segunda-feira, 10 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25625: Efemérides (440): 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas (Excertos de "Em foco", por Ana Rita Carvalho, Jornal do Exército, nº 730, junho de 2023

(...) Comemora-se, a 10 de Junho, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. 

A celebração da data nacional remonta a 1880, ainda na vigência da Monarquia, quando se assinalou o tricentenário da morte do poeta Luís Vaz de Camões, devendo-se à iniciativa de Teófilo Braga e de uma comissão executiva, curiosamente composta, na sua maioria, por republicanos. Foi contudo o deputado Simões Dias  quem levou ao parlamento um projeto para que o dia 10 de Junho fosse considerado o dia festivo nacional e assim viria a ser. 

A evocação do poeta maior da Língua Portuguesa e a sua identificação com o Dia de Portugal adquiriam então um grande simbolismo, pautado também por forte marca ideológica, fazendo reemergir o lado épico da História, tendo nesse contexto particular um sentido regenerador, o de recuperar um passado glorioso. E assim prevaleceria. 

A figura inigualável de Camões desde há muito se tornou um símbolo de Portugal e é quase um lugar-comum citar o Poeta nos discursos oficiais, sendo ele um referente máximo dos valores e da cultura nacionais, convertido numa espécie de brasão, uma imagem representativa de um percurso de vida que condensa a nossa História, feita de ciclos de grandeza e decadência. 

A comemoração do tricentenário da morte do Poeta, em 1880, provém de um “culto da humanidade” e de um sentido laico (herdado da Revolução Francesa), veiculado em “representações simbólicas do Estado-Nação para consensualizarem o seu poder (…) substituindo formas e funções do ritualismo religioso para construir uma nova memória nacional” (...). 

Curiosamente, estas novas formas de ritualismo de cariz civil permanecerão, durante todo o século XX e até à atualidade, atravessando regimes políticos diversos e múltiplas representações sobre Portugal. 

 Já na vigência da República, em 1929, o 10 de Junho é decretado como feriado nacional, e durante o Estado Novo foi comemorado como “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”, sendo ainda presentes, na memória de muitos portugueses, os majestosos desfiles militares que decorriam na Praça do Comércio, em Lisboa, onde se homenageavam os combatentes em África e onde eram condecorados postumamente os militares mortos em combate. 

Depois do 25 de Abril de 1974, a data adquiriu nova designação, passando a “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”, por decreto de 4 de março de 1977, assumindo novo simbolismo, ao abarcar as comunidades portuguesas espalhadas pelos cinco continentes, numa visão universalista, tendo a uni-las a Língua Portuguesa, com que o Poeta épico imortalizou os feitos do seu singular Povo.

A identificação com as Forças Armadas prevaleceu, atravessando regimes políticos diferentes e formas de celebração também diversas. Talvez porque a História de Portugal é indissociável das suas Forças Armadas e em particular do Exército Português, desde a fundação de Portugal até um passado mais recente. 

A associação do Exército ao Dia de Portugal sublinha, assim, o caráter eminentemente nacional da Instituição Militar. E também a sua crescente modernização e internacionalização, quando se pensa nos últimos 30 anos e na projeção de Forças Nacionais Destacadas, em que o Exército tem contribuído para a construção da Paz, a estabilização de territórios massacrados pela guerra, a reconstrução de Estados falhados, destacando-se na salvaguarda da vida humana, na defesa do Direito internacional humanitário e na promoção dos valores da liberdade e da democracia. 

Por outro lado, a participação do Exército em missões de apoio à paz, de cooperação e outras tem também reforçado o estatuto de Portugal em organizações internacionais, como a ONU, a UE e a NATO, bem como junto de países amigos e aliados, no âmbito da sua política externa.  

Porém, a identificação entre o Exército e a Nação, ou os Portugueses, subliminar ou explícita, através da celebração ritualizada de efemérides como o Dia de Portugal e de Camões, o Dia dos Combatentes ou o próprio Dia do Exército, significa também a partilha de uma identidade cultural, de um modo português de ser, de estar e de se relacionar com os outros. Um modo de ser e estar que tão bem têm caraterizado a atuação dos nossos militares além-fronteiras, facilitando a sua adaptação aos teatros de operações mais diversos, a integração entre povos e culturas em tudo diferentes, contribuindo inegavelmente para o sucesso das missões em que se têm envolvido. (...)

Também neste sentido a evocação de Camões ganha atualidade, tendo ele mesmo sido militar e percorrido os marítimos caminhos atravessados pelos navegadores, heróis da sua epopeia, Os Lusíadas, isto é, os Portugueses. E, como Poeta, cantado a viagem (e dispersão de uma alma errante) e abarcado a experiência de um momento entre todos glorificado na História de Portugal, fixando os mitos e as memórias mais vincados no coletivo da História, e convertendo a memória desse tempo em escrita poética, identificando-se ele próprio com o Portugal que cantou. Os Lusíadas são, por isso, o livro identificador de Portugal e não por acaso o seu autor é o rosto de uma Pátria que fez coincidir a data nacional com a da morte do Poeta. 

A viagem e a errância personificadas na vida e obra de Camões são também metáfora da História nacional e readquirem significado neste tempo de globalização e universalidade, em que as fronteiras tradicionais se esbatem e que as alianças de países – mormente a nível da Defesa e da Segurança, corporizadas pelas suas Forças Armadas – se torna uma realidade não só necessária mas imperiosa. É que, se por um lado se assiste ao fenómeno da globalização, por outro, reemergem separatismos regionais, cisões ideológicas e políticas e o acentuar de extremismos que resultam num processo contrário de fragmentação e atomização, numa lógica paradoxal. 

Comemorar o Dia de Portugal adquire renovado sentido num tempo de globalização, em que o País cumpre uma ancestral vocação, iniciada há seis séculos, quando se lançou ao “mar sem fim” como o definiu Fernando Pessoa, permanecendo, para além da memória histórica, uma comunidade de países unidos pela nossa língua. A Língua Portuguesa, que Camões elevou à mais apurada expressão, é hoje falada nos cinco continentes por cerca de 250 milhões de pessoas, sendo, como destacou o Chefe de Estado, “a quinta língua mais falada [no] mundo, a segunda língua mais falada no hemisfério sul, e, também, no hemisfério sul a segunda mais usada no digital.” 

Através da Língua Portuguesa e, muito para além do império territorial, permanecerá um espaço cultural que une os Países de Língua Oficial Portuguesa e neles encontra traços de identidade e  de afetividade reconhecidos num falar comum. 

A lusofonia constitui hoje o horizonte global de uma nova lusitanidade, onde o passado se reúne ao presente e a cultura e identidade nacionais dialogam com outras culturas, diálogo no qual sai reforçada a identidade indefetível entre Países de Língua Oficial Portuguesa. 

Neste espaço (e tempo) da lusofonia acentua-se igualmente a ligação entre os elementos da tríade “Portugal”, “Camões” e “Comunidades Portuguesas”, a que se acrescenta um quarto elemento comum e seu elo de ligação, as “Forças Armadas”, elementos todos eles convocados na data nacional.  (...)

Fonte: Excertos de Jornal do Exército > n.º 730, junho 2023 : Em foco > Ana Rita Carvalho  >  Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, pp. 6/10.

https://assets.exercito.pt/SiteAssets/JE/Jornais/2023/jun/730.pdf

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos e itálicos: LG) (Com a devida vénia...)

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4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...


O 10 de Junho como feriado nacional, Dia de Portugal, foi fixado pelo Decreto nº 17171, de 1 de agosto de 1929, já em plena Ditadura Militar.

https://files.diariodarepublica.pt/1s/1929/08/17400/17911791.pdf

Valdemar Silva disse...

O mesmo decreto também decreta feriado o 31 de Janeiro - Consagrado aos percursores e aos mártires da República.
É interessante verificar este feriado, sabendo-se que durante o governo da republicano 1910-1926, publicava-se na "Illustração Cathólica" o seguinte anúncio:
- Casamentos e mais processos ecclesiásticos e civis em todo o Paiz
Legados pios, etc.
Breves d'oratório
De tudo se trata
Padre Villela e Irmão
Rua dos Mártyres da República (antes Rua da Rainha)
BRAGA
Estes "Mártyres da República" são outros, não foram os percursores do regime republicano.

Também existe em Ovar e Tavira a Rua dos Mártires da República, assim como a Praça dos Mártires da República em Castelo de Vide, que julgo ser dos mártires percursores da regime republicano.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não havia feriados religiosos, como podes ver no poste a seguir... Portugal era ainda um estado laico, em 1929, apesar do golpe de estado do 28 de maio de 1926... O dia 25 de dezemnro era "consagrado à família"... O 1 de janeiro consagrado à "fraternidade univeral"... E quanto ao 31 de janeirio, é uma óbvia referência à primeira revolta republicana, a de 31 de janeiro de 1891, no Porto, também conhecida como a "revolta dos sargentos"...

https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_de_31_de_janeiro_de_1891

Valdemar Silva disse...

Rectifico
"Estes "Mártyres da República" são outros...", para:

Estes "Mártyres da República" julgo são outros....

Valdemar Queiroz