segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17964: Manuscritos(s) (Luís Graça) (129): o deus-sol ou... quem disse que uma imagem vale mil palavras ?...






Lourinhã > Praia da Areia Branca > 11 de novembro de 2017 > Das 17h59 às 18h02 > Pôr do sol  >

Fotos (e legenda) : © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


O deus-sol

por Luís Graça (*)


Quem disse que uma imagem vale mais 
do que mil palavras ?
Quem o disse, com tanta segurança,
é porque  conhece o poder da imagem
mas não o poder da palavra.
Uma e outra digladiam-se.
Uma e outra são armas e podem ser letais.
Mas entre a imagem e a palavra
eu tomo o partido da palavra.

Sou um compulsivo espetador do pôr do sol...
Confesso: é uma adição, 
o espetáculo do pôr do sol,
mesmo que seja uma treta: 
o gajo volta aparecer-nos, todas as manhãs,
depois de nos pregar a partida da noite, do breu, das trevas...
O gajo vai dar uma volta,
enquanto nos manda  fazer xixi e cama,
ao mesmo tempo que tomamos consciência
da nossa humana fragilidade:
somos seres circadianos,
com um delicada cronobiologia,
e sobretudo tememos a noite,
como o diabo, dizem, teme a cruz...

O sol dá-nos tanga, 
vai dar um volta,
vai bronzear os gajos e as gajas esculturais,
nossos vizinhos, 
nas praias que ficam na ponta mais a oeste,
enquanto nós, a leste,  afiamos as facas e os punhais.
A noite é má conselheira,
a noite é criminosa,
a noite é a cama de todos os pesadelos,
de todas as insónias,
de todas as matanças,
de todas as conspirações...
Mas é o sol, afinal,  que alimenta a vida e a morte,
a coragem e a perfídia.
E também o sonho.
E os poetas malditos.
Por mim, confesso a minha secreta adição:
não perco um pôr do sol, na praia...
E tenho dificuldade em viver na montanha
onde o sol se põe atrás de outra montanha...

Todos, de resto, temos uma adição,
do sexo às caminhadas,
do "shopping" às redes sociais,
das "slot-machines" ao álcool,
dos psis à escrita...
Mas o pôr do sol é um espetáculo tão esmagador
que ficamos sem palavras...

É difícil legendar a imagem de um pôr do sol, 
sem dizer trivialidades,
lugares-comuns,
frases feitas...
Mais: é difícil arranjar mil palavras
para contrapor a uma imagem.
Achamos que uma imagem se basta a si própria,
mas é pura ilusão.
Sem os teus olhos, sem os teus óculos,
nunca saberás ler
uma imagem.

Os poetas desistem de fazer poemas ao pôr do sol...
É mais fácil adorá-lo, ao sol, como um deus.
E um deus não precisa de adjetivos,
porque é um fenómono metasíco total.
Um deus, como o sol, é o conteúdo e o continente.
O sol é o puro deleite e o puro terror.

Luís Graça,
Praia da Areia Branca, 11 de novembro de 2017
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(...) Confesso que sou um adorador do sol. Venero o sol como um deus. Devo a vida ao sol. Perturbam-me os eclipses, totais ou parciais do sol. Extasio-me com o pôr do sol, e não tanto com o nascer. Sei que o sol é um dado adquirido. Mas um dia, daqui a alguns milhões de anos, o sol apaga-se. Pensava-o imortal: quando descobri, aos catorze ou quinze anos, que um dia o sol vai morrer, tornei-me ateu.

Nunca liguei ao sol na Guiné. Ou melhor: odiei-o, com um ódio de morte. Não tinha o mar, no interior, no mato, para me deslumbrar com o nascer e o pôr do sol. Além disso, detestava o sol porque havia guerra, e penosas operações que nos levavam à desidratação e, "in limine", à morte. Odiei o sol na Guiné, razão por que sempre preferi a noite. Dormia de dia, sempre que podia. E, quando morrer, e se eu ainda puder escolher, quero morrer ao pôr do sol. Ainda não escrevi o meu testamento vital, mas quero lá pôr essa cláusula. Minha querida Chita, não posso morrer na tua/nossa Quinta de Candoz, onde o sol se põe às cinco da tarde, emparedado pelas montanhas. (...)

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