sexta-feira, 6 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16055: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte I: de Cascais até à Portugália / Dundo...

1. Desafiámos o José Manuel Matos Dinis (ex-fur mil at inf,  CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales (que está de pedra e cal ), a falar da sua experiência de vida em Angola, mais exatamente na Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, na Lunda, onde viveu e trabalhou durante dois anos e meio e onde nasceu o seu primeiro filho... Depois do regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo a Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972.  E foi feliz no Dundo. 

Carlos, Luís


A ver se é isto que se pretende. Seguir-se-ão episódios mais descritivos daquela sociedade. Como de costume,  fiz isto de embute e pode carecer de revisão.


Luís e Carlos, bom dia!

Respondo a um repto do Comandante-Mor para dar conta de algumas das minhas memórias angolanas, que ele acha que podem ter interesse para publicação, enquanto testemunho sobre a colónia que era o motor da economia portuguesa. 

O interesse é muito relativo e meramente histórico. Para quem se interessar pelas ligações portuguesas no mundo, pela forma como o "jardim" [, à beira-mar plantado,] dependia e controlava os imensos territórios e as gentes, e ainda tiver gosto em fazer avaliações sobre a relatividade da Nação no contexto das nações, pode ser que consiga espevitar a curiosidade, no sentido de, ainda mais do que eu, aprofundar esse conhecimento, pois não só há literatura, como muita informação na Net. 

Advirto, porém, de que são algumas das minhas memórias de há 40 anos, e a Angola de hoje nada tem a ver com a daquele tempo. Agora, regista-se um concentracionismo em más condições da população em redor da capital, das actividades sociais e económicas, enquanto o resto do país, de maneira muito abrangente, definha com as antigas e prósperas cidades abandonadas em estado de ruína, conforme legado da guerra que devastou aquela terra.

As minhas memórias, no entanto, são apenas de uma região situada nos confins do nordeste, fronteira com o Katanga, onde a Companhia de Diamantes de Angola [, Diamang,] (*) tinha as suas principais actividades, e era conhecida como um estado dentro do Estado, enquanto de Luanda apenas retenho escassas memórias de duas vezes em que lá passei e permaneci por 8 dias de cada vez.

Abraços fraternos
JD


2. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte I

Em Janeiro de 1972 tinha saído da tropa, dava passeios e namorava pelo litoral de Cascais, onde outros casais nos faziam concorrência. Os meus amigos estavam na vida militar, acabavam os cursos, ou já tinham iniciado actividades profissionais. Já não era como antes, quando a malta se reunia como seita para a paródia, ou para entusiásticas futeboladas. Namorava com envolvimentos familiares, e tinha a obrigação de procurar definição de vida. Não queria trabalhar debaixo de um tecto, e por isso, ficava excluída uma preparação profissional que tinha iniciado antes da tropa. 

Afigurava-se-me interessante o garantido ingresso como comissário de bordo na TAP (nem tentaria piloto, pois tinha extraído dois dentes no regresso da Guiné e era impeditivo para a categoria), porque o salário era suficiente e os voos alternavam com dias de descanso em Portugal como nos diferentes destinos. Seria uma abertura para novos horizontes.

Porém, mordia-me um bichinho africano, e a minha namorada dava-me carta branca para decidir o futuro. Para não andar totalmente às escuras, informei-me sobre os trabalhos das minas de diamantes, e logo me entusiasmou essa ideia. 

Na minha candidatura em Lisboa aconteceu uma peripécia, porque o chefe de pessoal não me atendeu na manhã e na tarde de um dia, e preparava-se para não me atender no seguinte, sempre "ocupado" com tarefas superiores. Dei uma informação ao contínuo que me olhava com pena, e logo fui muito bem recebido pelos chefe e director do departamento de recursos humanos. Às informações que iam prestar-me durante uma conversa agora agradável, contrapus não ser necessário porque já tinha o conhecimento suficiente sobre a actividade que queria abraçar: mineiro. Assinei o contrato, dois dias antes de a TAP me chamar para as formalidades do curso.

Em Luanda procurei um amigo que trabalhava na Casa Pia. Com ele, ou com a família, passei os
dias em petisqueiras, e por isso, quase não conheci a cidade que, no entanto, afigurou-se-me cheia de contrastes entre o bom e o mau. 

De petiscos é que fiquei bastante satisfeito. Durante esse período nem me dirigi à delegação da Companhia, onde, por vezes, emprestavam um carro ao pessoal em trânsito ou davam informações e facilidades. No dia 21 de maio de 1972 apresentei-me no aeroporto. Ali travei conhecimento com um empregado que fora a Luanda tratar de alguma coisa. Estivemos à conversa informalmente, e em intercaladas apreciações sobre uma jovem, de barrete na cabeça, que se deslocava para o Lobito, onde, infelizmente, amarou o "Frienship" daquela linha (*). 

A seguir partimos para a Portugália (**) com escala em Malange. Ao sobrevoar as Pedras Negras tive a sorte de ver uma manada de palancas em corrida, assustadas pelos motores do avião. O Fortes deu-me algumas indicações pelo caminho e na chegada. Mais tarde, quando me deslocava ao Dundo, costumava procurá-lo para cumprimentos, e acabou por ser o meu padrinho de casamento, contra propostas de pessoas mais importantes, resultado da minha aversão às cunhas e situações de favorecimento.

Essa noite, depois de jantar, dormi na Casa do Pessoal, o que também aconteceu na noite seguinte. Dei uma volta pela localidade do Dundo, a sede administrativa da Companhia, com um urbanismo muito organizado que me sensibilizou favoravelmente. As casas,  de bonitos recortes e amplas varandas, sem muros ou vedações, mantinham boas distâncias até aos limites das ruas, que abrigavam espaços relvados, muito bem cuidados, e com fartura de árvores, arbustos e canteiros de flores, que transmitiam uma grande riqueza pictórica, frescura, e deleite para os olhos. Tudo alinhado e muito limpo. Parecia (e era) um paraíso na terra.

Entretanto fora informado de que ia trabalhar com o mais conceituado dos chefes de grupos mineiros, o engenheiro Marvanejo, um tipo simpático, mas duro, que reflectia os bons resultados pela exigência no desempenho das tarefas. Era coisa que não me assustava, só queria ter oportunidade para fazer a minha aprendizagem em boas condições de diversidade das circunstâncias. 

No Dundo ainda me propuseram trocar o mato pela permanência naquela localidade, a melhor, e a vida de mineiro pela de meteorologista. Delicadamente recusei, eu tinha mesmo uma grande atracção pelo mato. Ofereceram-me como prenda um chapéu colonial, mas era tão incómodo, e eu estava tão familiarizado com o sol africano, que também recusei. Assim, ao terceiro dia de manhã cedo, fiz as despedidas, e embarquei numa viatura Volkswagen de caixa-aberta com as "imbambas" que me tinham calhado em sorte, e incluíam panos para cortinados, lençóis, cobertores, e outras utilidades. 

trajecto para Cassanguidi era de cerca de hora e meia, em estrada alcatroada com passagem pela savana verde de vastos horizontes, por várias aldeias, e uma pequena localidade mineira, Fucaúma, que pertencia ao grupo para onde me deslocava. Cheguei durante a hora de almoço, e fui directo à Casa do Pessoal. "Bom dia meus senhores, chamo-me José Dinis, e sou um empregado novo". Levantaram-se os olhares e cumprimentaram-me de cada mesa com os talheres na mão. 

Depois de almoço, os visitantes que se ocupavam da construção de estradas e de uma ponte, abalaram às suas vidas, e eu apresentei-me no grupo. O Chefe já estava de saída, mas mandou-me ali voltar pelas 17h00, para conhecer o colega com quem faria estágio, e o sub-chefe Pereira da Silva, porque o "Benfica dele" era noutros azimutes onde pontificavam "cortes ricos", os que garantiam mais negócio.

Novas apresentações, a do subchefe e a do colega que passaria a acompanhar até me considerarem apto e autónomo. No dia seguinte, pelas 6h00 já estava pronto à porta da Casa do Pessoal, a minha nova morada, enquanto não tivesse residência própria. A bordo de Volkswagen percorremos as picadas, ornadas de belas árvores - com destaque para os jacarandás vermelhos ou roxos, alternando com nichos de plantas locais e capim, onde esvoaçavam aves de diferentes portes e coloridos. 

Acompanhámos um rio largo, de bom caudal e margens baixas à esquerda, sob um fundo verde, até flectirmos à direita com direcção à mina. Depois de passarmos uma galeria de grandes árvores, deparei-me com o refeitório à direita, bem pintado de branco, e com alinhamentos alternados de bananeiras-macaco e "mamões" (família da papaia), num espaço bem arranjado. No fim da rua despontava uma casa branca com um jardim de ananases plantados em semicírculo. Contornando o escritório, deparava-se a lavaria a uns vinte ou trinta metros. Um telhado alto para protecção das chuvas - ali chovia 9 a 10 meses por ano, onde se despejavam para as tremonhas as vagonetas que transportavam o cascalho. A linha entrava e saía pelo mesmo lado, em via dupla até à exploração depois de atravessar uma ponte sobre um canal a meio da colina, onde os ramais drenantes eram dispostos conforme os "cortes" em exploração, ou em limpeza da rocha base. 

A lavaria situava-se à direita de quem saía do escritório, e era alimentada por uma correia transportadora que, da tremonha,  levava o cascalho para as "pans" de centrifugação, de onde os materiais densos desciam para os depósitos de "concentrado" ou "gigas", enquanto o material rejeitado seguia por outra correia para uma acumulação de inertes. Do local desta acumulação, como da saída das linhas, tinha-se uma vista larga sobre a exploração rodeada por uma envolvência em anfiteatro de árvores imponentes, que acompanhavam a colina até ao nível do rio, onde desaguava o canal para onde se dirigiam os diferentes drenos de protecção. 

Os cortes, consistiam em espaços definidos pelo programa de exploração, de onde se removiam as terras para os cortes já explorados, cujas espessuras variavam conforme o nível da superfície natural, até se atingirem as camadas de cascalho, e seriam cobertos com a terra removida de novos cortes anexos. Definiam-se as linhas de drenagem, as mesas de assentamento de carris para o acesso das vagonetas, a localização das rodas de canto para as conduzir em diferentes direcções conforme a evolução dos trabalhos e o percurso até à lavaria. Havia uma ou duas bombas hidráulicas para secagem das partes inundadas aquando das mais intensas chuvadas que a drenagem não satisfizesse. 

No fim do dia de trabalho chegava a viatura do concentrado, que transportava as bilhas para uma estação de escolha, onde eram seleccionados e classificados os diamantes, depois de passarem por novos processos de centrifugação e escolha. O horário de trabalho de um único turno começava um pouco antes das 7h00 e terminava às 16h00, com uma hora para almoço, mas havia padejadores que saíam mais cedo conforme acabassem as tarefas. As folgas eram em regime de "semana inglesa".

Ao terceiro dia o Carlos partiu uma perna a jogar à bola, e fiquei sem instrutor. Tinha tido dois dias apenas de estágio, e faltava-me toda a experiência para a condução dos trabalhos em boa ordem. O engenheiro subchefe visitava-me por vezes, mas, apesar de ser um tipo porreiro, era espalha-brasas e não tinha cuidado no linguajar com os trabalhadores. Mal virava costas, eles desprezavam-no. De modo que fiz o estágio com os capatazes, com quem trocava impressões sobre o que era bem ou mal feito. Foi a escola possível, e o Muriandambo foi o capataz-geral que mais me ensinou. Essa aprendizagem, na teoria,  era complementada com conversas que mantinha com os colegas mais experientes. Entretanto, tinha agendado o casamento para o final do ano. Eu andava feliz, apesar das preocupações.

O ambiente, o pessoal e as famílias, era acolhedor. Passei a ocupar o tempo livre com convívios. A Casa do Pessoal era gerida pelo Tomás e a mulher, sendo ela uma boa cozinheira, e ele um apreciador da sua produção com bastante mais de cem quilos. Eu e o Maia éramos os únicos residentes, ambos solteiros. Quando estacionava o carro que herdara pelas 16h30, já havia malta a chamar-me para o petisco, pelo que me habituei a tomar banho pouco antes do jantar durante a digestão. Outras vezes, acabávamos de jantar e ficávamos à conversa, aparecia o Tomás com uma travessa de qualquer coisa para entretermos os discursos. Se não fosse a entrega à actividade física durante o horário laboral, teria ficado inchadíssimo, mas consegui permanecer nos 75 kg. 

Um dia desses falei em irmos ao Luchilo tomar café, que lá a Casa do Pessoal funcionava até mais tarde. Não podíamos. Na Companhia exigia-se autorização para tudo, principalmente as deslocações. No fim-de-semana propuseram-me deslocar-me ao Dundo, e não me dera conta desse constrangimento. No dia seguinte, à tarde, fui bater à porta do Chefe, que me recebeu com alegria descontraída. Disse-lhe ao que ia, e pedi licença definitiva para me ausentar para outro grupo, dado que não queria causar-lhe incómodos. Boa ideia, respondeu, e acrescentou que a partir daquele dia acabava as autorizações para deslocação, pelo que ficavam todos autorizados a fazer qualquer deslocação. Logo a notícia correu outros espaços, e a breve trecho essa diligência acabava. 

(continua)
_______________

Notas do editor:

(*) A produção de diamantes em Angola data  de 1917, ano em que se constitui a Diamang - Companhia de Diamantes de Angola  , uma empresa de capitais mistos de vários grupos financeiros (Portugal, Bélgica, Estados Unidos, Inglaterra e África do Sul). Em 1981, o Estado angolano passa a ter o controlo total da produção diamantífera  no país, criando a Endiama -  Empresa Nacional de Diamantes.

Há um portal, na Net, fabuloso, dedicado à Diamang e à Lunda, com centenas de fotografias da época, permitindo "reconstituir" a vida, nomeadamente dos brancos, que trabalhavam na Diamong. São sobretudo memórias dos antigos trabalhadores da Diamang. Também há uma página (aberta) no Facebook, com mais de 750 membros, dedicada à Diamang Angola. Também a Universidade de Coimbra gere o sítio Diamang Digital, "um projeto de digitalização e disponibilização em linha de materiais documentais, fotográficos e fonográficos da ex-Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, em arquivo na Universidade de Coimbra",

(**) Referência ao trágico acidente de aviação com um Fokker F-27 Friendship 200, no Lobito, em 21 de maio de 1972, e que fez 22 vítimas mortais. Era da DTA (criada em 1938), antecessoora dos TAAG - Transportes Aéreos de Angola (, partir de 1973).

(***) Hoje Dundo, capital da Lunda Norte. Diana Andringa, nossa amiga, grã-tabanqueira, nasceu no Dundo, em 1947, e fez um belíssimo documentário, em 2009, de 60', justamente sobre o "Dundo, memória colonial".

(...) Em 1947, ano em que nasci, trabalhavam na Diamang, na Lunda, cerca de quinze mil trabalhadores angolanos e umas duas centenas de imigrantes, entre europeus – portugueses, belgas, ingleses, suíços, luxemburgueses e russos – e africanos – cabo- verdianos, são tomenses, sul-africanos. O meu pai era um desses imigrantes. Nascido em Lisboa, filho de holandês e espanhola, fora para a Lunda como engenheiro de minas. Viúvo, casara em segundas núpcias com a minha mãe, nascida em Angola de imigrantes portugueses – e, logo, portuguesa de segunda.

O Dundo, na margem esquerda do Rio Luachimo, a 18 quilómetros da fronteira com o então Congo Belga, era o principal centro administrativo da Diamang na Lunda, onde detinha o exclusivo da exploração e pesquisa de diamantes numa área de cerca de 1.025.000 Km2.

Para se ter a ideia do que era o poder da Diamang bastará dizer que, no contrato de concessão celebrado em 1920 – três anos depois da sua criação – ficara acordado que oferecia a Angola 5% do seu capital social, já realizado ou que viesse a ser realizado; comprometia-se a pagar anualmente a Angola 40% dos lucros líquidos; emprestava a Angola 400.000 libras; podia efectuar a exploração dos jazigos descobertos, mediante simples comunicação à autoridade local; mantinha por um período de 30 anos – a prorrogar – a exclusividade da pesquisa de diamantes, em cerca de 90% do território de Angola.

Era bom ser criança no Dundo, quando se era branca e filha de engenheiro. Havia espaço para brincar, ruas para andar de bicicleta, animais, liberdade. E criados para nos acompanhar e satisfazer os nossos caprichos. Era bom ser criança e não notar como era artificial e injusto o mundo que nos cercava. Mas à medida que cresci, fui-me apercebendo de que não era igual para todos… (...)

15 comentários:

Antº Rosinha disse...

Vê lá ver onde te metes ó JD!
Vais falar de coisas que poucas testemunhas há, a não ser a internet, e essa não transmite nem o paladar nem o cheiro.

Antº Rosinha disse...

ó JD, não te esqueças de dizer que já foste para lá depois do Salazar ter ido para Santa Comba, e que aí já Marcelo, o padrinho,já tinha aberto as pernas e já era a bandalheira (primavera-marcelista).
E já tinha concedido explorações concorrentes à Diamang, e se tu não soubeste, em Luanda já não era tabú ouvir falar em contrabando de diamantes à mesa do café.
E aí, é que já muitos malanginos enfiaram a brancos de Luanda frascos de quartzo e vidro partido por diamantes, como aconteceu estes últimos 40 anos a quem foi à procura da «árvore das patacas».
Foram banqueiros, empreiteiros e aventureiros "sem carta de chamada" que estes anos partiram a cara por falta de aviso.

JD disse...

Olá Rosinha,
São muito avisados os teus comentários, pois de facto, a primavera-marcelista foi o despontar de um certo liberalismo inspirado na "zona do escudo" e causava gula aos principais grupos económicos nacionais. Também estava a ser muito importante, a simples constituição de empresas concorrentes da Diamang, projectos que assentavam em interesses de subtracção ao Estado.
Sobre o garimpo e a candonga também farei um ou outro relato, porque aconteceram casos interessantes e detestáveis.
Isto foi tudo a correr e fico surpreendido com a publicação imediata, quando está por publicar um outro texto interessante para (in)citações. Espero que não me falte a memória para recordar e narrar de forma a compreender-se a realidade angolana dos anos 70- porque o conhecimento é limitado.
Agradeço que me dês dicas sempre que aches oportuno.
Um grande abraço
JD

JD disse...


Nota:
No texto, onde se lê "jigas", deve ler-se gigas (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora), um instrumento fixo na estrutura das lavarias clássicas para depósito dos materiais mais densos e concentrados. No fim de cada dia ou turno de trabalho, procedia-se à extracção do concentrado que era enviado para a Estação de Escolha, e à lavagem das gigas.

JD disse...


Segunda nota:
Onde se lê "Lundo", deve ler-se Lunda, que era o genérico das Lundas (Norte e Sul), dois distritos do nordeste angolano. A região a que me refiro, situa-se na Lunda-Norte, onde a Diamang tinha a maioria dos recursos relacionados com a exploração. Outra zona de muito importante investimento exploratório, que ocorreu durante os anos 60, foi a exploração de margens e, principalmente, do leito do rio Cuango, a norte de Malange, caracterizado por acomodar excelentes exemplares de cristais em buracos do leito (as "marmitas").

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Grande mineiro diamantífero, já foram feitas as devidas correções... Tenho um fascínio pela geologia e pela indústria mineira... Se calhar, é melhor mandares um glossário de termos técnicos com a próxima crónica... E não vendas os diamantes todoa na "candonga", fez rendre a coisa, que o blogue tem de ser alimentado todos os dias... Quanto a fotos, há muitas, mas têm dono...

Parabéns, gostei da 1ª crónica... Já +percebi de onde te bem o bom hábito do petisco e da cavaqueira... LG

Anónimo disse...

José Manuel Matos Dinis
6 maio 2016 12h16

Havia uma correcção a fazer: o nome do distrito é Lunda, melhor, Lunda-Norte, e a sede administrativa da Companhia era no Dundo, a cerca de 10 Km da Portugália, sede de um concelho administrativo. Portanto, onde se lê Lundo, deve ler-se Lunda, designação genérica, ou Lunda-Norte. Obrigado pela correcção.

Para além da correcção sobre o distrito, há uma informação sobre a Endiama. Não está errada, mas a constituição desta companhia foi precedida pela da Condiama, uma manobra surda para prejudicar o interesse nacional em benefício do "trust" onde pontificava o senhor Oppenheimer.

Ab

Antº Rosinha disse...


JD, Conta a conta-gotas, porque o sumo é tanto que pode dar congestão.

Andas-te em Paunca a ração de reserva e privações e foste para um lugar com direito a mordomias, que é melhor nem contares tudo, porque até fazia raiva àqueles que como eu assistíamos de fora.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sobre o CONDIAMA - Consórcio Mineiro de Diamantes, Sarl, enconrtrei este naco de pros, no sítio do "nosso" Instituto Camões (,acho ue ainda seja "nosso", tanta coisa neste país a ser "alienada"... Como alguém disse, de facto, "só os diamantes são eternos": o Ernest Oppenheimer (22 de maio de 1880 – 25 de novembro de 1957), já morreu, e chegiu a "Sir"; o Ernesto Jardim de Vilhena (4 de Junho de 1876 – Lisboa, 14 de Fevereiro de 1967) chegou a comandante, o José Eduardo Santos (n., Luanda, 28 de Agosto 1942) ainda é vivo e não sei aonde chegará... Presidente de Angola desde 1979, comandante em chefe das forças armadas angolanas, presidente do MPLA, no poder desde 11 de novembro de 1975... (Diz que se vai "jubilar" 11 de março de 2016, quando completar 76 anos)... LG

________________

http://www.instituto-camoes.pt/glossario/Textos/Agronomia/HTM/malha.html

(...)

3.2 — Ainda antes de terminar o exclusivo da Diamang foi celebrado um acordo entre esta empresa e a De Beers Consolidated Mines, Limited — DE BEERS — mediante o qual estas duas entidades acordavam em: • Solicitar ao Governo, em conjunto, para sociedade a constituir entre as duas e na qual participariam em partes iguais, a outorga de uma concessão para a pesquisa e exploração de diamantes na área que a Diamang deveria libertar durante 1971; • Iniciar desde logo os trabalhos de prospecção por técnicos da De Beers em áreas que a Diamang indicasse e não fossem objecto de demarcação por parte desta. Ao abrigo deste acordo, o qual foi sancionado pelo Governo sem que esta aprovação implicasse qualquer compromisso relativamente ao pedido de concessão, os técnicos da De Beers que vieram seguidamente a integrar os quadros do Condiama iniciaram, ainda durante 1970, os seus trabalhos de prospecção. Estes trabalhos desenvolvidos pelo Condiama até 1975 nas áreas libertadas pela Diamang compreendiam as seguintes fases: • Prospecção de primeiro reconhecimento; • Prospecção de segundo reconhecimento; • Prospecção de pormenor, durante a qual se procedia à amostragem dos solos e à amostragem das aluviões; e • Avaliação.

(continua)

GOUVEIA, Jorge Augusto da Cunha, Pedro Cabral de Moncada, José Frederico Aguilar Monteiro, Manuel Gregório Nunes Mascarenhas Neto (1993), Riquezas Minerais de Angola, - ICE, Cooperação Portuguesa, Lisboa (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Excerto sobre o CONDIAMA - Consórcio Mineiro de Diamantes, Sarl, que terá antecedido a ENDIAMA:


http://www.instituto-camoes.pt/glossario/Textos/Agronomia/HTM/malha.html


(Continuação)

(...) Na prospecção de primeiro reconhecimento os trabalhos eram itinerantes sendo feitas observações sobre a geomorfologia da região, a sua rede de drenagem, os aforamentos rochosos, etc., e eram colhidas amostras de solos e aluviões de modo errático, distando cerca de três quilómetros, incidindo essencialmente nos rios principais; procurava-se reunir elementos de base que possibilitassem uma interpretação correcta do significado das anomalias que viessem a ser detectadas. A prospecção de segundo reconhecimento era efectuada quando nas amostras colhidas na fase anterior eram encontrados minerais satélites e compreendia a colheita de amostras, quer de solos quer de aluviões, segundo uma malha da ordem de um quilómetro, tendo em particular atenção as colheitas nas aluviões dos grandes rios, seus afluentes e subafluentes. Passava-se à prospecção de pormenor ou detalhada quando nas fases anteriores aparecessem diamantes e/ou abundantes minerais satélites; esta fase compreendia: • Amostragem de solos com colheita de amostras superficiais em malha de 200 ou 50 m no sentido de delimitar as zonas onde seriam abertos poços, realizadas sondagens ou utilizados outros métodos de prospecção: magnetometria, sísmica e/ou resistividade; • Amostragem das aluviões visando estabelecer, por um lado, a dispersão dos minerais satélites (especialmente em regiões recobertas com espessa camada de areia) e, por outro, estabelecer a efectiva presença de dia mantes. Para a realização deste tipo de trabalhos o Condiama dispunha de algumas sondas de pequeno diâmetro e de vários equipamentos utilizados na prospecção geofísica. As amostras eram estudadas nos laboratórios de análises mineralógicas que o Condiama instalou na cidade do Huambo primeiro e depois também em Saurimo: o concentrado era dividido em duas fracções sendo a de maiores dimensões, com mais de um milímetro, pesada e contados os eventuais minerais satélites presentes; a fracção mais fina era remetida para estudo nos laboratórios da De Beers na RAS. Na fase de avaliação, como era designada pelos técnicos do Condiama, pretendia-se avaliar o eventual interesse económico dos quimberlitos e das aluviões ou eluviões que nas fases anteriores se tivessem revelado diamantíferos; nesta fase os trabalhos compreendiam a realização de poços, sanjas ou sondagens de grande diâmetro. Estes trabalhos implicavam a recolha de amostras de grande volume que o Condiama tratava em pequenas lavarias móveis no local da extracção. Os seus concentrados eram remetidos a «estações de escolha» num dos seguintes locais: Lóvua, Sombo, Mussunuíge, Quela e Huambo. Complementarmente com este método, essencialmente mineralométrico, o Condiama recorria de forma sistemática a métodos geofísicos e também, espo radicamente, a métodos geoquímicos. Dos métodos geofísicos foi essencialmente utilizado o magnetométrico visando definir os perfis das rochas do substrato, zonas de contacto de formações diferentes ou detectar acidentes tectónicos onde previlegiadamente se pudessem instalar quimberlitos; complementar e conjugadamente o Condiama também utilizou métodos de resistividade e sísmicos. De facto o Condiama tentou empregar o método da resistividade para definir a espessura da Formação Calonda mas chegou à conclusão que, com este objectivo, o método era pouco fiável, pois que os perfis obtidos não apresentavam uma distinção nítida entre a Formação Calonda e o granito alterado subjacente; com melhor êxito mpregou este método na definição dos contactos dos quimberlitos que assim fica vam perfeita e claramente delimitados, o que não ac9ntecia com o método magneto-métrico.

GOUVEIA, Jorge Augusto da Cunha, Pedro Cabral de Moncada, José Frederico Aguilar Monteiro, Manuel Gregório Nunes Mascarenhas Neto (1993), Riquezas Minerais de Angola, - ICE, Cooperação Portuguesa, Lisboa (...)

JD disse...

Que trabalheira!
Luís, o que transcreves sobre a Condiama não se apresenta rigorosamente certo, e as diferenças são de grande monta. Do ponto de vista técnico, a formação Calonda consiste num conjunto de placas sobrepostas onde se alojam os diamantes, uma espécie de prateleiras. Essas placas são de materiais de grande dureza, ou os diamantes tenderiam a mostrar-se no fundo. A disposição no terreno não a conheci, pois nunca me desloquei à mina Calonda, a sul do Lucapa. Mas a exploração, tanto quanto sei, era de flanco, pelo que não deve mostrar indícios do "Big Hall", como em Kimberly, na África do Sul. O desmonte era feito com meios hidraulicos.
Sobre a constituição da empresa é que devemos fazer considerações: Foram libertados "claims" da área exclusiva da Diamang para a actividade a prosseguir, e a colaboração prestada pela Companhia era imensa. Não sabia da existência, ou pseudo-existência das referidas "estações de escolha", de tipo portátil, que provavelmente não passariam de lavarias de prospecção, mas na ECE, em Andrada, onde trabalhei cerca de um ano e meio, vi chegarem caixas alegadamente com diamantes atribuídos à Condiama. Prospecção, não tenho a certeza de a terem feito, sobretudo com os bons resultados que as caixas aparentavam e que eram comentados. Ora, o cruzamento de capitais não explica tudo, e eu sei de fonte limpa, que houve estrangeirinha, e nos corredores do Dundo circulavam indivíduos sul-africanos, sendo que um deles provocava o director-técnico da Diamang, um patriota que não alinhava com aquela forma de retirar ao Estado, para entregar de mão beijada ao "trust", e que pela ordem natural das coisas deveria ter ascendido a D-G aquando da aposentação do "chefe da banda do Sardoal". Não, foi promovido a D-G adjunto, esvaziado de poder, e para o lugar foi contratado um engenheiro dos petróleos, de quem guardo muito boas recordações pessoais, mas que fez uma brevíssima passagem pela Lunda.
Temos assim que considerar duas situações:
Em conversas com o senhor director-técnico, durante o ano de 1972 e até meados de 1973, eu sabia que a Companhia tinha reservas identificadas para explorar durante 30 anos, nomeadamente na região de Calonda, e em diferentes condições de exploração, umas mais fáceis e baratas do que outras. Nunca cheguei a saber quais as áreas cedidas para exploração da Condiama, mas imagino que incluíam alguns "cortes-ricos". Seria necessário sobrepor os mapas de prospecção. Por outro lado, não posso dizer que na Estação Central de Escolha, em Andrada, havia promiscuidade de diamantes, mas também não posso dizer que não. Apenas direi, que quando eu fiz pesagens "definitivas", não sofri qualquer pressão ou influência.
Então, porque raio o Estado português/angolano contratou com outra empresa a cedência de áreas de exploração de uma tão importante riqueza, aparentemente sem disso retirar vantagens que a sua iniciativa pudesse proporcionar?
Abraços fraternos
JD

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Os diamantes são sujos, cheiram a sangue, suor, lágrimas, merda, drama, tragédia... Tem sido a desgraça (societal e ambiental) da África, como já foi de outros sítios...

Outra coisa: tinha a ideia de que Portugália (que lindo nome!) era o Dundo... Afinal, era (já não é ?) sede de un concelho, e o Dundp a localidade onde estava a sede (social) da Diamang...

Aproveito o teu precioso saber para saber um pouco mais... Nunca vi um diamante, mas fascina-me a indústria mineira: conheci em tempos, relativamente bem (por ter feito um "case study" na área da saúde e segurança do trabalho) a mina de Neves-Corvo (cobre e estanho), da SOMINCOR, em Castro Daire (no início dos anos 90)... Na altura, exemplar a todos os níveis...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé:

Quem sabe de diamantes é o nosso Mário Gaspar, antigo sapador e um dos melhores lapidadores do mundo!

Não sei se, antes de ires para a Diamang, viste o filme da série James Bond, 007 - Os Diamantes São Eternos (“Diamonds Are Forever”, no título original em inglês, de 1971)… Eu confesso que não vi na altura, nunca fui fã do James Bond… Vi um ou outro, mas este não me lembro, acho que passou na televisão em 1994...

Em Portugal, o filme foi um sucesso com estreia no dia de Natal, 25 de Dezembro de 1971, no Cinema de São Jorge. Os censores do Estado Novo classicaram-no no Grupo D, maiores de 18, por causa da "violência"! Lá teriam as suas razões… Afinal, estávamos em guerra, dita "de baixa intensidade"... A violência faz mal às almas sensíveis, pensavam os coroneis censores...

Uma das atividades promocionais do filme, da iniciativa do magnífico Cinema São Jorge, era concurso promovido pelo Centro Português de Divulgação do Diamante e Pedras Preciosas (!), com o patrocínio do Grémio dos Lojistas de Ouriversaria do Sul… Prémio para o vencedor: vinte contos (que a valores de hoje corresponderia a 5.135,32 €, um pequena fortuna!).

O sucesso foi tal que a canção de Shiriley Bassey, "Diamonds Are Forever", foi publicada em disco pela "Rádio Triunfo"… e tornou-se um dos maiores sucessos discográficos e radiofónicos do ano de 1972 em Portugal... O ano em que deixaste a pobreza fransciscana da nossa terra à procura da aventura na Lunda... Angola, de facto. era a terra prometida. A Diamang, diziam, era uma das melhores empresas do mundo para se viver e trabalhar... Seria mesmo ? Para quem ?

Vd. Wikipédia > 007 - Os Diamantes São Eternos
https://pt.wikipedia.org/wiki/007_-_Os_Diamantes_S%C3%A3o_Eternos

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A Endiama de hoje e a Diamang de ontem…

Mais umas propostas de leitura:


Lunda Norte: O início do desconhecido

Público >

ANA DIAS CORDEIRO E JOÃO MANUEL ROCHA 06/08/2013 - 00:00


(…) A Diamang colonial tentava incluir a população no sector dos diamantes para, com isso, limitar o tráfico. E criou quase um Estado social paralelo, construindo estradas e zonas urbanas, escolas e hospitais. A população passou a rever nela uma função do Estado. Mas o que resta desse tempo é muito pouco. O hospital tem décadas e um novo, já anunciado, ainda não funciona. Poucas escolas estão de pé, mas sem condições. Neste fim de mundo, resta do passado um tribunal. Porém, as pessoas não conhecem os seus direitos. Ao contrário de outras províncias, a Lunda Norte não tinha, pelo menos até há pouco tempo, beneficiado de obras de reconstrução nacional. (…)


http://www.publico.pt/africa/jornal/o-inicio-do-desconhecido-26922137

Antº Rosinha disse...

Luís Graça, além do Openheimer e do Ernesto Vilhena e de JEduardo dos Santos, esqueces a exploração internacional durante mais 25 anos por zairenses, congoleses e zambianos, polacos, checos, portugas espertos, ucranianos e quem viesse mais os assaltos às lavandarias pela UNITA e que até raptava esses garimpeiros, quantos teriam desaparecido, pois os jornais só atingiam até certos limites.

Aqueles dois exércitos do MPLA e da UNITA e mais certos Bancos, entre eles o Banif, por exemplo não se alimentavam de fuba de mandioca.

Não assisti, são so coisas dos jornais.

Talvez a quioca Andringa tenha razão, não deviamos ter feito o crime de ter criado aquela empresa modelar, pois foram pérolas a porcos.