segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17968: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 2: A recruta no Porto


José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74. Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo hoje autor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Senta-se debaixo do poilão da Tabanca Grande no lugar nº 756.


Fotos: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O autor em Amarante, onde vive hoje, reformado como bate-
chapas. 
1. Prosseguimos a pré-publicação do próximo livro do nosso camarada José Claudino Silva, de quem o nosso editor recebeu hoje a seguinte mensagem:

Estás à vontade para o que quiseres publicar em relação ao que te enviei.

Só irei publicar o livro no próximo ano. Consegui um excelente preço por exemplar e tenho um amigo a corrigir-me o texto, o  que ainda demora uns dias.

Logo que o livro esteja pronto vou propor fazer apresentações por todo o país nos eventos organizados pelas várias associações.A  minha real prioridade é, através dessa ideia, viajar e aproximar o quanto possível todos os ex-combatentes. Se vendo ou não algum livro é irrelevante.

Quero conhecer histórias como a minha e só assim o poderei conseguir. Nestes últimos tempos percebi que cada classe hierárquica tem uma visão diferente da guerra colonial e quero ao meu jeito verificar as discrepâncias que noto nos vários relatos.
Será o meu contributo para memória futura.

Um enorme abraço. Claudino


2. Resposta do nosso editor:

Obrigado, José Claudino,  pela tua rápida resposta às minhas dúvidas sobre o que publicar ou não da versão (ainda em revisão) do teu terceiro livro. O que estamos a fazer é um pré-publicação da versão que me mandaste (119 pp., com cerca de 70 pequenos capítulos).

Já foram publicados bastantes livros de autores que são membros da nossa Tabanca Grande. E praticamente todos editados  primeiro no blogue (nalguns casos, depois...), num série.  Esse facto não lhes retirou leitores, antes pelo contrário. O que é importante é fazer a promoção do livro, aqui e através de sessões de lançamento em vários pontos do país, nos nossos encontros. Podes contar connosco para isso e não só: se precisares de alguém para te escrever um prefácio ou fazer a apresentação do livro podes contar comigo e outros camaradas da Tabanca Grande.

Parabéns por já teres um editor, ou um gráfica, que te apresentou um orçamento em conta. Fazes bem em mandar fazer uma boa e completa revisão de texto, aspeto que muitas vezes é descurado por quem publica pela primeira vez, ou em editoras que te obrigam a pagar a parte a revisão de texto.  Nada é mais desagradável, para quem compra um livro, do que ver um texto, em papel (ou em suporte digital...) demasiado "gralhado".. Uma coisa é uma gralha ou outra que escapa ao revisor de texto. Outra coisa, é teres erros de ortografia, sintaxe, pontuação, formatação, impressão, etc.

Obrigado pela tua generosidade. Prometo que vais ter leitores desta tua série, atentos, interessados e críticos, se bem que solidários e generosos.  Um alfabravo do editor LG


4. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 2:  A recruta [no Porto]

[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. Por outro lado, respeitamos a vontade do autor de, aparentemente, não seguir o Acordo Ortográfico em vigor. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Prátia", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


2º Capítulo: A RECRUTA

No dia 4 de Janeiro de 1972 escrevia a primeira carta como soldado.

“Isto aqui é bestial a comida até nem é muito má. Não devo ir a casa pois não me deram a farda”- Para no dia 10 escrever. “Agora já sei marchar, se não, o alferes manda dar-me uma carecada. Ai o meu cabelinho já o tenho curto de mais e ele ainda acha que está grande!” Sem dramas, acrescentava: “O papel que meti para sair por amparo familiar não vale nada. Paciência tenho de gramar 3 anos.”

Interessante, foi a frase da minha avó, quando me viu fardado pela primeira vez;
Ai Dino! O que te fizeram!

Logicamente, 15 dias depois já me apetecia dar um tiro, ou pôr uma bomba naquela merda toda, só que ainda não sabia disparar. Nem fazer bombas. Também a comida, que entretanto mudara de nome para rancho, já não era tão boa. Felizmente, dia 21 ia haver uma festa no quartel e eu ia estar de faxina, na cozinha.

Após um mês de recruta, mais precisamente no dia 8 de Fevereiro [de 1972], um pouco melancólico, escutava, à noite, a canção “Mais dans la lumière” de Mike Brant, um cantor pop de origem israelita que viveu entre o sucesso e a tragédia (suicidou-se em Abril de 1975 com apenas 28 anos,em Paris).. Mesmo não sendo fã dele, naquele tempo era bastante famoso e o título agradava-me. Embora não soubesse francês, consegui saber que significa. “Mas na luz”. Se a música era sobre a luz, a minha vida tinha tudo para nos próximos anos, ser muito escura.(**)

Ser recruta na cidade do Porto foi muito interessante. Mais de metade dos meus camaradas de armas nunca tinham saído das suas aldeias e eu, que já tinha visitado o Porto muitas vezes, acabei por ser o guia de alguns. Escusado será dizer que os locais, aonde mais os levava, eram locais de má fama; mas quem acabou por ter má fama fui eu. Já havia quem me considerasse um autêntico gigolô. Que culpa tinha eu de conhecer o Porto, da Via Norte à Rua Escura? E mais. Pagarem-me um café, ou uma gasosa, por os guiar até lá. Eu nem bebidas alcoólicas bebia. Se queria algum favor, de uma das mulheres, tinha de pagar como os outros. Excepto a Luísa, mas essa gostava mesmo de mim!

(Continua)
________________

Notas do editor:

(*) Vd. primeiro poste da série > 11 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17961: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 1: Aprovado para todo o serviço militar

(**) "Mais dans la lumière", de Mike Brant

Letra (aqui com a devida vénia)

L'ombre étend son manteau
Et ton corps est déjà bien plus chaud
Et je vois dans tes yeux
Une larme, un aveu.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient, je t'adore
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une eau bleue qui dort où
Je me baigne encore

La nuit revient bientôt
Pour éteindre le feu de ma peau
Et mon sang n'est plus fou
Car tes yeux sont trop doux-

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime-

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.
Òù je me bats au corps à corps,
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort, je t'aime
Je t'aime, je t'aime, je t'aime.

Mais dans la lumière
C'est une arène d'or où
Je me bats au corps à corps.

Mais dans la lumière
Tes yeux crient bien plus fort
Je t'aime, je t'aime, je t'aime, je t'aime
Mais dans la lumière-

Autor: Renard Jean
Compositeur: Renard Jean
Editor: Editions Des Alouettes,Amplitude Editions Musicales
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