenação de David M. Abshire e Michael A. Samuels, respetivamente doutorados nas universidades de Georgetown e Columbia, nos EUA (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Junho de 2015:

Querido amigos,
O objetivo é o de compendiar tudo o que se escreveu, de diferentes proveniências, sobre a guerra da Guiné.
Este levantamento foi feito por dois estudiosos norte-americanos, a edição em referência é de Londres, 1969. A obra já refere a substituição de Schulz por Spínola. É um levantamento sobre toda a África Portuguesa, abarca a história, o processo colonial, as etnias existentes, a natureza da administração colonial, as infraestruturas, a economia e comércio. A quarta parte prende-se com as questões políticas internacionais, é aqui que entram os conflitos armados e particularmente o que se passava na Guiné.
Não é nada de assombroso, curiosamente ficamos aqui com uma água-forte do período de Schulz e do móbil da sua atuação.

Um abraço do
Mário


Um manual sobre a África Portuguesa, 1969

Beja Santos

“Portuguese Africa, A handbook”, teve como coordenadores David M. Abshire e Michael A. Samuels, respetivamente doutorados nas universidades de Georgetown e Columbia, nos EUA. Apresentam o seu trabalho como o primeiro estudo interdisciplinar da África Portuguesa, uma obra que pode interessar a geógrafos, historiadores, cientistas políticos, sociólogos, economistas e estudantes de relações internacionais. Ao longo de mais de 400 páginas, diferentes colaboradores analisam o enquadramento da África Portuguesa, as formas de governação e as sociedades, a economia e as questões políticas internacionais. Os estudos mais relevantes centram-se em Angola e Moçambique mas há bastas referências à problemática guineense, são questões analisadas a propósito da ascensão dos partidos nacionalistas e dos conflitos existentes no nosso Império.

Vejamos o que os autores abordam sobre a Guiné Portuguesa. Referem a criação do PAIGC, o trabalho militante de Amílcar Cabral e de Rafael Barbosa e esboçam a política do PAIGC, a unidade da Guiné e Cabo Verde como Estado independente, dando como adquirido de que tal estratégia assenta no pouco significado económico da Guiné e no posicionamento das ilhas de Cabo Verde. Apresenta-se a atividade em todas as direções que o líder do PAIGC, as relações com Conacri e Dakar, a orgânica do PAIGC no território colonial, a natureza do armamento nos primeiros anos da insurgência e o confronto com a FLING – Frente para a Libertação e Independência da Guiné Portuguesa. São apresentadas as alianças do PAIGC e dá-se ênfase ao reconhecimento feito pela organização da Unidade Africana. Resume-se o histórico da guerrilha a partir dos atos de sabotagem efetuados a partir de 1962 e a efetivação da guerra com a nova orgânica militar aprovada no Congresso de Cassacá. Esse histórico inclui o relacionamento do PAIGC com o MPLA e a FRELIMO, bem como o Movimento de Libertação de S. Tomé. Contextualiza-se as atividades de todos os movimentos nacionalistas ativos entre os anos 1950 e 1960, quer no interior da colónia quer nos países limítrofes. Na altura em que este manual estava a ser concluído, segundo os coordenadores o PAIGC só possuía um rival modesto, a FLING, presidida por Benjamim Pinto Bull. Os autores sublinham que no caso guineense, ao contrário de outros movimentos revolucionários similares a ênfase era dada à organização política, a militar ficava-lhe subordinada. São referidos alguns líderes militares como Osvaldo Vieira (Ambrósio Djassi) e Nino.

Chegamos agora à guerra da libertação. Extraído o ensinamento de que era impossível a luta urbana, na reunião clandestina de Setembro de 1959 Amílcar Cabral propôs transferir a subversão para os campos e para a criação de uma organização militar flexível, que se aproveitasse dos locais de mais difícil acesso para a constituição de bases, montando-se um esquema de abastecimentos e comunicações em pontos fronteiriços da Guiné Conacri. Os autores revelam-se bem informados sobre a insurgência na sua fase inicial. Pequenos grupos de guerrilheiros atravessam a fronteira a partir do Sul e faziam meetings em diferentes pontos do interior, persuadiam as populações a rejeitar a presença portuguesa, quando necessário intimidavam os relutantes queimando as moranças e aliciam jovens para a guerra. O maior sucesso de recrutamento foi na etnia balanta. Graças à preparação militar adquirida na China, os ataques às posições portuguesas eram bem pensados. De 1963 para 1964, os rebeldes foram senhores de uma elevada porção de território graças ao pânico que se instalou depois das sabotagens, destruição de infraestruturas e intimidação, sobretudo na região Sul e no Leste Presume-se, que nesta fase inicial das hostilidades cerca de 50 mil autóctones deixaram as suas casas e refugiaram-se na Guiné Conacri e no Senegal. A segunda principal etnia guineense, os Fulas, mantiveram-se fiéis a Portugal, rejeitaram perentoriamente a guerrilha, puseram-se em autodefesa, constituíram o principal efetivo das milícias. O general Schulz aparece referido como um comandante militar que inverteu a ocupação do território que o PAIGC estava a praticar. Foram reocupadas povoações e sucessivamente disseminadas unidades militares por grande parte do território. Segundo os autores, em 1965 a situação dava sinais de estabilização, a despeito de um extraordinário poder de iniciativa da guerrilha. Schulz procurou refazer a economia, melhorar a assistência sanitária e o sistema educativo. Mas continuou a ser impossível a impedir a circulação dos guerrilheiros que se infiltravam a partir da Guiné Conacri. Schulz ter-se-á esforçado por pôr tropas em todas as regiões fronteiriças com o objetivo claro de proteger as populações e de encorajar aqueles que tinham fugido para outros países a regressar, criou mesmo programas de apoio à construção dentro das povoações.

A prova de que os autores estavam bem documentados sobre estes anos de luta na Guiné é a que eles explicam o modelo de quadrícula utilizado, a articulação das unidades em batalhões, o abastecimento dos destacamentos, a natureza dos patrulhamentos, etc. O PAIGC, apercebendo-se do sucesso da campanha de pacificação portuguesa respondeu como seu próprio programa de educação, serviços sociais e abastecimento alimentar dentro das áreas que controlava. Em 1966, o PAIGC registou avanços, o contingente português aumentou, a africanização da guerra passou a ser uma realidade, estimava-se entre 20 e 30 mil o número de militares africanos. O documento avança com informações por vezes surpreendentes. Diz que as forças do PAIGC recebiam formação, na fase inicial, na base situada em Kindia, perto de Conacri, com instrutores soviéticos mais tarde substituídos por argelinos. Os guerrilheiros recebiam as suas armas e equipamento provenientes da Europa Oriental e da China. A partir de 1965, os argelinos que forneciam equipamento aos movimentos de libertação foram substituídos pela União Soviética. Os abastecimentos chegavam à guerrilha por três vias: da Argélia via Conacri; por terra, da Argélia via Mali até Conacri e por mar, de Cuba até Conacri. A partir de 1967, o relacionamento entre o PAIGC e Dakar tornou-se amigável e as incursões do PAIGC a partir do Senegal intensificaram-se. Em Koldá, havia uma base do PAIGC e técnicos cubanos. Durante a visita que Américo Tomás fez colónia, em Fevereiro de 1968, discursou de um modo muito claro de que não haveria qualquer transigência com os guerrilheiros, todos os seus ataques seriam repelidos, Portugal não enjeitaria, qualquer que fosse as circunstâncias a defender a Guiné. Para os autores, a substituição de Schulz parecia anunciar, em alguns meios, que iria acontecer uma retirada da Guiné. Mas com Marcelo Caetano, quase de imediato avançaram para a Guiné cerca de 7 mil homens.

Nas conclusões deste imenso trabalho, os autores sublinham que tudo levava a prever que os conflitos na África Portuguesa iriam continuar por muito mais tempo.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16042: Nota de leitura (835): Os navegadores que antecederam a nossa chegada à Guiné (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Porque quem escreve a história da guerra na Guiné, ninguèm quer explicar que uma terra tão pequena sofre uma guerra tão intensa, apenas para se atingir as duas grandes colónias Angola e Moçambique que abrigavam a África do Sul?

Ninguém conta, porque o mundo é cínico.

Agora que estrategicamente a Guiné continua com interesse, vem hoje no jornal o Público, que a pista de Cufar e a de Bubaque, servem para transito da droga.

Ora se toda a gente sabe, num lugar tão limitado como Cufar e Bubaque porque ninguém resolve?

Até com uma escavação a meia daquelas diminutas pistas e uma fisga resolvem?

E a ONU e as grandes potências chamam à Guiné um narco-estado, o mundo é muito cínico, continuam a fazer dos guineenses uns "cuitado", como eles dizem.