1. Continuação da publicação da comunicação do António Estácio, sobre o contributo da comunidade chinesa na Guiné, para o desenvolvimento da cultura do arroz. nas primeiras décadas do séc. XX, Temos a autorização expressa do autor, o nosso amigo e camarada António [Júlio Emerenciano ] Estácio, que tem 45 referências no nosso blogue. Eis aqui uma breve nota curriucular sobre ele:
(i) é lusoguineense, nascido em 1947, e criado no chão de Papel, em Bissau, com raízes transmontanas, tendo vivido também em Bolama;
(ii) formou-se como engenheiro técnico agrário (Coimbra, 1964-1967, Escola de Regentes Agrícolas, onde foi condiscípulo do Paulo Santiago), depois de frequentar o Liceu Honório Barreto;
(iii) fez a tropa (e a guerra) em Angola, como alferes miliciano (1970/72);
(iv) trabalhou depois em Macau (de 1972 a 1998);
(v) vive há quase duas décadas em Portugal, em Algueirão, no concelho de Sintra;
(vi) é membro da nossa Tabanca Grande desde maio de 2010;
(viii) tem-se dedicado à escrita, dois dos seus livros mais recentes narram as histórias de vida de duas "Mulheres Grandes" da Guiné, a cabo-verdiana Nha Carlota (1889-1970) e a guineense Nha Bijagó (1871-1959);
(ix) o seu livro mais recente (2016, 491 pp.), de temática guineense, tem como título "Bolama, a saudosa", edição de autor;
(x) a comunicação que agora se reproduz foi feita no âmbito da V Semana Cultural da China, de 21 a 26 de janeiro de 2002;
2. O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte III: (iv) sistemas de cultivo e variedades de arroz (pp. 446-452):
(Continua)
Texto e infogravuras: © António Estácio (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Nota do editior
Vd. postes anteriores da série:
16 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17977: Historiografia da presença portuguesa em África (100): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte II: (iii) da pesca à agricultura; (iv) os primeiros chineses e seus descendentes
15 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17974: Historiografia da presença portuguesa em África (99): António Estácio: O Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense - Parte I: (i) preâmbulo: (ii) generalidades
8 comentários:
Com o abandono dos campos, por parte dos jovens, e a irresistível atração das cidades, há todo um saber, empírico, ligado à orizicultura na Guiné, que era transmitido oralmente e pela prática, de geração em geração, e que se está a perder... Por outro lado, o trabalho na bolanha era duríssimo, e nesse domínio os balantas eram campeões...
Podiam não ser os melhores combatentes do mundo, mas a verdade é que foram a tropa de choque do PAIGC, os verdadeiros homens do mato...
Tenho pena que, devido às circunstâncias da guerra, nunca consegui aproximar-me desta comunidade, mesmo estando perto deles, e até vivido no meio deles, no reordenamento de Nhabijões, no regulado de Badora, e que era um dos maiores, senão o maior, da Guiné no tempo do Spínola, no meu tempo (1969/71)...
As potencialidades da orizicultura guineense chegaram a entusiasmar homens do regime salazarista, como o deputado, engº silvicultor e grande agrário alentejano João Garcia Nunes Mexia (nascido em Mora, em 1899, e já falecido, creio que em Montemor-o-Novo, em data que consegui apurar)...
Aqui vai Excerto de intervenção do então deputado Nunes Mexia na ordem do dia, sobre a política do pão e do trigo, na Assembleia Nacional, IV Legislatura, Sessão Legislativa 03, nº 128, em 1948-01-27, Diário das Sessões, nº 128, 28/1/1948,pp. 203/204:
(...) Problema do arroz. - E o cereal que menos projecção directa tem no problema do pão, mas também o que se reveste de aspectos os mais interessantes quanto à economia geral da Nação.
Encontrando-nos na situação de um país deficitário em cereais e caracterizado por um baixo nível de vida da sua população, não é indiferente que 1 hectare de terra produza, em média, como no trigo, 817 quilogramas, ou cerca de 5:000 quilogramas, como no caso do arroz.
Não é indiferente que uma e outra destas culturas deixem, sob a forma de salários, nos meios rurais respectivamente cerca de 500$ e 5.000$ por hectare.
Ao passo que a cultura de trigo está quase totalmente à mercê do clima e, praticada a partir do Outono, conduz à perigosa mobilização, na época das chuvas, dar camada arável do solo, a cultura do arroz, desde que se disponha de instalações regulares, quase não é afectada pelo tempo, produz anais forragem e a nenhum risco de erosão conduz.
Finalmente a cultura orizícola, se encontrar na panificação a garantia de colocação dos excessos de produção, interessa não só à metrópole como a algumas das nossas províncias ultramarinas, e especialmente à Guiné, onde o arroz das variedades «tanha», «jambaram» e «ioncobá» acusa uma elevada percentagem de trinca, que o recomendaria para a farinação, e, cultivando actualmente cerca de 22:000 hectares e exportando, em média, 4.440:000 quilogramas, poderia facilmente, desde que se expanda em certas regiões, como a circunscrição de Catió, aumentar a sua exportação para 7,5 e com mais alguma dificuldade para 10 milhões.
Bastaria que à Guiné se desse uma garantia positiva de colocação de arroz, ao contrário do que já infelizmente aconteceu, e que numa bem conjugada actuação do Governo Central e do governo dá Guiné as terras que constituem património do Estado, muito embora em poder dos régulos, sejam o mais possível aproveitadas nesta cultura e melhorado o seu rendimento médio, actualmente computado apenas em cerca de 2:000 quilogramas por hectare.
A intensificação da cultura orizícola, pelo seu aspecto de cultura de tipo industrial, proporcionaria a maneira mais segura e mais eficaz de utilizarmos uma boa parte dos 125:000 hectares de regadio que advirão das obras previstas de hidráulica agrícola.(...)
(Continuação)
(...) Baseio estas afirmações nas razões seguintes:
1.º Esta cultura quase não necessita de entrada de fertilizantes, pelo menos os azotados, e dispensa melhor do que qualquer outra cultura adubações orgânicas;
2.º Fornecendo uma grande quantidade de palha o proporcionando, sob a forma de restolho, uma valiosa pastagem, apressa o equilíbrio agro-pecuário da exploração;
3.° Realizando, pela combinação das modalidades de exploração, tipos bastante vantajosos do complexo agro-pecuário, permite encontrar, através do índice do interesse económico do conjunto da exploração, uma mais valia para a generalidade das obras de hidráulica agrícola, contribuindo assim, para que o Estado, além de benefícios de ordem indirecta, recupere os capitais investidos;
4.° Permitiria com um oitavo da superfície investida nesta cultura produzir a mesma quantidade de cereal do que a cultura do trigo, e assim facultaria o atendermos mais rapidamente às necessidades do País.
Estas as razões que me levam, a menos que se encontrasse uma vantajosa permuta de cereais, a insistir pela inclusão da farinha de arroz nas farinhas de 1.ª, onde um ligeiro encarecimento de preço não se me afigura razão bastante para que se não procure obter os enormes benefícios de ordem indirecta que a intensificação da sua cultura nos traria;
5.° Tendo sucintamente exposto um plano que se me afigura poder contribuir para a solução do grave problema das farinhas, aplicável por generalização ao sector das ramas, importa fixar o ritmo da intervenção do Estado, quer no tempo quer no espaço.
Quanto ao primeiro dos aspectos - o tempo -, suponho que de momento não dispomos das reservas de milho e de cevada correspondentes a uma necessidade mensal suplementar de cerca de 4.500:000 quilogramas de cada um desses cereais para, desde já, podermos solucionar completamente o problema.
Entendo, contudo, que valeria a pena tratar reunir até Abril o correspondente a 27.000:000 de quilogramas de milho e de cevada, e com essa base, que nos asseguraria o consumo de três meses, reforçada quanto à cevadaom a segurança da próxima colheita a partir de Maio, poder-se-ia tentar a experiência, ou na totalidade ou em parte das farinhas de inclusão. Quanto ao arroz, o Estado ajuizaria se mais convém constituir uma reserva com o que nos sobra este ano, dadas as importações realizadas, ou se interessaria farinar, além das trincas, uma parte do arroz que a mais de momento possuímos.
Pelo que respeita ao espaço, sou abertamente pela experiência generalizada a todo o País, com excepção das regiões e dos consumidores que se possam manter ou ganhar para a causa dos tipos regionais de pão. (...)
(Continuação)
Parte final da intervenção do deputado Nunes Mexia, na Assembleia Nacional ( IV Legislatura, Sessão Legislativa 03, nº 128, em 1948-01-27, Diário das Sessões, nº 128, 28/1/1948,pp. 203/204):
(...) Resumindo:
É possível estabelecer no tempo e no espaço um plano que, mobilizando os recursos naturais da Nação e aproveitando as características próprias de cada parcela do seu território, conduza a um substancial aumento de produção dos vários cereais que poderíamos utilizar, como recurso, na panificação.
É possível, melhorando, até onde for necessário, as farinhas de incorporação, degerminando por via húmida o milho e aumentando a comparticipação dos diversos cereais panificáveis, com excepção do centeio, obter tipos de farinha de paladar absolutamente satisfatório e de aspecto indiscutivelmente idêntico ou superior tis actuais farinhas de l.ª, de 2.ª e especial.
É possível, pela valorização adequada das farinhas residuais em comparação com o valor dos farelos e pela maior percentagem de inclusão dos diversos cereais panificáveis, manter sensivelmente os actuais preços das farinhas, sobretudo se levarmos em linha de conta que estas repousam sobre artifícios mais ou menos inconsistentes e poderão ter de ser muito brevemente alteradas, em consequência da alta do preço do trigo no estrangeiro.
É possível, se a execução, por deficiente, não comprometer as perspectivas económicas e os dados do problema, levar o País, por escalões sucessivos de recuperação, a abastecer-se praticamente em cereais panificáveis.
E como doutrina que importa fixar: (Portugal metropolitano e ultramarino não é um país nem pequeno nem carecido das condições necessárias à intensificação da produção de cereais, com excepção do trigo; por razões económicas e de segurança deve, integrando-a no quadro geral da sua política económica, estudar uma solução que, mobilizando os recursos de toda a Nação, dispensando o mais possível o concurso do estrangeiro e criando condições de progresso agrícola e
de bem-estar das populações, possa ser considerada uma solução nacional do problema do pão.
Tenho dito.
António Estácio
Aprendi muito ao ler este texto. Principalmente no que respeita à construção dos "ouriques" que nos serviam (já bastante destruídos) para o atravessamento das bolanhas, às "caninhas" que, por vezes, apareciam no meio dos "ouriques" já bastante destruídos, às manobras de dessalinização das terras.
Quando regressei à Guiné em 1991(?) tive oportunidade de ver a quantidade de flores brancas que cobriam a terra nos espaços em que não havia cultivo de arroz. Disseram-me, então, que nasciam porque as terras já quase não tinham sal.
Alberto Branquinho
ourique | s. m.
ou·ri·que
(do crioulo da Guiné-Bissau)
substantivo masculino
[Guiné-Bissau] Dique principal de uma bolanha, geralmente feito de lama e paus, que controla a entrada e saída de água nos arrozais (ex.: a manutenção do ourique implica muito trabalho).
Palavras relacionadas: blufo, bolanha, chabéu, bajuda, gumbé, bianda, cacre.
"ourique", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/ourique [consultado em 18-11-2017].
É bom que o falar da Guiné esteja grafado nos dicionários de Português... Quem andou nas bolanhas da Guiné, com água por vezes até à cintura e mais, não pode esquecer vocábulos como "ourique"...
É pena que nos nossos quartéis não houvesse livros sobre a Guiné, a sua história, a sua cultura, a sua fauna e flora... Aliás, nem sequer livros havia, uma pequena biblioteca que fosse!...
tarrafe | s. m.
tar·ra·fe
substantivo masculino
Tamargueira.
"tarrafe", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/tarrafe [consultado em 18-11-2017].
tarrafe | s. m.
tar·ra·fe
substantivo masculino
Tamargueira.
"tarrafe", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/tarrafe [consultado em 18-11-2017].
António Estácio escreve: "mangal ou tarrafe"... Na Guiné são sinónimos... Mas nos nossos dicionários escapa essa subtileaza: mangal ou tarrafe querendo significar terreno pantanoso na foz dos rios, onde há influência de água salgada (na Guiné Bissau).. mas também (em Angola, Guiné-Bissau, Moçambique) "massa arbustiva na foz dos rios"...
mangal | s. m.
mangal | s. m.
man·gal 2
(mangue + -al)
substantivo masculino
[Brasil] [Botânica] Floresta de mangues. = MANGUE, MANGUEZAL
Palavras relacionadas: manguezal, mangue, serubuna, mangueiral, aratu, rizófora, apicum.
man·gal 1
(manga, fruto + -al)
substantivo masculino
[Brasil] Mata de mangueiras. = MANGUEIRAL
Palavras relacionadas: mangueiral, manguezal, mangue.
"mangal", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.com/dlpo/mangal [consultado em 18-11-2017].
mangal
1 2
man.gal
mangal1
mɐ̃ˈɡaɫ
nome masculino
mata de mangueiras
De manga+-al
mangal2
mɐ̃ˈɡaɫ
nome masculino
1. Guiné-Bissau terreno pantanoso na foz dos rios, onde há influência de água salgada
2. Angola, Guiné-Bissau, Moçambique massa arbustiva na foz dos rios
De mangue, variedade de planta, +-al
mangal in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2017. [consult. 2017-11-18 21:19:43]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/mangal
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