quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17973: Os nossos seres, saberes e lazeres (240): De Manchester para Lisboa, ficam as saudades (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a um belíssimo circuito, de Manchester chegou-se a Leeds, houve um cheirinho dos vales de Yorkshire e rumou-se para o Sul da Escócia, diga-se sem modéstia que todo aquele cantinho foi passado a pente fino. Deu para acompanhar uma campanha eleitoral inesquecível, vamos ver se não é até memorável pelos resultados obtidos e pelas inequívocas manifestações dos britânicos não quererem perder as grossas amarras que os unem ao continente.
Por obra e graça dos voos low-cost, conheceu-se Manchester e traz-se boa memória, entre arte e arquitetura.
Resta agora o filtro das recordações e esta constante ebulição de estudar novo destino, fazer a mala, usufruir e relatar o que se viu.

Um abraço do
Mário


De Manchester para Lisboa, ficam as saudades (9)

Beja Santos

Escolheu-se Manchester para arribação e reembarque por razões estritamente económicas, há voos low-cost a preços da uva mijona, é uma tentação para qualquer andarilho. E goza-se do privilégio de haver uma mão amiga que nos transporta até Yorkshire, um dos locais ingleses que mais aprazimento traz ao viandante. Vem esta conversa só para justificar que havia dois dias para calcorrear Manchester, de que só se conhecia o aeroporto. É a segunda maior cidade inglesa, foi o polo de atração do mundo algodoeiro, ainda hoje se respira sinais de muita vida afortunada, há para ali planos de urbanização um tanto estrambóticos, constrói-se ultramoderno e as estatuárias do passado ficam um tanto à deriva, como aqui se exemplifica. Não é um tremendo choque visual, mas questiona-se se estes planificadores urbanos não podiam encontrar outras conexões entre o passado, o presente e o futuro. Vê-se e passa-se adiante.



Parou-se diante do obelisco pela especial razão de que um antigo combatente venera certo tipo de lembranças, com as das guerras que atravessaram entre 1914 e 1945 a memória britânica não brinca em serviço, foram trincheiras, afundamentos em vários oceanos, veio gente combater de vários continentes, os alemães temiam as tropas indianas, tal era a crueldade, veio o rolo compressor alemão sobre a França, veja-se como se comportaram em Dunquerque, na batalha da Grã-Bretanha e por aí adiante. Por isso o viandante pára e tira-lhes o chapéu, houve para ali bravura sem bazófia, nestas horas de discussão do Brexit o viandante nunca esquece que a eles muito deve a democracia.



Há um propósito nestas duas imagens, o viandante sente-lhes complementaridade, o fausto do hotel e um edifício harmonioso que enlaça um cruzamento, ambos têm harmonia, são um verdadeiro eco e uma vida metropolitana que não se perdeu, a despeito de gritantes desarranjos nas escalas de toda esta edificação, intui-se que não há qualquer concorrência com a mega cidade que é Londres, esta foi desenhada para ser capital de império, a sede de todas as instituições, ali está o poder, a começar pela praça financeira que corre o risco de se vir a fragmentar, esperemos pelos próximos andamentos do Brexit.



Poderá ser produto de pura imaginação, mas o viandante encontra analogias entre as imagens da Nova Iorque do princípio do século XX com o que aqui Manchester conserva. Quer os sinais de ostentação daquele edifício que terá sido um imponente espaço comercial e o outro mais minguado, estão felizmente bem conservados e dá gosto a sua contemplação, não quero cansar o leitor com a batucada das observações e porventura delírios de quem anda em viagem, mas há nesta cidade uma inequívoca dinâmica e nesta arquitetura um inequívoco orgulho de manter de pé e conservado aquilo que, em tantas cidades, deu origem a enxaquecas insolúveis, veja-se Glasgow, dotada de um património arquitetónico invejável, deitou-se abaixo sem pudor, enxertaram-se umas construções modernas odiosas, e não se sabe bem como é que se vai desatar o nó sem gastar fortunas. E pense-se em Bruxelas, onde bairros graciosos parece que foram bombardeados, para proveito daqueles que ganham fortunas com os funcionários das instituições europeias.


Aqui está um sinal da Manchester de outras eras, por estes cursos de água chegavam matérias-primas ou partiam produtos acabados, tivesse o viandante tempo e até iria mostrar velhas fábricas que por ali proliferam, às escâncaras, a aguardar revitalização. Cidades há como Leeds ou Bristol encontraram soluções para os armazéns que marcaram a paisagem destes canais. É tudo uma questão de engenho e apetência para que os centros se mantenham habitados e com caráter.



Já se está com o tempo contado, há um aeroporto à espera e um avião para nos trazer para Lisboa. O viandante nunca perde oportunidade para visitar um qualquer museu municipal. Foi graças a um processo de orgulho cívico que eles têm vindo a medrar onde há gosto pela civilização. Não há muito tempo o viandante visitara o Museu Municipal de Vila de Rei, singelo e bem ataviado, aproveitou-se um bom edifício, recriou-se uma casa agrícola, dispuseram-se com gosto objetos ligados à vida rural e até houve o cuidado de aproveitar um edifício apenso ao museu, uma antiga cadeia onde se retrata da cela do preso, tudo com respeito pela memória. Foi por esta razão que se quis ver o Museu Municipal de Manchester, tem um acervo esplendoroso, o viandante prendeu-se de amores pela propaganda que pôs Churchill ao lado de Estaline, coisas da luta contra o nazismo e depois a história dos conservadores, que tem aspetos brejeiros.



Ora cá está, Manchester e os negócios marítimos e a réplica de um interior doméstico de outras eras. Por razões compreensíveis, e por se tratar de um museu de dádivas de uma cidade de média dimensão, não se vê aqui muito a antiguidade nem obras de arte vultuosas, como é possível ver no museu da cidade de Londres, estranhamente pouco badalado e que é um portento. Foi uma bela visita, deixa saudades, diga-se em abono da verdade que tudo deixou saudades, foram 17 dias em cheio, com gente muito cordial, de Inglaterra à Escócia e regresso até esta cidade que tem encantos indisfarçáveis, resta relembrar que até se andou a mirar uma manif contra o racismo, bem vigorosa, por sinal.

Para terminar, logo que possa estou de regresso.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17947: Os nossos seres, saberes e lazeres (239): Lesmahagow, adeus a Moffat, primeiro dia em Manchester (8) (Mário Beja Santos)

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