sábado, 15 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25642: Os nossos seres, saberes e lazeres (632): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (158): Na vila realenga de Belas, no termo de Sintra, já houve Paço Real, estamos perto da Venda Seca - 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de4 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Houve inicialmente o intento de visitar a Casa Museu Leal da Câmara, na Rinchoa, o apetite por uma doçaria foi mais forte, avançou-se para um estabelecimento onde se vendem os fofos de Belas, é uma sensação estranhíssima andar por aquelas ruas estreitas, não é só a barulheira da CREL, o trânsito não dá tréguas, percorrem-se os passeios sempre a olhar para a rua, mais não seja para não levar com um espelho retrovisor no ombro. Satisfeita a guloseima, voltou-se à Quinta Nova da Assunção, visitada anos atrás, estava então de cara lavada, um miminho de cores, um recanto romântico seguramente idealizado por um comerciante com posses que partiu para as estrelas antes de ver tudo de pé e bem ajardinado; o jardim é um bálsamo, deve faltar dinheiro ou patrocínios para continuar os trabalhos de renovação e até de manutenção, aquela azulejaria que adorna os bancos de pedra corre riscos graves de perda irremediável. Há muito a visitar em Belas e nas redondezas, muita gente vinha fazer férias daqui até onde hoje fica Mira-Sintra, restam casas restauradas e outras na agonia. Belas teve marquesado, por aqui andou gente das famílias reais, resta a Quinta do Senhor da Serra, também conhecido por Paço Real, pelo que foi dado pesquisar na net aqui se celebram casamentos e batizados e eventos que tais.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (158):
Na vila realenga de Belas, no termo de Sintra, já houve paço real, estamos perto da Venda Seca – 1


Mário Beja Santos

Há uma doçaria que faz muita gente viajar até Belas, que já foi concelho, que tem importantes ruínas pré-históricas e até romanas nas redondezas; povoação onde assentou alguma aristocracia, a residência dos marqueses de Belas, aqui conhecida por Paço Real ou Quinta do Senhor da Serra, esta é belíssima com os seus plátanos, teixos e buxos dentro de um enorme muro, num contraste brutal com a barulheira que vem da CREL, contudo Belas é irresistível para itinerâncias. Primeiro, ali no centro da vila, uma doçaria aprazível e com um descomunal tráfego incessante mesmo à porta, ali se manjam os fofos e se pode adquirir demais doçaria para pequenos-almoços, almoços, lanches e jantares. Depois, segue-se, sempre a fugir do ruidoso trânsito, desde autocarros a motocicletas, para a Quinta Nova da Assunção, um interessantíssimo projeto de um comerciante endinheirado que aqui construiu casa apalaçada, habitações para trabalhadores quinteiros e visitas e esplêndidos jardins, isto no século XIX. No gradeamento pode ler-se: “A Quinta Nova da Assunção foi mandada edificar por José Maria da Silva Rego, nos terrenos herdados do seu tio Gregório da Silva Rego (comerciante que fez fortuna no Brasil). A sua mulher (está lá escrito esposa, linguagem de mestre de obras, sempre se falou em mulher e marido), Maria da Assunção Vieira, deu nome à quinta inaugurada em 15 de agosto de 1863, dia da celebração da Nossa Senhora da Assunção. José Maria da Silva Rego viria a morrer um ano depois, antes do término das obras. Trata-se de um conjunto arquitetónico que compreende um palacete residencial, uma casa de fresco, lagos, fontes e estruturas de apoio ao enorme jardim. Em toda a propriedade tentou-se criar um ambiente eclético de harmonização entre o neoclassicismo e o romantismo. Esta simbiose é evidente sobretudo no excesso decorativo do interior do palacete, onde as pinturas a fresco, os estuques e a azulejaria preenchem os espaços com motivos zoomórficos-vegetalistas, exotismos orientalistas, temáticas pompeianas e mitológicas, bem assim como as iniciais do proprietário.”

A Quinta Nova da Assunção tem esta fonte decorativa restaurada, temos um envolvimento de lugares sentados com azulejaria primorosa, como se pretende mostrar. O jardim tem manutenção, é um encanto passear por ali, não se dirão mesmo da conservação da casa apalaçada no seu exterior e começa a haver deterioração nestes belos azulejos, fica sempre o mistério se se trata de ladroagem ou é mesmo falta de manutenção, o tempo é inclemente, responda quem souber.
Para quem gosta de estudar movimentos artísticos, o que aqui se vê é uma etapa do naturalismo, ainda não se chegou à Arte Nova, as molduras são tipicamente clássicas, já começam a desaparecer azulejos.
Um tema recorrente na época é a chinesice, a atração pelo exótico oriental, no caminhar para o fim do século ao chinesismo juntar-se-á o japonesismo, uma das linhas da Arte Nova, figurará nas artes decorativas até ao anúncio da Arte Deco, aí pelo ano 1925
O mínimo que se pode dizer é que estes assentos de pedra tão bem decorados mereciam melhor sorte, não conheço uma gama de azulejos tão enternecedores como estes neste termo de Sintra.
Haverá um dia em que este edifício com pretensões neogóticas será recuperado, talvez equipado, polo de atração, sabe-se lá se residência para artistas ou até mesmo casa-museu, custa a entender como se restaurou a casa apalaçada e se esqueceu esta dependência.
Há alguns anos, quando visitei pela primeira vez a quinta, a casa estava de cara lavada, disse-me quem a guardava que era alugada para séries televisivas, consta que tem salas maravilhosamente decoradas, o comerciante não se poupou ao trabalho de apresentar a mansão à altura dos seus proventos. O senhor que está por detrás desta porta disse gentilmente pode olhar, mas não passa daí. Não perco a esperança de lá voltar e conhecer os tesouros ali existentes.
Atendendo a que se estava no inverno, bem surpreendido fiquei com esta floração quando tudo mais está adormecido.
Foi para mim uma surpresa ver esta alameda tão bem adornada, uns belos bancos, funcionais, bem mantidos. Caminhei nos dois sentidos, mas confesso que foram estas as duas perspetivas que mais me tocaram.
Esta é a fachada principal, o senhor José Maria da Silva Rego deve ter exigido alguma imponência no traçado da casa, é bem curioso ver como tem os fundamentos deste plano inclinado, casa apalaçada de um só andar, assente numa sólida plataforma e o arquiteto encontrou solução de pôr esta escadaria com alguma nobreza. Vista a Quinta Nova da Assunção, vai-se agora cirandar por Belas, que tem muito mais coisas por ver.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 8 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25620: Os nossos seres, saberes e lazeres (631): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (157): Em Tavira, a Vila a Dentro, em profundo derriço com as suas imponentes muralhas (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

A menos de dez minutos, de carro, de minha casa, muitas vezes nos dias solarengos desenfiava-me até aos "Fofos de Belas", para uma bica, um fofo e uma ginjinha e depois ficava ou no jardim a ver chegar o bando de barulhentos periquitos rabudos que atacavam uns grãos de uma árvore especial, ou visitava a Quinta Nova da Assunção junto da igreja matriz de Belas.
Em 2016 ainda lá fui ver uma grande exposição de obras de vários escultores espalhadas pelos jardins da Quinta, e dava para andar um bocado que muito mais não podia devido ao cansaço do meu problema respiratório. Havia sempre pouca gente a visitar a Quinta que estava aberta ao público.
Em 2021, quando o nosso caro amigo João Crisóstomo me visitou tinha em mente leva-lo aos Fofos e se houvesse tempo à Quinta Nova da Assunção. Mas, ainda consegui descer até à minha rua a esperá-lo e não mais que isso, por estar muito aflito da minha DPOC ficando cancelada a visita, com muita pena minha.
No antigo Paço, junto ao jardim, e na Quinta do Senhor da Serra nunca lá entrei.

Valdemar Queiroz